Título do original inglês: Whither Bound? – Diversos Autores. Editado originalmente por A. C. Groth.
Índice - 1ª parte
QUAL O TEU DESTINO?
AVANÇANDO, tão depressa! Sim, mas que destino tens? Será para a glória eterna De felicidade e bens? Avançando, tão depressa, Sim, mas que destino tens? Avançando, tão ligeiros, — Nada o tempo pode sustar! — Alguns há que estão seguindo Para o glorioso Lar, Avançando! Bem alegres, Cristo é Guia pra os levar. Avançando, pra desgraça — Muitos seguem rumo tal, Desprezando o perigo Da sua alma imortal, Avançando, indiferentes, Para a perdição total. Eis veloz, com passo certo, Breve o tempo vai findar. Pecador! Ouve o convite, Cristo pode a vida dar Vem a Cristo, sem demora; Só Jesus pode salvar!
O QUE SUCEDEU NUMA TRINCHEIRA
CERTA MANHÃ, estávamos defendendo uma trincheira, bombardeados, como de costume, pelo fogo inimigo. De repente, vimos uma nuvem negra de fumaça ao explodir um projétil cujos estilhaços zuniam ao passar por nossos pés. Então o pobre companheiro Bertrand caiu por terra. James "Pequeno" (que tinha quase dois metros de altura!) e outro soldado saltaram para a cova produzida pela explosão e levantaram-no, verificando logo que seu estado era desesperador. Não havia posto de socorro perto, e alguns soldados juntaram uns sacos vazios, dos que tinham estado cheios de areia, e um velho capote, e encostaram neles o Bertrand, no fundo da trincheira, para morrer.
Passado pouco tempo, James ficou surpreendido ao ouvir uma voz perguntando: – Pode me dizer qual o caminho para o Céu? – James saltou para perto de Bertrand e respondeu: – O caminho para o Céu? Sinto muito, meu amigo, mas não sei! Vou perguntar aos outros.
Voltou ao banco de tiro e perguntou ao companheiro mais próximo, mas este também ignorava o caminho. A pergunta foi passando de um para outro: "O Bertrand está morrendo e quer saber qual o caminho para o Céu; você pode informar?". A pergunta passou por dezesseis soldados naquela trincheira, sem que qualquer deles pudesse explicar ao amigo moribundo como ele poderia ser salvo! Imagine!
Dezesseis jovens criados num país que se diz Cristão, e nenhum deles podia prestar auxílio a um amigo na hora da morte! É muito triste ver um amigo morrer sem poder ajudá-lo! De nada serve consolá-lo com aquilo que se supõe ou se imagina! Ah, não, o que ele necessita é a verdade! Quantos há como aqueles dezesseis! E você, o que diria? Será que você poderia abrir o velho livro da Palavra de Deus, a Bíblia, e mostrar-me o lugar onde claramente se explica o Caminho que Deus indica para o Céu?
O décimo sexto soldado saltou do banco de tiro e foi correndo para o próximo posto, onde outro se mantinha alerta. Este sentiu uma mão batendo em suas costas e ouviu o companheiro, que gritava: – Há um dos nossos que foi atingido; está prestes a morrer e deseja saber o caminho para o Céu. Você pode dizer-lhe? Virando-se, o interrogado respondeu, com um sorriso iluminando seu rosto: – Sim, eu posso! Enfiando a mão no bolso da camisa, tirou um Novo Testamento e, abrindo-o rapidamente, observou: – Vê este versículo sublinhado a lápis? Coloque seu dedo neste versículo. Diga a ele que é este o caminho. O décimo sexto soldado voltou correndo, passou a mensagem e o Novo Testamento de um para outro e, logo depois, James "Pequeno" o tinha em sua mão. Novamente aproximou-se de Bertrand, que jazia imóvel. Tocou-lhe no ombro e vagarosamente Bertrand abriu os olhos. – Está aqui, Bertrand, querido amigo; aqui esta o caminho para o Céu: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nEIe crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3.16). Logo, uma imensa paz expressou-se no rosto de Bertrand que, com a voz sufocada, procurava dizer: – Todo aquele... Depois, mostrou-se calmo e sereno. De repente, dando um último suspiro, exclamou: – TODO AQUELE! — e morreu.
Que grande mudança, passar de um campo de batalha para a presença de Cristo! “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens pelo qual devamos ser salvos” (Atos 4.12) Querido amigo, eu, que também fui soldado, e que também já encontrei o Caminho, desejo assegurar a você que isto é a verdade: JESUS é, verdadeiramente, o Salvador real; JESUS, que disse, "Eu sou a Porta; se alguém entrar por Mim, salvar-se-á" (João 10.9); JESUS que morreu para nos levar a Deus; Ele próprio, que está agora assentado à destra de Deus, coroado de honra e de glória; Ele é o único Salvador e o único Caminho para o Céu. Ele mesmo disse: "EU SOU o Caminho, e a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai, senão por Mim" (João 14.6).
OS LENHADORES
AO AMANHECER de um dia de outono, dois homens seguiam através de um pinheiral. A cada lado se erguiam os troncos, direitos como colunas, e, muito acima das cabeças daqueles homens, os ramos formavam densa cobertura verde. O tapete de relva que pisavam amortecia o som de seus passos.
Timothy era baixo e corcunda, com os braços compridos e fortes. Apesar de sua deformidade física, e da barba e cabelos escuros emaranhados, era amável. Com o rosto voltado para cima contemplava Raymond. Este, recém-chegado ao acampamento, era mais novo, alto e forte, e andava orgulhosamente ereto. Era louro, de feições bem marcadas e olhos azuis. – Raymond, você tem muito que agradecer. – Eu? – Sim – e Timothy recusou-se alegremente a prestar atenção no tom de escárnio na voz do companheiro. – Nada sei de sua vida, dos anos que ficaram para trás, nem sei o que fez você vir para este lugar; mas é alto e forte, conhece livros e deve ter tido muitas oportunidades. Os rapazes aqui são diferentes, mas tudo demonstra que você já teve sorte na vida, Raymond.
Logo chegaram a uma clareira no bosque. Timothy atirou o casaco ao chão, pegou no machado e começou, com golpes fortes, a cortar um pinheiro alto. Raymond ficou parado, em profunda meditação. Oportunidades? Sim, de fato não lhe tinham faltado, mas não as havia aproveitado. "Ninguém tem o direito de se intrometer na minha vida", pensou consigo, procurando esquecer-se dos conselhos de seu idoso pai. "Bem, já me encontro livre das velhas superstições; contudo às vezes me pergunto se esta liberdade vale o preço que paguei para a obter..."
O acampamento Haskin estava situado no norte de Minnesota. Havia apenas três semanas que Raymond chegara. Os homens eram rudes e incultos. Muitos deles tinham o vício da embriaguez, enquanto que o praguejar e o desprezo pelo dia do Senhor eram constantes e não se constituía uma exceção à regra.
Timothy havia sido membro do grupo por muitos anos. Apesar de sua falta de inteligência e de sua deformidade física, era popular entre seus companheiros. Surpreendia a todos sua amizade pelo alto Raymond, manifestando a sua admiração por este de muitas, embora modestas formas, assim merecendo do jovem amável complacência. Certo dia, quando caía forte nevasca por já ter chegado o inverno, Raymond e Timothy trabalhavam com um numeroso grupo de lenhadores. De repente, uma árvore enorme tombou, caindo com grande estrondo. Acima do barulho destacou-se um grito de horror e sofrimento. Era Timothy, o pobre aleijadinho. Por desgraça fora colhido por um grande ramo da árvore, que agora o prendia ao solo. Raymond foi o primeiro a chegar perto dele. Com todo o cuidado, os homens libertaram-no, encontrando o pobre corpo encurvado horrivelmente mutilado. – Parece que estou no fim, rapazes – disse ele, esforçando-se por dominar a voz. – Ah, Raymond, fique perto de mim. Ai! tenham cuidado! Levaram-no ao acampamento. Um homem montou logo a cavalo, para ir à aldeia mais próxima, a quase cinquenta quilômetros de distância, a fim de chamar um médico. Todos recearam que Timothy não estaria vivo quando o médico chegasse, tão intenso era o seu sofrimento. Quando o deitaram numa cama tosca, perto do braseiro, olhou ansiosamente para os rostos dos seus companheiros. – É a morte, rapazes. Falem-me de Deus. Nunca me falaram dEle. Um silêncio estranho desceu sobre o grupo de homens, silêncio interrompido apenas pelo barulho do vento lá fora. Timothy tornou a falar: – Raymond, fale-me dEle. Com certeza você deve saber, pois é diferente de todos nós. Todos fitaram o jovem. Este inclinou-se mais para Timothy, perguntando-lhe: – O que é que você quer ouvir? – Tudo a respeito de Deus. Como pode ver, pouco sei. Será que não pode falar dEle? Faça uma oração por mim. O rosto de Raymond tomou-se pálido e austero. Seu pai pregava o Evangelho, e ele mesmo já havia estudado a Bíblia. Mas, pela influência de um colega de escola ateu, e pela leitura de livros que este lhe emprestava, a dúvida havia se introduzido na mente de Raymond. Dominado pela ideia de superioridade do seu intelecto, o jovem havia se firmado nessa atitude até chegar o dia em que zombara da fé de sua falecida mãe e negara a existência de Deus. Resolvera desprender-se de tudo aquilo que o ligava ao lar paterno. Escreveu ao pai uma carta arrogante anunciando-lhe sua mudança de pensamento, e saiu para o mundo, sem deixar vestígio de seu paradeiro.
