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Breves Meditações - Parte 11/14

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ÍNDICE


Breve Meditações

Parte 11

J. G. Bellett

Manifestações Divinas

 

O Senhor Se dirigiu ao Seu povo de outrora em visões. Os olhos, então, naturalmente, percebiam a revelação, pois era uma forma sensível de um tipo ou de outro que transmitia a revelação.

 

Agora, Ele Se dirige à fé. E a fé percebe o seu Objeto com a mesma certeza que a visão ou a audição o faziam antigamente. A fé “é a prova das coisas que se não veem”.

 

E assim, o fruto espera por isso: que a percepção seja realizada, quer pelo olho, quer pela fé.

 

Isaías teve uma visão do trono e dos serafins no templo, cheios de fumaça; e ele foi convencido e dominado. Então, a brasa purificadora do altar foi aplicada em seus lábios; e ele foi restaurado à paz (Is 6).

 

Podemos ver um processo semelhante, embora por outros instrumentos, nas pessoas de Ezequiel e Daniel (Ez 1; Dn 10).

 

Temos o mesmo sob o ministério do Senhor Jesus, como aqui sob as visões antigas. A Pedro, em Lucas 5, o Senhor Se manifestou, por meio da pesca, de uma forma que o dominou totalmente. Ele estava convencido de ser um pecador, como havia acontecido com os profetas, dos quais falei. Mas as palavras de Jesus o restauraram à paz, assim como diferentes instrumentos aplicados a eles restauraram os profetas. E assim, aconteceu com a samaritana. A palavra do Senhor primeiro a convenceu, revelando-lhe tanto sua condição de pecadora, quanto a visão da glória havia convencido Isaías. Mas as palavras posteriores do Senhor, da mesma maneira, a restauraram.

 

E ainda mais, temos os mesmos efeitos sob a pregação dos apóstolos.

 

A palavra de Pedro em Atos 2 desperta o clamor: “Que faremos, homens irmãos?” e então, suas palavras adicionais transmitem alegria e paz ao crerem.

 

O mesmo efeito do falar simples e inteligível na assembleia dos santos, sem nada de maravilhoso ou miraculoso, é contemplado em 1 Coríntios 14:23-25.

 

Assim, efeitos semelhantes são produzidos, embora as circunstâncias mudem de visões ou toques palpáveis para o ministério pessoal do Senhor, ou deste para um simples testemunho ou pregação.

 

Tudo o que é necessário é a percepção daquilo que foi revelado – e a fé faz isso sob a Palavra, como os olhos o fariam na presença de uma visão. É claro que o Espírito, sabemos, precisa conceder a fé.

 

Outra ilustração disso me ocorre. Eliseu seguiu Elias por todo o caminho que o levava à sua trasladação. Tentações assolavam o caminho. Dificuldades se acumulavam ali, e obstáculos se repetiam. Mas o propósito da alma de Eliseu era firme e único. Ele se propôs a estar com seu mestre durante todo o caminho, até o fim. Não queria ouvir falar de outra coisa; e, portanto, obstáculos, dificuldades e tentações receberam dele uma resposta imediata (2 Reis 2).

 

Os santos em Tessalônica não tinham nada além de um relato em que se apoiar. Não tinham visão, nem milagre. Não tinham mestre, como teve Eliseu, em sua companhia, que sabiam que seria tirado “por sobre a cabeça deles”, nenhum sinal sensível para alimentar as expectativas do coração deles. Mas os objetos de fé eram tão reais para eles quanto as coisas sensíveis o eram para Eliseu; e o mesmo fruto e efeito foram produzidos neles. No espírito de vitória, eles se livraram dos obstáculos, como ele havia feito. Eles se afastaram de ídolos mudos. A fé teve sua obra neles, o amor seu labor, a esperança sua paciência. Eles serviram ao Deus vivo e esperaram o Filho vindo do céu.

 

Seria tudo isso algo menos do que Eliseu seguindo Elias desde Gilgal até o outro lado do Jordão, passando por Betel? Os tessalonicenses, tão certamente quanto o profeta, tinham os lombos cingidos e as lâmpadas acesas, e eram como servos que esperavam por seu Senhor. A fé em um relato divino operou neles com tanta eficácia quanto a presença palpável de seu mestre operou nele.

