A Viagem de Paulo de Bons Portos até Malta
- G. Hayhoe (1911-2003)

- há 4 dias
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A Viagem de Paulo de Bons Portos até Malta
G. H. Hayhoe
Prefácio
Na reimpressão deste pequeno livreto foram feitas algumas pequenas alterações para esclarecer alguns pontos. Eu confio que ele será republicado com um senso de humildade que convém a qualquer um que fala sobre “guardar a Palavra de Cristo e não negar o Seu Nome” nestes últimos dias (Ap 3:8). E, contudo, podemos ser encorajados por essa mesma palavra dirigida àquela assembleia (Filadélfia): “Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa” (Ap 3:11).
À medida que a fraqueza e o fracasso se tornam mais evidentes por toda parte, é muito fácil abandonar o caminho da obediência e escolher as posições populares dos dias de hoje. Mas, se estivermos humilhados diante do Senhor descobriremos que ainda há um caminho para a fé, independente do tanto que as trevas aumentem, e que Ele dará graça e poder para andarmos nesse caminho. Possa Ele nos manter para Sua glória até que ouçamos Sua voz e vejamos Sua face. “Amém. Ora vem, Senhor Jesus”! (Ap 22:20).
Introdução
Ao lermos aquilo que Deus registrou para nós sobre a viagem de Paulo a partir de Bons Portos a Malta, no capítulo 27 de Atos, nos animamos pelo belo relato de Seu cuidado infalível para com os Seus. Ele que está interessado em cada detalhe de nossa vida, faz tanto as ondas como o vento obedecer à Sua vontade. Que possamos aprender a confiar mais n’Ele, pois, “[Ele] tudo faz bem”, e é sempre digno da nossa total confiança. Mas, embora isso seja muito abençoado em si mesmo, cremos que há também muitas lições profundas para aprendermos dessa viagem memorável. Quando o Espírito de Deus entra em tais detalhes como os que temos aqui, podemos ter certeza de que Ele está descrevendo algumas importantes figuras para nossa mente, e gostaria que tirássemos proveito disso. Vamos, então, olhar para o capítulo cuidadosamente, e em oração, buscar graça do Senhor para aprender as lições que Ele tem para nós aqui.
O livro de Atos nos mostra, historicamente, o início da Igreja (a Assembleia). A Igreja de Deus foi formada em Jerusalém no dia de Pentecostes e à medida que avançamos no livro podemos seguir com grande interesse a energia do Espírito de Deus reunindo de entre os Judeus, samaritanos e gentios, “um povo para Seu Nome” (At 15:14). Como assembleias foram formadas pelo Senhor, acrescentando Ele diariamente aqueles que se haviam de salvar, “louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo” (At 2:47), notamos o cuidado que Deus estava tendo para manter uma unidade entre eles. “Há UM só corpo” (Ef 4:4). Os samaritanos não receberam o Espírito Santo até que Pedro (um Judeu) veio e impôs suas mãos sobre eles. Os gentios também foram introduzidos pela oração de Pedro, mas nesse caso ele não impôs as mãos sobre eles para que recebessem o Espírito. Pedro estava assim usando a chave do reino dos céus, dada a ele em Mateus 16:19, para abrir a porta para os Judeus e os gentios, e Deus estava trabalhando em Sua perfeita sabedoria para impedir qualquer pensamento de haver uma Igreja para os Judeus e outra para os gentios. “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer Judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (1 Co 12:13 – ARA). Certamente essa verdade foi perdida para muitos queridos filhos de Deus atualmente, pois vemos igrejas nacionais, independentes e de vários outros nomes imaginados, que são organizadas por homens e tendo-os como cabeça delas. A Palavra de Deus nos ensina muito claramente que Cristo é a Cabeça do corpo, a Igreja (Ef 1:20-23), e há somente uma Igreja verdadeira, assim como há um só Cabeça. A Igreja é composta por todos os verdadeiros filhos de Deus os quais são habitados pelo Espírito Santo. Nós não temos que nos unir a ela, pois, no momento em que um pecador aceita Cristo como seu Salvador ele passa a fazer parte dessa Igreja pela operação do Espírito Santo. É Deus Quem faz esse ajuntamento!
Vendo então, como Atos nos mostra essas coisas de uma forma histórica, não é surpresa encontrar, ao final desse livro, que Deus nos deu um esboço profético preciso, em figura, da história da Igreja até que ela esteja em segurança no lar, em glória com Cristo. Alguém pode perguntar o motivo disso nos ser dado em figura. A resposta é simples: Deus tem sempre mantido a esperança da vinda de Cristo como uma esperança presente diante de Seu povo. Essa é uma esperança presente para aqueles que viveram nos dias dos apóstolos, e é uma esperança presente para nós hoje, mas essas figuras na Palavra de Deus nos mostram que Deus sabia de antemão acerca de todo o fracasso que haveria de entrar. Ele nos falou de como a verdade seria perdida, e então recuperada nestes dias finais por alguns que, tendo pouca força, guardariam Sua Palavra e que não negariam Seu Nome (Ap 3:8).
O espírito que convém em tempos de fracasso
E ainda, ao se fazer uma pausa para meditar e considerar este relato do fracasso da Igreja e, por outro lado, da incomparável graça de Deus que cumpre Seus próprios propósitos apesar de tudo isso, somos levados a pensar em duas coisas. Primeiro, assim como Daniel antigamente que viveu em um tempo semelhante na história de Israel, podemos dizer, “A Ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós a confusão de rosto, como hoje se vê; aos homens de Judá, e aos moradores de Jerusalém, e a todo o Israel, aos de perto e aos de longe, em todas as terras por onde os tens lançado, por causa das suas rebeliões que cometeram contra Ti” (Dn 9:7). Certamente, ao vermos o estado dividido e espalhado da Igreja de Deus, não podemos, se estivermos em comunhão com os pensamentos de Deus sobre isso, deixar de pôr nosso rosto no pó, reconhecendo, como Daniel reconheceu, nossa própria parte nisso. Na verdade, são aqueles que estão “perto” que deveriam sentir isso primeiro e mais profundamente.