Seguiram-se dias tenebrosos. Teve que aprender quão vazia é a vida sem esperança em Deus. Teve saudades da voz do seu querido pai; porém o orgulho não permitia que regressasse ao lar e pedisse perdão. No seu desespero, fez-se contratar pelo capataz do acampamento de lenhadores de Haskin.
Tudo isso voltou-lhe à memória num momento. Este pobre companheiro moribundo estava pedindo-lhe que rogasse a Deus por ele. Soltou dos lábios um gemido. – Timothy; não posso! Eu... – e calou-se, incapaz de dizer que não acreditava no Deus a Quem, na hora da morte, até Timothy queria voltar-se. – Não pode? Ora, eu julgava que você O conhecesse! Raymond não podia mais suportar. Saiu correndo pela porta, em plena nevasca. Andou de um lado para o outro na floresta, sem fazer caso do vento ou da neve. Enfrentou e lutou com o problema do relacionamento do homem com o seu Deus. Estava a sós com Deus. Naquela hora desapareceu o seu ateísmo. As teorias da ciência, nas quais havia depositado a sua confiança, desmoronaram-se debaixo de seus pés. Só ficava um alicerce inabalável. Começava a escurecer no quarto onde Timothy estava deitado, quando a porta se abriu e Raymond entrou. Com passo firme, aproximou-se do moribundo. – Timothy; estive em contato com Deus. Ele perdoou- me, apesar de todo o meu pecado. Agora venho falar a você do Seu amor. Com simplicidade e ternura, contou a história do amor de Deus, que O levou a enviar Seu Filho amado ao mundo para morrer pelos pecadores, levando sobre Si os pecados de todos os que depositem a sua confiança nEle como Salvador de suas almas.
“Deus prova o Seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores" (Romanos 5:8). “O sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (1 João 1.7).
Outros se aproximaram, reunindo-se em volta da cama. Poderiam eles duvidar da verdade das palavras faladas, quando contemplavam o brilho no rosto de Timothy? – Posso ver – disse ele. Raymond ajoelhou-se. Um após outro, aqueles homens rudes caíram de joelhos. Nunca Raymond orara como nessa hora. Deus estava com ele. Em torno de si estavam homens que, no dizer de Timothy, nunca tiveram uma chance na vida. Raymond orava com uma fé nascida da certeza absoluta da prontidão da boa vontade de Deus para salvar. – Está tudo bem – murmurou Timothy. – Vou para Ele, Raymond! Conta a todo mundo... – Sim, Timothy, vou passar a minha vida contando a todos. – Graças Te dou, meu Deus. – disse o moribundo com a voz já enfraquecida. Mais alguns momentos, e tudo estava terminado. Raymond voltou-se, então, para os companheiros: –Timothy já partiu, rapazes! Vocês ouviram a minha promessa a Timothy. Peço que me perdoem pelo espírito que tenho manifestado para com todos, e permitam que eu inicie o meu serviço pregando a vocês. – Muito bem; queremos ouvir — respondeu o que era capataz. — Quando chegarmos onde está o Timothy, desejaremos ter ouvido. Então Raymond contou a história, tão antiga, mas sempre atual, de Jesus e do Seu amor. Naquela noite, antes de se deitar, Raymond escreveu uma longa carta ao pai. Ficaria onde estava até receber resposta a essa carta. Na noite seguinte começou a reunir seus companheiros para contar-lhes a história de Cristo, da Sua morte e ressurreição. Chegou a terceira noite. No fim da palestra, simples, mas tocante, que Raymond dirigira, a porta abriu-se e entrou um estranho, homem alto e magro, com cabelos brancos como a neve. – Meu pai! — exclamou Raymond. – Meu querido filho! Vim aqui para ajudá-lo! — E Raymond foi envolto nos braços de seu pai. O trabalho assim iniciado no acampamento de Haskin continuou, até que setenta almas foram levadas ao conhecimento do Senhor Jesus como Salvador.
DORMINDO NA CANOA
HÁ ALGUNS ANOS, perto das Cataratas do Niágara, havia um jovem que trabalhava como guia de turistas. Um dia, não tendo o que fazer, amarrou sua canoa num lugar bem acima das cataratas e deitou-se dentro dela para descansar. Embalado no seio das águas sempre agitadas, adormeceu. Julgava ter amarrado o barco com segurança, mas, com o constante balançar, a corda desprendeu-se e, finalmente, a canoa começou a ser levada pela correnteza, com seu tripulante inconsciente do que se passava. As pessoas que se encontravam na margem, percebendo o grave perigo em que o jovem se encontrava, gritavam em alta voz, na esperança de o acordar para que se salvasse, enquanto a correnteza não fosse forte demais. Porém, foi em vão que se esforçaram.
Em dado momento o barco encalhou num rochedo que sobressaía no meio do rio. Ao notarem isso, os observadores redobraram seus esforços para despertar o adormecido, grilando freneticamente: – Agarre no rochedo! Salte para a rocha! Porém, o pobre rapaz continuou dormindo, inconsciente do perigo iminente que o ameaçava. Não demorou para que a forçada correnteza afastasse o barco do rochedo e o levasse a grande velocidade para as cataratas. O infeliz só foi acordado pelo estrondo ensurdecedor das grandes massas de água, pelas quais foi arrastado para a morte.
Que horror! Dormindo na canoa! Tranquila e inconscientemente deslizando para as garras da morte! Só de pensar nisto já nos faz estremecer. Contudo, isto serve para descrever muito nitidamente a indiferença das almas em nossos dias, muitas das quais completamente despreocupadas quanto ao seu rumo fatal; profundamente adormecidas nos seus pecados e, talvez, embaladas na maré dos prazeres terrestres ou encantadas por infundada confiança numa vida sem defeito, ou numa religião professa. TODOS DORMINDO NA CANOA!
“O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus" (2 Coríntios 4.4). “Desperta, tu que dormes" (Efésios 5.14). Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo, tu e a tua casa" (Atos 16.31).
A FAVOR OU CONTRA
Uma Cena no Tribunal de Pequenos Delitos em Manchester JÁ DISSE que não o roubei. Comprei-o! — repelia, até que por fim os magistrados se viram obrigados a mandai que se calasse. Deduzia-se que Kelly fora preso, acusado de ter roubado um relógio de bolso. Não ha via dúvida alguma de que o relógio tinha sido roubado o que fora encontrado em poder de Kelly, o que constituía, na opinião tanto dos policiais como dos magistrados, prova suficiente para o condenar. Justamente no momento em que os magistrados pareciam ter chegado a uma decisão quanto à pena a aplicar a Kelly, pedi licença para depor como testemunha. – O que deseja? — perguntou o magistrado. – Quero falar algo a respeito deste caso, senhor. Ao ouvir as minhas palavras, Kelly virou-se para mim, encolerizado: – Não queiram ouvi-lo. Ele nada sabe disto. Só vai mentir com o propósito de me incriminar. Quer agravar a minha pena! Foi quase inútil eu dizer ao Kelly que sossegasse e que me escutasse. Parecia julgar que, vestindo eu a farda de sargento da Polícia, não podia deixar de ser contra ele.
Finalmente os magistrados conseguiram fazê-lo calar, e me mandaram depor. –Há algumas semanas, eu levava, de trem, dois presos para a cadeia de Strangeways. Eu estava sentado de um lado do vagão e os dois presos estavam sentados do lado oposto. Ouvi um deles dizer ao seu companheiro: – Enganei o Kelly há alguns dias! – Ah! Sim? E como fez isso? — perguntou o outro. – Vendi a ele um relógio por trinta shillings, e nem sequer cinco shillings valia! Como se transformaram os rostos de todos no tribunal! Quanto ao Kelly, olhou para mim como se quisesse me beijar!