 

E o mesmo fruto foi produzido. Tudo o que queremos é perceber nosso Objeto, e a fé faz isso tão bem quanto a visão, o tato ou a audição.

 

Mas o efeito de uma manifestação de Deus, embora não dependa necessariamente de algo palpável, como uma visão ou um milagre, terá de ser medido pela condição da alma à qual ela se destina. Assim é; e esta é uma importante verdade moral. E isso a Escritura também nos ilustram.

 

Jacó havia errado gravemente ao lado do leito de seu pai (Gn 27); e em Betel ele estava experimentando a amargura de seus atos, um andarilho então fora da casa de seu pai, sem amigos e sem abrigo. Na glória da bondade, Deus Se manifesta a ele. Os céus abertos, a escada e os anjos ofereceram uma resposta maravilhosa da graça de Deus para alguém como Jacó ali. Mas assim foi. O Senhor é maravilhoso para com Seus santos, enquanto sofrem sob Suas repreensões pelas maldades feitas por eles.

 

Jacó, depois disso, havia sido muito incrédulo em Peniel (Gn 32). Ele temeu o exército de Esaú na presença do exército de Deus. Ele havia desviado o seu olhar do Senhor para a criatura; e tinha tremido, calculado e orado, como se Aquele que era a seu favor não fosse maior do que aquele que era contra ele; embora Um fosse Deus e o outro, homem. O Senhor repreende isso – certamente o faz. Ele resiste a Jacó. Mas Jacó resistiu sob essa repreensão, sua fé foi reavivada e ele se agarrou ao Senhor. O Senhor lhe deu uma manifestação maravilhosa de Sua graça, permitindo-lhe prevalecer sobre Ele, e então lhe deu um novo nome e uma nova bênção.

 

Tais foram os materiais na história de Jacó, nessas duas grandes ocasiões, em Betel e em Peniel. Mas a experiência deste santo de Deus em cada ocasião foi diferente.

 

Em Betel, a experiência de Jacó foi de natureza mista. Ele disse que o lugar era “terrível” e, ao mesmo tempo, “a porta dos céus”. Ele foi encorajado pela visão, mas dificilmente poderíamos dizer que se alegrou com ela. Mas em Peniel tudo era gozo para ele. Ele tem uma exultação, um triunfo sagrado, em seus lábios, e se dirige à sua jornada como se estivesse à luz da face de Deus.

 

Aqui há uma diferença, e uma diferença que deve ser explicada pela condição do próprio santo – não pela manifestação – pois aquela em Betel era superior.

 

Não houve nele nenhum exercício de espírito em Betel como houve em Peniel. Ele dormia lá; ele estava acordado aqui. Ele simplesmente foi influenciado lá, recuperou-se e foi despertado aqui. Havia diferenças morais na mesma alma; e, consequentemente, experiências diferentes. Peniel era mais para Jacó do que Betel havia sido; uma manifestação de Deus é mais para um santo desperto do que para um adormecido. Isso acontece assim nos dias de hoje, tanto quanto se viu que foi nos primeiros dias dos patriarcas.

 

E aqui, deixe-me comparar Moisés, na rocha fendida diante da visão, com Jacó, em Betel ou Peniel (veja Êx 33-34).

 

Moisés suplica ao Senhor e ora para que lhe seja mostrado “o Teu caminho”. O que até então ouvira d’Ele não lhe serviria. Ele já O vira como o Legislador e como o Senhor da aliança condicional, até mesmo comendo e bebendo em Sua presença, juntamente com setenta dos anciãos de Israel (Êx 19 e 24). Mas tais manifestações de Deus não serviriam. Moisés não estava satisfeito. E com razão; pois Israel estava naquele momento sob seus olhos, em ruínas morais – tudo havia acabado para eles nos termos da lei, ou sob sua própria aliança; e Moisés, portanto, precisava ver Deus em Seu próprio caminho. Ele precisava conhecer a Ele próprio, como ele agora Lhe diz – conhecê-Lo em graça soberana.

