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Foto do escritorJ. G. Bellett (1795-1864)

O Filho de Deus - Parte 5/6


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O Filho de Deus

John Gifford Bellett 

 

Capítulo 5


“Todas as coisas Lhe sujeitaste debaixo dos pés” (Hb 2:8).

 

No início do evangelho de Lucas, ficamos impressionados com a expressão profunda e vívida da intimidade entre o céu e a Terra que é encontrada e percebida haver ali. São a necessidade e a fraqueza do homem que abrem a porta celestial; mas uma vez aberta, ela fica totalmente aberta.

 

Zacarias e Isabel eram ambos justos diante de Deus, andando irrepreensíveis em todas as ordenanças e mandamentos do Senhor. Eles eram da família sacerdotal, a semente de Arão. Mas não foi a sua justiça que lhes abriu o céu, mas sim as suas necessidades e fraquezas. Isabel era estéril e ambos já tinham idade avançada; e seu ponto de verdadeira bênção estava ali, estava em sua tristeza e fraqueza. Pois para a esposa estéril e para o marido sem filhos, Gabriel vem com uma palavra de promessa do céu. Mas, como dissemos, a porta do céu, uma vez aberta, está assim completamente aberta. Os anjos estão todos ativos e em regozijo; e não importa se é o templo na cidade real e santa, ou uma aldeia distante na desprezada Galileia, Gabriel com igual prontidão visita um e ambos. A glória de Deus, assim como as hostes de anjos, enche também os campos de Belém. O Espírito Santo, em Sua luz e poder divinos, enche Seus vasos eleitos, e o próprio Filho assume carne. O céu e a Terra estão muito próximos um do outro. A atividade e regozijo que começaram no alto são sentidos e respondidos na cena aqui abaixo. Os pastores, as mulheres favorecidas, o sacerdote idoso e a Criança ainda no ventre partilham o santo entusiasmo do momento; e os santos que aguardavam saem da condição de expectativa.

 

Não conheço nenhuma Escritura melhor do que Lucas 1-2 neste caráter. Foi como num momento, num piscar de olhos; mas uma transição abençoada foi realizada – “O céu desce para saudar nossa alma”.

 

A Terra aprende, e aprende pela boca dessas maravilhosas testemunhas, que a porta do céu foi realmente escancarada para ela. E a intimidade era profunda, pois os serviços e as graças eram preciosos. O anjo chama Zacarias e Maria pelos seus nomes e fala-lhes também de Isabel pelo nome – uma linguagem ou estilo que permite ao coração saber imediatamente o seu significado.

 

Poderíamos louvar ao Senhor por isso; e deveríamos fazê-lo, se um pouco mais simplesmente e com um pouco mais de fé, caminhássemos no sentido da proximidade e da realidade do céu.

 

Jacó e Estêvão, cada um em sua época e de maneira semelhante, tiveram o céu aberto para eles e também foram dados a conhecer seu próprio interesse pessoal nele. Uma escada foi colocada à vista de Jacó, e quando o topo dela entrou no céu, o pé dela repousava exatamente no local onde ele estava deitado. Era um lugar insignificante e desonrado; o testemunho também de seu erro, bem como de sua miséria. Mas a escada o admitiu; e a voz do Senhor, que estava em Sua glória acima dela, falou a Jacó de bênção, de segurança, de direção e de herança.

 

Estêvão, da mesma forma, viu o céu aberto e a glória lá; mas o Filho do homem estava em pé à direita de Deus. E isto disse ao mártir, assim como a escada disse ao patriarca, que ele e as suas circunstâncias naquele exato momento eram o pensamento e o objeto do céu.

 

Assim foi da mesma forma, nestes dias distantes de Jacó e Estêvão – distantes um do outro e também distantes de nós. Mas o tempo não faz diferença. A fé vê estes mesmos céus abertos agora; e aprende também, como os de antigamente, que eles são nossos. Aprende que existem ligações entre eles e as nossas circunstâncias. Aos olhos da fé existe uma escada; o céu está aberto diante dela, e o “Cristo Jesus, Homem” (ARA) é visto ali – o Mediador da nova aliança, o Sumo Sacerdote, o Advogado junto ao Pai, Aquele que tem empatia, o Precursor também nesses lugares de glória.

 

Jesus subiu, e a ação presente nos céus, para onde Ele foi, é conhecida pela fé como sendo toda “para nós”. Nossa necessidade, assim como nossa tristeza, está ali em lembrança. Os sofrimentos de Jacó foram os de um penitente; Os de Estêvão foram os de um mártir: mas o céu era o céu de Jacó e também de Estêvão.

 

Mas, embora seja assim, isso não é tudo. A fé conhece outro segredo ou mistério no céu. Ela sabe que se o Senhor tomou, como certamente tomou, Seu assento ali, nesses caracteres de graça para nós, Ele também o tomou como Aquele a Quem o homem desprezou e o mundo rejeitou. Isto está igualmente entre as apreensões que a fé tem dos céus onde o Senhor Jesus, o Filho de Deus, está agora assentado.

 

O Senhor Jesus morreu sob as mãos de Deus; Sua alma foi feita uma oferta pelo pecado. “Ao SENHOR agradou o moê-Lo” (Is 53:10). E Ele ressuscitou como Aquele que assim morreu; Sua ressurreição testemunhando a aceitação do sacrifício; e Ele subiu aos céus também no mesmo caráter, para ali cumprir o propósito da graça de Deus em tal morte e tal ressurreição.

 

Mas o Senhor Jesus também morreu sob as mãos do homem; isto é, a perversa mão do homem estava naquela morte, assim como e tão certamente quanto estava a graça infinita de Deus. Ele foi recusado pelos lavradores, odiado pelo mundo, expulso, crucificado e morto. Este é outro caráter de Sua morte. E Sua ressurreição e ascensão foram também nesse caráter, partes ou estágios na história d’Aquele a Quem o mundo rejeitou; Sua ressurreição, consequentemente, assegura o julgamento do mundo (At 17:31); e Sua ascensão levando-O à expectativa de um dia em que Seus inimigos serão colocados por escabelo de Seus pés (Hb 10:13).

 

Estas distinções permitem-nos entender as diferentes visões que a fé obtém, à luz da Palavra, de Jesus ascendido; vendo-O, como acontece, em graça sacerdotal ali, intercedendo por nós e, ao mesmo tempo, aguardando, como em expectativa, o julgamento de Seus inimigos.

