Breves Meditações - Parte 12/14
- J. G. Bellett (1795-1864)
- 16 de set.
- 19 min de leitura

Baixe esta parte do livro digital nos formatos:
ÍNDICE
Breve Meditações
Parte 12
J. G. Bellett
A Obediência da Fé
Apreciamos profundamente e com justiça nossa Versão Autorizada (King James), mas alterações são às vezes bem sugeridas – como neste versículo, que deveria ser: “Pelo qual recebemos a graça e o apostolado, para a obediência da fé entre todas as gentes”.
Poderíamos julgar religiosamente que nada poderia ser mais aceitável a Deus do que os serviços de amor. Deveríamos estar prontos a admitir que a mera conformidade com a lei ou a observância de mandamentos não seriam suficientes para Ele; mas, ao mesmo tempo, deveríamos sentir que os serviços e as demonstrações de amor devem ser suficientes.
Nisso, porém, estaríamos errando gravemente. O serviço de amor não é o objetivo. É “a obediência da fé” (como diz Romanos 1:5) que se espera de nós, pecadores.
Devemos lembrar disso para Sua glória e nosso conforto.
Temos uma breve indicação disso em Lucas 7. A pecadora da cidade ali apresentada era alguém que amava fervorosamente o Senhor. Em sua estima, nada era demasiado bom para Ele – ela se entregou a si mesma e os tesouros de sua casa a Ele. Ele valorizava e apreciava seu amor. Certamente apreciava. E Ele reconheceu a fé dela no final, quando veio despedi-la: “A tua fé te salvou”, disse-lhe Ele: “Vai em paz”.
Assim, em João 11, o Senhor está presente no meio dos afetos mais queridos. A cena se passa em Betânia, o lugar mais querido para Ele na face da Terra, o lugar que então havia superado Jerusalém em Seus afetos, pois Ele estava lidando pessoalmente, e não dispensacionalmente, com os materiais ao Seu redor. Mas mesmo ali, Ele exercita aqueles que O amavam à fé n’Ele. Ele queria que eles apreendessem a Sua glória, a Sua glória por eles, e não podia descansar no amor deles por Ele.
E essa mesma mente é expressa de forma ainda mais vívida e ampla nas cenas que testemunhamos após Sua ressurreição.
O amor levou as mulheres ao sepulcro em Lucas 24, mas o anjo as repreende por falta de fé. Os discípulos a caminho de Emaús estavam tristes. Eles haviam perdido, como julgavam, a esperança e Aquele a Quem amavam. Mas o Senhor agora, como Seu anjo antes, repreende essa falta de fé. E assim também a companhia em Jerusalém, no mesmo capítulo. O Senhor os conduz, amando-O como de fato O amavam, à fé no fato e no significado de Sua ressurreição.
Assim, em João 21, Madalena está sozinha no sepulcro, em profunda, pessoal e fervorosa afeição. Mas o Senhor não está satisfeito. Ele valoriza isso, tenho certeza; mas ela precisa conhecê-Lo melhor, apreendendo-O pela fé, bem como prestar-Lhe esses fervorosos serviços de amor. Ele mesmo, portanto, Se revela a ela como ressuscitado, e como ressuscitado por amor aos Seus irmãos. Ou seja, ela precisa conhecê-Lo em Sua graça e serviço, e não a si mesma e ao seu amor. Ela precisa ter fé no Seu perfeito amor pelos Seus, e não meramente estar trazendo o fruto do seu amor a Ele. Assim, no mesmo capítulo, os discípulos na cidade se alegraram ao vê-Lo – alegres porque O amavam. Mas Ele Se propõe imediatamente a instruí-los sobre Sua ressurreição e os resultados dela, os resultados dela para eles mesmos e para outros pecadores. Ele lhes fala de “vida” e “paz” e então, até o final do capítulo, desafia a fé.