 

O Senhor promete fazer o que Seu servo assim desejara. Ele deixará Sua glória passar diante dele, “toda a Minha bondade”, Sua graça soberana, aquela graça que superabunda, assim como no evangelho. E Ele assim o faz.

 

Moisés está profunda e plenamente satisfeito. Ele se curva e adora. Não pede mais nada – não pede mais manifestações de Deus – apenas deseja que Aquele que agora desceu e esteve com ele, e passou em Sua própria glória, possa seguir o caminho com ele e com Israel.

 

Esta foi uma experiência verdadeiramente bendita. Foi como “um transbordar e derramar numa corrente viva e vivificante”. E por que este rico gozo? Moisés a havia buscado. Ele não estava adormecido sob a visão, como Jacó em Betel; nem havia simplesmente se recuperado sob ela, como Jacó em Peniel; ele próprio a havia buscado. Foi o exercício de espírito que o conduziu à visão, e assim ele estava preparado para o pleno poder dela; e o pleno poder dela ele obteve.

O Mistério da Vida

 

Deixe-me dizer: com quanta força o Espírito de Deus, na Escritura, ensina-nos o mistério da vida. Com quão intenso senso disso Ele desejaria impressionar nossa alma, que nós a temos perdido, mas que Cristo a tem para nós.

 

A espada flamejante na mão do querubim, guardando por todos os lados o caminho da árvore da vida, era a expressão disso, assim que o pecado foi cometido e a morte introduzida. Essa visão fez Adão aprender, e todos nós por meio de Adão, que a vida que perdemos jamais poderemos recuperar.

 

A ordenança que proibia comer sangue, estabelecida logo que a carne de animais foi dada como alimento, e continuada e repetida zelosamente na lei, era uma testemunha disso, um testemunho permanente que falava ao coração e à consciência do homem desde os dias de Noé até os tempos do evangelho – e talvez, na verdade, até o tempo presente (Atos 15).

 

O evangelho ensina a mesma grande verdade abundantemente. Ninguém tem poder para questioná-la: que o homem está morto, morto em ofensas e pecados, e que ele está sem forças, e jamais poderá se recuperar ou reviver.

 

Dessa forma intensa e enfática, a Escritura, do princípio ao fim, deixa o homem saber que ele perdeu a vida, e a perdeu irrecuperavelmente.

 

Com igual intensidade é revelado o outro grande mistério: que a vida está em Cristo, o Filho de Deus, e n’Ele para nós.

 

Foi dado a Pedro conhecer isso: que a vida estava em Jesus – que Ele era nada menos que o Filho do Deus vivo. E sobre a sua confissão, o Senhor imediatamente revela a verdade adicional: que essa vida, assim reconhecida como estando n’Ele, era uma vida vitoriosa que deveria ser usada em prol da Igreja (Mateus 16).

 

Não me detenho em apresentar as belas provas que o ministério do Senhor nos proporciona desta vida eterna, desta vida vitoriosa, desta vida do Espírito vivificador presente em Jesus durante todo o Seu tempo aqui, mas a vemos gloriosamente manifestada após a Sua morte. O sepulcro vazio, como visto em João 20:5-7, é o testemunho peculiar de que um Conquistador havia estado nas regiões da morte. E Ele foi então, como sabemos, visto pelas testemunhas escolhidas, durante quarenta dias após a Sua ressurreição. Mas quero meditar um pouco sobre o grande fato de que esta vida vitoriosa em Jesus, o Filho de Deus, é para nós. Volto-me para os três primeiros capítulos da Epístola aos Hebreus.

 

Ali, Aquele que estava morto, está vivo novamente. Sua morte é mostrada como tendo sido por nós. Ele não morreu simplesmente para exibir Sua vitória, para mostrar que era o Homem mais forte, embora na casa do valente – mas Sua morte é declarada como tendo sido por nós. Isso nos diz, como Mateus 16:18 havia prometido, que Sua vida vitoriosa o Filho usa em prol da Igreja.

 

Ele morreu como Aquele que nos purificou de nossos pecados. Ele, pela graça de Deus, provou a morte por nós. Ele, pela morte, enfrentou aquele que nos mantinha em servidão durante toda a nossa vida. Estas são as interpretações de Sua morte que encontramos nos dois primeiros capítulos.