 

O evangelho publica o primeiro desses mistérios; isto é, a morte do Senhor Jesus sob a mão de Deus por nós e Sua ressurreição e ascensão em caráter de tal morte. E este evangelho é corretamente glorificado como toda a nossa salvação[1]. Mas o segundo desses mistérios, a morte do Senhor sob as mãos do homem, pode ser um tanto esquecido, enquanto o primeiro deles é corretamente glorificado. Mas este é um erro grave na alma de um santo ou nos cálculos e testemunho da Igreja. Pois se este grande fato, este segundo mistério, como o chamamos, a morte do Senhor Jesus sob as mãos do homem, for esquecido, como ele pode ser na Terra, certamente não será esquecido no céu. Não é, é verdade, a ocasião da ação presente ali; é a morte da Vítima e as intercessões do Sacerdote sobre tal morte que formam a ação que existe agora. Mas certamente será a morte do mártir divino, a morte do Filho de Deus pelas mãos do homem, que dará caráter à ação ali uma a uma. [1] Ao pregar o evangelho, o pecado do homem em matar o Senhor da glória certamente será declarado; mas é a morte do Senhor como o Cordeiro de Deus que é a base da graça publicada pelo evangelho; e é isso o que quero dizer aqui.

 

Essas distinções são claramente preservadas na Escritura. O céu, como nos é aberto em Apocalipse 4, é um céu muito diferente, com mentalidade diferente do céu que nos é apresentado na epístola aos Hebreus, quero dizer, movido e ocupado de maneira diferente; tão diferente, posso dizer, quanto a morte do Senhor Jesus vista como estando sob as mãos do homem (isto é, perpetrada por nós), e aquela como estando sob as mãos de Deus; isto é, realizada para nós. Podemos ter os mesmos objetos ou materiais em cada um, mas eles serão vistos em conexões muito diferentes. Temos, por exemplo, um trono e um templo em cada um destes céus, o céu de Hebreus e o céu do Apocalipse; mas os contrastes entre eles são preservados de maneira muito solene. Em Hebreus, o trono é um trono de graça, e tudo o que o nosso presente momento de necessidade e tristeza possa exigir é encontrado e obtido ali. No Apocalipse, o trono é de julgamento, e os instrumentos e agentes da ira e da vingança parecem estar diante dele e ao seu redor. Em Hebreus, o santuário, ou templo, é ocupado pelo Sumo Sacerdote de nossa profissão, o Mediador da melhor aliança, servindo ali na virtude de Seu próprio preciosíssimo sangue. No Apocalipse, o templo dá notas assustadoras de preparação para o julgamento. Relâmpagos, terremotos e vozes acompanham sua abertura. É como o templo visto pelo profeta, cheio de fumo, e suas colunas tremendo, em sinal de que o Deus a Quem pertence a vingança estava lá em Sua glória (Is 6).

 

A visão que temos do céu no Apocalipse é, portanto, muito solene. É o lugar do poder provendo-se dos instrumentos de julgamento. Os selos são abertos, as trombetas são tocadas, as taças são derramadas; mas tudo isso introduzindo alguma terrível visitação à Terra. O altar que existe ali não é o altar da Epístola aos Hebreus, onde o sacerdócio celestial come o pão da vida, mas um altar que fornece fogo penal para a Terra. E lá também há guerra; e no final abre-se para Aquele cujo nome é chamado “A Palavra de Deus”, cuja veste está manchada de sangue e que carrega uma espada afiada em Sua boca, para que com ela possa ferir as nações.

 

Certamente este é o céu em um novo caráter. E o contraste é muito solene. Este não é o céu que a fé agora apreende, um santuário de paz cheio de provisões e testemunhos da graça, mas um céu que nos diz que embora o julgamento seja uma obra estranha do Senhor, ainda assim é Sua obra no devido tempo. Pois o céu, em suas revoluções e órbitas, é, como podemos dizer, o lugar do testemunho da graça, do julgamento e da glória. É o céu da graça agora; se tornará o céu do julgamento no dia de Apocalipse 4, e assim continuará durante toda a ação do livro do Apocalipse; e então, no final desse livro, como vemos em Apocalipse 21-22, ele se torna o céu de glória.

 

A alma deveria estar acostumada com esta verdade séria: que o julgamento precede a glória. Falo destas coisas no progresso da história da Terra ou do mundo. O crente passou da morte para a vida. Não há condenação para ele. Ele não se eleva para o julgamento, mas para a vida. Mas ele deveria saber que no progresso da história divina da Terra ou do mundo, o julgamento precede a glória. O reino será visto na espada ou “vara de ferro”, antes de ser visto no cetro. O Ancião de Dias está assentado em vestes brancas em um trono de chamas ardentes com os livros abertos diante dele, antes que o Filho do Homem venha a Ele com as nuvens do céu para receber domínio (Salmo 2; Daniel 7).

 

Estas lições são claramente ensinadas e marcadas na Escritura. No dia de Apocalipse 4, é Cristo rejeitado pelo homem, e não Cristo aceito por Deus pelos pecadores, que Se tornou seu pensamento e objeto. E, consequentemente, as preparações estão sendo feitas para vingar os erros cometidos contra o Senhor Jesus no mundo e para vindicar Seus direitos na Terra: Em outras palavras, é o céu que dá início à ação que deve assentá-Lo em Seu Reino após o julgamento de Seus inimigos.

 

Mas tudo isso nos mostra novamente, de acordo com meu pensamento principal nestas meditações sobre “o Filho de Deus”, como é a mesma Pessoa que é mantida diante de nós e deve ser conhecida por nós, em cada um e em todos os estágios ou períodos do mesmo grande mistério. Ainda estamos, em qualquer ponto em que tenhamos chegado, em companhia do mesmo Jesus. Pois essas distinções, que tenho notado agora, nos dizem que Ele foi recebido no céu e agora está assentado lá nos mesmos caracteres em que Ele havia sido antes conhecido e manifestado aqui na Terra. Pois Ele esteve aqui como Aquele que cumpriu a graça de Deus para conosco, pecadores, até a perfeição, e como Aquele que suportou a inimizade do mundo em sua plena medida, e é nesses dois caracteres, como vimos agora, que Ele está assentado no céu.