A segunda coisa é o lado resplandecente de tudo isso. A graça imutável de Deus – sim, ela é magnificada e mais bem conhecida por causa do fracasso. Quem conhece a graça de Deus como Esdras e Neemias, ao verem a Sua maravilhosa provisão e cuidado na restauração deles ao verdadeiro centro – a Jerusalém? Quão maravilhosamente Deus assumiu a causa deles, capacitando-os para construir a casa e o muro apesar de toda oposição do inimigo. Deus nos quer confiantes n’Ele e não em qualquer coisa do homem. O homem sempre se mostrou a si mesmo como um total fracasso em todas as coisas que foram confiadas a ele sob sua responsabilidade. Mesmo se o testemunho do fim fosse tão pequeno como o remanescente de Israel, quando o Senhor Jesus nasceu em Belém – apenas permanecendo os Simeões e Anas – podemos ainda fazer como eles, “falava d’Ele a todos os que esperavam a redenção em Jerusalém” (Lc 2:38). As esperanças deles estavam centradas em Cristo, o seu Messias e eles não foram desapontados. Se nossa esperança estiver em qualquer braço de carne podemos estar certos de encontrar desapontamentos; mas todas as coisas serão feitas boas em Cristo – o Homem segundo o conselho de Deus.
Antes de prosseguir com nosso capítulo, talvez seja preciso mencionar também que sentimos profundamente a verdade de uma observação feita por um irmão que já partiu para estar com o Senhor: “Se qualquer pessoa falar de separação do mal sem estar humilhado, tome cuidado para que sua posição não venha a ser simples e unicamente aquela em que, em todos os tempos, tem constituído seitas e produzido doutrinas heréticas”. Ninguém deve ter pensamentos que exaltem qualquer homem e muito menos qualquer grupo de Cristãos. Somente Cristo é digno! Todos nós temos nossa parte no fracasso, digo novamente, mas sabemos que a verdade, perdida pela Igreja por séculos, foi retomada para nós nestes últimos tempos e há um grave risco de a perdermos novamente. Que possamos temer diante da Sua Palavra – que haja mais do espírito daquele pequeno grupo que retornou do cativeiro na Babilônia, o qual jejuou e orou pedindo ao Senhor, “caminho seguro para nós, para nossos filhos e para todos os nossos bens” (Ed 8:21). Quão maravilhosamente suas orações foram respondidas, porque a confiança deles estava em Jeová, o Deus de Israel.
Os discípulos que perguntaram ao Senhor a respeito da páscoa: “Onde queres que a preparemos?” não ficaram desapontados, pois, “indo eles, acharam como lhes havia sido dito; e prepararam a páscoa” (Lc 22:9, 13). Também, nenhum verdadeiro filho de Deus será desapontado se perguntar ao Senhor com humildade e confiança a mesma coisa nos dias de hoje. Sua promessa ainda é verdadeira, “Se alguém quiser fazer a vontade d’Ele, conhecerá a respeito da doutrina” (João 7:17 – ARA). Que cada um de nós perguntemos ao nosso próprio coração se estamos verdadeiramente querendo fazer Sua vontade tal como está revelada em Sua Palavra.
Com essas coisas em mente e com um senso (eu creio) de nossa própria insignificância, podemos abordar o assunto – confiantes, contudo, no Deus de toda a graça e orando para que esse pequeno artigo possa ser usado para bênção de Seu povo.
A primeira parte da viagem
A primeira parte da viagem a partir de Cesareia até Bons Portos (versículos 1-8) é relatada em poucas palavras, porém, é na jornada a partir de Bons Portos até o desembarque seguro na ilha que é descrita com tantos detalhes, que se pode notar que isso está cheio de profunda instrução para nós. Podemos olhar para o navio como uma figura do testemunho exterior da Igreja; para as pessoas a bordo como os verdadeiros filhos de Deus e para o próprio Paulo como representando a verdade chamada “a doutrina de Paulo”, “Tu, porém, tens seguido a minha doutrina” (2 Tm 3:10) e incluindo tudo aquilo que é propriamente Cristão. Quando falamos “propriamente Cristão” queremos dizer aquela linha da verdade que é distinta e peculiar ao atual período da Igreja, e que nos conecta com o céu e com Cristo o Cabeça da Igreja lá no alto.
Os que estavam a bordo do navio decidiram partir de Bons Portos – todavia, não de acordo com o conselho de Paulo, mas com o de outros. Bons Portos talvez nos fale do início – da feliz unidade vista nos “bons” dias da história da Igreja. Tudo estava bem enquanto eles andaram na verdade e no temor de Deus (At 9.31), mas tal posição nunca é agradável para a carne e pode ser mantida somente enquanto andarmos com Deus. “O tempo” é sempre uma grande prova e assim, lemos: “E, passado muito tempo, e sendo já perigosa a navegação, pois, também o jejum já tinha passado, Paulo os admoestava” (At 27:9). É sempre comparativamente fácil iniciar na senda da fé, mas a carne nunca pode continuar nela. “Navegação” conforme a sabedoria humana é sempre “perigosa”, e nós precisamos da Palavra de Deus para nos guiar. Devemos ter nossa consciência guiada pelas Escrituras em todo o tempo, pois, somente nesse caminho podemos reivindicar Suas promessas, “Então andarás confiante pelo teu caminho, e o teu pé não tropeçará” (Pv 3:23).
