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O Livro de Ester

INTRODUÇÃO

O livro de Ester é uma das poucas porções das Escrituras que nos chamam a atenção pela ausência do nome de Deus. Isto tem, com frequência, surpreendido a muitos: os próprios judeus não eram capazes de compreender o por quê, e há hoje muitos Cristãos que não diferem muito deles. E isto chegou ao ponto de se ter tornado um hábito para alguns, especialmente nestes últimos tempos, tratarem o livro de Ester com uma certa medida de descrédito, como se a ausência do nome do Senhor fosse algo suspeito — como se o livro não fosse de Deus pelo fato de o nome de Deus não ser encontrado nele. Espero mostrar que o fato do nome de Deus não ser encontrado faz parte da excelência do livro, pois há ocasiões em que Deus encobre Sua glória. Não há ocasião em que Ele não opere, mas Ele nem sempre permite que Seu nome seja escutado, ou que Seus caminhos sejam vistos. Quero mostrar que é precisamente este o caráter que o livro exigia — que o nome de Deus não fosse encontrado ali. Por conseguinte, ao invés de despertar uma discussão quanto à participação de Ester no volume sagrado, isto irá mostrar a perfeição dos caminhos de Deus, até mesmo neste fato tão excepcional que é a ausência de Seu nome em todo um livro.


Devemos entender, então, o que Deus tem em vista. E a resposta é esta: Ele está falando aqui de Seu povo na antiguidade, vivendo em circunstâncias tais que Ele não poderia ter o Seu nome associado a eles, uma vez que ocupavam uma posição completamente irregular. Na verdade, no livro de Ester eles não ocupam posição alguma. Não poderíamos dizer o mesmo acerca daqueles judeus que saíram de Babilônia aproveitando a permissão que lhes havia dado Ciro, o Persa, em cumprimento ao que fora predito pelos profetas. É verdade que, mesmo no que diz respeito àquele remanescente, Deus não os chama de “meu povo”. Ao permitir que Nabucodonosor devastasse a terra da casa de Davi e das tribos que haviam continuado fiéis à sua aliança, Deus tirou deles, por um breve período, o título que tinham, e aquele título ainda não lhes foi devolvido. Está, no entanto, bem guardado. Ele tem a intenção de restaurá-los à terra de sua herança; mas o título de posse encontra-se, momentaneamente, desaparecido. Não está perdido, mas reservado; guardado em segredo, para eles, pelo próprio Deus. Quando chegar o dia de Israel ser levado de volta à sua terra, Deus irá gradualmente introduzi-los na posição e no relacionamento que lhes são próprios, e então virão os dias de céu sobre a terra.


Mas isto estava longe de acontecer, mesmo com o remanescente que voltou a Jerusalém. Lá, como sabemos, o livro de Esdras os mostra juntos, com a atenção voltada para o altar de Deus, e construindo Sua casa; e o Livro de Neemias os apresenta assinalando sua posição distinta. Muito embora tivessem perdido seu título, ainda assim eles não haviam perdido o seu Deus. Se Deus não os chamava de Seu povo, eles, ao menos, O chamavam de seu Deus. A fé se agarrava naquilo que Deus era para eles, mesmo quando Deus não podia chamá-los de Sua possessão. Portanto, eles realmente construíram os muros da Jerusalém para que o povo de Deus pudesse ter, ainda que em fraqueza, o sentimento de sua separação para Deus. Isso caracterizou todos os aspectos da vida deles. Enquanto Esdras enfoca a vida religiosa, Neemias trata da vida do povo integralmente consagrada a Jeová.


Porém o Livro de Ester traz à tona uma visão bem diferente. O que aconteceu aos judeus que não subiram a Jerusalém? O que aconteceu àqueles que estavam surdos à permissão, ou não deram valor à liberdade para subirem à terra onde Deus tinha posto os Seus olhos, e onde Ele ainda deseja exaltar o Seu nome — Seu Filho o Messias — bem como o povo da Sua escolha, que ainda está para ser manifestadamente reconhecido por Ele? O Livro de Ester é a resposta a esta pergunta, e nos mostra que quando Deus não podia reconhecê-los de nenhuma maneira — e no lugar onde eles igualmente não O estivessem reconhecendo publicamente —, quando não havia nenhum sinal da parte de Deus, nem da parte do povo — onde o nome de Deus, portanto, encontrava-se então inteiramente envolto em segredo, não sendo mencionado uma única vez sequer através de todo o livro — ainda onde exista isso tudo, pode-se ver a mão e a obra de Deus agindo secretamente a favor de Seu povo, mesmo nas condições mais irregulares em que pudessem se encontrar. Esta é a natureza do livro, e isto, creio, é a solução para a dificuldade quanto ao fato de o nome de Deus não ser mencionado ali. Iremos ver farta confirmação do que estou mencionando, quando olharmos mais adiante neste livro. Apenas dou, até aqui, uma pequena amostra de seu caráter a fim de podermos dar a ele a maior atenção, à medida que os vários incidentes vão se desenrolando diante de nós.


