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A Lei

O Relacionamento Apropriado

do Cristão com a Lei

Por Nicolas Simon

 

Índice



 


Introdução



Há muita confusão na Cristandade a respeito do uso correto e apropriado da Lei Mosaica. Alguns acreditam que as leis morais são aplicáveis aos Cristãos; outros, que nada se aplica. Uma pequena minoria de Cristãos afirma que tudo isso deve ser observado. A Confissão de Fé de Westminster,[1] a título de exemplo, diz: Embora os verdadeiros crentes não estejam sob a lei, como um pacto de obras, para serem assim justificados ou condenados; ela ainda é de grande uso para eles, bem como para outros; nisso, como uma regra de vida informando-os da vontade de Deus e de seu dever, ela os dirige e os obriga a andar adequadamente. Ou seja, embora não sejamos salvos por meio da lei, ela é uma boa regra para vida. Este ensino é amplamente difundido no Cristianismo.


Vamos começar delineando a relação apropriada do Cristão com a lei. Isso pode ser resumido em três pontos:

  1. Não somos salvos pelo princípio de lei; nem por meio de nossa obediência a ela e nem pela obediência de Cristo a ela.

  2. Estamos mortos para a lei. A lei em si não está morta – ela continua a expor e julgar o pecado.

  3. A lei não é a regra de vida do Cristão; não estamos sob a lei.

Embora a expressão a lei frequentemente se refira à Lei Mosaica, o uso da palavra lei nas Escrituras é mais geral. Em muitos casos, o texto original fala de lei como um princípio – não a Lei Mosaica especificamente. É exatamente ao princípio de lei que não estamos mais sujeitos. Há um novo princípio que tomou seu lugar – a graça e tudo o que ela abrange.


 


O Contexto Histórico


Antes de examinarmos esses três pontos, devemos considerar o contexto histórico da lei. Abraão nunca esteve sob a lei, nem Isaque ou Jacó. Na verdade, podemos incluir os doze filhos de Jacó também. A lei foi dada aos filhos de Israel no deserto do Sinai, no Monte Horebe. Encontramos o relato em Êxodo 19. Até aquele momento, Deus havia agido para com os filhos de Israel em graça pura e soberana de acordo com Sua própria fidelidade (Êx 6:6-8). Ele os levou sobre asas de águia e os trouxe para Si (Êx 19:4). O capítulo 16 de Ezequiel nos dá uma imagem gráfica do cuidado amoroso de Jeová para com Israel. Visto como uma criança abandonada, coberta pela sujeira de seu nascimento, Israel era rejeitado e não amado. Não havia nada neles para merecer o favor de Deus. Deuteronômio confirma isso: “O Senhor não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos, mas porque o Senhor vos amava; e, para guardar o juramento que jurara a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão forte e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito” (Dt 7:7-8). Deus, em Sua soberania, escolheu Israel e os separou para Si para serem um povo santo: “E ser-Me-eis santos, porque Eu, o Senhor, Sou Santo e separei-vos dos povos, para serdes Meus” (Lv 20:26).


Havia uma conduta correta e apropriada, adequada ao relacionamento para o qual os filhos de Israel foram trazidos. É nessa conjuntura que Jeová apresenta a lei. “Se diligentemente ouvirdes a Minha voz e guardardes o Meu concerto, então, sereis a Minha propriedade peculiar dentre todos os povos” (Ex 19:5). A isso Israel respondeu: “Tudo o que o Senhor tem falado faremos” (Êx 19:8). Eles repetiram essa promessa ao longo de sua história, mesmo quando claramente a violaram: “Então, disse o povo a Josué: Não; antes, ao Senhor serviremos... Agora, pois, [disse Josué] deitai fora os deuses estranhos que há no meio de vós (Js 24:21, 23; ver também Ne 9-10).


Pode-se perguntar: Israel teve escolha? Eles certamente tiveram uma escolha quanto ao linguajar da resposta por eles dada. O homem, entretanto, é confiante em sua própria capacidade de se colocar diante de Deus. Nada mudou a esse respeito. Diga a uma pessoa que ela precisa de um Salvador e ela perguntará: Por quê? Além disso, o homem falha em dar crédito a Deus pelo seu sucesso. (Porém, se as coisas não vão bem, então Deus leva a culpa!) Se Israel tivesse considerado por um momento as circunstâncias de sua saída do Egito, isso poderia ter-lhes dado razão para uma reflexão. Eles eram melhores do que os egípcios? Somente o sangue do cordeiro protegeria o primogênito, não seus méritos. E quanto ao Mar Vermelho? Antes de deixarem o Egito, já estavam reclamando e acusando Moisés (Êx 14:11-12). Eles deviam tudo à misericórdia de Deus e, ainda assim, juraram fazer tudo o que Jeová havia dito. Eles não conheciam o próprio coração. Havia alguns em Israel que acreditavam em Deus e procuravam andar na fé; a maioria, porém, não: “A palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram” (Hb 4:2).