 

Ele não assume rapidamente este segundo caráter nem aparece ativamente no céu como Aquele que foi desprezado e rejeitado na Terra. Ele Se demora antes de chegar ao céu do Apocalipse. E nesse traço de caráter, neste adiamento de Sua aproximação para julgamento e Seu retardamento no lugar de graça, temos uma expressão muito doce do Jesus que a fé já conheceu. Pois, quando Ele esteve aqui como o Deus do julgamento, Ele Se aproximou de Jerusalém com um passo muito medido. Ele lhe disse: “Quantas vezes quis Eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas”, antes de dizer: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta” (Mt 23:37-38). Ele Se demorou nas planícies abaixo, visitando todas as cidades e aldeias da terra, no paciente serviço da graça, antes de tomar Seu assento no monte, para falar do julgamento e das desolações de Sião (Mt 24:3). E agora sobre Aquele que, dessa maneira, trilhou suavemente o caminho que O levou ao Monte das Oliveiras, o lugar do julgamento, está escrito: “O Senhor... é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se” (2 Pe 3:10). (“Filho do Homem” é a característica de Sua pessoa quando apresentada em Sua glória judicial, como também em Seu lugar de domínio na Terra (Salmo 8; Jo 5:27; Mt 19:28).)

 

Como podemos assim manter em vista a mesma Pessoa com caráter semelhante ligado a Ele, seja quando Ele estava aqui na Terra ou como Ele está agora no céu – Um em Pessoa, Um em moral, embora as cenas e condições mudem! “A graça que estava em Cristo neste mundo é a mesma que está n’Ele agora no céu”. Palavras reconfortantes! Quão verdadeiramente deveríamos saber que falamos com verdade quando dizemos: (Nós) O conhecemos”! Nós O consideramos desde o início. Ele desceu do céu; Ele estava no ventre da virgem e na manjedoura de Belém; Ele percorreu a Terra em plena glória imaculada, embora velado; Ele morreu e foi sepultado; foi ressuscitado e voltou para o céu; e, enquanto agora estivemos meditando, a fé O vê ali, Aquele que a fé sabia estar aqui, o Mesmo, o Ministro e Testemunha da graça de Deus para o homem, o Portador da plena inimizade do homem contra Deus, e ainda assim, o relutante Deus do julgamento.

 

Mas devo notar ainda mais deste mesmo Jesus, e algo ainda mais imediato em conexão com a minha presente meditação.

 

Quando o Senhor Jesus Cristo esteve aqui, Ele procurou o Seu Reino. Ele Se ofereceu como seu Rei, o Filho de Davi, à filha de Sião. Ele assumiu a forma d’Aquele que havia sido prometido pelos profetas antigamente e entrou na cidade “manso e montado em um jumento” (AIBB). Num dia ainda anterior, Sua estrela, a estrela do régio Belemita, apareceu no mundo oriental, convocando os gentios ao Filho de Davi, nascido na cidade de Davi. Mas o que Ele então procurou, Ele não encontrou: “Os Seus não O receberam”. Mas Ele levou Consigo para o céu esta mesma mente, este desejo pelo Seu Reino! “Certo homem nobre partiu para uma terra remota, a fim de tomar para si um reino” Ele pensa em Seu Reino, embora agora no trono do Pai, como Ele havia pensado e esperado quando estava aqui. E posso dizer novamente: “Quão estritamente, nesta bela característica, ainda somos mantidos em comunhão com o mesmo Jesus!” Uma vez Ele esteve na Terra, e agora Ele está no céu; mas nós O conhecemos, dessa maneira, como o mesmo Senhor – um em Pessoa, um em propósito e desejo, embora os lugares e as condições mudem. Ele era Rei de Israel quando esteve aqui, e com desejo reivindicou Seu Reino; e sendo recusado pelas mãos dos cidadãos, Ele o recebeu no céu. E no devido tempo Ele retornará, em um dia de regozijo de Seu coração, para administrá-lo aqui onde no início Ele o buscou: “Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha nas nuvens do céu Um como o Filho do Homem; e dirigiu-Se ao Ancião de dias, e O fizeram chegar até Ele. E foi-Lhe dado o domínio, e a honra, e o reino, para que todos os povos, nações e línguas O servissem; o Seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e o Seu reino, o único que não será destruído” (Dn 7).

 

Estamos, dessa maneira, vendo a Única Pessoa, o mesmo Jesus; e o coração valoriza isso quando pensamos nisso. E há uma outra característica desta identidade, que ultrapassa, sim, supera em muito, tudo o que já notei.

 

Quando Ele esteve aqui, Ele desejou ser conhecido por Seus discípulos, ser descoberto por eles, pecadores como eles eram, em algumas de Suas glórias ocultas. Ele também se regozijou em todas as comunicações de Sua graça à fé. A fé que recorreu a Ele sem reservas, a fé que O usou sem cerimônia, a fé que poderia sobreviver à aparente negligência ou repulsa, era preciosa para Ele. O pecador que se apegava a Ele diante do desprezo do mundo ou confiava n’Ele apenas, sem o apoio ou incentivo de outros, era profundamente bem-vindo a Ele. A alma que com liberdade pedisse Sua presença ou buscasse comunhão com Ele, assentada a Seus pés ou em pé ao Seu lado, poderia obter d’Ele o que quisesse, ou, como intercedeu Abraão, tê-Lo pelo tempo que quisesse.

 

Ele desejava unidade com Seus eleitos, unidade plena, pessoal e permanente, pronto como estava para compartilhar com eles Seu nome com o Pai, o amor em que Ele permanecia e a glória da qual Ele era Herdeiro.

 

Ele buscava empatia, ansiava por companhia tanto em Suas alegrias quanto em Suas tristezas. E não podemos de forma alguma imaginar as decepções de Seu coração, quando Ele procurou isso, mas não encontrou; mais profundo, pelo menos podemos dizer, muito mais profundo do que quando Ele reivindicou o reino, como já vimos, e não o recebeu. “nem uma hora pudeste vigiar Comigo?” falou o coração solitário.

 

E ainda mais. Ele propôs, quando esteve aqui, compartilhar Seu trono com Seu povo. Ele não ficaria sozinho. Ele iria compartilhar Suas honras e Seus domínios com Seus eleitos, assim como gostaria que eles, em empatia, entendessem e compartilhassem Suas alegrias e tristezas com Ele.

 

E agora (excelente e maravilhoso como é o mistério que nos fala) tudo isso é, ou deve ser, cumprido para Ele na Igreja e por ela. A Igreja é chamada a responder aos desejos do Senhor Jesus em todas essas coisas, a ser tudo isso para Ele, seja no Espírito Santo agora ou no Reino daqui a pouco; entrar agora em espírito em Seus pensamentos e afeições, em Suas alegrias e Suas tristezas, e daqui em diante brilhar em Sua glória e assentar-se em Seu trono.