Isto é verdade, tenho plena certeza. Mas eu não gostaria, nem poderia, deixar de acrescentar que todos esses exemplos são abundantes para nos mostrar que essas afeições e serviços são preciosos a Ele. O coração de Jesus podia valorizar um amor ignorante. E Ele demonstra isso por aqueles exemplos que tenho observado. “Sinais ou provas serão dados à dúvida do amor, embora negados à dúvida da indiferença” – como alguém disse. Verdade de fato. Esta mulher amorosa e outras receberão sinais para dissipar sua incredulidade, bem como repreensões por sua incredulidade; e isso nos dirá que Ele prezava o amor delas, embora não pudesse Se satisfazer com ele.
Quão verdadeiramente aceitável é tudo isso ao nosso coração! Deleitamo-nos em pensar no Senhor valorizando assim os movimentos frágeis e ignorantes do coração em direção a Ele, e nos fazendo saber como Ele os responde, assim, em Sua graça e gentileza. Mas certamente podemos sentir igual deleite ao pensar que, embora Ele valorize nosso amor por Ele, Ele precisa nos familiarizar com Seu amor por nós. Ele precisa ter fé – aquele princípio que confia n’Ele como um Doador, aquele princípio que O torna um Objeto no lugar e na atividade da graça, que O reconhece no amor que nos serve, e não no trono que nos exige; que entende este feliz segredo divino, que Deus achou, quanto a Si mesmo, “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber”.
E o propósito da Epístola aos Romanos, pelo menos em sua parte doutrinária, é apresentar as excelências e maravilhas da fé. É da fé que ela nos fala, da fé de um pecador, aquilo que ela apreende como seu objeto; e então, aquilo que ela alcança e desfruta como sua herança.
O capítulo 11 do livro de Hebreus celebra a fé como o princípio pelo qual um santo realiza seus serviços e suas vitórias em meio às circunstâncias da vida no mundo. É a fé que ali é apresentada em suas excelências; mas é a fé nos santos, nos anciãos, como os santos dos tempos antigos são chamados. Mas na Epístola aos Romanos é a fé no pecador que é apresentada, não celebrada em seus serviços e vitórias, ou como aquele princípio secreto da alma, pelo qual os santos obtiveram um bom testemunho, mas o segredo na alma de um pecador que apreende objetos maravilhosos e alcança uma bem-aventurança maravilhosa. A fé dos santos será recompensada: a fé dos pecadores cantará para sempre. Ali é declarado que devemos contemplar o Cristo de Deus, entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitado para nossa justificação. Que objetos maravilhosos são ali apresentados aos seus olhos e à sua aceitação! Nada menos do que os fatos mais estupendos que jamais poderiam ter ocorrido na vasta, vastíssima extensão da própria criação; que Deus entregaria Seu próprio Filho para morrer pelos pecadores, e então O ressuscitaria dos mortos, para a justificação de todos que O recebessem!
O sangue sobre o propiciatório, ou propiciação, é apresentado à visão da fé – o grande e bendito mistério de que Deus agora é Justo ao justificar o ímpio.
Que objetos tão grandes, excelentes e maravilhosos como estes podem encher o olhar! E estes são os objetos apresentados aos olhos da fé dos pecadores (Rm 3-4).
E se os objetos da fé são assim excelentes e maravilhosos na mais alta ordem de excelências e maravilhas, assim também o são suas realizações ou as coisas que ela alcança e das quais se apropria, de acordo também com o ensinamento desta Epístola.
“A justiça de Deus” é sua propriedade. O pecador crente a possui imediatamente. Essa justiça constitui imediatamente, por assim dizer, sua pessoa. Faz dele o que ele é. Ela veste-o. Ela coloca-o em sua devida forma e personalidade diante de Deus. E quem, dentre Suas criaturas, pode ser mais excelente do que aquele que brilha diante d’Ele como Sua própria justiça? Somos feitos “justiça de Deus”.