 

No início do terceiro, somos ordenados a considerar Aquele que foi fiel – fiel desta maneira – fiel Àquele que O designou para assim empreender a vida por nós, através da morte. Devemos considerá-Lo, para o estabelecimento da nossa fé e para o conforto da nossa alma, familiarizando-nos com este grande mistério: o Filho do Deus vivo esteve em conflito com a morte, e no lugar da morte, para que pudesse trazer de volta a vida a nós que a tínhamos perdido, e a perdemos irremediavelmente.

 

E assim como somos exortados a considerá-Lo, também somos exortados a mantê-Lo firme, firme e constante, conforme prossegue este mesmo capítulo.

 

E qual é o aviso? Qual precisa ser o aviso, depois de um ensinamento como este? “Vede, irmãos, que nunca se ache em qualquer de vós um perverso coração de incredulidade, para se apartar do Deus vivo” (AIBB). Quão simples, e ainda assim quão necessário, e ainda assim quão bendito! Ninguém menos que o próprio “Deus vivo” Se tornou nosso em Jesus, e, portanto, é fácil dizer que tudo depende de nos apegarmos a Ele.

A Morada da Verdade

 

A alma é a morada da verdade de Deus. O ouvido e a mente são apenas a porta e a avenida; a alma é seu lar ou morada.

 

A beleza e o regozijo da verdade podem ter ocupado indevidamente o posto avançado, enchido as avenidas e lotado os portões – mas é somente na alma que sua realidade pode ser conhecida. E é pela meditação que a verdade segue sua jornada, do portão, ao longo da avenida, até sua própria morada.

A Morte Consumada

 

Eles falavam da Sua morte, a qual havia de se cumprir – três palavras de doce e variada importância. Elas nos falam da intimidade, da intimidade pessoal, que existe entre o Senhor e os eleitos nos reinos de glória. Como aconteceu no jardim do Éden no princípio, e depois entre os patriarcas, e depois com os discípulos e seu divino Mestre nos dias dos evangelistas, assim será nas eras de glória: haverá intimidade pessoal entre o Senhor e Seu povo, assim simbolizada pela palavra “falar”. “Falou Deus com ele (Abraão).

 

Mas temos também o assunto da conversa deles – era a Sua morte – um tema digno de envolver as hostes glorificadas. Podemos muito bem falar dela em cada dia do Senhor, à luz da ressurreição, visto que os resgatados nos céus falam dela à luz da glória. Pois é esse grande fato ou mistério que será celebrado para sempre, assim como é o grande fato que se provará ser a coluna da eternidade, a coluna da criação de Deus.

 

E, novamente, eles nos farão aprender uma questão muito importante relacionada a este assunto: era uma morte que deveria ser consumada – uma palavra que sugere o caráter pleno, consumado e aperfeiçoado da maneira como aquele grande mistério, a morte do Cordeiro de Deus em Jerusalém, deveria ser conduzido. Toda a devida solenidade deveria marcá-la, para que nada ficasse sem efeito, sem ser produzido ou incerto, como foi aconselhado a fazer.

 

E que conforto para nós, pecadores! O sacrifício do Cordeiro de Deus era o precioso segredo eterno que nos daria a bendita paz eterna; e temos que aprender que tudo o que foi confiado ao Cordeiro fazer, Ele o fez – os conselhos, o trono, os pesos e medidas do santuário da salvação, tudo foi satisfeito até o último jota e til.

 

Gostaria de meditar com um pouco mais de cuidado sobre esta consumação da morte do Cordeiro de Deus.

 

Ao lermos Levítico 16, podemos ficar impressionados com o cuidado, a ordem e a regularidade exata e perfeita com que o sacerdote realizava os trabalhos do dia da expiação. Sem pressa, mas tudo com exatidão bem ordenada e definida, do princípio ao fim.