Logo se vê que foi absolvido, apesar das provas circunstanciais que lhe eram contrárias. O meu depoimento pesou mais do que tudo quanto havia contra ele. Porém, entenda que se ele tivesse conseguido o seu desejo de me impedir de falar, nunca teria chegado a descobrir que eu, afinal, só nutria a maior boa vontade para com ele.
E assim mesmo que muitos tratam a Deus. Não O querem ouvir, pois julgam que é contra eles, quando na verdade Deus é a favor deles. "Porque Deus enviou Seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele" (João 3.17).
Kelly era inocente; mas o coração de Deus pode, com toda a justiça, sentir boa vontade para com o culpado, absolvendo-o e deixando-o sair em liberdade. Não há nenhum tribunal que possa assim proceder sem sacrificar seu nome e caráter. Porém Deus pode ser, ao mesmo tempo, um "Deus Justo e Salvador" (Isaías 45.21). Pode ser " Justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus" (Romanos 3.26). E pode ainda ser Aquele "que justifica o ímpio” (Romanos 4.5).
Na verdade, Deus, que parece ser contra o homem, como testemunha de acusação, tem por nós muito amor, o que nos leva à seguinte questão: Como pode esse Deus justo, com base na justiça perfeita, perdoar e libertar o homem, quando o próprio Deus já demonstrou ser o homem culpado? A resposta é: Por meio de substituição. Esta é a única resposta possível. Na Cruz de Cristo vemos evidenciado o amor de Deus para com o pecador, pela dádiva do Seu Filho, o ÚNICO capaz de tomar o lugar do pecador, por ser Ele próprio isento de pecado. Cristo levou Ele mesmo os pecados do pecador (1 Pedro 2.24), padeceu por amor do pecador (I Pedro 3.18), morreu pelo pecador (Romanos 5,6), e, portanto, o ímpio pecador pode ser perdoado e sair livre.
A VOLTA DO SOLDADO FERIDO
NUMA CERTA MANHÃ, no ano de 1863, chegou ao cais de Norfolk, Virgínia, Estados Unidos, um navio a vapor carregado de passageiros pouco comuns. Tinha sido efetuada uma troca de prisioneiros feridos e doentes entre os exércitos da União e da Confederação, e esse vapor transportava centenas de soldados da União que haviam sido feitos prisioneiros e tinham estado internados nos hospitais da Confederação.
Muitos deles estavam num deplorável estado de miséria e sofrimento. Entre eles encontrava-se um jovem de menos de vinte anos de idade, cujos padecimentos de feridas e doenças o haviam enfraquecido sobremaneira. Fora criado delicadamente em um lar de fino trato na Filadélfia, mas a vida no cárcere do exército inimigo, e a prolongada falta de cuidados, tinham sido para ele intoleráveis, deixando seu corpo em estado lastimável, coberto de chagas e cheio de parasitas.
Um irmão mais velho, abastado negociante em Filadélfia, mandara dizer-lhe que iria ao seu encontro em Norfolk. Ao receber esta notícia, disse logo aos companheiros: "Certamente ele não vai me reconhecer". Contou-lhes como o lar de seu irmão era tão elegante e limpo, e acrescentou que, com a mudança que se operara nele, certamente não o desejaria receber cm sua casa. "Encontro-me tão mudado", disse ele, "que William não irá me reconhecer, e se me reconhecesse, certamente não estaria disposto a receber-me em sua casa. Terei de ir para o hospital e lá morrer". Em seguida, o pobre rapaz desatou a chorar, contemplando sua roupa tão suja e esfarrapada, e o corpo emagrecido.
Logo que o navio atracou ao cais, um homem forte e bem vestido saltou para o convés. Era William, seu irmão. Havia horas que estava ali, aguardando a chegada do navio. Tinha uma carruagem munida de boas almofadas e cobertores, para levar o irmão para o trem. Tinha obtido licença de Washington para levar seu irmão para casa e, com o semblante a manifestar ansiedade, andou pelo convés em busca dele.
Não demorou para chegar perto de seu irmão, porém não o reconheceu. Sentiu-se mal ao contemplar aquele ser tão desgraçado. Tinha feridas na boca e no nariz, o rosto desfigurado, o cabelo despenteado e grudado às manchas pustulentas que trazia na testa; pés descalços e cheios de fendas causadas pelo escorbuto. Sua roupa estava reduzida a trapos imundos. Ao ver aquilo, William voltou-lhe as costas, impulsionado por profundo sentimento de nojo. O coração do pobre jovem doente esmoreceu. "Era isto que eu receava", pensou consigo, "William não me reconheceu e teve nojo de mim. Ele estava tão limpo e bem vestido! No estado em que me encontro agora, nunca poderá desejar ter-me ao seu lado". E assim não teve coragem de chamar por ele.
Seu irmão passou pela segunda vez sem que o reconhecesse; pelo que continuou sem ânimo de lhe dirigir palavra. Mais uma vez o irmão deu a volta por todo o convés do navio, indo de soldado a soldado. Quase chegou à conclusão de que seu irmão não estava ali, e teve receio de que tivesse morrido na viagem. No entanto, fazendo ainda mais um esforço, encontrou-se, pela terceira vez, junto daquele a quem buscava. Contemplou-o com atenção, mas ainda sem dar sinal de o haver reconhecido. "Coitado", pensou, com profunda compaixão. Mais uma vez virou-se para se afastar, quando uma débil voz o fez parar. – William! Não me reconhece? — foram as palavras proferidas pelos trêmulos lábios do pobre enfermo. – Meu querido irmão! Por que não me chamou antes? – foi a resposta aliviada daquele homem. Tomou em seus braços aquele corpo magro, levando-o logo — trapos, imundície, feridas e tudo mais — para a carruagem que os esperava. As suas forças, o seu dinheiro, o seu lar, tudo quanto possuía estava à disposição de seu pobre irmão, e o fato de ser rico nunca tivera tanto valor, aos seus olhos, como agora, quando de tudo isto se podia valer em benefício de seu irmão.
Leitor: pode ser que a compreensão de seu estado pecaminoso, desgraçado e das chagas morais de muitas espécies, faz você sentir vergonha e receio do Senhor Jesus, assim como aquele pobre soldado sentia de seu irmão. O contraste entre você e Cristo é bem maior, sem dúvida. Se você fosse levado, tal como está, em seus pecados, para a presença do Senhor no lugar onde Ele Se encontra, na luz, santidade e glória do Céu, sentiria quão grande é o contraste que existe entre o seu estado e o dEle, e isto encheria seu coração de desespero. "Desde a planta do pé até à cabeça não há nele cousa sã, senão feridas, e inchaços, e chagas podres, não espremidas, nem ligadas com óleo" (Isaías 1.6).
Contudo, o negociante de Filadélfia, por mais contente que estivesse ao tomar o irmão nos braços, e cuidar dele com tanta ternura, quando o achou, não sentia nada que se compare ao gozo imenso que o Salvador sente quando encontra um pobre pecador que confesse a sua necessidade de salvação.
Cristo aceita o pecador, Coberto com as chagas do pecar; Livra-o, e logo o transforma Em alguém apto ao Céu entrar.
“O que vem a Mim de maneira nenhuma o lançarei fora" (João 6.37).
O FILHO PRÓDIGO
Evangelho de Lucas 15.10-24 “Há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende. E disse: Um certo homem tinha dois filhos; E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente. E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi, e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos, a apascentar porcos. E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti; Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão, e alparcas nos pés; E trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos; Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se.” Tal como o pai recebeu com alegria o filho a tanto tempo perdido, como conta o capítulo quinze do Evangelho de Lucas, assim também Deus acolhe com o mais profundo regozijo, e com hospitalidade celestial, o regresso do mais vil pecador. O próprio Deus concede uma purificação perfeita, um vestuário novo e completo, um magnífico banquete e o gozo celestial que nunca terá fim.
O Salvador suportou todo o sofrimento — a morte para tirar o pecado — tomando sobre Si todo o castigo que deveria cair sobre nós; e agora, que tudo está pronto, convida você a lançar-se em Seus braços, sendo bem vindo ao Seu coração, bem vindo para todo o sempre no Seu Lar.
Oh! que será com Cristo estar, longe de todo o mal, Na santa companhia do Pai, na glória divinal Seu lar ser nosso, o santo amor em que esse Filho esta; O bom quinhão que Cristo tem — ser nosso gozo lá!
A GRAÇA DE DEUS
Conta-se a seguinte história de uma pobre mulher que estava enfrentando grandes dificuldades financeiras. Um cavalheiro bondoso, sabendo da sua situação, quis visitá-la, com a intenção de socorrê-la. Bateu à porta de sua casa durante bastante tempo, e, como ninguém a abrisse nem desse qualquer sinal, chegou à conclusão de que ela não estava, e retirou-se. Pouco tempo depois, encontrou-a e contou-lhe que tinha ido à sua casa para lhe prestar auxílio. – Oh! - exclamou a mulher – Então foi o senhor que estava batendo à porta? Peço desculpas. Julgava ser o dono da casa que tinha vindo cobrar o aluguel e tive receio de atender por não ter como pagar.