E assim como esta é a possessão presente do pecador crente, como isso forma a sua pessoa, ou é ele mesmo agora e como será para sempre, assim também “a glória de Deus” é a sua herança, na esperança da qual ele agora caminha dia após dia. E se a pessoa for excelente, o que diremos desta condição? Se nada mais elevado poderia me formar para o olhar de Deus do que a Sua própria justiça, o que poderia me elevar em meu estado e circunstâncias ao redor d’Ele do que a Sua própria glória? (Rm 3; 5)
Acaso não alcançamos, portanto, as condições mais maravilhosas e não alcançamos os objetos mais maravilhosos? De fato, assim é. Olhamos para o Filho de Deus na morte e ressurreição por nós, como entregue e ressuscitado para nossa bênção. Esses são os nossos objetos. E então, brilhamos pessoalmente na justiça de Deus e reivindicamos a glória de Deus como nossa propriedade e herança. Essas são as nossas conquistas ou possessões.
O que poderia ter sido feito além do que já foi feito? Se a obediência da fé é exigida, ela é incentivada além de tudo o que o coração do homem poderia ter concebido.
Mas devo acrescentar isto: Aquele que reivindica nossa confiança como pecadores, a Si mesmo Se conferiu o direito a ela. E este é o segredo mais bendito da Escritura. Ele exige nossa fé em Cristo e isso na redenção que Ele realizou por nós; e isso nos revela Seu direito divino a isso, o qual Ele reivindica.
A Epístola aos Hebreus é, por assim dizer, o testemunho final e coroador disso. Devo dizer que ela sela, e sela para sempre, sela com um selo que jamais poderá ser questionado ou apagado, o título d’Aquele Bendito à fé que Ele reivindica!
Em um aspecto, essa Epístola pode ser chamada de “aceitação de Cristo por Deus”. Ela expõe esse fato, estabelecendo-o na boca das mais augustas testemunhas.
Outros testemunhos já haviam sido dados sobre o mesmo bendito mistério. Eu sei disso. O véu rasgado, no momento da morte, testificou a aceitação de Cristo por Deus. Então, a ressurreição, como um testemunho mais público, deu evidência do mesmo. E então, o dom e a presença do Espírito Santo aqui, fruto da ascensão e glória de Jesus, vêm à sua maneira e no seu tempo, para contar a mesma grande verdade. De modo que, na boca dessas três augustas testemunhas, o véu rasgado, a ressurreição e a presença do Espírito Santo aqui embaixo, o fato é estabelecido: Cristo foi aceito, e aceito por nós.
Mas então, depois de tudo isso, vem esta Epístola para nos prestar o mesmo serviço, de uma maneira ainda mais ampla. Nesse escrito, o Espírito abre os céus; e os céus assim abertos tornam-se o testemunho supremo do mesmo grande fato. Porque nos mostra o céu como o assento do ascendido. Jesus ascendeu e assentou-Se ali em tais caracteres que se adequam e atendem às nossas necessidades.
Ela nos mostra Jesus ali como o Purificador “dos nossos pecados”; como o “Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão”; como “o Mediador de uma nova aliança” (TB); “o Autor e Consumador da fé”; e cada um e todos esses caracteres nos falam da aceitação de Cristo por Deus por nós.
O Parente
O parente, segundo a lei, tinha que realizar dois serviços: resgatar a pessoa ou a herança de seu irmão, se qualquer uma delas tivesse sido vendida a um estranho; e vingar o mal feito a seu irmão, fosse (posso dizer) cativeiro ou morte.
Essas coisas são vistas em Levítico 25 e Números 35, onde (como nos mostra a Concordância Hebraica Inglesa) a palavra para “parente”, “redentor” e “vingador” é a mesma.
Essa pessoa, o parente, era, como certamente sabemos, uma figura ou uma sombra do Cristo de Deus. Em riquezas de graça, o Senhor assumiu esses dois serviços por nós: resgatando-nos das justas e legítimas reivindicações de Deus pelo sacrifício de Si mesmo, redimindo-nos assim, a nós e à nossa herança; e, da mesma forma, vingando-nos sobre a cabeça do nosso inimigo, livrando-nos daquele que tem o poder da morte.