 

Ele deveria tomar as vítimas designadas, fossem bois ou bodes. Então, deveria oferecê-las. Então, deveria matá-las, como no devido momento e ordem. Ele então deveria preparar a nuvem de incenso, que deveria acompanhá-lo e revesti-lo, quando entrasse no santuário com o sangue. E (envolto com esta nuvem, estando sobre ele seu simples e santo traje de linho, não suas vestes sacerdotais de glória e ornamento), tendo entrado no Santo dos santos, ele asperge o sangue sobre e diante do propiciatório; em testemunho de que Deus, no trono da justiça, havia aceitado o sacrifício. Ele então sai e usa o mesmo sangue (o sangue que havia sido assim credenciado e sancionado no trono) para a reconciliação dos lugares exteriores e das coisas exteriores – nenhum homem, exceto ele mesmo, sendo permitido no Santo dos santos enquanto ele estava assim, em toda essa solenidade, realizando os assuntos deste dia misterioso.

 

E tendo assim reconciliado os lugares e coisas exteriores, ele coloca as iniquidades do povo sobre a cabeça de um bode, chamado bode expiatório, e o envia para uma terra onde essas iniquidades nunca mais poderiam ser lembradas.

 

Então, vestido com suas vestes sacerdotais de glória e ornamento, ele oferece um holocausto por si mesmo e outro pelo povo; um testemunho de que toda essa grande e graciosa obra resultou na adoração e louvor que lhe foram prestados ao Senhor pela congregação do Senhor, resgatada e comprada com sangue. E então, ele coloca a gordura da oferta pelo pecado sobre o altar, em sinal de que o Deus bendito tinha a porção mais rica da festa, o regozijo mais profundo neste sacrifício e expiação, reservados para Si mesmo – à maneira, posso dizer, do Pai na parábola do filho pródigo.[1]

[1] O evangelho é chamado de "o evangelho da glória de Deus bem-aventurado (ou feliz)" em 1 Timóteo 1:11. Isto está de acordo com esta ordenança, "a gordura sobre o altar".

 

As ofertas pelo pecado, tanto o novilho quanto o bode, eram então totalmente consumidas “fora do arraial” e o homem apto que havia levado o bode expiatório e o outro que agora havia consumido as ofertas pelo pecado se purificavam cuidadosamente e então tomavam seus lugares no arraial novamente.

 

Tal era o tema deste grande dia em Israel, o dia da expiação, o décimo dia do sétimo mês. Não pretendo interpretá-lo aqui; apenas pretendo apresentá-lo, de modo a mostrar a maneira cuidadosa e deliberada como foi realizado, a maneira bem definida e bem ordenada como esta grande solenidade foi vivida e celebrada em todas as suas etapas, e ao longo de todo o seu desenrolar, do princípio ao fim.

 

Ora, isso está associado à verdadeira grande expiação realizada na hora da cruz. Com que calma, santa, comedida e ponderada prudência a morte do Senhor Jesus foi consumada! Certamente Moisés e Elias poderiam ter falado com Ele sobre Sua “morte”, que Ele deveria “cumprir” em Jerusalém. Ao longo de toda a Sua vida ministerial, Ele esteve exposto à inimizade do mundo. Não, na verdade desde o Seu próprio nascimento foi assim. E em todos os momentos, o homem parecia tê-Lo à sua mercê. Quanto às cenas pelas quais Ele passou e que expressavam Suas condições, não havia guarda, nem Maanaim ao Seu redor, nem hostes angelicais subindo e descendo para Sua segurança ou provisão. Nem Ele deixaria Sua voz ser ouvida nas ruas, recusando-Se a formar um grupo para Si mesmo, enfrentando conspiração por conspiração, quando poderia tê-lo feito. E, no entanto, ninguém pôde pôr as mãos n’Ele até que Sua hora chegasse. Assim como Ele nasceu na plenitude do tempo, também na plenitude do tempo, mas não antes disso, Ele deve morrer. Mas quando esse tempo chega, tudo se cumpre em calma, santidade, moderação e ponderada prudência – como podemos ver desde a hora da última ceia até a própria morte.