 

Que mistério! A Igreja, agora favorecida pela habitação do Espírito e destinada a assentar-se, gloriosa, na herança do Seu domínio, é a resposta a estes desejos mais profundos do Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, nos dias da Sua carne. E novamente eu digo: “Que mistério!” Podemos muito bem admirar aquelas harmonias que nos falam do MESMO Jesus, a ÚNICA Pessoa nestas diferentes partes de Seus caminhos maravilhosos. Ele buscou e reivindicou um reino quando esteve aqui, e quando esteve aqui, desejou a empatia de Seus santos. Mas o Seu povo não estava preparado para reconhecer a Sua realeza; Seus santos não foram capazes de dar-Lhe esta comunhão. Porém, Ele está recebendo um reino agora no céu, e Ele retornará e o administrará aqui. Esta comunhão Ele está começando a encontrar agora por meio do Espírito que habita em Seus eleitos; e será em sua medida mais completa, cumprida para  Ele no dia em que eles forem aperfeiçoados. O Reino será Sua glória e Seu gozo. É chamada “A alegria do Senhor”, pois será dito àqueles que a compartilham com Ele: “Entra no gozo do teu Senhor”. Mas esta comunhão, na qual a Igreja permanecerá com Ele, será ainda mais para Ele. Esse era o Seu desejo mais profundo aqui, e será Seu prazer mais rico no porvir. Eva era mais para Adão do que todas as suas posses juntas.

 

Temos nós, amados, algum poder em nossa alma para nos regozijarmos com o pensamento de o coração do Senhor Jesus sendo assim satisfeito? Podemos traçar as formas dessas alegrias que assim O aguardam como no dia de Seu desposório, o dia da alegria de Seu coração; mas temos capacidade espiritual para fazer mais? É humilhante fazer tais perguntas à própria alma, podemos certamente dizer com toda a sinceridade. Mas estes serão Seus: o Reino e a Igreja.

 

O Reino será Seu por muitos títulos. Ele o aceitará SOB ALIANÇA, ou, de acordo com os conselhos que foram tomados por Deus antes da fundação do mundo. Ele o aceitará POR DIREITO PESSOAL; pois Ele, o Filho do Homem, nunca perdeu a imagem de Deus. É claro que Ele não poderia; porque, embora Filho do Homem, Ele era Filho do Pai. Mas Ele não a perdeu; e tendo essa imagem, o domínio é Seu por título Pessoal, de acordo com as primeiras grandes ordenanças de poder e governo: “E disse Deus: Façamos o homem à Nossa imagem, conforme a Nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a Terra, e sobre todo réptil que se move sobre a Terra” (Gn 1:26). Ele também o receberá pelo título de OBEDIÊNCIA; conforme lemos sobre Ele: “achado na forma de homem, humilhou-Se a Si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus O exaltou soberanamente e Lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho” (Filipenses 2). Ele também o receberá pelo título de MORTE; pois lemos novamente: “havendo por Ele feito a paz pelo sangue da Sua cruz, por meio d’Ele reconciliasse Consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na Terra como as que estão nos céus” (Colossenses 1). E a cruz, na qual Ele consumou aquela morte, tinha um escrito nela, e permaneceu ali sem ser apagado, sem ser cancelado, em uma única frase, pela forte mão prevalecente do próprio Deus: “Este é Jesus, o Rei dos Judeus” (Mt 27:37).

 

Assim, o domínio do Filho do Homem é por aliança, por título pessoal, por título de serviço ou obediência, e por título de morte ou compra: e, posso acrescentar, POR CONQUISTA também; pois os julgamentos que devem abrir Seu caminho para o trono e tirar do Reino tudo o que ofende são, como sabemos, executados por Sua mão. “Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória. Quem é este Rei da Glória? O SENHOR forte e poderoso, o SENHOR poderoso na guerra” (Sl 24).

 

Que fundamentos são assim lançados para o domínio do Filho do Homem! Como cada título se junta ao Seu nome honrado e glorioso! Como vemos em Apocalipse 5, ninguém no céu ou na  Terra poderia tomar o livro, exceto o Cordeiro que foi morto, que era o Leão de Judá: mas em Sua mão Aquele que está assentado no trono o deixa passar imediatamente; e então a Igreja em glória, os anjos e todas as criaturas em todas as partes dos grandes domínios triunfam nos direitos e título do Cordeiro. E se o título for assim seguro, selado por mil testemunhas e maravilhoso também, assim será o poder e o reino que esse título sustenta. No Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, “o Senhor... do céu”, bem como “o Filho do Homem”, todo o grande propósito de Deus no governo de todas as coisas permanece revivido e estabelecido. Podemos dizer: “Assim como ‘todas quantas promessas há de Deus, são n’Ele sim, e por Ele o Amém’, assim todos os destinos do homem sob Deus são igualmente n’Ele sim, e n’Ele Amém”.

 

Havia domínio em Adão; governo em Noé; paternidade em Abraão; julgamento em Davi; e realeza em Salomão. Em Cristo todas essas glórias se encontrarão e brilharão juntas. N’Ele e sob Ele será “a restauração de todas as coisas”. Ele usará muitas coroas e carregará muitos nomes. Seu nome “Senhor” no Salmo 8, não é Seu nome “Rei” no Salmo 72. A forma de glória em cada um é peculiar. As coroas são diferentes, mas ambas são d’Ele. E Ele é igualmente “o Pai da eternidade”; um “Rei” e ainda um “Pai” – o Salomão e o Abraão de Deus. N’Ele todos serão benditos; e ainda assim a Ele todos se curvarão. A espada também é d’Ele; a “vara de ferro”, bem como o “cetro da justiça”. Ele julgará com Davi e governará com Salomão.

 

Como Filho de Davi, Ele toma poder para exercê-lo em uma determinada esfera de glória. Como Filho do Homem, Ele assume o poder e o exerce numa esfera mais ampla de glória. Ele vem igualmente em Sua própria glória, na glória do Pai e na glória dos santos anjos. E como o Homem ressuscitado, Ele assume o poder. Isto nos é mostrado em 1 Coríntios 15:23-27. E nesse caráter, Ele também tem Sua esfera peculiar. Ele coloca a morte, o último inimigo, sob Seus pés. E isso é tão apropriado, como tudo o mais, perfeito em seu lugar e época, que como o Homem ressuscitado, Ele irá abolir a morte.