A lei se endereça a um povo terreno. Um israelita é aquele que pode atestar sua linhagem de sangue desde Jacó[2]. A lei é muito atrativa para o homem natural – sua solenidade e cerimônia são muito atrativas. Além disso, ela faz uma exigência ao homem; uma demanda que ele pensa que pode atender e, assim, provar a si mesmo. O homem aproveita a oportunidade e diz: Eu posso fazer isso! No entanto, não é preciso fé para sacrificar um cordeiro e oferecê-lo de acordo com os estatutos da lei. Todavia, se oferecido sem fé, não significa nada aos olhos de Deus (1 Sm 15:22; Pv 15:8; Is 66:2-3). Não estou sugerindo que tudo na lei possa ser expresso como uma mera observância religiosa externa, mas mesmo os estatutos morais, em sua maior parte, parecem estar ao alcance de uma pessoa boa. Certa vez, ouvi um judeu comentar sobre os Dez Mandamentos. Em sua opinião, os primeiros nove eram razoáveis – o último, porém, estava fora de lugar. Esse mandamento diz: “Não cobiçarás” (Êx 20:17). Foi exatamente este que levou o homem à morte no sétimo capítulo de Romanos: “Mas eu não conheci o pecado senão pela lei: Não cobiçarás... Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou e, por ele, me matou” (Rm 7:7,11). É evidente que esse judeu sentiu a mesma dificuldade. Como o príncipe do Evangelho de Lucas; talvez ele pudesse dizer que guardava toda a lei desde a juventude, mas o último mandamento o fez desistir: “E, quando Jesus ouviu isso, disse-lhe: Ainda te falta uma coisa: vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-Me” (Lc 18:22). O último mandamento toca nas próprias fontes do coração – aquilo que motiva tudo mais.


A lei não produz justiça, ela a exige. A lei pressupõe a presença da justiça para agir de acordo com seus preceitos. Se eu pedir dinheiro de outra pessoa para saldar uma dívida, há o pressuposto de que os fundos possam ser produzidos. Se não puderem, o indivíduo está falido. A lei sondou o coração do homem para ver se havia algo capaz de corresponder ao caráter de Deus Jeová. O que foi encontrado? Nada![3]


No terceiro capítulo de Romanos, o veredito de Deus sobre o homem é dado: “Não há um justo, nem um sequer” (Rm 3:10). Quanto ao judeu debaixo da lei, é dito: “Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus” (Rm 3:19). Mais adiante, na mesma epístola, o apóstolo escreve: “Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça. Por quê? Porque não foi pela fé, mas como que pelas obras da lei. Tropeçaram na pedra de tropeço” (Rm 9:31-32). Israel incorretamente supôs que poderia obter sua própria posição justa diante de Deus por meio das obras da lei. Nessa tentativa, falharam completamente. A lei mostrou-lhes que eram pecadores. Além disso, em sua tentativa de obter justiça por si mesmos, tornaram-se cegos quanto ao seu verdadeiro estado (Mt 15:14; Rm 11:8). No evangelho de João, os líderes religiosos dizem: “Mas esta multidão, que não sabe a lei, é maldita” (Jo 7:49). Se eles conhecessem a lei, teriam reconhecido que todos estavam amaldiçoados: “Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição” (Gl 3:10).


 


Não Salvo pelo Princípio de Lei


Agora estamos em posição de considerar o que a Palavra de Deus tem a dizer sobre nossa primeira declaração – não somos salvos no princípio de lei; nem por meio de nossa obediência a ela e nem pela obediência de Cristo a ela.


Romanos capítulo um diz a respeito do evangelho: “Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé” (Rm 1:17). Há muito neste versículo. No evangelho, Deus revela uma justiça positiva de Sua parte – positiva, porque o evangelho “é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm 1:16).[4] A lei, por outro lado, expôs a falência do homem no que diz respeito à justiça humana. Na verdade, Deus não está mais procurando justiça no homem; em vez disso, Ele revelou Sua justiça por meio do evangelho. Esta é uma observação notável e contrária aos nossos pensamentos naturais. Como assim? Deus não está buscando a justiça no homem? Além disso, como Deus mostra Sua justiça por meio do evangelho?