Da mesma forma como esta pobre mulher tratou o cavalheiro que desejava ajudá-la, há hoje milhares de pessoas que tratam Deus assim. Quando Ele bate à porta de seus corações, acham que Ele vem com o propósito de lhes cobrar alguma coisa; mas como se enganam! Deus não vem pedir a você o pagamento da grande dívida que você tem para com Ele, mas vem, isto sim, oferecer tudo aquilo que você necessita para sair da miséria em que se encontra. Ele quer dar a você uma herança eterna.
"Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em resgate de muitos" (Marcos 10.45). “Eis que estou à porta, e bato" (Apocalipse 3.20).
A porta chamo, alma triste, Ansioso por te consolar: Se minha voz, enfim, ouviste, Posso Eu entrar? Posso Eu entrar? A porta, por amor levado, Procuro já teu mal sanar; O pecador desalentado, Posso Eu entrar? Posso Eu entrar? A minha graça poderosa, O teu pecado vem lavar; O alma impura, pesarosa, Posso Eu entrar? Posso Eu entrar? Do Céu te trago vida e gozo, Que podes hoje desfrutar; E tudo te darei, gozoso; Posso Eu entrar? Posso Eu entrar?
NÃO É PARA MIM!
“SEM DINHEIRO e sem preço” (Isaías 55.1). Tais são as condições da oferta, que Deus faz a todos, do dom da vida eterna. Mas, quão poucos são aqueles que a aceitam nestas condições.
Um amigo dos pobres tinha por costume encomendar, com frequência, 250 quilos de carvão, usado nos fogões e no aquecimento das casas, mandando entregá-lo em casas de pessoas que sabia estarem em precárias circunstâncias. Como o inverno era rigoroso, o frio intenso, e tudo cobria-se de neve, o gentil benfeitor ficava radiante de alegria pelo conforto e agasalho que suas dádivas iriam causar em muitos corações e lares.
A carroça do carvão parou em frente de uma casa de aspecto pobre e desolado, e o carroceiro bateu à porta e disse ao velhinho, que ali morava, que trazia carvão para ele. – Quem foi que mandou? – Não sei — disse o carroceiro, — mas mandaram-me entregá-lo aqui; aqui está. – Deve ser engano; não é para mim — respondeu o velho. — Eu não tenho tal sorte; não tenho nenhum amigo que me mande carvão de graça. Leve-o; não é para mim, e não quero mais saber disso! — e fechou a porta. Foi-se embora a carroça levando a dádiva que tinha sido destinada ao velhinho. No dia seguinte, foi vista a mesma carroça, parada à entrada de uma outra casa pobre da cidade, e o mesmo carroceiro, com 250 quilos de carvão, batia à porta. – Trago-lhe carvão—disse ele em tom alegre;—Onde quer que o ponha? – Não é para mim — respondeu o homem que abriu a porta, — Deve ser um engano. – Não, não há engano — disse o carroceiro. — Olhe; aqui está a nota da encomenda: "Casa nº 24; 250 quilos de carvão". Está bem claro. Não há nenhuma dúvida, não é mesmo? – É verdade que este é o número de minha casa — respondeu o outro, — mas este carvão não é meu, e por isso não o posso receber. Deve ser para outra pessoa! – Ora essa! — replicou o carroceiro, coçando a cabeça com ar atrapalhado. — Este carvão já está me intrigando! Já chega de desencontros. Até parece que estou trazendo veneno! Chega uma bela dádiva de carvão e vocês recusam-se a aceitá-la. Mas, seja como for, o carvão vai ter que ficar aqui, pois ontem já tive que levá-lo de volta de outra casa onde foi rejeitado. Para mim isto está sendo uma humilhação; portanto, se não abrir a porta da carvoeira, vou despejar tudo aqui, bem em frente de sua casa. Devido a tal insistência, o homem acabou abrindo a porta do depósito, dizendo: – Com certeza você terá que voltar aqui outra vez para buscar o carvão; portanto, não vou insistir nisso. Mas se for mesmo para mim, ficarei muito agradecido. Mais uma casa foi visitada pelo carroceiro, com a carroça carregada de carvão. Bateu à porta e disse à mulher que atendeu que trazia carvão para ela. – Para mim? — disse ela; — Não pode ser; deve ser para outra pessoa. – Não, minha senhora; aqui está o número da sua casa bem legível: "Nº 8, 250 quilos de carvão". – É verdade! Então deve ser Deus que me manda, pois mais ninguém sabe que, há pouco, coloquei no fogão o resto do carvão que tinha. Faça o favor de trazê-lo aqui para dentro. Tenho que agradecer a Deus. – Sim, talvez assim convenha — disse o homem, porém acrescentando em voz baixa, como se falasse para si, – Esta mulher é que tem juízo, só ela. Os outros são uns tolos. E quantos insensatos como eles existem aqui no mundo! Apesar de Deus haver dado o Seu Filho para que TODO AQUELE que O aceitar, pela fé, não se perca, mas tenha a vida eterna (João 3.16). O carvão tinha sido pago por um homem bondoso; e a nossa salvação foi comprada a preço, ou seja, o precioso sangue do Filho de Deus, "O qual Se deu a Si mesmo em preço de redenção por todos" (1 Timóteo 2.6). Contudo, há muitos que são como aqueles pobres que não aceitaram o presente. Alguns há que, como o velhinho, o recusam em absoluto, dizendo: "Não é para mim". Caro leitor: "Se tu conheceras o dom de Deus" (João 4.10), e se você aceitasse a Jesus Cristo como seu Salvador, poderia dizer: "Graças a Deus pois pelo Seu dom inefável" (2 Coríntios 9.15).
GANHO PELO AMOR
CERTO SOLDADO estava para comparecer perante o seu comandante. Era rebelde e muitas vezes havia sido castigado. – Aqui está outra vez o nome dele sendo mencionado — disse o oficial, ao ler o relatório; — Já foi castigado com prisão, açoites e tudo mais. Nisto o sargento, pedindo licença, disse: – Há ainda uma coisa que nunca lhe foi feita, comandante. – E o que é então? — perguntou o oficial. – Meu senhor — disse o sargento em voz hesitante, — ele ainda nunca foi perdoado. – Perdoado?! — exclamou o coronel, atônito. Depois, havendo meditado por alguns minutos, ordenou que trouxessem o réu e perguntou-lhe se tinha algo a declarar. – Nada, meu comandante, a não ser que lamento o que fiz. Voltando-se com ar bondoso e de compaixão para o soldado, que esperava um castigo ainda mais severo que os anteriores, o coronel dirigiu-lhe estas palavras: – Muito bem; já experimentamos dar-lhe toda espécie de castigos, e agora estamos resolvidos a... perdoá-lo! Pasmado, as lágrimas saltaram-lhe dos olhos, e o homem chorava como uma criancinha. Humilhado ao máximo, e agradecendo ao comandante, retirou-se. Para voltar a ser o rebelde incorrigível? Não! Tinha sido ganho pelo amor. Aquele que narrou o caso pôde observá-lo durante anos, e nunca houve militar que melhor se comportasse.
Temos aqui algo que nos dá uma pequena ideia de como Deus trata os pecadores. O homem, tantas vezes e de tantas maneiras experimentado, tem sempre falhado. Então, o que Deus deve fazer? A Misericórdia deseja responder: "Seja perdoado". Mas a Justiça diz: "Não", pois "o salário do pecado é a morte", e "sem derramamento de sangue não há remissão", ou retirada, de pecado (Hebreus 9.22). Não se pode comprometer a santidade de Deus. A morte tem que ser aplicada como castigo do pecado; embora o amor e a graça de Deus O levem a desejar a salvação do pecador, a Sua justiça — que é tão infinita como é a Sua misericórdia — não pode deixar de ser satisfeita. "Seja-vos pois notório, varões irmãos, que por ESTE se vos anuncia a remissão dos pecados. E... por Ele é justificado todo aquele que crê" (Atos 13.38-39). Quem será ESTE? É o Senhor Jesus, o bendito, santo Filho de Deus. O salário do pecado foi pago ao nosso Salvador na cruz. É esta a base do perdão que Deus nos concede. "Deus prova o Seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores" (Romanos 5.8). "A benignidade de Deus te leva ao arrependimento" (Romanos 2.4). "Onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Romanos 5.20). "Nós O amamos a Ele porque Ele nos amou primeiro" (1 João 4.19).