PRIMEIRO CAPÍTULO

Mergulhamos, de relance, em uma extraordinária festa promovida pelo rei Assuero, o qual, eu presumo, seja aquele que é conhecido na história secular como Xerxes. Não é assunto de grande importância se foi Xerxes ou Artaxerxes, ou mesmo algum outro que tenha sido sugerido como a solução para esta questão. Devemos nos lembrar que o título de Assuero era um título genérico, assim como era Faraó no Egito, e Abimeleque entre os Filisteus; isto é, havia muitos Faraós e muitos Abimeleques. Assim também entre os persas houve muitos que levaram o nome de Assuero. De qual Assuero se trata é uma dúvida, mas trata-se de assunto sem importância; se fosse importante, Deus no-lo teria dito. No entanto, eu presumo que era realmente Xerxes, em parte por causa do caráter do homem — um homem de pródigos recursos, ilimitada riqueza, imensa luxúria e vaidade — um homem, também, da mais extrema arbitrariedade e caprichos de caráter.


Iremos ver isto em sua conduta para com sua esposa e também para com o povo judeu. Veremos, igualmente, a história de uma extraordinária faceta do reino deste caprichoso monarca; pois se houve um único rei persa do qual se possa dizer que tratou com dureza o povo judeu, esse rei foi Xerxes. Dario foi um grande admirador de Ciro e, consequentemente, um grande amigo dos judeus. Xerxes não era amigo de ninguém além de si mesmo. Ele era simplesmente um homem que viveu para agradar a si próprio — para gratificar os seus desejos e paixões em conformidade com os abundantes meios que a providência de Deus colocou em suas mãos, mas que ele desperdiçou em sua própria luxúria, como, oh!, faz a maioria dos homens.


Bem, ele nos é mostrado aqui naquela época do império persa quando este era constituído, não de 120 províncias apenas, como era o caso quando Dario, o Medo, e Ciro, o Persa, reinaram. Encontramos, no livro de Daniel, que havia sete províncias que foram mais tardes anexadas por meio de conquistas. Xerxes reinou em uma época, portanto, quando o império persa estava no auge de sua glória e de seus recursos, e ele tinha toda a pompa e esplendor do império ao redor de si — todos os príncipes e sátrapas de seu vasto império.


É sob tais circunstâncias que ele chama por Vasti, a qual se recusa a vir. Isso foi uma provocação para aquele monarca arbitrário e cheio de caprichos. Vasti havia desobedecido ao rei. Ela se recusou, fazendo jus ao desejo de recato que caracterizava as mulheres persas. Ela se recusou a cumprir os desejos do rei. Ele desejava apresentar sua formosura a todo o mundo e ela se recusou. Como consequência o rei buscou aconselhamento com seus nobres, e um deles arriscou-se a dar um conselho de sérias consequências, a saber, a demissão de Vasti. Este é, na verdade, o primeiro grande passo na providência de Deus que é colocado diante de nós neste livro, e dele decorrem todos os extraordinários desdobramentos. Isto, por si só, já é de grande interesse, mas há ainda mais.


O livro não é apenas um livro da providência — da secreta providência de Deus — quando Ele não podia associar o Seu nome em prol de Seu povo — dos judeus em sua condição pobre e dispersa no meio dos gentios; mas, indo mais além, trata-se de um tipo, ou figura, dos grandes atos de Deus que ainda estão para acontecer, pois qual é o assunto principal com que o livro é aberto? Este: a eminente esposa gentia do grande rei é dispensada, e uma judia ocupa o seu lugar. Não posso duvidar de que trata-se do que irá acontecer após o gentio haver demonstrado ser desobediente, e ter falhado em exibir a beleza que deveria ser o testemunho de Deus diante do mundo. Em resumo, é o que está acontecendo agora, isto é, nesta época atual, quando é o gentio que ocupa, sobre a terra, uma certa posição diante de Deus.


Como se sabe, o judeu não é agora o testemunho de Deus, e sim o gentio. Mas o gentio falhou completamente. De acordo com a linguagem usada em Romanos 11, os ramos da oliveira selvagem — o gentio — serão quebrados, e o judeu será novamente enxertado nela. Bem, Vasti é a esposa gentia que é colocada de lado por sua desobediência e por haver falhado em exibir sua beleza diante do mundo. E era isto que a Cristandade deveria ter feito. O gentio, volto a dizer, será quebrado e dispensado, e o judeu será trazido à cena. Isto é representado pelo chamado de Ester. Ela torna-se o objeto das afeições do grande rei, e Vasti é descartada para nunca mais ser restaurada. Mas eu faço este comentário meramente para mostrar a conexão que tem este livro, na forma de tipo ou figura, com o grande curso dos conselhos de Deus nas Escrituras.