 

Cenas de diversas glórias O cercarão, e caracteres de diversas glórias se unirão a Ele. A própria essência do Reino será esta: será repleto das glórias de Cristo; variadas, mas consistentes e harmoniosas. A cruz já apresentou uma amostra dessa obra perfeita. “Misericórdia e verdade” se encontraram ali. Ali Deus é “Justo” e ainda assim “Justificador”. E será da mesma maneira nos dias vindouros de força, como tem sido nos dias passados de fraqueza. Assim como a misericórdia e a verdade, a justiça e a paz, uma vez encontradas e abraçadas, assim também a autoridade e o serviço, a bênção e ainda o governo, um nome de toda majestade e poder, e ainda assim um nome que cairá como chuva sobre a grama cortada e será conhecido e desfrutado juntos. Haverá o domínio universal do homem em toda a vastidão das obras de Deus; as honras do Reino em manter todas as nações sob governo, juntamente com a presença do “Pai da Eternidade” mantendo todas elas em bênção. “Seu nome será Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9:6).

 

Tudo está tendendo para este senhorio e liderança abençoados e gloriosos do Filho de Deus, embora seja por meio de “mares de tribulação” para alguns, e por meio do completo julgamento “do presente século [mundo – TB] mau”. Deus está liderando esse caminho, e o homem não pode impedi-lo, embora procure fixar a Terra em seus alicerces atuais, recusando-se a aprender que todos eles estão fora de curso, que a Terra e seus habitantes estão dissolvidos e que somente Cristo sustenta seus pilares. “O feixe dos que vivem” (como falou aquela que confessou a glória de Davi no dia da humilhação de Davi) é um feixe firme, bem compactado e seguro, porque o próprio Senhor está nele, como antigamente estava na sarça ardente. Mas além da medida desse feixe (fraco e desprezado nos pensamentos do homem, como um arbusto), tudo está pronto a cair; e certamente estão próximos os tempos que ensinarão isso na história para aqueles que não querem aprender, nem procuram aprender; vigie e ore para aprender em espírito.

 

A espada e o cetro deste dia de poder que se aproxima são únicos em suas glórias. Não há outra espada, nenhum outro cetro que seja ou possa ser como eles. A espada será embriagada “no céu” (Is 34:5). Que expressão! O Sol se transformará em trevas e a Lua em sangue; os poderes do céu serão abalados; as trevas estarão sob Seus pés; e espessas nuvens do céu O acompanharão no dia em que a espada for desembainhada para a matança. E o poder dela é o pisar no lagar da ferocidade e da ira do Deus Todo-Poderoso. Tudo o que é elevado e exaltado, os principados e potestades que governam as trevas deste mundo, a besta e o seu profeta, reis, capitães e valentes, bem como o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, estão entre os inimigos que são levados a sentir isso: “o exército dos altos nas alturas, e os reis da Terra sobre a Terra” (Is 24:21 – TB). As fontes, bem como as agências do mal, são procuradas e visitadas pela luz e força dela.

 

Essa espada não é única em sua glória? Poderiam Josué ou Davi ter realizado conquistas como essas? Será que os principados das trevas teriam cedido a eles? A morte e o inferno teriam se submetido? “Poderás pescar com anzol o leviatã?” Mas “Aquele que o fez pode fazer com que a Sua espada se aproxime dele” (Jó 40:19 – KJV).

 

Pergunto então: Nas mãos de Quem deve estar aquela espada que pode subjugar hostes como essas? O próprio serviço naquele dia de poder, como qualquer outro serviço Seu, seja na fraqueza ou na força, nos diz Quem Ele é. Existem para Ele, sobre Ele e ao redor d’Ele esta bela e divina luz e esse poder que O evidenciam. Deixe-O agir como quiser, sim, deixe-O sofrer como quiser, aquilo que temos estado debilmente traçando e admirando, mas que ainda iremos conhecer e adorar. As vitórias deste Deus das batalhas, em outros dias, foram do mesmo caráter elevado. Pois antigamente, Sua guerra revelava Sua Pessoa e glória, como ainda o faz. Portanto está escrito sobre Ele: “O Senhor é Varão de guerra; Senhor é o Seu nome (Êx 15:3). Sua guerra, nesta expressão do Espírito, revela Seu senhorio, Sua glória, Seu nome, Sua Pessoa. No Egito, os deuses sentiram Sua mão, como foi depois entre os filisteus e novamente na Babilônia. Dagom caiu diante da arca, Bel foi abatido, Nebo curvou-se. Esses foram dias da mesma mão.

 

E assim como é a espada, assim é o cetro. O governo de Salomão era apenas uma sombra distante disso, e o governo de Noé e o domínio de Adão não serão mais considerados comparáveis com o d’Ele.

 

Todos serão então o mundo sujeito, a criação sujeita, bem como as nações sujeitas. “Cantai ao SENHOR um cântico novo, cantai ao SENHOR, todos os moradores da Terra. Cantai ao SENHOR, bendizei o Seu nome; anunciai a Sua salvação de dia em dia. Anunciai entre as nações a Sua glória; entre todos os povos, as Suas maravilhas” (Sl 96). Sob a sombra deste cetro e à luz deste trono de glória, de um extremo ao outro da Terra, habitarão as nações “dispostas” e “justas”. Haverá uma aliança entre os homens e os animais do campo.

 

O deserto também se alegrará. Os coxos saltarão como cervos, e a língua dos mudos cantará. O Sol desse Reino não se porá, nem a Lua se retirará, pois o Senhor será a sua luz eterna. Ninguém fará mal nem dano algum em todo o santo monte de Deus; porque a Terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar.

 

Israel reviverá, os ossos secos viverão. A vara de Judá e a vara de Efraim serão uma novamente. A cidade será chamada: “O Senhor está ali”. Da terra se dirá: “Esta terra assolada ficou como jardim do Éden”. E novamente, ela será saudada com palavras que falam de suas santas dignidades: “O Senhor te abençoe, ó morada de justiça, ó monte de santidade” (Jr 31:23).

 

Os gentios serão levados a uma mente correta. A sua razão retornará para eles. O mundo insensível, embora “feito por Ele”, ainda assim “não O conheceu”. Os reis da terra e os príncipes se levantaram contra o Ungido. Eles coicearam contra os aguilhões, revelando sua loucura e insensatez. Mas a sua razão retornará para eles. A história de Nabucodonosor será considerada um mistério e também uma história. A razão daquela cabeça de ouro, daquela grande cabeça do poder gentio, retornou a ele após seu período de loucura judicial; e ele soube e reconheceu que os céus governavam. E assim o mundo, em breve, não mais desconhecerá insensatamente o seu Criador, mas O reconhecerá tão profundamente como uma vez O recusou tão loucamente. Pois “os reis fecharão a boca por causa d’Ele”, em sinal desse reconhecimento profundo e de adoração. O “coração de animal” lhes será tirado, e o “coração de homem” lhes será dado. Não mais serão repreendidos; serão como o boi que conhece seu possuidor, e como “a rola, e o grou, e a andorinha observam o tempo da sua arribação”, mas eles voarão “como pombas, às suas janelas”. “Eis que estes virão de longe, e eis que aqueles, do Norte e do Ocidente, e aqueles outros, da terra de Sinim” (Is 49:12).