 

Na ceia, como Vítima, Ele Se amarrou a Si mesmo às pontas ou aos chifres do altar. No Getsêmani, imediatamente depois, Ele renova essa entrega de Si mesmo ao Pai. Quando os soldados vêm para prendê-Lo, não podem tocá-Lo até que Ele queira. Mas, no devido tempo, Ele Se coloca a Si mesmo, como um cativo voluntário, em suas mãos. Ele passa do beijo traidor de um dos Seus para as mãos dos Judeus, e destes para as mãos dos gentios – porque tais coisas haviam sido profetizadas a Seu respeito. Cada jota e til da Escritura se cumpre, até mesmo as Suas palavras: “Tenho sede”. Toda a Sua dor predita, em todas as suas múltiplas formas de resistência e insulto, se concretizou; até mesmo as próprias vestes com as quais Ele sofreu e a companhia que estava com Ele na cruz. Seus discípulos O abandonam, as ovelhas do rebanho se dispersam, pois assim haviam escrito os profetas. E então, quando tudo terminou, e a hora pascal havia chegado plenamente, Ele entrou nas três horas de trevas sob a esmagadora mão de Deus como Seu Cordeiro para o sacrifício.

 

A morte é, portanto, maravilhosa, na própria forma e caráter de sua realização, pois está além de todo pensamento, maravilhosa em suas glórias morais e em suas virtudes salvadoras e purificadoras[2].

[2] A mesma ordem deliberada marca Seu sepultamento e ressurreição posteriores. Não há pressa, segundo o costume humano, como se o homem tivesse a cena em suas mãos, mas tudo está na calma e plena força de Deus, segundo os conselhos e profecias. O dia da ressurreição tinha que chegar plenamente, assim como o do nascimento e da morte.

 

Mas, em contraste com tudo isso, consideremos por mais um momento a morte do Batista, que precedeu a morte do Senhor Jesus, e a de Estêvão, que a seguiu. Que diferença! E, no entanto, não é de se admirar – tudo é facilmente explicado.

 

Não havia valor algum no trono de Deus, nem lugar nos conselhos de Deus, para a morte de João ou de Estêvão. Elas eram preciosas aos olhos de Deus, podemos assegurar-nos – mas não eram importantes, falo novamente, nem para o trono nem para os conselhos de Deus. Nem Sua justiça nem Sua graça as exigiam. O segredo e a pressa podem, portanto, dar-lhes seu caráter e sua história. Nem é necessário que o material delas, as circunstâncias que as acompanham, lhes confiram qualquer dignidade. Nenhuma delas foi uma morte “consumada”, como Moisés e Elias falam da de Jesus.

 

João Batista foi vítima da paixão desenfreada de uma mulher; Estêvão foi um mártir nas mãos do delírio súbito e inflamado de uma turba cega e religiosa. Esta foi a história dessas mortes. E como elas destacam aquela que temos considerado, e que se situava entre elas! Não que elas não fossem, como eu já disse, preciosas para Deus. Na verdade, eram profundamente preciosas (Sl 116:15). Mas elas não foram tomadas em Suas mãos, segundo os conselhos eternos e segundo as profecias que as haviam precedido desde o princípio, como foi a d’Ele. As paixões do homem eliminaram João e Estêvão. Fizeram com eles “tudo o que quiseram”, eu poderia dizer. Mas os conselhos e o trono de Deus, Sua justiça e Sua graça, as gloriosas revelações de Si mesmo, toda a história da criação em seu propósito e em seus resultados, são responsáveis pela morte de Jesus e têm seu interesse nela.

 

O pecador convicto precisa se familiarizar com isso, e nisso o pecador crente lê seu título. Que Objeto para o sustento da eternidade, e para o gozo e celebração da eternidade!

Neemias 8

 

Este capítulo ensina e ilustra uma verdade que permeia o livro de Deus e da qual depende nossa salvação: a graça prevalece; a obra de Deus, por meio do sangue de Cristo, sobre a obra de Satanás, sobre o pecado e a morte; o evangelho da paz, sobre todos os terrores e acusações da consciência.

 

Assim foi na história e na experiência de Adão. Ele se arruinou a si mesmo e se retirou da presença de Deus, um pecador; mas a voz da misericórdia, revelando o mistério da Semente da mulher, ferida e que feriria, o seguiu até sua distância culpada e o atraiu de volta a Deus em paz e segurança.