SEGUNDO CAPÍTULO

Volto agora a expor um pouco dos fatos que são alinhados no livro como o grande desenvolvimento da secreta providência, quando o nome de Deus não pode ser usado. Deus pode trabalhar quando Ele não pode proclamar-Se a Si mesmo, e isto é extraordinariamente ilustrado no fato de que quando a ordem saiu para que as jovens virgens fossem procuradas para o rei, para que ele pudesse escolher, encontramos, entre elas, aquela de que fala esta porção: “Havia então um homem judeu na fortaleza de Susã, cujo nome era Mardoqueu, filho de Jair, filho de Simei, filho de Quis, homem benjamita, que fora transportado de Jerusalém, com os cativos que foram levados com Jeconias, rei de Judá, o qual transportara Nabucodonosor, rei de Babilônia. Este criara a Hadassa (que é Ester, filha do seu tio), porque não tinha pai nem mãe; e era moça bela de parecer, e formosa à vista; e, morrendo seu pai e sua mãe, Mardoqueu a tomara por filha. Sucedeu pois que, divulgando-se o mandado do rei e a sua lei, e ajuntando-se muitas moças na fortaleza de Susã, debaixo da mão de Hegai, também levaram Ester à casa do rei, debaixo da mão de Hegai, guarda das mulheres. E a moça pareceu formosa aos seus olhos, e alcançou graça perante ele; pelo que se apressou a dar-lhe os seus enfeites, e os seus alimentos, como também em lhe dar sete moças de respeito da casa do rei; e a fez passar com as suas moças ao melhor lugar da casa das mulheres” (vv. 5-9).


E, resumindo, depois das várias virgens se apresentarem, ao chegar a vez de Ester, esta não apenas achou favor aos olhos do guarda das mulheres mas, ainda mais, aos olhos do rei. “Assim foi levada Ester ao rei Assuero, à sua casa real, no décimo mês, que é o mês de Tebete, no sétimo ano do seu reinado” (v. 16). A propósito, devo observar que a extraordinária confirmação do fato de que essas operações de Assuero pertençam ao período de Xerxes é que foi no terceiro ano do reino de Xerxes, como nos diz a História, que ele promoveu um grande concílio de todos os grandes personagens de seu império. O objetivo político era o de tentar conquistar a Grécia, e ele retornou no sétimo ano de seu reinado — as mesmas datas que são mencionadas neste livro de Ester. Durante o tempo que ficou longe de seu país, ocupou-se no vão esforço que terminou na completa destruição da esquadra persa, e na derrota de seus exércitos pelo poder comparativamente pequeno dos gregos. Mas, seja como for, faço a observação aqui meramente para mostrar a maneira maravilhosa com que a providência de Deus preserva até mesmo as datas, e o modo como os fatos se encaixam. Isto, no entanto, é um pequeno detalhe, pois o grande assunto é este: que a judia foi a preferida entre as outras. A judia é aquela que será, só ela, na terra, a esposa do grande Rei. Sabemos o que significa o “grande Rei”. Suponho que todos estejam cientes de que “grande Rei” era o título especial dado ao monarca persa. Agora as Escrituras usam a expressão “grande Rei” referindo-se ao Senhor. Não tenho como duvidar, portanto, que exista a intenção de se referir a Ele por meio desta figura.


Ester torna-se, então, a esposa — a rainha do grande rei — depois que a gentia foi dispensada por causa de sua desobediência, e o rei faz, em seguida, uma grande festa. Como sabemos, ele envia um convite às províncias. Quando o judeu for introduzido no favor de Deus, será como levá-lo da morte para a vida, não importa qual seja a misericórdia de Deus hoje, a qual é da maior riqueza; mas, no que concerne à terra, essa misericórdia é totalmente desperdiçada pelo mundanismo, pelo egoísmo e pela vaidade. Todas essas coisas têm destruído o caráter do Reino de Deus naquilo que diz respeito ao seu testemunho sobre a terra. Sem dúvida Deus cumpre Seu propósito celestial, mas isso nada tem a ver com este livro. A figura das coisas celestiais não é encontrada aqui. Trata-se apenas da terra e do aspecto terrenal da Cristandade, que é colocada de lado, entrando, então, em cena o judeu. Ester torna-se a esposa permanente do Rei.


Nos é dito aqui, no final do segundo capítulo, que não apenas Mardoqueu senta-se ao portão do Rei, mas que ele se torna em um meio de tornar conhecido ao grande rei um atentado para tirar sua vida. Dois dos guardas do rei, que guardavam a porta, planejavam pôr as mãos no grande rei, mas o plano foi descoberto. Foi feito um inquérito e ambos foram enforcados. Nós bem sabemos que todo ofensor, no dia vindouro, será descoberto e tratado imediatamente. Não haverá mais a incerteza da lei. Naquele dia “reinará um Rei com justiça” (Is 32.1). Haverá uma completa revelação e punição de todos os que levantarem suas mãos contra o Senhor.


TERCEIRO CAPÍTULO

No terceiro capítulo temos uma cena muito diferente. “Depois destas cousas o rei Assuero engrandeceu a Hamã, filho de Hamedata, agagita, e o exaltou; e pôs o seu lugar acima de todos os príncipes que estavam com ele” (v. 1).