Tal como sou, Tua compaixão Venceu toda a oposição; Para eu pertencer somente a Ti Cordeiro de Deus, eis-me aqui.
O AVARENTO DE MARSELHA
A CIDADE DE MARSELHA e seus arredores, situada no sul da França, tornou-se notável pelos seus encantadores jardins; porém não fora sempre assim. Antes era uma região árida. Não existem fontes de água na localidade, vindo o abastecimento para a cidade do rio Durante, que dista uns cento e sessenta quilômetros, por meio de um canal construído no período de 1837 a 1848.
Muito antes disso, vivia na cidade um homem de sobrenome Guizon. Andava sempre muito ocupado, trabalhava intensamente e, tanto por suas atividades, como pelo fato de não gastar, parecia ter somente o objetivo de juntar dinheiro. O seu vestuário apresentava sinais de longo uso. A sua alimentação era da mais simples e barata. Vivia só, privando-se de todos os luxos e até mesmo dos confortos mais vulgares da vida. Em Marselha era conhecido como avarento, embora fosse sério em todos os negócios e cumpridor de seus deveres. Ao avistar na rua a sua figura tão pobremente vestida, os rapazes gritavam: "Lá vai o velho sovina!" Mas Guizon seguia sempre o seu caminho, sem fazer caso dos insultos que lhe eram dirigidos, e quando alguém lhe falava, respondia sempre com delicadeza e bom humor.
Dia após dia, ano após ano, quando este pobre homem, que não tinha amigos, passava a caminho do trabalho, ou de regresso, era-lhe dirigida semelhante zombaria. Com o passar dos anos, passou a andar trôpego e amparado por uma bengala; as costas ficaram bastante encurvadas, devido ao incessante esforço, e os cabelos, brancos como a neve. Foi assim que, com mais de oitenta anos de idade, faleceu Guizon.
Depois de sua morte descobriram que ele havia juntado, em ouro e prata, uma imensa fortuna. Entre outros documentos, foi encontrado o seu testamento, no qual havia o seguinte parágrafo: "Eu, quando ainda era pobre, reparei que o povo de Marselha sofre muito pela falta de boa água; pelo que, como não tenho família, dediquei a minha vida a acumular dinheiro necessário à construção de um canal destinado a abastecer os pobres da cidade de Marselha com água potável, de maneira que os mais necessitados possam tê-la com abundância". Sem amigos, desprezado e solitário, vivera e morrera, com o fim de dar cumprimento a este tão nobre propósito em benefício dos que tão mal o souberam compreender, e o maltratavam.
Houve outro Homem, num país do Oriente Médio, que foi mal compreendido, desprezado e rejeitado pelos homens. A Sua vida também foi de pobreza voluntária, a ponto de nem sequer ter onde reclinar a cabeça. "Sendo rico, por amor de vós Se fez pobre; para que pela Sua pobreza enriquecêsseis" (2 Coríntios 8.9). Porém, de tal maneira odiavam aquele Homem, tão manso e humilde, que até clamavam com insistência para que fosse morto. "Crucifíca-O, crucifica-O!" Sustando voluntariamente o Seu poder, submeteu-Se à vontade deles, e mãos ímpias O entregaram à morte, crucificando-O. Vendo-O cravado sobre a cruz, escarneceram e riram-se dEle, arreganhando os beiços e meneando as cabeças ao contemplá-Lo (Salmo 22.7,13,14). "Por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação" (Romanos 4.25).
O testamento de Guizon proveu o que era necessário ao abastecimento de água potável para todos os pobres de Marselha; mas, o Senhor Jesus Cristo, pela Sua morte e ressurreição, proveu para todo homem, mulher e criança da raça de Adão, que se achegar a Ele e beber, um manancial de água da viva, a qual satisfaz, e que nunca se esgotará no decorrer do tempo, nem na eternidade. Da Sua graça o rio, que em justiça Deus proveu, Corre pelo árido lugar onde Jesus morreu.
Não se pode comparar a abnegação de um Guizon com o custo infinito do sacrifício do Senhor Jesus para pagar o preço. A água da vida está hoje fluindo, e podemos beber livremente dela, "sem dinheiro e sem preço". "Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas" (Isaías 55.1). "Se alguém tem sede, venha a Mim, e beba" (João 7.37). "Quem crê em Mim nunca terá sede" (João 6.35). "E quem tem sede, venha; e quem quiser tome de graça da água da vida" (Apocalipse 22.17).
A PÉROLA INIGUALÁVEL
UM RESPINGO PESADO foi seguido por bastante ondulação, e depois a água debaixo do molhe ficou em repouso. O missionário estrangeiro agachou-se e permaneceu com os olhos fitos no lugar onde uma corrente de bolhas de ar subia até à superfície, vinda de uma grande profundidade debaixo d'água. De repente surgiu uma cabeça preta e um par de olhos brilhantes que olhavam para cima; e logo o velho indiano, pescador de pérolas, subia para o cais sorrindo e sacudindo a água do seu corpo, que brilhava, besuntado de óleo.
– Nunca vi mergulho mais bonito, Rambhau! – gritou David Morse, o missionário americano.
– Veja esta, sahib! – exclamou Rambhau, tirando uma grande ostra de entre os dentes. – Deve ser boa!
Morse pegou a ostra e, enquanto tentava abri-la com um canivete, Rambhau tirava outras ostras menores do pano que lhe cingia os lombos.
– Rambhau! Olhe! – Exclamou Mourse, – Que tesouro!
– Sim, é boa. – e o mergulhador encolheu os ombros.
– Boa?! Acaso você já viu pérola melhor? É perfeita, não é? – Morse examinava a pérola virando e tornando a virá-la, entregando-a depois ao indiano.
– Ah, sim, há pérolas melhores, muito melhores. Ora, tenho uma... – e interrompeu de forma brusca. – Veja aqui estas imperfeições, pintas negras aqui, esta pequena cavidade. Até no feitio é quase oblonga; mas em comparação com as outras pérolas até que é boa. É como aquilo que você diz do seu Deus. As pessoas aos seus próprios olhos parecem muito boas, mas Deus as vê como de fato são.
Os dois puseram-se a caminho, pela estrada poeirenta que conduzia à vila.
– Tens razão, Rambhau. E Deus oferece a justiça perfeita a todos quantos tão somente creem e aceitam a Sua oferta gratuita de salvação por meio do Seu Filho amado.
– Porém, sahib, já lhe disse muitas vezes que, para mim, isso é fácil demais. Não posso aceitar tal coisa. Talvez eu seja muito orgulhoso, mas quero trabalhar para merecer meu lugar no Céu.
– Oh, Rambhau! Você não vê que nunca poderá chegar ao Céu por esse caminho? Existe um só caminho para o Céu. Veja, Rambhau, você já não é jovem. Pode ser esta a última temporada de pesca de pérolas para você. Se quiser ver, algum dia, as portas do Céu, deve aceitar a vida nova que Deus oferece em Seu Filho.
– Minha última temporada! Você disse bem; hoje foi meu último dia de mergulhar. Este é o último mês do ano, e tenho que fazer preparativos.
– Você deve se preparar para a vida futura.
– É justamente o que pretendo fazer. Você vê aquele homem ali? É um peregrino, indo provavelmente a Bombaim ou Calcutá. Anda descalço e escolhe sempre as pedras mais pontiagudas para pisar e, veja: com frequência, após dar alguns poucos passos, ele ajoelha-se e beija o chão. Isso é bom. No primeiro dia do ano novo começarei minha peregrinação. Tenho planejado assim durante toda a minha vida. Desta vez quero ter a certeza de conseguir o Céu. Vou até Delhi de joelhos.
– Homem! Você está louco! São uns 1500 quilômetros daqui a Delhi! Você rasgará seus joelhos e morrerá de infecção antes que chegue a Bombaim.
– Não; tenho que chegar a Delhi. Então os imortais me darão a recompensa. O sofrimento será doce pois me comprará o Céu.
– Rambhau! Meu querido amigo! Não é possível! Como poderei deixar que faça tal coisa quando Jesus Cristo morreu para comprar o Céu para você!
Porém o velho Rambhau não se deixava convencer.
– Sahib Morse; você é meu melhor amigo neste mundo. Por todos estes anos esteve sempre ao meu lado. Na doença e na necessidade você foi, muitas vezes, meu único amigo. Mas, mesmo assim, não poderá me fazer desistir de meu grande desejo de comprar a felicidade eterna. Devo ir a Delhi.
Era inútil. O velho pescador de pérolas não podia compreender - não podia aceitar a salvação gratuita por meio de Cristo. Certa tarde Morse ouviu bater, e foi abrir a porta a Rambhau.