Assim é na sombra e na substância, na figura e no original.
No entanto, até onde essas ordenanças legais nos ensinam, até onde esses escritos de Moisés nos instruem, vemos no Cristo de Deus apenas um membro da família humana, um irmão, participante de carne e sangue com os filhos, a semente de Abraão, Sua parentela. Ele deve ser aquele, ou nada poderia ou seria feito por nós. O Cristo de Deus deve constituir-Se a Si mesmo nosso Parente; e isso Ele fez por encarnação, tomando sobre Ele a natureza humana no ventre da virgem e a partir do ventre dela.
Mas, à medida que avançamos, quando deixamos a lei e passamos para os profetas, obtemos outro fato; e é este: que este Parente é “o Senhor dos Exércitos”, “Jeová”, “Deus”. Lá, nos Salmos e nos profetas, abundantemente, repetido uma e outra vez, tomado não como uma verdade a ser provada, mas como um fato assumido e sobre o qual se edifica, vários nomes de Deus são encontrados em companhia da palavra usada sob a lei para parente.
Há algo bendito nisso – algo também grandioso, glorioso e magnífico. O mistério da Pessoa de Cristo é assim antecipado, e isso, também, da maneira mais singela e persuasiva. A humanidade e a Divindade são encontradas na Única Pessoa.
Quando chegamos ao Novo Testamento, deixando a lei e os profetas e passamos para os evangelistas e os apóstolos, nos deparamos com esse mesmo mistério, que, no entanto, não se revela em sombras e profecias, em diferentes momentos e de diversas maneiras, mas é declarado distintamente como um fato, e ensinado em sua necessidade e valor. Os evangelistas nos contam o fato, os apóstolos nos revelam a necessidade e o valor do fato.
Mas que visão é esta! Podemos muito bem nos virar e vê-lo, pois o próprio Deus no-lo mostrou. “Como podemos afundar com tal apoio?” Como pode o trono do juízo, que pesa as reivindicações de Deus e mantém os direitos da justiça, como pode esse trono negar o pedido que a fé apresenta diante dele? Ele diz: “O grande Deus é meu Parente, e Ele prestou um serviço de parente por mim”.
Assim é. Somos trazidos de volta a Deus de maneira tão justa pelo sangue de Cristo, quanto fomos, no princípio, banidos d’Ele de maneira tão justa por nosso próprio pecado. Adão estava novamente na presença de Deus, quando ouviu e recebeu as novas da Semente da mulher, ferida e que feriria, com um título tão justo quanto antes, sob uma sentença justa, ele havia sido forçado a ficar atrás das árvores do jardim. O próprio Senhor Deus reconheceu seu direito, fazendo-lhe uma túnica de peles e vestindo-o. A Semente da mulher era seu Parente; carne e sangue Consigo mesmo; e Ele deveria Se levantar e fazer a parte de um parente, vingando-o e redimindo-o, morrendo e ressuscitando por ele.
O mistério do Parente foi, portanto, revelado e conhecido desde o princípio. Outras circunstâncias no mesmo Livro mais antigo de Gênesis o ilustram; e assim, embora as ordenanças da lei, como já observamos, incorporassem e apresentassem formalmente os deveres desse personagem, ele foi visto e conhecido antes da lei.
Para aprofundar um pouco mais nisso, podemos observar que, na Epístola aos Hebreus, o Senhor é apresentado a nós tanto como Vingador quanto como Redentor; e Ele é mostrado agindo em tais caracteres em Sua plena Pessoa, como o Deus-Homem, o Companheiro de Jeová e o Parente do homem.