Há algo muito triste nas palavras “o jejum já tinha passado”. Aquela devoção do início, o “jejum e oração”, que caracterizava a Igreja no princípio (At 13.3), tinha passado e lembrando o comentário de alguém que diz: “Não há substituto para a comunhão”.
Quando não há comunhão tranquila com Deus e a espera na Sua presença, podemos ter certeza de que haverá problemas adiante. Que essas práticas possam exercitar o coração de cada um de nós e que possamos buscar andar em obediência e no poder do Espírito de Deus, ao invés de em caminhos de prudência humana.
Esse estado de coisas suscitou a admoestação de Paulo, “Senhores, vejo que a navegação há de ser incômoda, e com muito dano, não só para o navio e carga, mas também para as nossas vidas” (At 27:10). Isso nos lembra de sua admoestação aos anciãos de Éfeso, advertindo-os sobre os lobos cruéis que entrariam no meio deles, predizendo a ruína do testemunho “depois da minha partida” (At 20:29-30). Acaso percebemos, amados santos de Deus, que se abandonarmos a doutrina de Paulo, se nos recusarmos a andar na verdade que Deus deu à Igreja por meio dele, então nós também estamos nos dirigindo a problemas da mesma maneira que o navio na figura descrita? Lembremo-nos da exortação, “Conserva o modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido, na fé e no amor que há em Cristo Jesus” (2 Tm 1:13). Não devemos somente conservar essas coisas como doutrinas – embora seja a coisa mais necessária em si mesma – mas “na fé e no amor”, pois a verdade que conhecemos deve ter seu poder sobre nossa vida para a glória do Senhor.
Todavia, apesar do aviso, a palavra de Paulo foi deixada de lado (At 27:11) e o navio do testemunho foi guiado pelo seu “piloto” e pelo seu “mestre”. Assim, o homem assumiu coisas de suas próprias mãos, e como aqueles da Ásia, apartaram-se de Paulo (2 Tm 1:15) para seguir suas próprias ideias. Como isso foi verdadeiro após a morte dos apóstolos e numa grande medida antes da morte deles. O porto não era considerado um lugar cômodo (espaçoso e conveniente), assim, não devemos nunca esperar que a verdade de Deus seja espaçosa e conveniente o suficiente para satisfazer a multidão, e encontramos então que, “os mais deles foram de parecer que se partisse dali” (At 27:12). Se fizermos um traçado das Escrituras poderemos ver claramente que a maioria nunca escolheu andar no caminho da obediência. Não é verdade que houve sempre uns poucos que escolheram o caminho estreito? Que tenhamos cuidado ao seguir a multidão, que seja com olhar simples, fazendo Cristo o Objeto de nosso coração, e Sua Palavra, o guia para nossos pés. Teremos doce paz nesse caminho, embora sejam poucos os que teremos como companheiros.
Depois da admoestação, por algum tempo Paulo permaneceu em silêncio, e a história nos mostra que “a doutrina de Paulo” e o chamado celestial da Igreja estiveram perdidos por muitos séculos após a morte do apóstolo. Mas Paulo ainda estava a bordo e assim as preciosas verdades, sobre as quais temos falado, estiveram escondidas dentro da bendita Palavra de Deus por muitos longos anos, completamente despercebidas e ignoradas. O navio, entretanto, partiu rumo a Fênice – aquele porto espaçoso e conveniente – o centro do comércio! Esse é o desejo de muitos verdadeiros Cristãos – uma Igreja como Fênice, uma Igreja mundana. Essa é a tentativa de fazer o Cristianismo aceitável para o mundo, adaptando-o ao esquema do progresso do mundo. Estranhamente o vento sul soprou de maneira branda. Parecia que Deus estava dando a eles o que desejavam. Não é comum ouvirmos Cristãos, que andando em caminhos de desobediência, falem do “soprando o (vento) sul brandamente” – das bênçãos que estão tendo? Isso pode parecer ser da mesma maneira como quando a Igreja primitiva estava à deriva adentrando o mundo, mas, como observamos anteriormente, o tempo é um grande testador, e assim foi na nossa figura. Era aquele o propósito deles o qual supunham que o tinham alcançado. Perguntemos a nós mesmos, se preferimos nossos planos e propósitos ou os de Deus? Sabemos que temos a verdade porque temos a Palavra de Deus para aquilo que cremos, ou apenas supomos que estamos certos quando na realidade estamos seguindo nossas próprias ideias? Como é bom ser capaz de dizer, “assim diz o Senhor” e andar no caminho de Sua escolha.
Oh, quão grande é o significado das palavras, “fazendo-se de vela” (afrouxando a vela). Que triste dia foi esse na história da Igreja primitiva quando eles deixaram Bons Portos para alcançar Fênice. Observe também como eles navegaram próximos de Creta. Toda a verdade não é abandonada de uma vez. Alguns Cristãos dirão que não há praticamente nenhuma diferença entre um grupo e outro, mas pergunto, eles “afrouxaram as velas”? Seja um metro ou um quilômetro, esse é o caminho do afastamento. Geograficamente, Fênice não é longe de Bons Portos e frequentemente parece ser apenas um passo da verdade em direção à frouxidão, mas que passo perigoso é! Da mesma maneira essa jornada mostrou-se perigosa. E também, eles nunca chegariam a Fênice, pois o Senhor os impediu. Da mesma forma o Senhor ama muito aos Seus para permitir que eles se estabeleçam neste pobre mundo.