– Meu bom amigo! – exclamou, – Entre, Rambhau.
- Não – respondeu o mergulhador, – Peço que venha comigo à minha casa por alguns momentos, sahib. Tenho algo que desejo lhe mostrar. Não se recuse a vir.
– É claro que vou! – respondeu o missionário. Seu coração pulava de satisfação. Talvez Deus estivesse agindo em resposta às suas orações.
– Devo partir para Delhi daqui a oito dias – disse Rambhau dez minutos depois, quando já se aproximavam de sua casa. O coração do missionário desfaleceu. Ao chegarem, Morse sentou-se na cadeira que seu amigo mandara fazer especialmente para ele; a mesma cadeira na qual sentara-se muitas vezes para explicar ao mergulhador o Divino Caminho para o Céu. Rambhau saiu da sala e voltou logo em seguida trazendo um pequeno, porém pesado, cofre inglês.
– Tenho este cofre há muitos anos, mas há só uma coisa que guardo aqui. Vou contar-lhe tudo. Sahib Morse, já tive um filho.
– Um filho?! Oh, Rambhau, você nunca me falou dele!
– Não, sahib; eu não podia – e enquanto falava seus olhos enchiam-se de lágrimas. – Mas agora tenho que lhe falar, pois em breve estarei partindo e quem sabe se tornarei a voltar?... Meu filho também era mergulhador; o melhor que havia em todas as praias da Índia. Tinha o mergulho mais rápido, a vista mais penetrante, o braço mais forte, o fôlego mais prolongado que qualquer outro pescador de pérolas. Que alegria ele me dava! Meu filho sonhava sempre encontrar uma pérola superior a todas as que já haviam sido pescadas. Um dia ele a encontrou. Porém, quando a encontrou, já tinha ficado demasiado tempo debaixo d'água, e veio a morrer pouco tempo depois.
O velho pescador de pérolas baixou a cabeça e, por um momento, todo o seu corpo estremeceu.
– Todos estes anos guardei a pérola – continuou, – mas agora vou-me embora para não mais voltar... e quero oferecer minha pérola ao meu melhor amigo.
O velho pescador fez funcionar a combinação do cofre e tirou dele um objeto cuidadosamente embrulhado em algodão. Abrindo com cautela o embrulho, tirou uma pérola gigante e colocou-a na mão do missionário. Era uma das maiores pérolas já descobertas nos mares da Índia, e resplandecia com um brilho nunca visto em pérolas cultivadas. Poderia ser vendida por uma fortuna fabulosa em qualquer lugar.
Por um momento o missionário ficou mudo, a contemplar, com certa reverência, aquela joia. Depois disse:
– Rambhau, esta pérola é maravilhosa; é surpreendente. Deixe-me comprá-la; dou a você dez mil rúpias por ela.
– Sahib – disse Rambhau, endireitando o corpo, – Esta pérola não tem preço. Ninguém, em todo o mundo, tem dinheiro suficiente para pagar o valor que ela representa para mim. Não quero vendê-la. Você só poderá possuí-la na condição de ser uma dádiva.
– Não, Rambhau, não posso aceitar essa condição. Embora eu esteja ansioso por possuir a pérola, não posso aceitá-la desta maneira. Talvez seja orgulho de minha parte, mas isso é fácil demais para mim. Tenho que pagar, ou trabalhar para merecê-la.
O velho pescador estava abismado.
– Sahib, não está compreendendo. Não vê? Meu único filho deu a sua vida para conseguir esta pérola, e não a venderei por dinheiro nenhum. O seu valor está no sangue da vida do meu filho. Não posso vendê-la, mas quero oferecê-la a você como um presente. Aceite-a, pois, como prova do grande amor que tenho por você.
O missionário não podia falar, tal era a emoção que o sufocava. Pegou na mão do velho pescador e depois, com voz baixa, disse:
– Rambhau, será que você não vê? É exatamente o que você tem estado a dizer a Deus. – O mergulhador olhou fixamente por muito tempo para o missionário e então começou, pouco a pouco, a compreender. – Deus está oferecendo a vida eterna como uma dádiva gratuita. É tão grande, e custou tanto, que não tem preço; ninguém na terra a poderia comprar. Ninguém a poderia conquistar. Ninguém a poderia merecer. Custou a Deus o sangue do Seu Único Filho, para assim abrir para você a entrada no Céu. Em mil peregrinações você não poderia conseguir aquela entrada. Tudo o que pode fazer é aceitá-la, como prova do amor que Deus tem por um pecador. Rambhau, tenho imenso prazer em aceitar a pérola com a mais profunda humildade, pedindo a Deus que eu possa ser digno do amor que você demonstra para comigo. Rambhau, você não quer aceitar também, com humildade, a grande dádiva da vida eterna que Deus oferece a você; dádiva esta que custou a Deus a morte do Seu Filho a fim de podê-la oferecer de graça? "O dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor" (Romanos 6.23).
Grandes lágrimas rolaram pela face do velho pescador. O véu começava a se levantar. Finalmente compreendia.
- Sahib, agora vejo. Creio que Jesus entregou-Se à morte por mim. Eu O aceito!
"Graças a Deus pois pelo Seu Dom inefável" (2 Coríntios 9.15)
"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3.16).
DOIS MORRERAM POR MIM
NOSSOS CORAÇÕES tinham sido atingidos pela dor, quando, acima do ruído do temporal, soaram aos nossos ouvidos os apitos aflitivos, através das águas turbulentas, que nos deram a compreender, sem sombra de dúvida, que algum barco, ou barcos, estavam lutando com as ondas e que muitos estavam em risco de perder a vida naquele mar bravio.
Ao amanhecer dirigi-me para a praia; já cessara a tempestade e o sol brilhava reluzente; o mar cintilava e os pássaros cantavam alegremente; pelo que o furioso temporal da noite e o horror que o acompanhava, poderiam parecer ter sido apenas um pesadelo medonho, se não fosse a cena que se contemplava na praia. Ali não faltavam sinais de naufrágio e de ruína.
Com o espírito pesaroso, contemplei a cena desejosa de saber quantos homens teriam conseguido salvar-se da morte que os ameaçara. Enquanto assim meditava, percebi que havia se aproximado de mim um marinheiro. Voltei-me para ele e pedi-lhe informações sobre os acontecimentos da noite. Contou-me de tentativas heroicas para salvar os náufragos, que em parte haviam sido bem sucedidas; e depois, ao lastimar eu a sorte dos que haviam perdido a vida, disse-me em tom de sincera solicitude:
– Minha senhora, peço licença para lhe fazer uma pergunta. A senhora está salva, ou ainda perdida? Quero dizer — acrescentou — conhece o Senhor Jesus?
Muito me agradou aquela pergunta, pois podia responder-lhe que o seu Salvador era também o meu Salvador. E, conversando nós um pouco acerca dAquele tão querido aos nossos corações, dei-lhe um fraternal aperto de mão, e perguntei há quanto tempo conhecia o bendito Salvador, e como se convertera a Ele.
– Há quase cinco anos que salvou o meu corpo de morrer afogado e a minha alma do lago de fogo — disse ele. — Nunca poderei esquecer o que sucedeu, pois dois morreram por mim.
– Dois? — perguntei, muito surpreendida.
– Sim, minha senhora, dois — respondeu. — O meu Salvador morreu por mim há mais de 1.800 anos, na cruz do calvário, e o meu companheiro morreu por mim há cinco anos, e foi isso que me atraiu para o meu Salvador.
Vendo que eu manifestava interesse, continuou:
– Foi uma noite tal como a noite passada que o nosso barco encalhou numa rocha. Pedimos socorro por meio de sinais e disparando tiros. Não tardou para que homens corajosos tripulassem o barco salva-vidas e se fizessem ao mar. Duvidávamos que pudessem resistir ao furor das grandes ondas, mas arriscaram-se, e Deus os auxiliou. Com dificuldade transferimos para o salva-vidas as mulheres e crianças, e este chegou à praia. Mais uma vez, com nova tripulação, o barco salva-vidas voltou e foram salvos os passageiros de nosso navio. Então compreendemos que seria impossível salvar-nos a todos, pois na terceira viagem do barco salva-vidas não caberiam todos os restantes, e o nosso navio afundaria antes que o barco pudesse vir pela quarta vez. Assim, lançamos sortes, para decidir quem iria ficar. Coube a mim ficar no navio prestes a afundar. Que horrorosas as trevas que se apoderaram de mim! "Condenado a morrer e ir para o inferno!", murmurei, e me vi passando em revista todos os pecados de minha vida. Não dei sinal que pudesse ser notado pelos companheiros, mas o que se passava entre a minha alma e Deus era terrível!