Deus manifesta Sua justiça quando, pela graça, justifica o pecador por causa da redenção que há em Cristo Jesus (Rm 3:24). Se Deus nos tivesse justificado por qualquer outra base que não o sangue de Cristo, Ele seria injusto. E se alcançássemos o benefício da redenção de alguma outra forma que não a graça, recebida pela fé, então isso também implicaria haver injustiça em Deus – suporia algum mérito no homem contrário ao próprio veredito de Deus (Rm 3:24). A justiça de Deus é, portanto, revelada “de fé” (ou, poderia ser melhor dito, “pela fé”) porque deve ser obtida com base no princípio de fé. Em contraste, a justiça que a lei exigia era pelo, ou com base no princípio de obras. É “de fé em fé” (Rm 1:17) porque é somente por meio da fé que pessoalmente alcançamos o benefício dela.


Este versículo seria suficiente para responder à nossa indagação – a salvação deve ser obtida pelo princípio da fé sem obras e deve ser recebida pela fé – o apóstolo, entretanto, desenvolve isso mais adiante. No terceiro capítulo, ele escreve: “Por isso, nenhuma carne será justificada diante d'Ele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado” (Rm 3:20). Pela lei vem o conhecimento do pecado. A lei não produz justiça, mas sim a exige. Quando o homem falha em produzir o que ela exige, imediatamente se mostra um pecador. A lei é totalmente impotente para tornar justo um homem. Nossa posição justa diante de Deus deve ser baseada somente na fé completamente à parte da lei. “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei” (Rm 3:28).


Agora chegamos a um versículo que gera algumas questões. “Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma! Antes, estabelecemos a lei” (Rm 3:31). Em vez de tentar fazer com que este versículo se encaixe em nossa teologia, nós o recebemos no contexto dos versículos que o precedem e seguem – ele não os contradiz. Muito simplesmente, a lei não foi anulada pelo evangelho. Em vez disso, o evangelho estabeleceu a lei como santa, justa e boa. E como é isso? Suponha por um momento que fomos justificados (declarados justos) pela lei; isso só poderia ser possível por meio do enfraquecimento da lei. Humanamente falando, a lei é um padrão muito alto; ninguém o pode alcançar. O homem diz, baixe-a um pouco e tudo ficará bem. Na mente de muitos, é exatamente isso que o evangelho da graça de Deus fez. Graça, no entanto, não fez nada do gênero. Deus pôde Se mostrar misericordioso para com o homem somente porque Sua natureza justa foi totalmente afirmada e satisfeita na cruz. Na cruz, a ira de Deus contra toda impiedade e injustiça foi totalmente expressada (Rm 1:18). De maneira alguma Deus rebaixou Seus padrões, nem de forma alguma Se reconciliou com o homem pecador. Este versículo (Rm 3:31) não muda nada do que declaramos. No entanto, estabelece nosso segundo ponto sobre a lei: a lei não está morta – falaremos mais sobre isso em breve.


A fraqueza que envolve o homem e a lei, nada tem a ver com a lei, mas com o homem. Isso é confirmado por Paulo, não apenas nos versículos que acabamos de considerar, mas consistentemente em toda a sua epístola aos Romanos: “A lei é santa; e o mandamento, santo, justo e bom..., mas eu sou carnal, vendido sob o pecado (Rm 7:12, 14).


E se Cristo cumpriu a lei em meu lugar? Alguém pode concordar com tudo o que foi escrito, mas ainda assim insistir que a justificação é baseada na obediência de Cristo à lei. Embora possa ser uma boa teoria, não é apoiada pelas Escrituras.[5] Em todos esses casos, onde é revelada a desilusão quanto à obediência da lei pelo homem, e onde a completa falta de justiça da parte do homem é exposta, em nenhuma vez a obediência de Cristo à lei é trazida ao contexto. Em vez disso, lemos sobre a redenção que se encontra em Cristo Jesus e a fé de nossa parte em Seu sangue derramado (Rm 3:24-25). Gálatas confirma o que acabamos de ver em Romanos. “Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé de Cristo e não pelas obras da lei, porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada(Gl 2:16). A expressão “pela fé em Jesus Cristo” pode ser confusa para alguns, mas é a fé que tem Cristo como Seu objeto, como o restante do versículo confirma. Se a obediência de Cristo à lei foi imputada a mim, então esse é o princípio pelo qual sou justificado. Está claro neste versículo que ninguém é justificado pelas obras da lei.