O brando vento sul não continuou por muito tempo e então, que mudança! Ele foi seguido por “um tufão de vento, chamado Euroaquilão” (At 27:14 – ARA). Tal é o caminho quando seguimos os conselhos do “mestre” e do “piloto” e colocamos de lado a verdade de Deus para seguir nossos próprios desígnios. O navio não poderia “navegar contra o vento” (At 27:15). Tal história nos mostra que uma má doutrina após outra entrou na Igreja primitiva e aqueles que escolheram permanecer na posição onde os “vasos... para honra” e os “para desonra” estavam todos juntos (2 Tm 2: 20-21), logo se acharam a si mesmos totalmente impotentes para fazer qualquer coisa – eles tiveram que se deixar “ir à toa”. Embora tivessem feito várias tentativas para reparar o navio, perceberam que isso seria inútil, pois o lugar estava cheio de areias movediças (vs. 16-17). Mesmo os que eram piedosos nos dias da Igreja primitiva, após a morte dos apóstolos, não puderam reparar o dano que foi feito. Não deve isso ser um aviso para nós hoje? Se permitirmos um pequeno mal, será apenas uma questão de tempo até que haja tanto dano ao navio do testemunho até que não possa ser reparado (1 Co 5:6).
Agora, entretanto, que foi permitido ao velho navio chegar a tal condição, somos nós chamados a repará-lo? Não, a ruína existe e devemos estar com nosso rosto em terra diante de Deus e admitir isso, mas a palavra de Deus nos chama para nos purificarmos dos vasos de desonra na grande casa da Cristandade professa, e seguir “a justiça, a fé, o amor, e a paz com os que, com um coração puro, invocam o Senhor” (2 Tm 2:22).
Como dissemos, as tentativas para reparar o navio foram inúteis e, ao invés das coisas melhorarem, ficaram gradualmente piores. “No dia seguinte aliviaram o navio”. As coisas consideradas não essenciais foram lançadas ao mar. Oh, guardemo-nos daqueles que querem que lancemos essas coisas “não essenciais” ao mar e, o que é ainda mais triste, as coisas chamadas “não essenciais” são muitas vezes as que concernem à glória de Cristo, e à Sua obra consumada (que as más doutrinas sempre atacam) e à verdade da Igreja, tão amada ao coração de Cristo, o Qual “amou a Igreja e a Si mesmo Se entregou por ela” (Ef 5.25). Portanto, não precisamos nos surpreender que após aliviar o navio, no dia seguinte, lançaram fora sua armação (At 27:19). Até os instrumentos mais necessários para o controle apropriado do navio foram lançados ao mar. Assim vemos o curso do afastamento da verdade de Deus. É algo gradual que começa quando “afrouxamos a vela”. Possa o Senhor nos dar tal valor à verdade que possamos seguir andando nesse caminho da verdade a todo custo.
O vigésimo versículo nos mostra o sentido completo da idade das trevas. O chamado celestial se foi, pois, “E, não aparecendo, havia já muitos dias, nem Sol nem estrelas, e caindo sobre nós uma não pequena tempestade, fugiu-nos toda a esperança de nos salvarmos”. Somente Deus poderia levantar um testemunho conforme Seu pensamento em meio a tais trevas. Usamos o termo ‘em meio’ porque Bons Portos nunca mais foi recuperado, nem também o navio do testemunho foi restaurado ao que era visto no princípio, mas Deus os trouxe de volta, no coração, ao ponto de partida, portanto, o vigésimo primeiro versículo é muito marcante em seu contexto.
Os que estavam a bordo não tinham comido por vários dias. A Palavra de Deus, como alimento para a alma, e como o único guia para a pessoa como também para a assembleia, havia sido perdida durante a idade das trevas. Mesmo no tempo de Lutero, no período conhecido como Reforma, embora tenha sido um tempo de grande bênção, pelo qual podemos agradecer de todo o coração a Deus, ainda assim não houve recuperação da doutrina de Paulo. Foi apenas, outra tentativa de ‘reformar’ ou reparar o ‘navio’. O “Sol e as estrelas” (o chamado celestial da Igreja) não foram vistos, até que Deus, em Sua infinita bondade, levantou um testemunho da verdade, no início do século 19. Paulo esteve em silêncio por longo tempo, mas aqui ele, “pondo-se em pé no meio deles, disse: Fora, na verdade, razoável, ó senhores, ter-me ouvido a mim e não partir de Creta, e assim evitariam este incômodo e esta perda” (At 27:21). Sim, “Paulo, pondo-se em pé”! Entre toda a perplexidade e trevas, ele os relembra do início das coisas. Eles não deveriam ter deixado Bons Portos. Nunca poderiam voltar lá outra vez, como já comentamos, mas em coração eles poderiam retornar. Paulo os chama, então, para fazer isso; e é exatamente o que Deus, pelo Seu Espírito, fez no início do século 19. Ele reuniu um testemunho entre a confusão da Cristandade para expressar a verdade de um corpo – a Igreja – e seu chamado celestial. Esse foi o pensamento de Deus no início – a verdade foi perdida e agora, neste tempo do fim, está sendo recuperada.
Paulo não disse a eles para reparar o navio, pois isso seria impossível, mas, ao contrário, ele falou a eles que o navio (o testemunho exterior como tal) seria perdido. Entretanto, as palavras, “porque não se perderá a vida de nenhum de vós, mas somente o navio” (At 27:22), nos falam da preciosa verdade, “há um só corpo” (Ef 4:4). Todos os redimidos, embora tão dispersos aqui, serão levados em segurança à glória. Nenhum será perdido. Agora, embora o navio seria perdido, aqueles identificados com Paulo no testemunho são chamados a lembrar – sim, a expressar – essa bendita verdade do um só corpo em meio à ruína. Realmente, que privilégio! Possa o Senhor nos ajudar a valorizar isso cada vez mais, apesar das crescentes trevas.