Por tratar-se apenas de um tipo — de uma sombra, e não da imagem real, no dia milenar não haverá um Hamã. Até que chegue aquele dia, seja qual for a nitidez da imagem da bênção vindoura, haverá sempre uma sombra escura. Há um inimigo; há um que tenta frustrar todos os planos de Deus. E, de todas as raças sobre a terra, havia uma que era particularmente hostil ao povo de Deus na antiguidade — os amalequitas —, a ponto de Jeová haver jurado e exortado Seu povo a manter uma guerra perpétua contra aquela raça. Ele os exterminaria de debaixo do céu. Os amalequitas eram o objeto peculiar do mais justo juízo de Deus por causa do ódio deles ao Seu povo. E esse Hamã pertencia não somente a Amaleque, mas à própria família real de Amaleque (ver 1 Samuel 15.8). Ele era um descendente de Hamedata, agagita, como nos é dito, e Assuero engrandece esse nobre à posição mais elevada.


Mas, no caminho àquela honra conjunta, havia um espinho! Mardoqueu não se prostrou. Como consequência, Mardoqueu tornou-se reprovável. Os servos do rei lhe perguntaram: “Por que traspassas o mandado do rei?” (v. 3). E depois disso ter se repetido durante algum tempo, Hamã ficou sabendo. “Ele lhes tinha declarado que era judeu” (v. 4). Aí estava o segredo. Deus não aparece. Não existe nessa história nenhuma insinuação de que Deus tenha falado de Si. No entanto era esta a razão secreta; mas a única razão pública que aparece é que Mardoqueu era um judeu. “Vendo pois Hamã que Mardoqueu se não inclinava nem se prostrava diante dele, Hamã se encheu de furor. Porém em seus olhos teve em pouco o pôr as mãos só em Mardoqueu (porque lhe haviam declarado o povo de Mardoqueu); Hamã pois procurou destruir a todos os judeus que havia em todo o reino de Assuero, ao povo de Mardoqueu” (vv. 5,6). E Hamã cumpre isso da seguinte maneira. Ele relata ao rei, sendo ele o principal nobre em sua posição, que havia, “espalhado e dividido entre os povos em todas as províncias do teu reino um povo, cujas leis são diferentes das leis de todos os povos, e que não cumpre as leis do rei; pelo que não convém ao rei deixá-lo ficar. Se bem parecer ao rei, escreva-se que os matem; e eu porei nas mãos dos que fizerem a obra dez mil talentos de prata, para que entrem nos tesouros do rei” (vv. 8,9).


O rei, em conformidade com o caráter que eu já descrevi, fez mui pouca objeção a esse tremendo pedido de Hamã. Ele tirou o anel de seu dedo e o deu a Hamã, e disse-lhe que conservasse para si a prata. Ele enviou escribas para levarem adiante seu pedido, de modo que os correios foram por todas as províncias do rei. Os persas, como se sabe, foram os primeiros criadores do sistema postal que continua até nossos dias. “E as cartas se enviaram pela mão dos correios a todas as províncias do rei, que destruíssem, matassem e lançassem a perder a todos os judeus desde o moço até ao velho, crianças e mulheres, em um mesmo dia, a treze do duodécimo mês (que é mês de Adar), e que saqueassem o seu despojo. O rei e seu ministro sentaram-se para beber, mas a cidade de Susã estava perplexa.”


QUARTO CAPÍTULO

Bem grande devia ser o pranto que saía do povo judeu. Sua sorte estava selada. Ao menos era o que parecia. Além do mais era sempre uma das máximas do império persa que uma lei, uma vez estabelecida, nunca poderia ser revogada — “conforme a lei dos medos e dos persas, que se não pode revogar” (Dn 6.8). Nada, portanto, ao que parecia, poderia ter salvo o povo. O soberano sobre 127 províncias havia dado sua palavra real, assinado com seu selo, e enviado por seus correios por toda a extensão de seu império. O dia estava marcado; o povo assinalado. A destruição parecia ser inevitável; mas Mardoqueu rasga seus vestidos, veste-se de saco, e vai para o meio da cidade, e chora com grande e amargo pranto (v. 1). E, se o nome de Deus não está escrito e nem aparece, nem por isso os Seus ouvidos escutam menos. Mardoqueu foi até a porta do rei, onde ninguém podia entrar vestido de saco. Ele chegou diante da porta, não passou por ela, e Ester escutou. Contaram a ela e a rainha ficou extremamente amargurada. E Ester envia um dos guardas a Mardoqueu, e este lhe conta tudo o que havia acontecido a ele, e o que Hamã havia prometido dar em troca: a destruição que estava para cair sobre o povo judeu.


Com base nisso, conforme sabemos, Ester dá a Hataque a ordem para que vá dizer a Mardoqueu que não há esperança para tal situação. O caso era que ela poderia ir ao rei e suplicar, mas como fazê-lo? Uma das leis do império persa era que ninguém poderia entrar na presença do rei. O rei teria que chamar, e o rei não a chamava já há trinta dias. Era contra a lei aventurar-se a entrar ali. Em vista disso, Mardoqueu envia a ela uma clara, porém severa mensagem: “Não imagines em teu ânimo”, disse ele, “que escaparás na casa do rei, mais do que todos os outros judeus. Porque se de todo te calares neste tempo, socorro e livramento doutra parte virá para os judeus, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para tal tempo como este chegaste a este reino?” (vs. 13, 14).