 


O Uso Correto e Adequado da Lei


Chegamos agora ao nosso segundo ponto: Estamos mortos para a lei. A lei em si não está morta – ela continua a expor e julgar o pecado.


Um versículo em Romanos sete, conforme dado na tradução King James, parece sugerir o contrário: “Mas agora estamos libertos da lei, estando mortos no que estávamos presos” (Rm 7:6 – KJV). Uma tradução muito mais clara é: “mas agora estamos desligados da lei, tendo sido mortos por aquilo em que fomos presos” (JND).[6] A lei não está morta, nós estamos. A epístola aos Gálatas confirma isso: “Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus” (Gl 2:19). Visto que a lei não morreu, ela ainda fala.

Na primeira carta de Paulo a Timóteo, lemos: “a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente, sabendo isto: que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas, para os fornicadores, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros e para o que for contrário à sã doutrina, conforme o evangelho da glória do Deus Bem-Aventurado, que me foi confiado” (1 Tm 1:8-11). Este é o uso correto e apropriado da lei.


A lei é um padrão divino pelo qual o homem pode ser medido. A lei continua a julgar o comportamento e expõe, não apenas os pecados, mas o homem como pecador – ela sonda o coração do homem e manifesta sua própria natureza. “Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado não havendo lei” (Rm 5:13). Este mundo não pode alegar ignorância, assim como o antigo Israel não podia; Deus disse. “Porque esta palavra está mui perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a fazeres” (Dt 30:14). Não é que o pecado não existisse antes da lei, pois certamente existia: “Assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram” (Rm 5:12). Mas antes, “o pecado, para que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem,[7] a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno (Rm 7:13). A lei expõe a verdadeira natureza do homem e revela que ele é totalmente pecador. Em sua segunda epístola aos Coríntios, Paulo se refere à lei como “ministério da morte” e “ministério da condenação” (2 Co 3:7, 9). A lei é um princípio de tratamento com o homem que, necessariamente, o destrói e condena.


Por vezes, podemos ouvir dizer que a lei nos leva a Cristo. Isso parece estar apoiado no versículo: “De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que, pela fé, fôssemos justificados” (Gl 3:24). A expressão “para nos conduzir” está em itálico, indicando que essas palavras foram adicionadas pelos tradutores; elas deveriam ter sido omitidas como muitas traduções o fazem. Para Israel, a lei foi seu aio até que Cristo viesse. A cruz é o fim da lei para o crente para que ele seja justificado pela fé. A lei pode ser o meio pelo qual alguém é convencido de sua pecaminosidade, mas a lei é totalmente impotente para trazer alguém a Cristo.


Antes de prosseguirmos para nosso último ponto, gostaria de considerar duas passagens que falam da abolição ou anulação da lei. A primeira está em Efésios: “Na Sua carne, desfez [aboliu – KJV] a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em Si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz” (Ef 2:15). A palavra grega para “aboliu” é a mesma encontrada no terceiro capítulo de Romanos para “anulamos” (Rm 3:31). Neste caso, se os tradutores tivessem usado “anulou” teria sido mais preciso. O apóstolo está falando da divisão que existia entre judeus e gentios. Os gentios eram “separados da comunidade de Israel e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2:12). Foi a lei que estabeleceu esta divisão entre judeu e gentio. Na cruz, porém, isso foi inteiramente deixado de lado em Cristo. Deus criou um corpo sem distinção entre judeu e gentio – a Igreja. A Igreja não foi enxertada em Israel nem a substituiu – para que isso fosse verdade, necessariamente deveria ter sido no terreno da lei. A Igreja, entretanto, é um corpo distinto de Israel e totalmente à parte da lei; todos os que são salvos são nela introduzidos – tanto judeu como gentio. É no contexto dessa relação que o apóstolo fala da anulação da lei dos mandamentos. “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3:28).