 

As obras das mãos de Deus, assim como Israel e os gentios, se regozijarão no mesmo cetro. “Morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará” (Is 11:6). O próprio solo receberá novamente as primeiras e as últimas chuvas, e a lavoura como de um lavrador divino. “Tu visitas a Terra e a refrescas; Tu a enriqueces grandemente com o rio de Deus, que está cheio de água; Tu lhe dás o trigo, quando assim a tens preparada” (Sl 65:9).

 

Que cetro! Não é tal cetro, assim como tal espada, único em sua glória? Já houve um cetro assim? Poderia o poder em qualquer mão, exceto em uma, ser assim? O que Adão perdeu na Terra; o que Israel perdeu na terra da eleição e da promessa; o que Abraão perdeu em uma semente degradada, rejeitada e banida; o que a casa de Davi perdeu no trono; o que a própria criação perdeu por causa daquele que a sujeitou à escravidão e à corrupção – todos serão reunidos, mantidos e apresentados na presença e no poder dos dias do Filho do Homem, somente “O Filho” poderia assumir tal reino. A virtude do sacrifício já consumado, como vimos nas meditações anteriores sobre este bendito Objeto, repousa na Pessoa da Vítima; a aceitabilidade do santuário agora cheio e servido repousa, da mesma maneira, na Pessoa do Sumo Sacerdote e Mediador que está lá; as glórias e as virtudes do Reino que está por vir poderiam ser exibidas, exercidas e ministradas somente na e pela mesma Pessoa. O Filho de Deus serve no mais baixo e no mais alto; na pobreza e na riqueza; em honra e desonra; como o Nazareno e como o Belemita; na Terra e no céu; e em um mundo de glórias milenares, tanto terrenais quanto celestiais. Mas todo serviço do começo ao fim, em todas as etapas e mudanças do grande mistério, diz Quem Ele é. Ele não poderia ter sido o que foi na cruz, se Ele não fosse Quem Ele era, assim como não poderia estar assentado no trono do Pai se não fosse o mesmo. A fé não se importa onde O vê nem para onde O segue: ela tem diante de si o único Objeto brilhante e inefavelmente bendito e se ressente da palavra que tivesse a pretensão de manchá-Lo, mesmo que por ignorância.

 

Devemos ainda, no entanto, olhar para outras glórias deste Seu Reino vindouro.

 

“O Segundo Homem é o Senhor do céu” (KJV), e uma glória deve acompanhar a ascensão de Tal Pessoa, que o trono de Salomão nunca poderia ter mensurado. Sim, na presença deste “Senhor do céu”, glórias muito mais brilhantes do que as de Salomão serão superadas. “E a Lua se envergonhará, e o Sol se confundirá quando o SENHOR dos Exércitos reinar no monte Sião e em Jerusalém; e, então, perante os Seus anciãos haverá glória” (Is 24:23). Haverá coisas celestiais em Seu Reino, bem como coisas terrenais restauradas. Adão tinha o jardim e toda a sua beleza e fecundidade abundantes. Mas além disso, o Senhor Deus caminhou até lá com ele. Noé, Abraão e outros, nos dias patriarcais, possuíam rebanhos e manadas, e em Noé vemos poder e senhorio na Terra. Mas, além de tudo isso, eles tiveram visitas de anjos, sim, e visitas e visões e audiências do Senhor dos anjos. A terra de Canaã era uma terra fértil, uma terra de leite, de azeite e de mel; mas mais do que isso, a glória estava ali, e o testemunho da presença divina habitava entre os querubins.

 

Assim será nos dias vindouros do poder do Filho de Deus. O céu agraciará a cena com uma glória nova e peculiar, tão certo como antigamente o Senhor Deus caminhou no jardim do Éden, ou tão certo quanto os anjos se moveram acima e abaixo à vista do patriarca, ou tão certo quanto a presença divina era conhecida no santuário de Jerusalém, na terra da promessa. E não apenas haverá esta visitação da Terra novamente e a glória do céu novamente, mas tudo isso será de um caráter novo e maravilhoso. A Terra terá o testemunho deste singular e insuperável mistério de que ela mesma, do seu próprio pó e entranhas, forneceu uma família para os céus, a qual, em suas glórias, visitarão novamente a Terra, mais bem-vinda do que os anjos, e, em suas glórias, autoridades e poderes nomeados, estarão sobre ela no governo e nas bênçãos. “Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos; mas, em certo lugar, testificou alguém, dizendo: Que é o homem, para que dele Te lembres?” (Hb 2:5-6).

 

Que elos entre o mais elevado e o mais baixo são estes! “O Segundo Homem é o Senhor do céu”. A Santa Cidade descerá do céu, tendo a glória de Deus, e na presença dela será ministrado o governo do reino ou o poder sobre a Terra. Isto será algo que ultrapassará a soberania de Adão e o brilho de Salomão.

 