No capítulo 2, por exemplo, O vemos como nosso Vingador. Por meio da morte, Ele destrói aquele que tinha o poder da morte e nos liberta daquele que, com medo da morte, estávamos em servidão. Este é o ato de um Parente-vingador. Mas esta mesma Escritura nos mostra que Ele prestou este serviço por nós como Aquele que, tendo sido “o Filho”, “o Santificador”, tomou carne e sangue com os filhos, e assim Se fez de Si mesmo (embora Ele fosse Filho, Companheiro de Jeová) nosso verdadeiro e autêntico Parente.
No capítulo 10, O vemos como nosso Redentor. Ele paga o resgate. Ele nos resgata d’Aquele que tinha plena e justa reivindicação sobre nós e contra nós. Por meio de uma única oblação (oferta) de Si mesmo, Ele aperfeiçoa para sempre os que são santificados. Mas Ele também faz isso na mesma Pessoa. Pois Ele é visto nesta mesma Escritura como Aquele que poderia vir, em plena independência pessoal, ao trono e dizer: “Eis aqui venho”; e então, “imaculado” e “pelo Espírito eterno”, oferecer-Se a Si mesmo. Mas um corpo foi preparado para Ele; um corpo humano formado no ventre da virgem e daí tirado; carne e sangue com os filhos. E assim, nesta única Pessoa, Ele satisfez o altar, respondeu às exigências do trono e purificou a consciência do pecador crente.
Estas são gloriosas notícias do parente do Velho Testamento encontradas no Novo. E são encontradas naquela parte onde naturalmente esperaríamos encontrá-las – naquele escrito que o Espírito dirigiu aos crentes da nação hebraica, a nação que havia estado sob a lei.
Isto é pouco sobre um mistério tão bendito, mas não direi nada mais.
O Companheiro de Jeová e o Parente do homem, em uma só Pessoa, assumindo a causa de pecadores como o Cristo, ou sob comissão e unção divinas, é a base de tudo.
Paulo em Mileto
Temos, no decorrer das Escrituras, vários exemplos de santos e servos de Deus à morte que se despedem desta cena e de seu ministério nela. Jacó faz o mesmo – assim como Moisés, Josué e Davi. E entre eles também Samuel, em uma cena muito comovente registrada em 1 Samuel 12.
No capítulo 20 de Atos, o apóstolo Paulo se encontra em situação semelhante. Ele está se despedindo de seu ministério na praia de Mileto, na presença dos anciãos efésios.
A história de Paulo no Livro de Atos consiste em duas partes: seu serviço e seus sofrimentos; ou, em uma, vemos Paulo, o servo de Jesus; na outra, Paulo, o prisioneiro.
A primeira parte termina com este vigésimo capítulo, tendo começado, posso dizer, com o décimo terceiro. A segunda termina com o próprio livro, tendo começado com o vigésimo primeiro.
O que, no entanto, me atrai neste momento é Paulo neste capítulo em contraste com o Senhor Jesus em condições semelhantes, em João 13 a 17. Pois ali o Senhor está Se despedindo de Seu ministério na presença dos doze, assim como aqui o apóstolo está fazendo o mesmo na presença dos anciãos da Igreja em Éfeso.
Há pontos de contraste apresentados de forma muito vívida para nós, e o humano em suas melhores condições está ao lado do que era divino e humano; e as distinções são cuidadosamente mantidas e expressas.
Mas isso é apenas o que poderíamos esperar. Estamos instintivamente conscientes de que Paulo, o exemplo mais brilhante e elevado de um vaso de Deus ungido e cheio do Espírito, se apresenta diante das afeições e lembranças do coração de forma muito diferente do Senhor. Nosso amor por ele é aquele que damos a um semelhante, e somente a isso; o amor que damos ao Senhor Jesus é um amor de adoração. Sentimos isso instintivamente. Não precisamos que nos ensinem isso. Sabemos disso – e, portanto, carregamos na sensibilidade de nossa mente renovada o testemunho daquilo que as Escrituras nos dizem: que Jesus era Deus, bem como Homem, e que o vaso mais talentoso na casa de Deus, embora seja também o santo que mais se entrega, ainda é apenas um semelhante.