No terceiro capítulo da segunda epístola aos Coríntios (JND), a palavra anular[8] aparece quatro vezes. O capítulo fala da Velha Aliança em contraste com a Nova. A lei foi introduzida com a Velha Aliança. Em todos os aspectos, a Nova Aliança é estabelecida em uma base infinitamente superior em comparação à Velha. Como Cristãos, desfrutamos das bênçãos da Nova Aliança, embora não sob sua letra (2 Co 3:6). É uma aliança que será feita com Israel e Judá[9] baseada na obra de Cristo no calvário (Hb 8:8; Lc 22:20). Tendo sido lançado o fundamento para a Nova Aliança, o escritor da epístola aos Hebreus declara: “Dizendo novo concerto, envelheceu o primeiro. Ora, o que foi tornado velho e se envelhece perto está de acabar (Hb 8:13). Embora Cristo não tenha anulado nem diminuído a lei em nenhum aspecto ao nos justificar, no que diz respeito ao Cristão, a lei foi anulada na cruz. O que uma lei (qualquer lei) tem a dizer a uma pessoa morta? Nada! Não estamos sob sua maldição: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-Se maldição por nós” (Gl 3:13); e quanto à justiça: “Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê” (Rm 10:4). Esses versículos não contradizem Romanos 3:31, nem requerem que revisemos nosso entendimento. Tudo se encaixa em perfeita harmonia.


 


A Lei Não é a Regra para a Vida Cristã


Chegamos agora ao nosso terceiro e último ponto. Posso ser questionado: Se a lei ainda serve ao propósito de reprovar o mal, então, certamente, não seria uma boa regra para a vida do Cristão? A resposta é: “Pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Rm 6:14). Ou estamos sob a lei ou não estamos. Se eu tenho uma obrigação para com a lei, então estou sob ela. A obediência do Cristão é à Pessoa de Cristo. É uma obediência enraizada no amor e não no dever. É uma obediência voluntária à qual a nova natureza responde por meio do poder do Espírito Santo.


Atos 15 aborda a questão da sujeição dos gentios à lei. Alguns de Jerusalém estavam ensinando “que era mister circuncidá-los [os gentios] e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés” (At 15:5). Pedro fala claramente: “Por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós podemos suportar?” (At 15:10). Numa reunião dos irmãos em Jerusalém[10], foi formulada uma comunicação repudiando o erro: “Porquanto ouvimos que alguns que saíram dentre nós vos perturbaram com palavras e transtornaram a vossa alma (não lhes tendo nós dado mandamento):... Na verdade, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Bem vos vá” (At 15:24, 28-29). As três coisas necessárias mencionadas não formam uma nova lei nem, a propósito, expressam toda a extensão da conduta Cristã. Elas abordam práticas, aceitáveis entre os gentios, que eram contrárias à natureza sagrada de Deus e do crente. A comunicação veio por inspiração divina (v. 28); não foi por capricho dos irmãos, nem foi de forma alguma um acordo para satisfazer os irmãos judeus. A sensibilidade entre os irmãos, especialmente entre os de origem judaica e gentia, é retomada em Romanos 14-15; não é o assunto aqui. Três das quatro coisas necessárias são anteriores ao dilúvio; comer carnes oferecidas a ídolos é abordado por Paulo em sua primeira carta aos Coríntios (1 Co 10:19-20), era equivalente à comunhão com demônios.


Se Atos 15 responde à pergunta sobre se os gentios deveriam estar sujeitos à lei, a epístola de Paulo aos Gálatas dirige a questão para todos os crentes – tanto judeu quanto gentio. Mestres influentes haviam entrado nas assembleias da Galácia e insistiam que o Cristão precisava estar sujeito à lei. As palavras de Paulo aos gálatas são muito fortes. “Ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi já representado como crucificado? Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne?” (Gl 3:1-3). A mistura da lei, e mais comumente do judaísmo, com o Cristianismo, pode parecer uma coisa pequena, mas exalta o homem às custas de Cristo. Como tal, é ofensivo a Deus.


Para muitos, que entendem corretamente que não somos justificados no princípio de lei, esses podem ainda ver a lei como uma parte necessária à senda Cristã. Mas se assim fosse, qual seria o propósito? Seremos agora aperfeiçoados por meio de lei? A obra de Deus em nós está incompleta? Lemos em outra passagem: “Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a Sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus” (1 Jo 3:9). Por meio do novo nascimento, agora possuímos a mesma natureza que Cristo tem.