 

O fim de toda a carne veio novamente diante de Deus nos dias de Noé. Mas a arca que Deus havia prescrito, e que a fé havia adotado, flutuou acima das águas do dilúvio.

 

O juízo entrou na terra do Egito, tendo título sobre todas as casas ali, tanto as dos israelitas quanto as dos egípcios. Mas o sangue na verga da porta, que a graça havia prescrito e que a fé havia usado, protegeu a casa que assim havia sido admitida no segredo de Deus.

 

Os trovões do Sinai fizeram todo o exército tremer. Nem mesmo Moisés pôde permanecer diante deles. Ele tremeu e temeu profundamente. Não pôde permanecer ali mais do que o mais fraco israelita. Mas ele foi levado acima do lugar dos trovões, para o lugar onde Cristo lhe foi revelado nas sombras das boas coisas que viriam, e lá estava ele com o rosto descoberto.

 

Depois disso, o juízo entra em Canaã, como antes havia entrado no Egito. Mas a graça novamente prescreveu o que a fé novamente usou; o cordão escarlate foi então amarrado, pois o sangue havia sido aspergido, e o juízo passou adiante.

 

O mesmo padrão se repetiu, de certa forma, durante toda a época de Israel; pois durante aquela era, mosaica, legal ou condicional como era, havia ordenanças que revelavam a verdade antiga, a verdade que havia sido ensinada desde o princípio. O templo então anulou o sábado; isto é, o sacerdote realizava os assuntos do templo no dia de sábado; em outras palavras, o serviço da graça prevalecia sobre as exigências da lei (Mateus 12).

 

No devido tempo, o evangelho vem para revelar esta grande e mais antiga verdade em toda a sua glória, pois este é o evangelho no sangue de Jesus: “A graça reina triunfante”[3]. Ela reina, por meio da justiça, para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor.

[3] N. do T.: Uma linha de um hino escrito em 1844.

 

Este belo oitavo capítulo de Neemias tem uma ilustração vívida desta mesma verdade, que, como vemos, permeia, e posso acrescentar, necessariamente permeia, o Livro de Deus.

 

A lei foi lida na presença da congregação de Israel em Jerusalém, no primeiro dia do sétimo mês. Esse dia era o dia místico ou figurativo do reavivamento, o dia do toque das trombetas e da Lua nova (veja Levítico 23; Salmo 81).

 

O povo que ouve a lei em um dia como esse é ordenado por aqueles que então se assentaram na cadeira de Moisés a deixar que suas mentes sejam formadas pelo dia, e não pela lei. Isto é, eles foram instruídos a não se lamentar, mas a se alegrar. Muito certo que lamentassem, se ouvissem apenas a lei, mas, ouvindo-a em um dia como o primeiro dia do sétimo mês, eles a ouviram como na presença da graça, da vivificação e da salvação de Deus, e seu lugar e dever é ter sua alma formada pela graça. Certo, digo novamente, é necessário que estejamos com o coração quebrantado no sentido do nosso pecado e da nossa ruína, e sob a audição da lei; mas quando a cura de Deus nos visita, devemos aprender o gozo que a cura transmite e ter nossa mente moldada de acordo. Se a lei e o primeiro dia do sétimo mês se unem, como aqui – se o serviço do templo e o sábado estão em colisão – a reivindicação da lei deve dar lugar àquela daquele dia místico, e o sábado deve ceder lugar ao templo – como aprendemos em Mateus 12:5.

 

Podemos nos lembrar de nossa condição de pecadores, mas devemos desfrutar de nossa condição de salvos (Efésios 2:11-18).

 

Tendas eram feitas na festa dos tabernáculos. Mas eram apenas lembranças, a fim de aumentar o gozo presente das tribos do Senhor, nas cidades, vilas e terras de sua possessão, dizendo-lhes, como tais tendas faziam, que eles haviam atravessado um deserto. O mesmo acontece na ordenança da cesta das primícias. Que seu pai havia sido um “arameu, prestes a perecer” deveria, por ocasião dessa ordenança, ser lembrado pelo israelita; mas sua cesta bem cheia estava naquele momento em sua mão e sob seu olhar, para que ele pudesse adorar no sentido de uma boa herança presente (Veja Lv 23:33-43; Dt 26:1-11).