Sem dúvida, os versículos seguintes nos trazem algumas importantes considerações referentes ao caráter do testemunho. Há dois pontos mais importantes que talvez correspondam a estes encontrados na Igreja de Filadélfia. Eles guardaram Sua Palavra e não negaram Seu Nome (Ap 3:8). Assim, Paulo disse, “creio em Deus que há de acontecer assim como a mim me foi dito” (At 27:25) – ele guardou Sua Palavra; e também disse: “de Quem eu sou, e a Quem sirvo” (At 27:23) – ele não negou Seu nome. Num dia de “abandonos” como atualmente, é da maior importância nos mantermos firmes como Paulo se manteve. A mensagem dele teve que ser recebida por fé por aqueles que estavam a bordo, pois embora todas as coisas parecessem incertas naquela ocasião, a fé sempre pode dizer, “creio em Deus”. Sua Palavra imutável estabelece todas as coisas! Assim, sejamos de “bom ânimo” pois o fim da jornada será brilhante, embora o mar esteja revolto!
A vinda do Senhor para os Seus – o Arrebatamento – é simbolizado para nós na palavra que mostra o navio sendo lançado sobre certa ilha. Assim, à meia noite – como aqueles que ouviram o clamor: “Eis o Noivo; saí ao Seu encontro” (Mt 25:6 - ARA) – suspeitaram os marinheiros que estavam próximos de “alguma terra” (At 27:27). E nós também estamos chegando perto do nosso lar celestial! Vamos sondar como aqueles fizeram e encontraremos que esse bendito evento está se aproximando. Na primeira sondagem encontraram vinte braças, depois somente quinze. Sim, em breve ouviremos Sua bendita voz e veremos Sua face adorável. Portanto, procuremos ser como aquele que espera seu Senhor. Enquanto estavam esperando e aguardando pelo dia não estavam ociosos, pois os versículos que se seguem nos mostram que havia muita atividade a bordo, com Paulo, cujo conselho uma vez foi menosprezado, falou outra vez,e eles não deixaram mais o vento e as ondas os desencorajar, porque criam em Deus.
Os primeiros passos tomados após a descoberta da posição deles, como estando próximos de “alguma terra”, são muito instrutivos. “E, temendo ir dar em alguns rochedos, lançaram da popa quatro âncoras, desejando que viesse o dia” (At 27:29). Encontramos aqui a atitude apropriada daqueles que procuram, em dias de confusão e trevas, manter um testemunho segundo os pensamentos de Deus. Eles temeram que pudessem cair sobre rochedos – havia humildade e a percepção de sua própria incapacidade. Eles esperavam no Senhor e a confiança deles estava somente n’Ele. Também, a atitude deles não estava restrita a somente uma parte do mundo. Isso aconteceu “nos quatro cantos”, e o Espírito de Deus trabalhou em poder reunindo almas para Cristo – a Âncora. Outra coisa impressionante a respeito do testemunho em seu início era o desejo “que viesse o dia!”. O esplendor da esperança de Sua vinda estava diante do coração deles. Que lugar bendito quando eles assim se reuniam, em confessada fraqueza, tendo somente Cristo como a Âncora deles.
O inimigo rapidamente se empenhou para arruinar o trabalho de Deus e alguns marinheiros tentaram fugir do navio fingindo que lançavam âncoras (At 27:30). Não há dúvida que isso fala sobre independência, e nos lembra daqueles que deixaram o testemunho coletivo que tinha sido levantado por Deus para seguirem caminhos de suas próprias escolhas. Independência não é de Deus. Somos membros uns dos outros e o único pão sobre a mesa na ceia do Senhor fala do corpo de Cristo como um, composto por todos os verdadeiros filhos de Deus (1 Co 10:17). O Senhor Jesus orou por unidade no testemunho em Sua bela oração em João 17:21. “Para que todos sejam um, como Tu, ó Pai, o és em Mim, e Eu em Ti; que também eles sejam um em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste”. Essa unidade foi vista no dia de Pentecostes quando “estavam todos reunidos no mesmo lugar” (At 2:1 – ARC), mas o fracasso veio rapidamente e estragou tudo. Entretanto, pode o fracasso do homem alterar Seus pensamentos sobre a Igreja, a qual Ele amou e pela qual Se entregou a Si mesmo? Não, nunca! “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje e eternamente” (Hb 13:8).
Observe que a tentativa de fugir do navio – sair de forma independente – foi ‘fingindo’ que jogavam as âncoras. Tal atitude é usada por aqueles que se colocam no terreno da independência, mesmo nos nossos dias. Eles nos falam que estão trabalhando para um mesmo fim, pregando o mesmo evangelho, usando a mesma Âncora (Cristo) como os que permanecem no navio do testemunho, mas não nos esqueçamos das palavras do Senhor: “quem Comigo não ajunta, espalha” (Mt 12:30).
Se não estamos nos ajuntando com Cristo e para Cristo estamos na verdade espalhando o rebanho – como isso é solene! Não podemos esperar que o Senhor recompense tais atividades, pois Sua Palavra declara que “se alguém também milita, não é coroado se não militar legitimamente”. Querido leitor, você está militando de acordo com as regras – com a Palavra de Deus?