Talvez seja dito que precisamos da lei para distinguirmos o certo do errado e para julgar a carne. Mas agora temos a habitação do Espírito Santo: “Mas, quando vier Aquele Espírito da verdade, Ele vos guiará em toda a verdade” (Jo 16:13). “E vós tendes a unção do Santo e sabeis tudo” (1 Jo 2:20). Quando andamos de acordo com a nova natureza no poder do Espírito, a carne não terá parte em nossa vida: “Andai em Espírito e não cumprireis a concupiscência da carne” (Gl 5:16). Alguém pode replicar: Sim, mas ainda temos a carne em nós; não precisamos da lei para mantê-la sob controle? Novamente, a resposta que a Escritura nos dá é clara: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei (Rm 6:14). Este é um versículo marcante; exatamente aquilo que supomos que manterá a carne sob controle (a lei) nos coloca sob o domínio do pecado. E por que isto? “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:7). Em contraste, quando andamos no benefício de tudo o que Deus em Sua graça nos deu, somos libertos da lei do pecado e da morte (Rm 8:2). Se existe uma regra para a vida Cristã, é simplesmente esta: “Aquele que diz que está n'Ele também deve andar como Ele andou (1 Jo 2:6). E ainda: “Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai n'Ele (Cl 2:6).


Muitos irão relegar todos os versículos que falam de não estarmos sob a lei à uma questão de justificação. E ainda, “Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus (Gl 2:19). Isso é justificação? Não, ele fala de nossa vida presente e ela está totalmente à parte da lei. “Também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais Doutro, d’Aquele que ressuscitou de entre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus (Rm 7:4). Novamente, isso fala de fruto para Deus em nossa vida e não de justificação. Não somos justificados pelo princípio de lei e não podemos produzir fruto para Deus com base no princípio de lei.


Quando olhamos para o contexto histórico da lei, vemos que ela foi dada a um povo natural com uma herança terrena. Era uma regra adequada para aquela esfera de coisas. Gálatas, por outro lado, nos vê retirados totalmente deste mundo: “Cristo, o qual Se deu a Si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau” (Gl 1:3-4); “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20); “E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências” (Gl 5:24); “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu, para o mundo” (Gl 6:14). Colocar-nos sob a lei nos traz de volta a este mundo e sua esfera. Há muita coisa no mundo que é contrária ao Cristianismo e deveríamos esperar por isso. Não dizemos, isso e aquilo é condenado pela lei; temos de estar totalmente à parte dela.


A objeção que pode ser feita é de que embora estejamos livres das leis cerimoniais, temos uma obrigação para com a lei moral. É verdade que o livro de Gálatas tem muito a dizer contra a circuncisão – um estatuto cerimonial, não moral. Mas por que a circuncisão foi tão devastadora? Porque isso coloca a pessoa sob toda a lei – eles ficaram em dívida com todas as coisas: “Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gl 3:10). Quando os Cristãos falam da lei, ela é frequentemente reduzida a pouco mais que os Dez Mandamentos. Embora os Dez Mandamentos ocupem um lugar único – eles foram escritos nas duas tábuas de pedra com o dedo de Deus (Êx 31:18, Dt 10:4) – eles não podem ser tão convenientemente separados do restante da lei. Quando perguntaram: “Mestre, qual é o grande mandamento da lei?” (Mt 22:36), o Senhor Jesus respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22:37-39). Nenhum desses dois mandamentos está entre os dez; eles são encontrados em outros lugares (Dt 6:5; Lv 19:18). Deve-se reconhecer que os Dez Mandamentos por si só não abrangem a chamada lei moral.


Perguntamos: o versículo – “Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo de lei, mas debaixo da graça” (Rm 6:14 – JND) – fala de lei moral ou cerimonial? Que tal: “Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei” (1 Co 15:56). Sem dúvida, o apóstolo está falando da lei em sua natureza e essência moral. Ele diz: “Eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás” (Rm 7:7). Isso não tem nada de cerimonial; é moral. Tão certo quanto esses versículos tocam nos aspectos morais da lei, eles nos tiram de debaixo dela.


Se não estamos sob a lei, isso parece clamar pela pergunta: “Pois quê? Pecaremos porque não estamos debaixo de lei, mas debaixo da graça?” (Rm 6:15 – JND). O que significa estar sob a graça? É uma maneira completamente nova de tratar com o homem em contraste com lei. Deus em Sua bondade nos deu tudo o que precisamos para andar em justiça prática diante d’Ele. Além disso, Seu amor em enviar Seu Filho unigênito, e o amor do Filho em dar-Se por nós, nos ensina – se tivermos alguma afeição por Cristo – que não podemos andar em nossos antigos caminhos. Se alguém pagou minhas dívidas – dívidas que não pude pagar – assumir uma aposta seria uma afronta das mais flagrantes para meu benfeitor Com efeito, tomaríamos novamente nosso lugar com aqueles que: “Cuspiram-Lhe no rosto e Lhe davam murros, e outros O esbofeteavam” (Mt 26:67). Tomaríamos, ou poderíamos agora tomar nosso lugar com eles? Mesmo assim, “a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente (Tt 2:11-12).