Eu tinha um companheiro que amava o Senhor Jesus. Ele muitas vezes havia me falado do que importava para a felicidade de minha alma, mas eu respondia-lhe, zombando, que estava resolvido a gozar a vida. Agora, porém, embora ele estivesse ao meu lado, não tive a coragem de sequer lhe pedir que orasse por mim, mas, por um momento, admirei-me de que me não falasse do Salvador. Fui compreender depois.
O seu semblante, quando por um momento o contemplei, manifestava calma e serenidade, como se estivesse iluminado por uma estranha luz. Com amargor, pensei, "Ele bem pode estar satisfeito; tem a sorte de ir no salva-vidas e ser salvo". Querido James, como podia eu estar tão enganado a seu respeito? Bem, minha senhora, o salva-vidas aproximou-se de novo, e, um após outro, embarcaram nele os homens a quem tocara a sorte. Chegou a vez de James, mas ao invés de ir, empurrou-me para a frente e disse: "Vai você no salva-vidas em meu lugar, Thomas, e tenha a certeza de me encontrar no Céu! Não morra agora para ir parar no inferno; quanto a mim, não se preocupe". Eu não quis que ele se sacrificasse assim, mas os outros me levaram adiante deles. O que estava atrás de mim, ansioso por entrar no salva-vidas, empurrou- me. James sabia muito bem que isto iria acontecer, e foi por esta razão que nada me havia dito do que tencionava fazer. Dentro de poucos segundos, encontrava-me no salva-vidas. Dali a momentos, mal nos havendo afastado, o navio afundou-se, e nele James, meu querido amigo James, se foi! Sei que foi para Jesus; mas, minha senhora, ele morreu em meu lugar! Morreu por mim! Não disse com verdade à senhora, que dois morreram por mim!
Thomas ficou calado por um momento, os olhos molhados de lágrimas que não tentou disfarçar. Eram um tributo ao amor de quem sofrera a morte em seu lugar. Quando consegui vencer a emoção, limitei-me a dizer:
– E então?
— Então, minha senhora — disse-me ele em seguida, quando vi aquele navio afundar, disse a Deus de todo o meu coração: "Se eu chegar à terra a salvo, James não terá morrido em vão. Se Deus quiser, vou encontrá-lo no Céu. Decerto que o Deus de James é digno de que eu O conheça, pois James morreu para me dar mais uma chance de conhecê-Lo".
— Demorou para você se encontrar com o Salvador? — perguntei.
— Não houve grande demora, embora a mim parecesse haver então. Não sabia qual o primeiro passo a dar. Quer estivesse dormindo ou acordado, tive sempre na memória a cena do navio afundando, e de James, com o calmo sorriso que havia visto em seu rosto; a recordação não me abandonava nunca. A princípio pensava mais em James do que no Senhor. Depois, lembrei-me de que deveria adquirir uma Bíblia, pois tinha visto James muitas vezes lendo este livro que ele tanto amava; e, antes de começar a ler, fiz uma pequena oração. Eu era muito ignorante, o que contei ao Senhor, e contei também que não conhecia o caminho para o Céu, e lá desejava encontrar-me com James, pelo que Lhe pedi que me indicasse.
— E Ele assim fez?
— Fez, sim, minha senhora. Não sabia onde havia de começar a leitura da Bíblia, mas pensei que seria bom iniciar no Novo Testamento, e ler sempre seguido, até descobrir como poderia me salvar. Mas, ai! as primeiras leituras foram para mim terríveis. Quando cheguei aos capítulos cinco, seis e sete de Mateus, cada linha parecia condenar-me, e disse a mim mesmo: "Não vale a pena, Thomas, você não tem chance. Você tem sido muito mau". E fechei o livro. Mas então vieram-me de novo à memória aquelas últimas palavras de James: "Tenha a certeza de me encontrar no Céu!". E achei que era evidente que James julgara ser possível que eu fosse salvo, pois ele conhecia bem a Deus e a Bíblia, bem como conhecia a minha vida e sabia muito bem como ela tinha sido. Por isso tomei a abrir o livro, e continuei a ler mais e mais, e cada vez mais, sempre que podia dispor de alguns minutos.
Finalmente cheguei onde se conta de dois malfeitores, um dos quais foi salvo pelo Senhor, e pensei: "Aqui está um homem quase tão mau como eu". Coloquei de lado a Bíblia, prostrei-me de joelhos e disse: "Senhor, eu sou tão mau quanto aquele malfeitor; rogo-Te que me salves, tal como salvaste a ele". A minha Bíblia tinha ficado aberta, e, quando abri os olhos, após ter proferido esta oração, deparei- me logo com estas palavras: "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso" (Lucas 23.43). Aceitei-as como a resposta de Deus à minha oração. Não julgava estar prestes a morrer; tinha quase esse desejo; mas pensei que Jesus tinha dirigido essas palavras para comunicar-me que havia me perdoado. Assim, ajoelhei-me novamente, agradecendo-Lhe. Claro está que ainda ignorava muitas coisas, mas pouco a pouco vim a conhecer o caminho de salvação: como Jesus morrera em meu lugar lavando-me de todos os meus pecados no Seu precioso sangue, pois "o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (1 João 1.7). Agora estou ansioso para encontrar o Senhor, mas também para ver James brilhando lá no céu.
Agora, querido leitor, permita-me fazer-lhe a mesma pergunta que aquele marinheiro fez no princípio de sua história: VOCÊ JÁ ESTÁ SALVO, OU AINDA ESTÁ PERDIDO? CONHECE O SENHOR JESUS?
A MÃO CICATRIZADA
W1LLIAM DIXON era ateu. Ainda que Deus existisse, o que duvidava, Dixon nunca iria perdoá-Lo por ter-lhe levado a jovem esposa e seu filhinho, apenas dois anos após o casamento. Ele sentia-se muito desolado e cheio de rancor.
Dez anos após a morte de Mary Dixon, houve um incêndio na pequena aldeia de Brackenthwaite, destruindo totalmente a casa de Peggy Winslow. Enquanto as chamas consumiam a casa, os vizinhos conseguiram tirar a velhinha ainda com vida, mas quase sufocada pela fumaça. Então todos ouviram, horrorizados, os gritos aflitos de uma criança. Era a voz do pequeno Richard, neto da velhinha e órfão. Ele havia sido acordado pelas chamas e, gritando desesperadamente, correu para a janela do segundo andar.
Aflitos, todos presenciavam a perigosa situação em que a criança se encontrava, julgando ser impossível salvá-la por ter já desmoronado a escada que levava ao andar superior. De repente, William Dixon precipitou-se em direção à casa incendiada e, subindo por um cano de ferro, tomou o rapazinho todo trêmulo em seus braços. Segurando-o com seu braço direito, e com sua mão esquerda agarrada ao cano de metal quente, ambos chegaram ao chão salvos e foram recebidos com alegria por todos. Logo depois desmoronavam as paredes da casa.
O pequeno Richard nada sofrera, mas a mão com que Dixon havia segurado o cano de metal ficou em péssimas condições. A queimadura foi curada deixando, porém, uma profunda cicatriz que o acompanharia até o dia de sua morte.
Peggy, a velhinha, não conseguindo refazer- se do choque, faleceu poucos dias depois. Ficou para ser decidida a sorte do pequeno Richard. James Lovatt, uma pessoa muito respeitável, pediu que fosse permitido adotá-lo, já que ele e sua esposa muito desejavam um menino, após a morte de seu filho. Para surpresa de todos, William Dixon fez um igual pedido. Por ser uma escolha difícil entre os dois, convocou-se uma reunião com o pastor da igreja, o juiz e outros mais.
O juiz, Sr. Haywood, disse:
— É muito generoso, tanto da parte do Lovatt, como da do Dixon, se oferecerem para adotar o órfão, mas estou perplexo quanto a qual dos dois deve ser entregue a criança. Dixon, que salvou a vida do menino, tem direito à preferência; mas, por outro lado, Lovatt tem esposa, e à criança faz falta os cuidados de uma mulher.
O Sr. Lipton, que era o pastor, disse:
—Um homem com ideias ateístas como Dixon não convém para tutor de uma criança. Por outro lado, Lovatt e sua esposa são crentes, e educariam o menino de forma conveniente. Dixon salvou o corpo do menino, porém seria muito triste, para o bem-estar futuro do pequeno, se aquele que o salvou da casa incendiada viesse a ser o causador da sua ruína eterna.
— Ouçamos o que os próprios interessados têm a dizer -- disse o Sr. Haywood, — e, em seguida, submeteremos o assunto à votação.
Sendo convidado a falar, o Sr. Lovatt respondeu: — Bem, meus senhores, ainda há pouco tempo eu e minha mulher perdemos um filhinho, e sentimos que este menino poderia preencher seu lugar. Faremos o possível para criá-lo no temor do Senhor. Além do mais, uma criança de tão tenra idade carece dos cuidados de uma mulher.