Dessa maneira, Ester foi colocada devidamente a par da situação. Ela compartilha perfeitamente do sentimento que Mardoqueu tem pelo povo e sua confiança no livramento que viria de outra parte. Assim ela manda dizer a Mardoqueu: “Vai, ajunta a todos os judeus que se acharem em Susã, e jejuai por mim, e não comais nem bebais por três dias, nem de dia nem de noite”. E, conforme diz, ela própria iria fazer o mesmo. “E eu e as minhas moças também assim jejuaremos; e assim irei ter com o rei” (v. 16). Agora nada é dito acerca de perfumes. Nenhuma palavra acerca de suaves aromas para a prepararem para a presença do rei. Ela já havia se sujeitado àquilo antes; era a ordem do rei; mas agora, embora ela não faça menção de Deus, está evidente onde se encontra o seu coração. Ela vai com a mais singular preparação, mas uma preparação admirável para aquela ocasião — jejum — um grande sinal de humilhação diante de Deus; embora nem mesmo aqui Deus seja mencionado. Não se pode duvidar do fato de Deus estar acima de tudo isso, e que Deus esteja por trás dos cenários; mas tudo o que aparece é meramente o jejum do homem, e não o Deus diante do qual o jejum era feito. “E, perecendo, pereço” (v. 16). Ela havia tomado a decisão.


QUINTO CAPÍTULO

Assim sendo, no terceiro dia, Ester se vestiu com seus vestidos reais, “e se pôs no pátio interior da casa do rei, defronte do aposento do rei; e o rei estava assentado sobre o seu trono real, na casa real, defronte da porta do aposento. E sucedeu que, vendo o rei a rainha Ester, que estava no pátio, ela alcançou graça aos seus olhos, e o rei apontou para Ester com o cetro de ouro, que tinha na sua mão” (vv. 1,2), pois a fé era grande na bondade de Deus. Tudo isso parece meramente vindo do homem, no entanto a mão invisível estava ali. Foi isto que ela buscou e foi isto que ela encontrou. “E Ester chegou, e tocou a ponta do cetro. Então o rei lhe disse: Que é que tens, rainha Ester, ou qual é a tua petição? Até metade do reino se te dará” (v. 3).


Então Ester responde, “Se bem parecer ao rei, venha o rei e Hamã hoje ao banquete que lhe tenho preparado” (v. 4). Deus deu sabedoria a ela. Ela não revela de uma vez o que era o fardo tão pesado que havia em seu coração. “Aquele que crer não se apresse” (Is 28.16). O Deus invisível, que era o objeto de sua confiança, capacitou sua alma para esperar. Ela não pede apenas que o rei vá ao banquete, mas o rei e Hamã. Com frequência ocorre assim. Assim ocorreu com o Senhor quando deu o bocado molhado a Judas logo antes da terrível traição que o levaria à cruz. Hamã não podia nem imaginar o que o Deus que não aparece estava preparando para ele. E no banquete o rei volta a fazer a pergunta, pois ele bem sabia que havia algo mais do que um banquete na mente de Ester. “Qual é a tua petição? E se te dará. E qual é o teu requerimento? E se fará, ainda até metade do reino” (v. 6).


Uma vez mais a rainha pede que possa ter a companhia de ambos para outro banquete. “E amanhã farei conforme ao mandado do rei” (v. 8). “Então saiu Hamã naquele dia alegre e de bom ânimo”, mas quando vê Mardoqueu, o judeu, e que este não levanta-se ou move-se perante ele, fica cheio de indignação contra Mardoqueu. No entanto, Hamã se refreou. Quando vai para sua casa, para sua esposa e para seus amigos, e conta-lhes da glória de suas riquezas, e da multidão de seus filhos, e de todas as coisas com que o rei o havia engrandecido, e como o havia colocado sobre os príncipes e os servos do rei, ele menciona, como coroa de tudo, a honra especial recebida no convite feito pela rainha Ester, para um banquete onde ninguém mais tinha ido além do próprio rei. “E também amanhã”, diz ele, “estou convidado por ela juntamente com o rei. Porém tudo isto me não satisfaz, enquanto vir o judeu Mardoqueu assentado à porta do rei.” (vs. 12-13.) Do mesmo modo a esposa, com a fraqueza que é própria de sua natureza, sugeriu que fosse feita uma forca para esse perverso Mardoqueu. “Faça-se uma forca de cinquenta côvados de altura, e amanhã dize ao rei que enforquem nela Mardoqueu, e então entra alegre com o rei ao banquete”(v. 14). Isso agradou bastante a Hamã, e assim fez.


SEXTO CAPÍTULO

Mas, naquela noite, o Deus invisível estava trabalhando. O rei não podia dormir, caso contrário teria havido uma amarga comemoração para Ester antes da festa com o rei. “Naquela mesma noite fugiu o sono do rei” (v. 1). Ele mandou trazer o livro de registros do reino. A providência de Deus estava trabalhando. Foi encontrado escrito que Mardoqueu havia denunciado a traição dos guardas, e o rei pergunta, “Que honra e galardão se deu por isto a Mardoqueu?” “Cousa nenhuma se lhe fez” (v. 3), disseram os servos. Naquele exato momento Hamã entra na corte. Ele queria ver o rei, para pedir a vida de Mardoqueu. Ele nem imaginava o que estava no coração do rei. Ele é levado rapidamente à presença do rei, a pedido deste, e o rei, cheio daquilo que estava em seu coração, foi providencialmente guiado a perguntar o que deveria fazer por alguém a quem desejasse honrar. “Que se fará ao homem de cuja honra o rei se agrada?” (v. 6).