O contraste que essas Escrituras oferecem (o Senhor em uma hora de despedida e Paulo em uma hora de despedida) nos dá uma amostra e ilustração de tudo isso e confirma as conclusões de nossa alma já alcançada e nas quais descansamos, como eu disse, instintivamente.
Os pontos de contraste podem ser notados assim.
1. O apóstolo submete seu ministério ao julgamento de seus irmãos. Ele lhes fala da humildade e das lágrimas com que o conduziu; e então de sua diligência nele, de como os havia ensinado tanto publicamente quanto de casa em casa, e em sua pregação como havia acolhido tanto Judeus quanto gentios. E tudo isso é doce nele, e muito lhe convinha isso. Ele os trata como companheiros no serviço de Deus, e submete a eles sua própria medida e maneira peculiar de serviço, como eles poderiam fazer com ele.
Mas, pergunto eu, é este o estilo do Senhor Jesus? Acaso Ele, dessa maneira, submete Sua obra à aprovação dos homens? Nos capítulos a que me referi, não O vemos fazendo isso nem mesmo com Seu Pai. Ele está ali, ao contrário, entregando Seu ministério como agora consumado. “Tendo consumando a obra que Me deste a fazer”, é a Sua linguagem, enquanto Seus olhos estão voltados para o céu, e Sua voz é dirigida ao Pai ali. Ele entrega uma obra consumada, uma obra que Ele próprio sabia ser toda perfeita. Esta era a Sua glória, como Ministro, a Sua glória em Seu ministério. Em vez de submetê-la à aprovação de Seus apóstolos, Ele, como eu disse, entrega Sua obra como aquela que havia sido consumada, e consumada com perfeição[1].
[1] Assim, no devido tempo, Ele entrega “o reino" (1 Coríntios 15). Agora, tendo servido como Testemunha, e em breve, quando tiver servido como Rei, ainda assim Ele é perfeito em cada um. Ele entrega Sua mordomia como Alguém que havia sido fiel.
2. Paulo conta aos anciãos de Éfeso que ele estava indo, ligado em espírito, para Jerusalém, mas que não sabia o que lhe aconteceria, além do que o Espírito Santo havia testemunhado, que cadeias e prisões o aguardavam.
Seria assim com o Senhor, pergunto novamente? Ora, o exato oposto se manifesta n’Ele. Ao Se despedir de Seu ministério e de Seus servos, Ele os deixa saber que conhecia todas as coisas, as próximas e as distantes, as coisas no céu e as coisas na Terra, a história da inimizade do mundo e dos sofrimentos dos justos nele; e a história da própria eternidade; pois Ele também lhes diz que retornará para levar Seu povo Consigo para a casa do Pai, para ali habitar para sempre. Certamente esta é a glória do Senhor novamente; e o testemunho d’Aquele com Quem conversamos em João 13 a 17.
3. Novamente, o apóstolo diz aos seus companheiros que, por mais ampla e intimamente que tivesse estado com eles até então, estava prestes a deixá-los e que eles não o veriam mais. Mas o que diz o Senhor em contraste com isso? Paulo não podia dizer mais nada, admito. Ele, como homem, um semelhante, prestes a encerrar rapidamente sua carreira e seu serviço aqui com a morte, só tinha a dizer: “não vereis mais o meu rosto”. Mas, novamente, pergunto: acaso o Senhor diz isso? Muito pelo contrário. Ele deixa Seus servos saberem que Ele nunca deixará de vê-los, e eles nunca deixarão de vê-Lo. “Porque Eu vivo, vós vivereis”, diz Ele a eles. “o mundo não Me verá mais, mas vós Me vereis”. E assim deveria ser para sempre. Ele retornaria a eles e por eles, para que Ele pudesse estar com eles. Eles O veriam em espírito até que chegasse esse tempo; e então em glória, com Ele na casa do Pai, para sempre.