 

E aqui, neste belo capítulo, a lei, com razão, fez o povo se lamentar – mas, como o dia em que foi lida para eles era o primeiro dia do sétimo mês, o luto sob a lei deve dar lugar ao gozo. Sim, e mais do que isso. Ele deve agora formar a mente e o caráter do povo.

 

E é bendito ver a graça formando o caráter (Veja Tito 2:11-14). Podemos vê-la fazendo isso em cada um dos casos que observei.

 

O que, deixe-me perguntar, moldou o caráter de Adão, como vemos ele e sua companhia em Gênesis 4? Foi a redenção que ele havia aprendido. Ele é visto ali como um estrangeiro na Terra e um adorador de Deus.

 

O que moldou o caráter de Noé na arca? A libertação que ele estava então provando. Não o encontramos, com o espírito de medo, com a mente inquieta, manuseando as tábuas de madeira de sua casa, para verificar se elas estavam impedindo a entrada das águas; mas o vemos abrindo as janelas para dar uma olhada lá fora, na expectativa do novo mundo.

 

O que moldou o caráter de Israel na noite pascal do Egito? Eles estavam se alimentando do cordeiro cujo sangue, naquele momento, os abrigava. Faziam isso com liberdade de coração, sem pensar ansiosamente na cena lá fora, ou se o anjo havia de fato passado por sua porta.

 

O que conferiu personalidade a Moisés quando ele estava com Deus acima e além do fogo do Sinai? Ele estava lá, com o rosto descoberto, à vontade, como com o Senhor.

 

O que deu a Raabe o seu caráter depois de ter pendurado o cordão escarlate? Ela conseguiu que o máximo de pessoas possível se submetesse à salvação, desejosa de compartilhar sua própria bênção, tão segura e tão desfrutada.

 

E o que caracteriza a congregação de Neemias aqui, assim que descobrem o mistério do primeiro dia do sétimo mês? Eles enviam porções aos outros, comem a gordura e bebem a doçura eles mesmos, e aprendem a lição da glória, estando agora na salvação da graça.

 

E agora pergunto ainda: O que deve dar ao crente seu caráter, o que deve formar sua mente e sua experiência? Certamente, a consciência de ser vivificado, salvo e aceito. Ele deve se ver a si mesmo trazido para perto pelo sangue de Cristo; embora possa se lembrar de que era um gentio, um pecador, incircunciso, distante, sem Deus, sem esperança, um filho da ira como os outros. A alegria do Senhor deve ser sua força, como foi a de Israel nos dias de Neemias 8 – uma força que o livrará do egoísmo e do amor ao mundo em sua vaidade e cobiça, levando-o com grandeza de coração, como fez Israel então, a buscar fazer os outros tão felizes quanto ele mesmo, e a esperar pela glória, ou a festa celestial dos tabernáculos.

 

Pois, assim como o evangelho prevalece sobre a lei no progresso das dispensações de Deus, assim ele também deve prevalecer no coração e na consciência do povo de Deus. Muitos de nós podemos ser fracos, impedidos pela natureza e por Satanás, e o bom Senhor sabe como confortar os fracos e amparar os fracos, mas ainda assim devemos reconhecer que isto de que falamos é o Seu caminho, e reconhecê-lo também como o que deveria ser o nosso caminho.

 

Deus deve ser apreendido por nós em graça. Devemos conhecê-Lo como amor e encontrar nossa morada n’Ele, sob o título do sacrifício que Ele mesmo realizou em Jesus. A lei pode ter nos ensinado a tratá-Lo como Justo e a considerá-Lo como um Juiz – e Ele é tudo isso, é verdade; pois todas as glórias Lhe pertencem, seja de poder ou de santidade, seja de majestade ou de verdade, e de tudo o mais; mas o evangelho nos ensina a conhecê-Lo igualmente em graça, nos dá comunhão com Ele como Salvador e forma nosso caráter de acordo com isso.


J. G. Bellett





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