Breves Meditações - Parte 13/14
- J. G. Bellett (1795-1864)
- 23 de set.
- 16 min de leitura

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ÍNDICE
Breve Meditações
Parte 13
J. G. Bellett
Paz
No nascimento do Senhor, a terra foi saudada com palavras de paz. “Paz na Terra”, proclamaram os anjos nos campos de Belém.
Isto, porém, era apenas uma saudação. Não era a pronunciação autoritativa de paz. Era como a palavra que o Senhor posteriormente colocou nos lábios dos Seus doze, ou melhor, dos setenta, em Lucas 10, ao enviá-los, pois Ele então lhes disse que, em qualquer casa em que entrassem, dissessem primeiro: “Paz seja nesta casa”. Esta era uma saudação, um voto de bem, a proclamação de boa vontade para com a casa, não uma pronunciação autoritativa de paz: esta, ao contrário, seguiria se constatado que o filho da paz estava ali.
Com a ressurreição do Senhor, porém, temos a outra coisa. “Paz seja convosco”, disse o Salvador ressuscitado aos Seus discípulos, assim retornando a eles – e quando disse isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Deu-lhes a ler o Seu título à paz. A paz era agora, não apenas desejada, mas pronunciada autoritativamente, transmitida a eles sob a garantia da cruz. Jesus agora lhes dava paz, porque Ele já a havia feito para eles. E esta é a paz que nós, que estamos nela, podemos testemunhar aos nossos companheiros pecadores. Não dizemos meramente, como os setenta comissionados, “Paz seja com esta casa”, como se a saudássemos ou lhe desejássemos o bem, mas proclamamos a paz segura, estabelecida e comprada, à qual os pecadores têm direito, no sangue da cruz.
Pedro em João 21
Não é tanto o senso do que éramos, quando em nossos pecados e não convertidos, mas a lembrança do que temos sido desde que conhecemos o Senhor, nossa frieza, nossas deficiências e nossos caminhos egoístas desde então, que interferem naquela plena e calorosa acolhida de Sua presença e da esperança de estarmos em breve com Ele, que deveríamos carregar. Mas tudo isso é legalista. Pertence à natureza. O argumento divino em Romanos 5 se opõe a isso (vs. 8-9). E Pedro, neste capítulo, ilustra uma repreensão a isso.
Muito do que havia em sua lembrança, como um santo, poderia tê-lo tornado um covarde, temendo a presença do Senhor. Mas ele não era covarde. Assim que ouviu que seu Mestre, embora negado por seus lábios mentirosos e profanos, estava na praia, ele se cobriu com seu manto de pescador e se lançou na água, para alcançá-Lo o mais rápido que pudesse. Pois, se ele tinha lembranças de si mesmo, também tinha conhecimento de seu Senhor; e este era o segredo de sua alma e a fonte de sua coragem.
Se Pedro fosse ignorante quanto a Cristo, ou O conhecesse simplesmente segundo os ditames da natureza, da carne e do sangue, teria fugido com medo; se O conhecesse apenas parcialmente, teria tido seus medos e suspeitas, e permitido que seus companheiros no barco alcançassem o Senhor antes dele, para que pudessem ser uma espécie de véu para quebrar a força de Sua presença em seu espírito. Mas Pedro conhecia bem a Cristo. Ele O conhecia em amor – e, portanto, não fugiu, nem se escondeu atrás de seus companheiros, mas encontrou Sua presença individualmente[1].
[1] Tal era o conhecimento de Adão sobre o Senhor Deus, quando ele saiu de seu esconderijo culpado em Gênesis 3 — com esta diferença: Adão o fez como um pecador, sob uma revelação do evangelho; Pedro, como um santo, sob o conhecimento do Senhor.
Pedro conhecia o Senhor. Isso era tudo para ele. Com certeza era. E ele, mesmo morto, ainda nos fala. Ele diz: “Apega-te, pois, a Ele, e tem paz”, como falam todas as Escrituras.
E assim, posso dizer, Maria Madalena do capítulo anterior, João 20, agiu com base no mesmo conhecimento de seu Senhor. Pois, pecadora como era, ela havia sido apresentada a Ele em seus pecados, sim, e por seus pecados, tendo tido sete demônios expulsos por Ele; e agora ela fala como se tivesse o direito de reivindicá-Lo e tomá-Lo inteiramente para si. “Dize-me”, disse ela, como se fosse o jardineiro, “onde O puseste, e eu O levarei”. Ele era todo dela.
Que afeição preciosa! Que percepção de nosso título a Ele! Como deveria ser assim com cada um de nós; cada um de nós conhecendo nossa própria reivindicação e direito pessoal e individual a um Cristo completo em toda a Sua plenitude, nosso título a Ele mesmo!