O que brilha aqui é que Paulo não poderia falar em linguagem mais elevada do que a que usou; Jesus não poderia falar em tom mais baixo do que o que usou. É a criatura e Deus; é a forma doce, atraente e amorosa da companhia humana; é a irradiação da glória divina pessoal.
4. Por outro lado, ouvimos o apóstolo não se importar com a prisão ou a morte. E isso é muito bom. Pode nos humilhar encontrar uma fé tão abnegada em outra pessoa. Paulo colocou sua vida no altar e estava pronto para oferecê-la. Mas quando ouvimos, por sua vez, o Senhor Jesus, ouvimos a linguagem de Alguém que estava indo, como Ele sabia, de volta ao Pai em glória, porque Ele já havia glorificado a Deus e ao Pai na Terra. Paulo se prepararia de maneira bendita para aquilo que restava do conflito e da jornada, mas Jesus estava no final dela na perfeição consciente de Alguém que havia glorificado a Deus neste mundo, a ponto que Lhe deu Seu lugar e Seu título de ser glorificado com Deus nos céus.
5. E encontramos ainda o apóstolo dando conselhos aos seus irmãos. E era um conselho oportuno e correto. Não poderia ser mais justo e apropriado, podemos dizer. Era este: servir a Deus em Sua Igreja e cuidar de si mesmos, pois os perigos estavam à espreita.
Mas o que encontramos em Cristo que corresponde a isso? Ele também aconselha Seus apóstolos – e várias são Suas palavras a eles. Mas entre elas, Ele lhes diz que eles darão testemunho d’Ele. E Ele lhes diz que o Espírito Santo, que está prestes a vir do céu, também dará testemunho d’Ele e servirá à glória de Seu nome, tomando de Suas coisas e as comunicando para eles.
Que distância infinita, porém devida, existe aqui! Poderia Paulo dizer algo assim aos anciãos efésios? Poderia ele, deveria ele, ousaria ele tornar-se objeto deles, quando estava ausente deles? Deveria ser seu súdito? Ele lhes diz, e com razão, para servirem a Deus e cuidarem de si mesmos. Mas, sem usurpação, Jesus Se coloca a Si mesmo em companhia de Deus e do Pai, tornando-Se, juntamente com o Pai, o Objeto do testemunho do Espírito Santo e do ministério dos apóstolos.
Certamente, em cada aspecto desse contraste, resplandece a glória d’Aquele que estava infinitamente acima do primeiro dos meros filhos dos homens. Tudo isso confirma as impressões instintivas de nossa própria alma, dizendo-nos que com Jesus, mas somente com Jesus, dentre todos os filhos dos homens, estamos em diálogo consciente com o próprio Deus vivo, com Aquele a Quem adoramos e amamos.
6. No entanto, ainda há mais disto. Paulo encomenda seus irmãos e companheiros a Deus e à Palavra da Sua graça. O que mais poderia fazer? Mas o que o Senhor faz, em condições semelhantes, deixando para trás Seus apóstolos e santos, como Paulo estava deixando para trás Seus companheiros e irmãos? De várias maneiras, e de forma totalmente gloriosa, Ele age de fato. Ele deixa Sua paz com eles; lava seus pés, para que possam comparecer diante de Deus “todo limpo” (ARA); promete-lhes o Espírito para ser a luz e conforto deles; e os encomenda ao Pai, para que o Pai continue a fazer por eles, em Sua ausência, o que Ele mesmo vinha fazendo por eles enquanto estava com eles. Que manifestações de glória divina! E Ele se compromete a dedicar-lhes Seu cuidado, pensamento e serviço, até que tenha aperfeiçoado a condição deles, e isso para sempre, na casa do Pai!
Se Paulo, como homem, não podia fazer nada mais do que fez, Jesus está aqui fazendo o que ninguém menos que o Companheiro de Jeová poderia ter feito.