Hamã não havia pensado em ninguém mais além de si próprio. Assim ele foi pego em sua própria armadilha. Ele pediu sem medir quantidades. Ele sugeriu ao rei a mais alta honra — honra mais elevada do que jamais havia sido dada a alguém antes. “O homem de cuja honra o rei se agrada, traga o vestido real de que o rei se costuma vestir, monte também o cavalo em que o rei costuma andar montado, e ponha-se-lhe a coroa real na sua cabeça; e entregue-se o vestido e o cavalo, à mão dum dos príncipes do rei, dos maiores senhores, e vistam dele aquele homem de cuja honra se agrada; e levem-no a cavalo pelas ruas da cidade, e apregoe-se diante dele: Assim se fará ao homem de cuja honra o rei se agrada!” (vv. 7-9). E assim o rei repentinamente diz a Hamã, “Apressa-te, toma o vestido e o cavalo, como disseste, e faze assim para com o judeu Mardoqueu, que está assentado à porta do rei; e cousa nenhuma deixes cair de tudo quanto disseste” (v. 10).


Oh! que queda! Que horror dos horrores deve ter enchido o coração desse homem ímpio, pois aquele que ele mais odiava dentre todos os homens vivos, era o próprio a quem ele mesmo, como principal nobre do império, deveria conceder essa honra, de acordo com sua própria sugestão! Entretanto era impossível mudar a palavra do rei. “E Hamã tomou o vestido e o cavalo, e vestiu a Mardoqueu, e o levou a cavalo pelas ruas da cidade, e apregoou diante dele: Assim se fará ao homem de cuja honra o rei se agrada!” (v. 11). Foi muito diferente a maneira como Hamã voltou para sua mulher e amigos naquele dia. “Hamã se retirou correndo a sua casa, anojado, e coberta a cabeça. E contou Hamã a Zeres, sua mulher, e a todos os seus amigos, tudo quanto lhe tinha sucedido. Então os seus sábios, e Zeres, sua mulher lhe disseram: Se Mardoqueu, diante de quem já começaste a cair, é da semente dos judeus, não prevalecerás contra ele, antes certamente cairás perante ele” (vv. 12,13). É esse o secreto sentimento do gentio para com o judeu. Tudo parece estar muito bem para o gentio, enquanto o judeu estiver afastado da presença de Deus, mas quando chegar o dia da exaltação do judeu, a grandiosidade do gentio deve então desaparecer da face da terra. O judeu é o escolhido para ser senhor aqui na terra. O judeu será a cabeça, — o gentio, a cauda.


SÉTIMO CAPÍTULO

Segue-se, então, o banquete, e o rei e Hamã são encontrados ali, pois não havia tempo a perder. O guarda tinha vindo e convocado Hamã para o banquete, e agora o rei, pela terceira vez, pergunta à rainha qual é o seu pedido. “Qual é a tua petição, rainha Ester? E se te dará. E qual é o teu requerimento? Até metade do reino, se fará. Então respondeu a rainha Ester, e disse: Se, ó rei, achei graça aos teus olhos, e se bem parecer ao rei, dê-se-me a minha vida como minha petição” (v. 3). O que! teria que ser assim? a rainha mendigar por sua própria vida? “Dê-se-me a minha vida como minha petição, e o meu povo como meu requerimento. Porque estamos vendidos, eu e o meu povo, para nos destruírem, matarem, e lançarem a perder; se ainda por servos e por servas nos vendessem, calar-me-ia; ainda que o opressor não recompensaria a perda do rei” (v. 4). Ela havia tocado a corda certa. Não somente todas as afeições do rei explodiram a esse insulto que era feito àquela que ele amava acima de tudo no reino; mas ainda mais: havia a audaciosa presunção de que se tentasse a destruição da rainha e de todo o povo da rainha — de todo o povo dela sem ao menos o conhecimento do rei. Quem seria o traidor? “Então falou o rei Assuero, e disse à rainha Ester: Quem é esse? E onde está esse, cujo coração o instigou a fazer assim? E disse Ester: O homem, o opressor, e o inimigo, é este mau Hamã. Então Hamã se perturbou”, como era de se esperar, “perante o rei e a rainha. E o rei no seu furor se levantou do banquete do vinho para o jardim do palácio” (vv. 5-7). Bem sabia Hamã que fora uma sentença de morte o que havia sido pronunciado contra ele. “E Hamã se pôs em pé, para rogar à rainha Ester pela sua vida; porque viu que já o mal lhe era determinado pelo rei” (v. 7). E quando o rei retorna, encontra Hamã, em sua agonia, caído sobre a leito onde Ester estava, e o rei não vacila em pensar o pior disso. A palavra sai de sua boca e a cabeça de Hamã é coberta para a execução imediata. E Harbona, um dos eunucos, sugeriu ao rei a forca que já estava pronta pelo próprio desejo de Hamã, e isso também atendeu ao desejo do rei. “Então disse o rei: Enforcai-o nela. Enforcaram pois a Hamã na forca, que ele tinha preparado para Mardoqueu. Então o furor do rei se aplacou” (vs. 9, 10).