O plano deles para fugir trouxe uma palavra especial de Paulo: “Se estes não ficarem no navio, não podereis salvar-vos” (At 27:31). Rapidamente aqueles homens foram impedidos de seus planos pela palavra de admoestação, e neste ponto podemos perguntar ao nosso próprio coração se estamos querendo abandonar nosso curso, quando a Palavra de Deus nos mostra que estamos do lado errado. Como seria bom se estivéssemos desejando seguir as Escrituras em todas as coisas e durante todo o tempo. Sem nenhuma dúvida, nós, como indivíduos, e a Igreja de Deus como um todo, seríamos poupados de muitas dores se agíssemos dessa forma. Muitas vezes o orgulho se intromete e nos recusamos a ouvir a Palavra quando ela mostra nossos erros. Verdadeiramente, “Deus resiste ao soberbo, mas dá graça aos humildes” (1 Pe 5:5).
Os próximos versículos são realmente interessantes, pois Paulo exortou a todos eles que comessem. Com a recuperação da verdade nestes últimos dias, que precioso suprimento de “alimento” tem estado disponível para a Cristandade, pois, como comentamos antes, os que estavam a bordo tipificam a todos nós, os verdadeiros filhos de Deus. Esse “alimento” não é nada novo. Ele estava no navio em toda a jornada, mas apesar do rico suprimento que havia, eles, no “décimo quarto dia... e permaneceis sem comer” (At 27:33). Assim, agora, a verdade que Deus recuperou para nós não é algo novo, mas está, e tem estado desde os dias dos Apóstolos, contida na bendita e imutável Palavra de Deus. Contudo, a Igreja de Deus havia permanecido “sem comer” desde que a doutrina de Paulo foi abandonada.
Verdadeiramente, participar deste rico ministério é para a nossa “saúde” espiritual (At 27:34), e tem sido uma grande bênção para todos os que têm tomado parte nele. Caro leitor, estamos você e eu dando atenção à leitura dos muitos preciosos volumes de verdade que agora estão disponíveis para nós? Devemos ser profundamente agradecidos ao Senhor por nos permitir obter essas coisas tão facilmente, e ser mais diligentes à medida que os dias se tornam mais tenebrosos. Ainda que a verdade da segurança do crente e nossa posição atual “em Cristo” tenha estado perdida por muito tempo, não há dúvida de que o Espírito de Deus nos ensina das palavras de Paulo para aqueles homens: “porque nem um cabelo cairá da cabeça de qualquer de vós” (At 27:34). Se o leitor dessas linhas tiver qualquer dúvida de sua segurança eterna, deixe-nos dar a você as Palavras do Senhor Jesus, nas quais pode descansar sua alma: “E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da Minha mão” (Jo 10:28). Como poderíamos perecer quando estamos “em Cristo” diante de Deus? (Rm 8:1).
Depois disso, Paulo, “tomando o pão, deu graças a Deus na presença de todos; e, partindo-o, começou a comer” (At 27:35). Nem precisamos comentar esse versículo! Aqui vemos, em figura, a ceia do Senhor comemorada mais uma vez de acordo com os pensamentos de Deus. Embora tenha havido um “serviço de comunhão” (assim chamado) por muitos anos antes da recuperação da doce verdade do partimento do pão na simplicidade dos dias dos apóstolos, eles não se reuniam ao Nome de Cristo somente, e em muitos casos isso era encarado como um meio de graça. Quando a observamos do modo que Deus nos deu em Sua Palavra, sabemos que ela não tem valor em si mesma, mas se nós mesmos estamos em comunhão com o Senhor enquanto participamos juntos, vemos que o pão fala de Seu corpo entregue à morte por nós, e que o cálice nos diz de Seu sangue derramado no Calvário para tirar os nossos pecados. Esse é um bendito privilégio e devemos nos reunir ao Nome de nosso Senhor Jesus Cristo somente (Mt 18:20), no terreno de um só corpo. O pão tem seu significado adicional quando partido de acordo com o pensamento de Deus: “Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão” (1 Co 10:17). O único pão está em contraste com os 12 pães na mesa nos dias de Israel, os quais representavam as 12 tribos. Agora há “um rebanho e um Pastor” (Jo 10:16) e o “um só corpo” inclui todos os crentes sejam Judeus ou gentios (1 Co 12:13).
Vale registrar aqui que não é dito no nosso capítulo que todos eles partiram o pão, mas que Paulo partiu o pão e que “tendo já todos bom ânimo, puseram-se também a comer” (At 27:36). Sabemos que todos foram beneficiados e o “alimento” ainda beneficia por ter sido recuperado para a família da fé nestes últimos dias, mas nem todos “partem o pão” no terreno divino. Vamos repetir a pergunta feita pelos discípulos de outrora à luz da Sua presença e da Sua Palavra: “Onde (Tu) queres que a preparemos?” (Lc 22:9)
Após tão admirável restauração ao lugar por Ele apontado, pôde o fracasso ter entrado? Sim, o homem sempre falhou em tudo o que Deus confiou a ele em responsabilidade. E aqui, o maior de todos os males veio para manchar essa cena tão brilhante. Por que deveriam, contar a si mesmos? Estar ocupado com números conduz ao orgulho – a mesma coisa que causou a queda de Satanás, e isso tem sido a ruína de mais homens e mulheres que foram colocados numa posição de favor, do que qualquer outra coisa. “Deus resiste aos soberbos” (1 Pe 5:5). Ele odeia os “olhos altivos” (Pv 6:17). Quando Davi, de forma orgulhosa, contou o povo para ver quantos tinham sido incluídos durante seu reinado (2 Sm 24:3-10), Deus mandou uma praga entre eles e 70.000 homens caíram. Poderíamos esperar algo diferente quando eles intentavam contar a eles mesmos nesse navio do testemunho? Não, pois vimos que a ação deles marcou outro retrocesso na nossa figura e temos que relatar com pesar os tristes resultados que se seguiram.