Na cena do monte santo em Mateus 17, e na da visitação real à cidade santa em Mateus 21, entra-se neste dia do poder do Filho de Deus, neste “mundo vindouro” (em mistério), tanto em seus lugares celestiais quanto terrenais. A glória celestial brilha no monte santo. Jesus está transfigurado. Seu rosto resplandece como o Sol, e Suas vestes estão brancas como a luz; e Moisés e Elias aparecem em glória com Ele. Assim, por ocasião da entrada real na cidade santa, o mesmo humilde Jesus assume um caráter de glória. Ele Se torna o Senhor da Terra e de sua plenitude, e o aceito e triunfante Filho de Davi. Aqui, na estrada entre Jericó e Jerusalém, Ele é visto, por um momento místico, em Seus direitos e dignidades na Terra; como, por outro momento, Ele apareceu “em particular” em “um alto monte” em Sua glória pessoal e celestial. Estas ocasiões solenes foram, cada uma delas à sua maneira, como posso dizer, uma transfiguração; embora a glória do celestial fosse uma, e a glória do terrenal fosse outra. Mas igualmente, em cada ocasião, Jesus foi glorificado; afastado por um momento de Seu caminho então humilde como o Filho de Deus humilhado, atarefado e rejeitado. As duas grandes regiões do mundo milenar estendem-se diante de nós, ora em visão, ora em mistério. Tais visões eram apenas passageiras e rapidamente perdidas para nós; mas o que elas prometeram e apresentaram deve permanecer em seu brilho e força no dia de glória que está por vir. Pois esse dia brilhante, esse mundo feliz, estará cheio das glórias do Filho de Deus. É essa plenitude que lhe dará o seu peso e a sua importância, como já dissemos antes. Cabeça da família ressuscitada, ou Sol da glória celestial, Ele será então Senhor da Terra e de sua plenitude; e Ele também será então. Rei de Israel e das nações Singular e misteriosamente, nesse sistema de glórias, todos estarão ligados entre si – “as partes mais baixas da Terra” e “muito acima de todos os céus” (TB). “Deus manifestado em carne… recebido acima em glória” (JND) “O Segundo Homem” é ninguém menos do que “o Senhor do céu”[2]. [2] A feliz e alegre virtude daquele mundo milenar também é testemunhada de forma impressionante. Pedro, no monte santo, fala do gozo comum que ela transmitia; de modo que ele e seus companheiros teriam permanecido lá para sempre, se pudessem. Mas não foi ele quem falou, mas o poder do lugar que falou nele. Assim, na estrada do rei, de Jericó a Jerusalém, o dono do jumento se curva com total prontidão de coração às reivindicações do Senhor da Terra; e as multidões de Israel triunfam no Filho de Davi, com seus ramos de palmeira e suas vestes espalhadas pelo caminho, manifestando sua homenagem e seu gozo, como em uma festa dos tabernáculos. Mas aqui, novamente, não foram eles que assim agiram e falaram apropriadamente, mas sim o poder da ocasião agindo e falando neles.

 

Que mistérios! Que conselhos de Deus a respeito dos objetivos da criação, nas eras ocultas antes dos primórdios da criação! Quem dera as afeições e a adoração do coração seguissem as meditações da alma! O Filho, que estava no seio do Pai desde toda a eternidade, esteve no ventre da Virgem, assumindo carne e sangue com os filhos; como Filho do Homem, Deus em carne, Ele percorreu os caminhos acidentados da vida humana, terminando-os na morte de cruz: Ele deixou o túmulo para a glória, as partes mais baixas da Terra para os lugares mais altos do céu: e Ele virá novamente à Terra em dignidades e louvores, em direitos, honras e autoridades, de inefável e insuperável grandeza e brilho, para alegrar “o mundo vindouro”.

 

Mas há um outro mistério antes que esta cena de glórias, “o mundo vindouro”, possa, à maneira de Deus, ser alcançada. A Igreja deve estar ligada aos céus, como já foi o seu Senhor.

 

O caminho da Igreja pela Terra é o de um estrangeiro despercebido. “O mundo não nos conhece, porque não conhece a Ele” (1 Jo 3:1). E assim como o seu caminho pela da Terra não é rastreado, o mesmo acontece com o caminho dela ao sair da Terra. Tudo sobre ela é “a estrangeira aqui”. E como o mundo ao redor não conhece a Igreja, também não será testemunha do ato de sua trasladação, ela mesma não conhece o momento de tal trasladação. Mas sabemos que esta ligação entre nós e os céus será formado antes que o Reino, ou “o mundo vindouro”, se manifeste; porque os santos serão os companheiros do Rei desse Reino nos primeiros atos dele; isto é, quando Ele empunha a espada do julgamento, que deve limpar o cenário para o cetro da paz e da justiça; como Ele prometeu: “ao que vencer e guardar até ao fim as Minhas obras, Eu lhe darei poder sobre as nações, e com vara de ferro as regerá” (Ap 2:26-27). “Dar-lhe-ei a estrela da manhã” (v. 28).

 

Não existe algo como um elo, algo como uma ação intermediária e de conexão, insinuada por isso? O Sol é aquela luz nos céus que se conecta com a Terra, com os interesses e as ações dos filhos dos homens. O Sol governa o dia, a Lua e as estrelas a noite. Mas “a estrela da manhã” não recebe nomeação nesse sistema. “Designou a Lua para as estações; o Sol conhece o seu ocaso. Ordenas a escuridão, e faz-se noite, na qual saem todos os animais da selva. Os leõezinhos bramam pela presa e de Deus buscam o seu sustento. Nasce o Sol e logo se recolhem e se deitam nos seus covis. Então, sai o homem para a sua lida e para o seu trabalho, até à tarde” (Sl 104). A estrela da manhã não tem lugar nesse arranjo. Os filhos dos homens se deitaram, e seu sono, pela misericórdia divina, ainda é doce para eles, enquanto a estrela da manhã adorna a face do céu.

 

O período em que o Sol brilha é nosso. Quer dizer, o Sol é o companheiro do homem. Mas a estrela da manhã não chama, desta forma, o homem ao seu trabalho. Aparece antes numa hora que lhe é própria, nem dia nem noite. A criança que acorda de madrugada, aquele que se levanta antes do Sol, ou o vigia que trabalhou toda a noite, vê a estrela, mas ninguém mais.

 

O Sol, na linguagem ou pensamento da Escritura, é para o Reino. Como lemos: “Haverá um justo que domine sobre os homens, que domine no temor de Deus. E será como a luz da manhã, quando sai o Sol” (2 Sm 23:3-4; Veja também Mateus 13:43; 17:2-5).

 

Pergunto, então: “Não devemos esperar uma luz antes da luz do Reino? Não estão estes sinais nos céus estabelecidos ali para tempos e estações? Não existem vozes em tais esferas? Não há mistério na estrela da manhã, na hora de seu brilho solitário, bem como no Sol quando ele nasce com sua força sobre a Terra? Não é a estrela da manhã o sinal nos céus d’Aquele cuja vinda não é para o mundo, mas para um povo que espera por um Senhor que não é da Terra e que cedo vem?” A esperança de Israel, o povo terrenal, saúda “o Sol nascente” (Lc 1:78 – ARA); mas a Igreja saúda “a estrela da manhã”. “Eu Sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã. E o Espírito e a noiva dizem: Vem!” (Ap 22:16-17 – AIBB). Tudo é nosso; e entre este glorioso tudo, “a estrela da manhã” para nossa transfiguração para ser como Jesus, e “o Sol nascente” para nosso dia de poder com Jesus.

 

Como são formados esses misteriosos elos e as jornadas maravilhosas assim rastreadas e seguidas, do início ao fim, de eternidade em eternidade? Nunca os perdemos, nem nosso interesse por eles, mesmo nos momentos mais sagrados e íntimos.