 


A Justa Exigência da Lei


Quando chegamos ao oitavo capítulo de Romanos, o Espírito Santo aparece como o poder da vida Cristã. É lá que lemos: “Porquanto, o que era impossível à lei, visto como estava enferma [fraca – TB] pela carne, Deus, enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne, para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito (Rm 8:3-4). A lei em si não é fraca; a fraqueza se encontra no homem – a carne é incapaz de guardar a lei. A lei, uma vez violada, leva à condenação; tendo feito seu trabalho nada mais tem a dizer. A lei não conhece misericórdia; é impotente para remover a condenação. Cristo, por meio de Sua morte, realizou isso na cruz. Podemos agora dizer: “Portanto, agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8:1). Vistos como mortos com Cristo, não somos mais governados pela lei do pecado e da morte. Em vez disso, há um novo princípio operando dentro de nós – o Espírito de vida em Cristo Jesus. Quando andamos no poder do Espírito Santo, cumprimos os requisitos justos da lei.


Certamente há princípios expressos na lei consistentes com a vida Cristã. O certo e o errado não mudaram. Na verdade, nenhum dos princípios morais encontrados na lei foi posto de lado – de fato, eles foram fortalecidos. Segundo a lei, o divórcio era permitido, mas por quê? “Disse-lhes Ele: Moisés, por causa da dureza do vosso coração, vos permitiu repudiar vossa mulher; mas, ao princípio, não foi assim” (Mt 19:8). Mas, sob a graça, temos: “Todavia, aos casados, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não aparte do marido. Se, porém, se apartar, que fique sem casar ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher” (1 Co 7:10-11). Essa parte dos evangelhos comumente chamada de Sermão da Montanha (Mt 5-7) é frequentemente entendida como uma espiritualização da lei. Não é isso. Ela nos dá aqueles princípios morais adequados ao reino em contraste com a lei. Ela sobe a um padrão mais elevado. Várias vezes o Senhor diz: “Eu, porém, vos digo... (Mt 5:22, 28, etc.).


Dos Dez Mandamentos, todos exceto o quarto (a guarda do sábado) aparece de uma forma ou de outra no Novo Testamento. Mais uma vez, para dizer de outra forma, o ensino do Novo Testamento não contesta os princípios morais expressos pela lei. “Todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de Quem é tudo e para Quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo Qual são todas as coisas, e nós por Ele” (1 Co 8:6). “Não vos façais, pois, idólatras (1 Co 10:7). “Despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa boca” (Cl 3:8).


Não há exortação para guardar o sábado no Novo Testamento. Ele estava unicamente conectado com a aliança de Deus com Israel (Ez 20:12). O Dia do Senhor não é agora o sábado do Cristão – isso é o que acontece quando a lei é mal utilizada pelos Cristãos; ela precisa ser espiritualizada para contornar as dificuldades óbvias. Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa” (Ef 6:2). “Que nenhum de vós padeça como homicida (1 Pe 4:15). “Não sabeis que os injustos não hão de herdar o Reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros... (1 Co 6:9-10). “Aquele que furtava não furte mais (Ef 4:28). “Pelo que deixai a mentira e falai a verdade cada um com o seu próximo” (Ef 4:25). “Mortificai, pois, os vossos membros que estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, o apetite desordenado, a vil concupiscência e a avareza, que é idolatria” (Cl 3:5).


Muitos desses versículos se relacionam com o fato de termos nos despido do velho homem e nos revestido do novo (isto é, o que somos em Cristo). Não são coisas que esperamos alcançar – um grau de espiritualidade que buscamos. Os males dos quais se fala são apresentados como totalmente incompatíveis com nossa nova vida em Cristo. Tendo vos despojado do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano, e sendo renovados no espírito da vossa mente, e tendo vos revestido do novo homem, que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4:22-24 – JND). Nunca deveríamos, por um só momento, imaginar que viver sob a graça e a liberdade que temos em Cristo nos permite fazer coisas contrárias à natureza santa e justa de Deus. Esse comportamento carnal é incompatível com aquele que se despiu do velho homem. Com uma nova natureza e a habitação do Espírito Santo, um padrão mais elevado é esperado do Cristão do que do israelita sob a lei. Reconhecemos que é possível tornar “em dissolução a graça de Deus” (Jd 4), mas a sujeição à lei não é a solução.