O primeiro efeito da contagem deles mesmos é que se tornaram bastantes satisfeitos consigo mesmos e uma indiferença laodiceana aparece imediatamente. Eles disseram: “de nada tenho falta” (Ap 3:17). Estavam “saciados com a comida” (At 27:38 – TB). É uma coisa ruim quando perdemos nosso apetite para as coisas de Deus – quando pensamos que estamos “saciados com a comida”. É de se admirar que depois disso eles estivessem “lançando o trigo ao mar”? E nesse ponto podemos bem perguntar para nós mesmos o que estamos fazendo com a verdade de Deus. Estamos andando de acordo com ela, e nos alimentando de Cristo, ou estamos jogando fora a verdade – “aliviando o navio”- como se pudéssemos deixar a navegação mais fácil agindo dessa forma? É verdade que isso pode fazer as coisas mais fáceis por um tempo, mas como o navio em nossa figura, certamente haverá um naufrágio à frente se fizermos isso. Não podemos passar adiante sem fazer um apelo especial para os nossos queridos jovens aqui. Os que vieram antes de nós “compraram a verdade” (Pv 23:23). Ela custou muito a eles, mas nós a recebemos muito facilmente. Seria o caso de não estarmos valorizando essas coisas preciosas e estarmos dispostos a deixa-las ir embora? Vamos lembrar a nós mesmos daqueles que voltaram da Babilônia e que tiveram os vasos santos “pesados” para eles a fim de que fossem “pesados novamente” quando chegassem a Jerusalém (Ed 8:25-26, 29).
“E, sendo já dia, não conheceram a terra” (At 27:39). A percepção espiritual tinha acabado e não tinham consciência do perigo que corriam. Se nos estabelecermos como habitantes da Terra agiremos como se fosse “dia”, mas o Senhor quer nos fazer relembrar que esta ainda é “a noite” de Sua ausência, embora nós mesmos sejamos “filhos do dia” (1 Ts 5:5). Quanto mais feliz era o estado dos que estavam a bordo aguardando em silêncio com as quatro âncoras lançadas, apenas aguardando que o dia chegasse. Nós conhecemos a terra para onde estamos indo e devemos esperar pelo momento bendito quando o Senhor Jesus virá para nos levar e para estarmos com Ele acima na casa do Pai. Muito constantemente somos como aqueles marinheiros cansados que “não conheceram a terra” e que estavam satisfeitos apenas em “encalhar o navio” – um lar aqui embaixo, esquecendo-nos que “nosso descanso está no céu, nosso descanso não é aqui”.
O “se” que eles acrescentaram aos seus planos (“se deveriam...” At 27:39) mostrava que, por terem uma mente mundana, não tinham certeza de nada. Que diferente são as palavras da Escritura as quais nos trazem perfeita confiança quanto nossa porção celestial: “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (2 Co 5:1). Sempre é, “sabemos” e “temos” quando falamos da nossa casa no céu. Somos apenas estrangeiros e peregrinos aqui em nosso caminho para a glória acima.
Nós temos seguido com tristeza o afastamento gradual desde o momento em que eles decidiram contar a si mesmos no versículo 37; primeiro, eles lançaram o trigo no mar e depois “uma enseada que tinha praia” encheu seus pensamentos. Enquanto todas essas coisas aconteciam, Paulo permaneceu em silêncio e não foi surpresa encontrar que os que estavam a bordo desse ‘vaso de testemunho’, que tão pouco tempo antes havia sido (figurativamente) a cena de uma feliz comunhão, de acordo com os pensamentos de Deus, rapidamente tomaram outro passo muito sério. Se perdemos a percepção do que é estar reunidos ao Nome do Senhor Jesus e o reconhecimento da autoridade que Sua presença no meio deles concede àqueles que estão assim reunidos, o resultado é confusão. Assim, aqui, “levantando as âncoras, deixaram-no ir ao mar” (At 27:40). O mar fala de confusão. Que figura cheia de tristeza!
O resultado imediato de tudo isso foi que ao invés de uma quieta dependência do Senhor, e esperando n’Ele, houve muita atividade, a qual de acordo com a sabedoria e sensatez humanas parecia ser boa e necessária. Primeiro soltaram as amarras do leme para facilitar o desembarque e depois alçaram a vela principal ao vento. Que esplêndida aparência aos olhos do homem! Que boa perspectiva de se fazer um bom desembarque! Não podemos aqui comparar a muita atividade dos dias de hoje com isso? Aprendemos, todavia, a não julgar coisas pela aparência exterior, mas pela Palavra de Deus. Janes e Jambres tinham muitas imitações parecidas com as coisas de Deus, mas por seus métodos não puderam produzir vida e o desvario deles foi manifesto a todos os homens (2 Tm 3:7-9). Não foi assim também com esses marinheiros? E será sempre assim com qualquer atividade que não esteja de acordo com a verdade de Deus. Nós nos regozijamos em ver atividades de acordo com os pensamentos de Deus e desejamos que haja mais servos devotados trabalhando para Ele, mas a fé sempre considera o caminho da escolha d’Ele como o melhor – sim, o único caminho seguro. Moisés fez exatamente o que Deus lhe disse para fazer, nada mais, nada menos e não foi abalado por todos os encantamentos de Janes e Jambres.