 

Vimos agora, no progresso de nossas meditações ao longo deste caminho glorioso do Filho de Deus, uma luz nos céus anterior à da alvorada, uma luz que Jesus, o Filho de Deus, em meio a Suas outras glórias, afirma ser e compartilhar com Seus santos: “Dar-lhe-ei a estrela da manhã”.

 

E depois que a estrela da manhã tiver brilhado por sua breve hora, o Sol nascerá na estação determinada: “Então, os justos resplandecerão como o Sol, no Reino de Seu Pai” (Mt 13:43). E será “manhã sem nuvens, quando, pelo seu resplendor e pela chuva, a erva brota da Terra”“Alegrem-se os céus, e regozije-se a Terra: brame o mar e a sua plenitude. Alegre-se o campo com tudo o que há nele; então, se regozijarão todas as árvores do bosque, ante a face do SENHOR, porque vem, porque vem a julgar a Terra” (Sl 96).

 

“Cenas que superam a fábula e ainda assim são verdadeiras.”

 

Alguém disse: “A fé tem um mundo próprio”. Certamente podemos dizer, depois de rastrear essas subidas e descidas do Filho de Deus, ligando tudo junto, o mais elevado e o mais baixo, e introduzindo tudo no brilho de tal Reino, isto é assim: a fé tem de fato “um mundo próprio”. Ah, ter esse poder na alma para andar lá! E esse poder reside na seriedade e fervor da fé, que é apenas a simplicidade e a realidade da fé.

 

Davi e Abigail andavam no mundo que era o mundo da fé, quando se encontraram no deserto de Parã. Ao que tudo indica, ou na opinião dos homens, Davi naquela época era apenas o divertimento dos ímpios, e vagava pelas covas e cavernas da Terra: ele teria sido devedor, se assim fosse, a um vizinho rico por um pedaço de pão. Mas a fé descobriu outra realidade em Davi; e aos olhos de Abigail tudo era novo. Naquela hora favorecida, embora despercebida, quando os santos de Deus se reuniram assim no deserto, entrou-se no Reino, em espírito. O deserto de Parã era o Reino na comunhão dos santos. O fugitivo necessitado, caçado e perseguido era, aos seus próprios olhos e aos olhos de Abigail, o senhor do Reino vindouro e o “ungido do Deus de Jacó”. Abigail curvou-se diante dele como seu rei, e ele, na graça de um rei, “aceitou sua pessoa” (KJV). As provisões que ela trouxe em sua mão, seu pão e seu vinho, seus cachos de passas e bolos de figos, não eram sua generosidade para com o Davi necessitado, mas o tributo de um súdito voluntário ao Davi real. Ela se considerava muito feliz e muito honrada se pudesse ministrar aos servos dele. Foi dessa maneira que, pela fé, ela entrou em outro mundo nesta admirável e bela ocasião, como posso chamá-la; testemunhando-nos que a fé realmente tem “um mundo próprio”. E esse mundo era muito mais importante para o coração de Abigail do que todas as vantagens da casa do seu marido rico. O deserto era mais para ela do que os campos e rebanhos do Monte Carmelo. Pois ali seu espírito bebeu daqueles prazeres que a fé havia descoberto nas regiões, embora distantes, puras da glória.

 

Abençoado, amado, quando tivermos o mesmo poder para entrar e habitar em nosso próprio mundo! Não tinha Noé um mundo assim quando construiu um navio aparentemente para a terra, e não para a água? Não tinha Abraão um mundo assim quando deixou o país, a família e a casa do pai? Não tinha Paulo esse mundo quando pôde dizer: “Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o Seu corpo glorioso”? Não temos todo o nosso mundo neste momento, quando pela fé nossa alma tem acesso “a esta graça, na qual estamos”? Esta graça é a morada presente, pacífica e feliz da consciência aspergida e purificada, e a brilhante morada da esperança, de onde ela busca “a glória de Deus” (Rm 5:1-2). É pouco conhecido, se é que podemos falar pelos outros; mas é nosso. E em meio a toda essa fraqueza consciente, nossa fé tem apenas que glorificar o Filho de Deus; pois um desfrute mais profundo d’Ele é o progresso mais divino.

 

Ao encerrar esta meditação, na qual olhamos (de acordo com a nossa medida) para “o século vindouro”, eu diria que poucas lições estão mais no coração nos dias de hoje do que a rejeição de Cristo. Eu poderia naturalmente dizer isso neste lugar; pois se Ele for assim glorioso, como vimos, no “século vindouro”, certamente Ele será rejeitado “neste presente século mau”.

 

Mas isto é facilmente esquecido; e o deus deste mundo assim o desejaria. Há uma grande e crescente acomodação e requinte por toda parte; melhoria social, intelectual, moral e religiosa; e tudo ajudando a manter um Cristo não deste mundo fora da vista. Mas a fé olha para um Jesus rejeitado e para um mundo julgado. A fé sabe que embora a casa seja varrida, desocupada e adornada, ela não mudou seu mestre ou dono, mas apenas se tornou mais adequada aos fins e propósitos de seu mestre.

 

Erro solene, amados, ao pensar em refinar e cultivar “este mundo presente” para o Filho de Deus! Se Davi, em uma ocasião, foi descuidado com a mente de Deus quanto ao transporte da arca, ele também foi, em outra ocasião, ignorante da mente de Deus quanto à construção de uma casa de cedros para a arca. Ele procurou dar ao Senhor uma habitação permanente numa terra impura e incircuncisa. Ele, portanto, errou muito, não conhecendo a pureza da glória do Senhor; e o mesmo acontece com aqueles que ligam o nome do Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, com a terra como ela é agora, ou com os reinos  deste “presente século”. Seja qual for a boa vontade do coração, como aconteceu com Davi, novamente dizemos (e com que certeza, em nossas próprias convicções): Eles erram muito, não conhecendo a pureza da glória do Senhor. Esta é uma lição que precisamos aprender com poder crescente. O Filho de Deus ainda é um Estrangeiro na Terra; e Ele não a está buscando, mas buscando um povo fora dela, para ser estrangeiro por mais algum tempo com Ele, sobre a face da Terra, e em meio a todas as vaidades e ambições que constituem a história dela a cada hora.

 

“Vós sois os que tendes permanecido Comigo nas Minhas tentações. E Eu vos destino o Reino, como Meu Pai Mo destinou” (Lc 22:28-29).

 

“Pela senda sombria de tristeza que Jesus trilhou,

Os que são Teus, fracos vagueiam, nosso Pai, nosso Deus!

E as nuvens espessas que se acumulam, mas nos afastam

Do deserto devastado e uivante onde Ele não poderia ficar.”


J. G. Bellet

 

 



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