— Muito bem, Sr. Lovatt; agora ouçamos o Sr. Dixon.
— Tenho apenas um argumento a apresentar, senhor, e este — respondeu Dixon com calma, enquanto tirava a atadura da sua mão esquerda. Depois, estendeu-a, tão horrivelmente ferida e cheia de cicatrizes.
Durante momentos houve silêncio profundo, e os olhos do alguns ficaram marejados de lágrimas. Naquela mão cicatrizada havia algo que apelava para o sentimento de justiça de cada um. Dixon tinha o direito de preferência, para a posse do pequeno, em virtude do que tinha sofrido. Assim, tendo sido o caso submetido à votação, a maioria decidiu a seu favor.
Começou assim, para Dixon, uma vida nova. O pequeno Richard nunca sentiu a falta dos carinhos de uma mãe, pois William foi como pai e mãe para o órfão, dedicando ao pequeno que salvara, toda a ternura armazenada em sua forte natureza. Richard era uma criança habilidosa, e correspondia com prontidão aos ensinamentos de seu pai adotivo, a quem amava com todo o fervor de seu temo coraçãozinho. Lembrava-se de como o "papai" o tinha salvado do incêndio, e de como conseguira que lho entregassem, devido à mão tão horrivelmente queimada por amor a ele.
Num certo verão, houve na cidade uma grande exposição de quadros, e Dixon levou Richard para vê-los. O garoto ficou muito interessado nos quadros e também nas histórias que seu pai lhe contou a respeito de alguns deles. Porém, o que mais impressionou o menino, representava o Senhor Jesus repreendendo a Tomé, e tinha em baixo as palavras:
"Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos" (João 20.27).
O pequeno Richard leu as palavras e pediu:
— Papai, quero que me conte a história deste quadro.
— Não, deste não!
— Por que não quer contar a história deste, papai?
— Porque não acredito nessa história.
— Oh, mas isso não faz mal — insistiu Richard, — pois também não acredita na história de "Jack, o Matador de Gigantes", que é uma de minhas preferidas. Conte-me a história deste quadro, papai; conte-me, por favor! E Dixon contou-lhe, e Richard ficou muitíssimo interessado.
-— Faz lembrar a nossa história, papai — disse ele. — Quando o casal Lovatt queria me adotar, você mostrou a sua mão. Talvez Tomé, quando viu as cicatrizes nas mãos do Bom Homem, sentiu que pertencia a Ele.
—- Suponho que sim. — respondeu Dixon.
— O Bom Homem parecia estar tão triste — disse Richard, — acho que deve ter ficado triste por Tomé não ter acreditado desde o início. Foi muito ruim, não foi? Pois o Bom Homem tinha morrido por ele.
Dixon nada respondeu, e Richard continuou:
— Quando me contaram de você e do fogo, eu também teria sido ingrato e mau se tivesse respondido assim; se tivesse dito que não acreditava naquilo que você fez, não é verdade papai?
— Não quero pensar nisso, filho.
— Mas talvez depois amasse muito o Bom Homem, assim como eu amo você. Quando vejo sua pobre mão, papai, eu o amo mais do que milhões de milhões.
Richard estava cansado, e adormeceu antes de poder medir o montante da sua grata afeição. Porém o sono de Dixon foi muito perturbado naquela noite. Não conseguia afastar de seus pensamentos o quadro daquele rosto tão terno e triste, que parecia estar olhando para ele lá da parede da sala de exposição. Sonhou que Lovatt e ele contendiam pela posse de Richard; mas que quando mostrou a mão cicatrizada, o menino afastara-se dele. Surgiu-lhe no coração um sentimento amargo contra tamanha injustiça.
Não cedeu logo a essa influência, mas o amor que sentia por Richard tinha-lhe enternecido o coração, e a semente lançada naquele dia não caiu em terreno pedregoso. Assim, passado algum tempo, o coração de Dixon tomou-se como o de uma criancinha. Descobriu, pela leitura do Livro dos Livros, que assim como a ele lhe pertencia o Richard, também ele próprio pertencia ao Salvador que foi ferido também pelas transgressões de Dixon. Este, então, entregou-se — corpo, alma e espírito — à guarda daquelas benditas mãos que por amor foram traspassadas.
Mãos carinhosas, tão maltratadas,
Por mim cravadas em uma cruz!
Sobre Teu corpo, os meus pecados,
Levaste, todos, Senhor Jesus.
“Era desprezado, e não fizemos d'Ele caso algum... mas Ele foi ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades" (Isaías 53.3,5).
“Levando Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro" (1 Pedro 2.24).
SEU SALVADOR OU SEU JUIZ?
O EVANGELHO proclama o que Deus fez, antes que venha o Dia do Juízo, a fim de que o homem não tenha que responder pelos seus pecados.
Se o meu credor vier exigir o pagamento de uma dívida, e eu não tiver com que pagar, estou perdido; mas se ele vier para quitá-la, fico livre.
Deus não pode aprovar a iniquidade; isso é impossível; mas uma coisa é insistir pelo pagamento de uma dívida, e outra é vir liquidá-la. O Evangelho nos conta o que Cristo fez como Salvador, antes de Sua próxima vinda, então como Juiz.
Na Cruz de Cristo vemos demonstrada ao máximo a inimizade do coração humano; o que nem sempre nos é tão evidente. Logo que encontram uma oportunidade, todos menosprezam o Senhor. Felizmente, pela misericórdia de Deus, Cristo veio para demonstrar a graça divina. A cruz, porém, demonstra também a podridão e o ódio que existem no fundo do coração humano. O mundo crucificou o Filho de Deus!
Agora Deus pode dizer ao mundo: "O que vocês fizeram com meu Filho? O que Ele fez a vocês? Nada senão o bem. Então, por que cuspiram em Seu rosto e O crucificaram?" Se alguém tivesse feito o mesmo ontem à minha mãe, seria possível que hoje eu estivesse disposto a ter amizade com tal pessoa? O homem tem procedido assim, e quando faz-se luz em seu espírito, confessa ter agido deste modo e reconhece ser incapaz de justificar a si próprio, mesmo que seja de uma acusação das muitas que pairam sobre si.
O mundo deve sofrer o juízo. Todos sabemos que assim será e, no entanto, continuamos de mãos dadas com ele! O que nos diz a lei de Deus? Declara ao homem o que ele deve ser: "Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração"; "Não cobiçarás." Mas bem sei que não tenho amado a Deus, e tenho cobiçado. Portanto, sendo réu em um ponto que seja, já não estou isento de culpa, mesmo que não tenha cometido todos os pecados de que o homem é capaz.
Muitos falam de misericórdia, mas o que querem dizer com isto é que têm o desejo de que Deus dê, aos pecados que cometeram, tão pouca importância como eles próprios dão. Por exemplo, um homem cometeu dez pecados e espera ir para o Céu. Se tiver cometido onze, julgará que não é muito mau; quando tiver cem pecados em sua conta, ainda há de julgar que Deus o desculpará, pois não conhece a santidade de Deus. Ora, um único pecado basta para nos separar de Deus; porém a porta não se fecha para qualquer um que agora confessar tudo com franqueza. O que é o pecado? Acaso o leitor gosta de fazer a sua própria vontade? Isto é que é pecado.
A lei exigia pagamento da dívida. Cristo veio pagá-la, e é isso a graça! "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não tomando em conta os seus pecados" (2 Coríntios 5.19). Volto-me para a Cruz de Cristo: o que Ele está fazendo ali? Julgando o ladrão arrependido? Não, mas "levando Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro", liquidando-os, para que jamais voltem a ser lembrados (1 Pedro 2.24; Hebreus 10.17).
Lá está Aquele Salvador bendito, a Quem tenho desprezado durante toda a minha vida, e vejo que Ele tomou sobre Si os meus pecados, carregou o meu fardo. "Tudo está consumado" — consumado com absoluta perfeição, nada podendo se acrescentar à Sua obra, pelo que Cristo assentou-Se à destra do trono de Deus. Voltou à glória por haver completado a obra. O Espírito Santo torna isto claro aos nossos corações, e, desse modo, eu posso afirmar que Cristo fez tudo por mim. "O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação" (Romanos 4.25). A ressurreição é a prova de que Deus aceitou a obra, e que nós, também, fomos aceitos ou "feitos agradáveis a Si no Amado" (Efésios 1.6).
Assim, ao invés de afastar a mim, Deus afastou de mim o meu pecado. Veio ao meu encontro no dia da graça, para eu não ter que comparecer perante Ele no dia do Juízo.
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