Vamos ter em mente também onde as quatro âncoras foram deixadas. Foi no mar! Isso nos leva a perguntar se podemos esperar um testemunho em todo o mundo novamente. Mas, embora as âncoras nunca mais tenham vindo à tona, podemos e nos regozijamos ao pensar na Jerusalém celestial onde, “o mar já não existe” (Ap 21:1). Não haverá mais confusões e naquela cidade a Noiva será vista em toda a sua beleza. Que expectativa temos diante de nossa alma num dia de ruína!
Por fé em Ti posso ver, Senhor,
Uma esperança de esplendor inabalável;
Onde Deus na luz divina brilhará
Em glória que nunca desvanecerá
Não ver mais Teus escolhidos
Em lutas egoístas divididos;
Mas bebendo em paz a viva graça
Que deu a eles corações unidos!
Onde quer que encontremos a atividade do homem, sempre encontraremos que ela tem por trás a vontade do homem em vez da de Deus, e então é inevitável haver um confronto de vontades. Tal é o coração do homem, pois, mesmo um Cristão andando na carne desejará seu próprio caminho – assim os “dois mares” se encontram. “E, fixa a proa (os líderes), ficou imóvel, mas a popa abria-se com a força das ondas” (At 27:41).
Alguns que têm tomado o lugar de líderes tornaram-se obstinados e se recusam a ceder, causando a dispersão das ovelhas, por causa da vontade do homem, ao invés de serem reunidas segundo a vontade de Deus. Irmãos, que aviso para nós! Isso não nos faz inclinar nossa cabeça e nosso coração quando lemos a esse respeito, sabendo muito bem que podemos aplicar isso para nós mesmos? Que possamos nos humilhar sob Sua potente mão (1 Pe 5:6) e permanecer humildes também!
Talvez alguém esteja dizendo: “Agora é tudo uma questão de testemunho individual, pois o navio foi destruído”. Mas pare um momento, e observe um novo vislumbre da graça de Deus no final. Foram os soldados (falando-nos do inimigo) os que quiseram matar os prisioneiros e Paulo entre eles, mas a mão do inimigo foi detida. Deus prevaleceu, trabalhando atrás do cenário. Paulo nada falou, como tinha feito em ocasião anterior, mas foi poupado, e sem dúvida, Deus preservará o testemunho da doutrina de Paulo até o fim. As coisas estavam em tal estado de confusão que não havia nenhum comando para todos a bordo, como antes, mas Deus colocou Sua vontade no coração do centurião para preservar Paulo. Talvez Lucas estivesse “no mesmo pedaço do navio em que Paulo estava”. Outros poderiam dizer que seria inútil tentar achá-lo em meio ao tumulto, da mesma maneira que alguns dizem hoje que é inútil tentar achar aqueles que estão agora no terreno divino, mas repetimos o versículo mencionado no início do nosso livreto, “Se alguém quiser fazer a vontade d’Ele, conhecerá a respeito da doutrina” (Jo 7:17 – ARA). E acrescentamos outro versículo: “o que busca, encontra” (Mt 7:8).
Mesmo assim, como é doce ver que todos eles chegaram em segurança à terra, e assim sabemos que todo verdadeiro filho de Deus será levado em segurança para casa em glória. Como seria muito melhor, porém, andar no caminho escolhido por Ele do que em nossos próprios caminhos. Alguns podem dizer que isso faz pouca diferença desde que alcancemos o céu, mas isso mostraria uma absoluta indiferença por Seus direitos sobre nós. Será possível que conhecendo o quanto custou ao Senhor nos redimir para Ele mesmo não queiramos agradá-Lo em nossa vida? E ainda, há um dia de manifestação chegando, quando Deus fará conhecer e premiará aquilo que tem sido de acordo com Seus pensamentos. Aos fiéis de Filadélfia foi dito que o Senhor fará com que outros “venham, e adorem prostrados a teus pés, e saibam que Eu te amo” (Ap 3:9). Vamos, então, buscar graça para sermos fiéis a Ele que nos amou e deu a Si mesmo por nós, e deixar todo o resultado com Ele.
Os primeiros dez versículos do próximo capítulo nos mostram uma figura muito interessante das bênçãos que virão à Terra após a Igreja estar segura no lar em glória. “A chuva... e... o frio” (tribulação) passam, Paulo é visto novamente e da mesma maneira viremos com Cristo para a Terra quando Ele estabelecer Seu reino. O povo da ilha foi forçado a mudar sua opinião errada sobre Paulo, e quando o Senhor Jesus vier com Seus santos, Ele Se fará “admirável naquele dia em todos os que creem” (2 Ts 1:10), embora agora, “o mundo não nos conhece; porque não o conhece a Ele” (1 Jo 3:1).
Satanás (a víbora) será amarrado por mil anos e não será mais capaz de enganar o homem (Ap 20:3). Todos na ilha foram curados (At 28:9) e assim todos na Terra milenar serão curados com as folhas da árvore da vida (Ap 22:2). Então, os bárbaros honraram a todos com muitas honras (Atos 28:10), e sabemos que naquele maravilhoso dia de bênção que virá para esta Terra, “os reis da terra trarão para ela (a Jerusalém celestial) a sua glória e honra” (Ap 21:24).
Deus escreveu todas essas coisas para nosso ensino e devemos tirar proveito dos erros de outros, assim como ser encorajados pela incomparável graça de Deus, que é abundante apesar de nossas fraquezas e fracassos. Não há limite para a graça que atendeu nossas necessidades como pecadores e é diária para nós como Seus filhos amados; e então, “Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da Sua graça pela Sua benignidade para conosco em Cristo Jesus” (Ef 2:7). Que futuro é o nosso!
G. H. Hayhoe



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