7. E mais uma vez, ao traçar este assunto maravilhoso, Paulo submete sua conduta ao julgamento de seus irmãos. “De ninguém cobicei a prata, nem o ouro, nem o vestuário. Sim, vós mesmos sabeis que para o que me era necessário a mim, e aos que estão comigo, estas mãos me serviram”. Ele se apresenta diante deles com o testemunho de uma boa consciência. Não o culpo nem procuro depreciá-lo por isso; embora em outra ocasião ele pudesse dizer que era “coisa muito pequena” para ele ser julgado pelo julgamento humano (1 Coríntios 4:3 – KJV), e confessaria que era um louco em se gloriar (2 Coríntios 11-12). Mas digo novamente: não o culpo nem o deprecio por isso. Mas pergunto: Seria assim com o Senhor Jesus? Ele submete Sua conduta ao julgamento do homem? Não, Ele afirma três grandes e gloriosos fatos morais relacionados a Si mesmo, e ao Seu caminho, vida e comportamento no mundo. Ele diz aos Seus apóstolos que havia glorificado a Deus na Terra; diz ao Pai que O havia glorificado em Seu ministério aos eleitos; e Ele diz de Si mesmo: “se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em Mim”.
Que elevação moral consciente se expressa aqui. É glória moral de uma qualidade necessariamente e essencialmente divina. Esta era uma vida e conduta que somente Deus manifestado em carne poderia exibir. Não ousamos buscar algo semelhante em nenhum outro lugar, exceto em Jesus. É nosso gozo saber que não poderia ser encontrado em nenhum outro lugar, no céu ou na Terra, entre anjos ou homens; que ninguém, exceto o Filho do seio, que também era o Filho do Homem, poderia ter oferecido ao Deus bendito tal sacrifício vivo de incenso puro e cheiro suave mais do que teria sido a obediência de toda a criação.
Assim, contemplamos a glória que excede. Havia, de fato, doce beleza moral em Paulo. Podemos nos humilhar em nós mesmos ao olharmos ou pensarmos em tal homem. Mas nossa própria alma diz a si mesma, e as histórias nos dizem da mesma maneira, que tudo é de outro tipo e qualidade, diferindo completamente, em material e temperamento, daquilo que se manifesta a nós no Senhor Jesus. N’Ele, era uma beleza divinamente moral. Era o fio de ouro entretecido no éfode (Êxodo 39:3)
E deixe-me perguntar ainda: não há uma expressão de humanidade na cena, ao se encerrar, que não poderíamos obter na cena semelhante entre o Senhor e Seus apóstolos? Paulo “pôs-se de joelhos, e orou com todos eles. E levantou-se um grande pranto entre todos e, lançando-se ao pescoço de Paulo, o beijavam”. Precioso para o coração é isto. Ansiamos por ter mais disto e ver mais disto. Estamos estreitados e frios. O coração tem pouca capacidade de se expressar desta maneira. Mas acaso poderia ter sido esta a maneira entre Jesus e Seus apóstolos? O que dizem nossos instintos renovados, nossas apreensões e sensibilidades na nova criatura? E o que diz a história? Jesus orou, como Paulo, mas foi como voltar os olhos para o céu e Se dirigir ao Pai, com base e título de Sua obediência consumada; e então proferir Sua vontade e desejo a respeito de Seus santos. Os discípulos estavam tristes, assim como os companheiros de Paulo, muito tristes. A tristeza enchera o coração deles, pois estavam prestes a perdê-Lo, como julgavam. Mas sabiam muito bem que Ele era mais e diferente para eles do que Paulo era para seus irmãos. Dificilmente, em humana, afetuosa e calorosa intimidade, se lançariam no pescoço d’Aquele que tão recentemente, em graça divina, lavara seus pés, dando-lhes o título de comparecer diante de Deus, seu Pai, sem mancha alguma.
Certamente essas distinções são repletas de significado e perfeitas em beleza. E digo novamente, pois é um pensamento feliz para mim, que nossos instintos de santos teriam sugerido esses mesmos contrastes que encontramos aqui nessas duas histórias sagradas.
J. G. Bellett
Comentários