OITAVO CAPÍTULO

Mas isso não era tudo. Não apenas Deus pegou, em sua própria cilada, o cruel adversário de Seu povo, mas Ele iria cuidar dos judeus em todos os domínios do rei, onde eles ainda se achavam sob a sentença de morte. O livramento ainda não estava completo. O primeiro inimigo fora destruído, mas eles ainda continuavam em perigo; e assim Mardoqueu, conforme nos é dito, compareceu perante o rei, “porque Ester tinha declarado o que lhe era” (v. 1). O rei tira seu anel e o dá a Mardoqueu. O judeu, consequentemente, passa agora para o lugar de governo sobre a terra. Seus inimigos estão destruídos, mas eles ainda precisam ser defendidos e livrados completamente por todo o império. E Ester se lança aos pés do rei e lhe suplica, com lágrimas, que revogue a maldade de Hamã, e mais uma vez o rei estende-lhe o cetro de ouro, e Ester explica que os correios, que saíram com as cartas do rei, estavam carregando destruição para o judeu em todas as províncias. O rei responde, “Eis que dei a Ester a casa de Hamã, e a ele enforcaram numa forca, porquanto quisera pôr as mãos nos judeus. Escrevei pois aos judeus, como parecer bem aos vossos olhos, e em nome do rei, e selai-o com o anel do rei; porque a escritura que se escreve em nome do rei, e se sela com o anel do rei, não é para revogar” (vs. 7, 8).


Como seria então tratada aquela questão? Desta maneira — que por todo o império fossem enviadas cartas por meio de correios a cavalo. “Nelas o rei concedia aos judeus, que havia em cada cidade, que se reunissem, e se dispusessem para defenderem as suas vidas, e para destruírem, matarem e assolarem a todas as forças do povo e província que com eles apertassem, crianças e mulheres, e que se saqueassem os seus despojos” (v. 11). E assim se fez. “Então Mardoqueu saiu da presença do rei”, agora com todo sinal de dignidade real. “E para os judeus houve luz, e alegria, e gozo e honra” (v. 16).


NONO CAPÍTULO

Portanto foi feito assim (cap. 9). Os judeus se ajuntaram e puseram suas mãos sobre todos os que queriam tirar-lhes a vida. Ninguém podia resistir-lhes. Esse é um claro tipo do dia quando o judeu será novamente restaurado ao seu próprio lugar de direito na terra. E “Mardoqueu era grande na casa do rei, e a sua fama saía por todas as províncias; porque o homem Mardoqueu se ia engrandecendo. Feriram pois os judeus a todos os seus inimigos, a golpes de espada, e com matança e com destruição; e fizeram dos seus aborrecedores o que quiseram” (vv. 4,5). Temos, então, o resultado. Há, porém, ainda mais. “E disse o rei à rainha Ester: Na fortaleza de Susã mataram e destruíram os judeus quinhentos homens, e os dez filhos de Hamã; nas mais províncias do rei que fariam? Qual é pois a tua petição? E dar-se-te-á. Ou qual é ainda o teu requerimento? E far-se-á. Então disse Ester: Se bem parecer ao rei, conceda-se também amanhã aos judeus que se acham em Susã que façam conforme ao mandado de hoje; e enforquem os dez filhos de Hamã numa forca” (vs. 12, 13).


Há muitos que não podem entender isso. E não é para menos! Eles tomam o livro de Ester como um tipo do tratamento do Senhor para com a Igreja. Pode-se ver logo que grande confusão decorre disso. Mas não é assim. Trata-se do gentio sendo colocado de lado, e do judeu sendo introduzido; e justiça será o caráter do reino então. Graça é o que cabe à Igreja no presente. Seria, portanto, completamente ininteligível ter Ester representando a Igreja agora. A execução de uma justa vingança seria totalmente incompatível com o chamado do Cristão — com o lugar ocupado pela Igreja. Mas para o judeu que será então chamado a compartilhar do reino — introduzido nas honras do reino — é perfeitamente cabível. Então — quando o Messias reinar, e Jerusalém for sua rainha — esta palavra será cumprida: “A nação e o reino que Te não servirem perecerão” (Is 60.12).