 


Observações Finais


Alguém sob a lei está focado em si mesmo. Vemos isso em ação na Galácia. A lei clamava por amor, mas não produzia o amor (Lv 19:18). Os gálatas descobriram que a sujeição à lei resultou em morder e devorar uns aos outros (Gl 5:15). O amor, por outro lado, é a própria expressão da nova natureza. “Porque a caridade {ou o amor} é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus” (1 Jo 4:7). Aquele que anda no poder do Espírito de Deus não pode deixar de mostrar amor: “O fruto do Espírito é: amor” (Gl 5:22). É a “lei da liberdade” (Tg 2:12) para o crente – não há obrigação ou escravidão associada a ela. Se meu filho gostasse de correr, pedir-lhe que corresse até ao mercado não seria uma imposição. Não, antes, seria uma alegria para ele.


A lei não pode produzir amor, mas o amor, por outro lado, resultará em fruto que cumpre os justos requisitos da lei: “Toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5:14). E novamente: “Porque quem ama aos outros cumpriu a lei. Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás, e, se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor (Rm 13:8-10). A última parte do versículo poderia ser mais bem traduzida: “o amor, portanto, é toda a lei” (JND). O amor abrange toda a lei; não podemos dizer o contrário.


Talvez alguns pensem que estamos divagando. Eu creio que não. Há tanta coisa escrita no Novo Testamento a respeito da lei e do Cristão que não podemos questionar a importância do assunto. Superficialmente, a diferença entre estar sob a lei em comparação ao andar no poder do Espírito para que a justa exigência da lei seja cumprida em nós, pode parecer pequena, mas é realmente profunda. A lei veio para que as ofensas abundassem (Rm 5:20); ela se endereça à carne e a condena completamente. O que a lei não podia fazer, por ser fraca pela carne, Deus fez de outra forma. Se deixarmos de lado o que Deus fez, nos colocaremos em terreno perigoso. A graça é um princípio totalmente diferente da lei (Rm 10:4-10). Não estamos mais buscando nossa própria posição justa diante de Deus. Somos livremente justificados por Sua graça e estamos diante de Deus onde Cristo está. Temos uma nova vida em Cristo e temos de viver no benefício dessa vida no poder do Espírito Santo. Nosso objetivo não é mais nós próprios, mas Cristo. Enquanto a lei disse faça e viva; a graça nos deu vida para que possamos viver e fazer.


Os primeiros crentes foram seduzidos por outros a abandonar a liberdade que era deles em Cristo: “Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou e não torneis a meter-vos debaixo do jugo da servidão” (Gl 5:1). Isso continua sendo verdade hoje. Estarmos debaixo da lei, seja para justificação ou como regra de vida, é parte de um problema muito maior, quer seja, o de confundir a Igreja com Israel. Esta não é apenas uma questão doutrinária; é o âmago do problema. O homem deseja uma religião adequada à carne com aspirações terrenas. Isso, o Cristianismo enfaticamente não é.



 


[1] Elaborado pela Assembleia de Westminster de 1646 como parte dos Padrões de Westminster para ser uma confissão da Igreja da Inglaterra, tornou-se e continua sendo o “padrão subordinado” de doutrina na Igreja da Escócia e tem sido influente nas igrejas presbiterianas em todo o mundo.


[2] Isso explica a importância das genealogias para um israelita.


[3] Reciprocamente, Jesus diz de Si mesmo: “Se aproxima o príncipe deste mundo e nada tem em Mim” (Jo 14:30).


[4] Há também um lado negativo, veja Romanos 1:18.


[5] Essa doutrina, conhecida como a Justiça Imputada de Cristo, é ampla e quase universalmente aceita nos círculos protestantes; isso foi tratado em um artigo separado.


[6] Traduções modernas como RSV (Revised Standard Version, 1952) ou ESV concordam (Study Bible, 2008).


[7] “Pelo bem” é a lei; ela não é a culpada pelo pecado do homem.


[8] Nota do Tradutor: Nas versões da Bíblia em português em vez de anular, encontramos as palavras desvanecer, transitório (vs. 7, 11, 13), abolido, tirado, removido (v. 14).


[9] Isto é, os reinos literalmente unidos em um (Ez 37:16).


[10] O assunto foi tratado em Jerusalém, não porque tivesse autoridade sobre as outras assembleias, mas porque aquela assembleia era a origem dos indivíduos que propagavam o erro.

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