Assim foi naquele dia. Como pode-se ver, sempre que buscamos a verdade, a Palavra de Deus se encaixa em seu devido lugar. Nós a entendemos e distinguimos entre as coisas que diferem; manejamos bem a palavra da verdade. Quando, pelo contrário, nós, em nossa ansiedade, aplicamos as coisas àquilo que nos concerne, caímos em grande erro, arruinando o lugar que é próprio à Igreja de Deus nas Escrituras, e deixamos de compartilhar das afeições celestiais de Deus. A posição que agora nos cabe é a de agirmos em conformidade com Senhor, que está à destra de Deus. Mas quando o Senhor Jesus deixar o céu para vir à terra — quando Ele vier reinar, então a justiça será o caráter de Seu reino, e coisas terríveis serão feitas em justiça, conforme o Salmo 45. Assim, quando se tem isto em mente, a execução dos dez filhos de Hamã não apresenta a mínima dificuldade de compreensão, pois o Senhor não irá apenas destruir no princípio, mas haverá uma repetição do golpe: haverá um completo extermínio do adversário e de todo aquele que render obediência fingida ao Senhor. O Senhor tratará com eles naquele dia vindouro.


Assim também o rei deu ordem, e os judeus se juntaram para outro dia. Não somente aqueles em Susã, mas “também os demais judeus que se achavam nas províncias do rei se reuniram para se porem em defesa da sua vida, e tiveram repouso dos seus inimigos; e mataram dos seus aborrecedores setenta e cinco mil; porém ao despojo não estenderam a sua mão” (v. 16). Assim, gozo e gratidão encheu o coração do judeu. E Mardoqueu escreve e envia cartas a todas as províncias, e assim o gozo é espalhado por toda a terra. E não só isso, mas nos é dito também que os judeus estabeleceram uma festa sobre essa maravilhosa intervenção da providência de Deus.


DÉCIMO CAPÍTULO

O livro termina, neste capítulo, com um relato da grandeza do domínio do rei, e também de Mardoqueu, seu ministro. “Porque o judeu Mardoqueu foi o segundo depois do rei Assuero, e grande para com os judeus, e agradável para com a multidão de seus irmãos, procurando o bem do seu povo, e trabalhando pela prosperidade de toda a sua nação” (v. 3). Dessa maneira tão digna termina este livro tão maravilhoso. O judeu, liberto de todos os perigos, é introduzido na maior proximidade do grande rei, e apesar de ter sido, ele próprio, a vítima de toda a aversão do gentio, tem agora autoridade sobre todos para executar vingança sobre todos os que buscassem matar a semente de Abraão.


Que o Senhor possa nos fazer deleitar nos caminhos de Deus! Que possamos ler Sua Palavra e obter, por Sua Palavra, toda a sabedoria e discernimento espiritual! Este livro não deixará de ser menos proveitoso a nós pelo fato de o compreendermos. Aplicá-lo a nós mesmos (como Igreja) só irá nos enganar. Vemos neste livro o lugar do povo de Deus da antiguidade, quando o orgulhoso gentio for deposto por causa de sua desobediência e o judeu for trazido à cena em toda a amabilidade que Deus pode derramar sobre ele; colocado no lugar que lhe pertence diante do mundo. É esta a perspectiva que este livro traça diante de nós. E não somente esta, mas sua mais linda característica, creio eu, você pode ver que é plenamente mantida do começo ao fim — que tudo isso foi dado durante o dia de nuvens — dia de trevas, da dispersão e do não-reconhecimento do judeu. Por isso o nome de Deus está totalmente ausente no livro. Trata-se do poder secreto de Deus trabalhando em meio às circunstâncias que parecem ser desalentadores. Mas que conforto nos traz! Nós, também, desfrutamos da mesma providência de Deus — ainda que esta não esteja trabalhando para o mesmo fim; pois não é o objetivo de Deus nos dar a vingança sobre o inimigo; não é de nos exaltar à grandeza terrenal. Mas temos a ver com o mesmo Deus; graças a Deus, com Ele somente! Ele não nos rejeita. Ele nos colocou em uma relação de parentesco Consigo mesmo que nunca mais poderá ser perdida — um parentesco que depende de Cristo e que é selado pelo Espírito Santo. Consequentemente, Ele nunca impede que O chamemos “nosso Deus e Pai”; tampouco Ele jamais Se recusa a nos considerar como filhos do Seu amor.


Portanto você pode ver que o livro não se aplica, em nenhum detalhe, a nós, quanto ao que Ester significa; mas podemos, certamente e com toda razão, receber todo o conforto da poderosa mão de Deus. Onde os homens não conseguem ver mais do que as circunstâncias que se desenvolvem ao nosso redor, nós sabemos que “todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto” (Rm 8.28). Talvez não vejamos a maneira, mas conhecemos o Deus, vemos o Deus, podemos nos aproximar do Deus que controla todas as coisas a nosso favor. Em resumo, portanto, a providência de Deus é uma verdade universal, até que venha o dia em que as tratativas de Deus serão públicas e manifestas, e Seu nome estará sobre o Seu povo. Entrementes podemos contar com isso para Israel. Sabemos que agora eles estão dispersos — que agora encontram-se em uma condição completamente irregular, mas chegará o dia quando Deus irá colocar o gentio de lado, e tratar com Israel, e nossos corações podem se regozijar com isso. Não será uma perda para nós, sermos deixados de lado, se o motivo for tratar de Israel. Sim, na verdade não será mesmo uma perda para nós. Estaremos com o Senhor Jesus nas alturas, e será só depois que isto acontecer que Deus julgará o gentio e chamará de volta o judeu.


W. Kelly



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