E é a fé, e somente a fé, que faz isso. Pois a fé nos dá conhecimento d’Ele, a consciência, nos dá conhecimento de nós mesmos. Esta última nos torna covardes – e com razão; a outra nos dá uma santa e feliz ousadia. A consciência já havia lançado Pedro em uma jornada, quando ele saiu da casa do sumo sacerdote e, lá fora, envergonhado e solitário, chorou amargamente. A fé o lançou nesta presente jornada, quando ele deixou o barco para alcançar seu Senhor na praia. Nem o senso moral do homem, nem sua mente religiosa, nem um pensamento geral de misericórdia teriam sido capazes de colocá-lo em tal jornada. Era a fé – o conhecimento de Cristo em amor – e isso é fé. Fé em Deus, não como Juiz, mas como Salvador, é fé – fé n’Ele como dando, não como ordenando ou exigindo. A consciência pode agir, e de fato age, como a segurança da comunhão com Deus – pois não podemos, nem ousamos, caminhar com Ele, exceto em companhia de seu testemunho – mas a comunhão nunca é o poder ou a medida da fé. A comunhão deve ser fruto da fé, que toma o conhecimento de Deus segundo Sua revelação de Si mesmo em graça e salvação.
E, oh, que coisa maravilhosa é conhecer a Deus em amor! Ter comunhão com Cristo como Aquele que ama nossa alma! Permanecer em amor e, assim, permanecer em Deus! Conhecer e crer no amor que Deus tem por nós! Quão bendito! E este é o estimado e precioso resultado do evangelho no coração; a paz é o resultado dele na consciência. Introduzir o coração e a consciência a estes seus direitos, pela graça, no evangelho, é um dos frutos e propósitos da revelação que Deus fez de Si mesmo.
E neste caso de Pedro em João 21, o Senhor, em um estágio posterior da ação, coloca-Se em companhia tanto da consciência quanto da fé de Seu santo. Ele age com a consciência de Pedro, submetendo-o a um amargo exercício de alma por meio de três desafios, e fazendo-o assim perceber que ele de fato havia pecado em suas repetidas negações quanto a Ele. Mas Ele também se coloca em companhia da fé de Pedro, concedendo-lhe o rico e abundante fruto dessa fé, trazendo-o novamente à comunhão próxima e plena Consigo (como a fé em Pedro já havia feito), e concedendo-lhe o favor de ser o único, entre todos eles, especialmente incumbido de alimentar e conduzir Seu rebanho.
A graça certamente sempre garante e sela as conclusões da fé dessa maneira. O Senhor não submete Pedro novamente ao processo de tomar sobre si a sentença de morte como pecador, como fizera com ele em Lucas 5, onde estiveram juntos pela primeira vez no mar da Galileia com uma pescaria milagrosa. Não. Ele simplesmente restaura sua alma, ou lava seus pés, e então lhe dá seu precioso lugar de proximidade com Ele, e mais do que a própria fé poderia imaginar.
E permitam-me apenas acrescentar: é desta comunhão de Pedro com seu Senhor que necessitamos mais abundantemente, se puder falar pelos outros. Não se trata de tomar conhecimento d’Ele em juízo e justiça – não é ter que se tratar com Ele em Seus conselhos e revelações, ou nas coisas que dizem respeito a Ele. Estas estarão corretas e não devem ser negligenciadas. Mas conhecê-Lo em Seu amor, isso é fé. E isso é de Deus, da obra interior e testemunho do Espírito. Está acima da natureza. Sim, está mais distante da comunhão com Ele em juízo e em justiça do que de um estado de descuido e incredulidade. A consciência, o senso moral, a mente religiosa, o pensamento geral de nossa necessidade de Sua misericórdia, como já disse, podem nos dar lugar diante d’Ele em juízo, e podemos ser justamente humilhados por isso; mas isso não está muito distante da natureza. Mas conhecê-Lo em amor, com um senso de nosso título a Ele próprio, isso é de Deus, e está longe da natureza. Pedro no quinto capítulo de Lucas não era o mesmo Pedro no vigésimo primeiro capítulo de João; embora eu certamente saiba que a atração do Espírito, por convicção divina, estava com ele então.
Rute era de coração aberto e abnegada no primeiro capítulo, quando lançou sua sorte com sua sogra aflita. Ela foi devidamente obediente a ela quando, no segundo capítulo, foi como uma respigadora no campo do homem rico; e lá, de maneira bela, como sob a mão de Deus, ela se comportou diante dele, aceitando sua generosidade com humildade e gratidão. Mas ela foi muito mais do que tudo isso no terceiro capítulo, quando consentiu em se deitar aos seus pés na eira e reivindicá-lo como seu marido. Isso era fé. Uma alma pode ser bondosa com os outros, humilde e reverente diante de Deus, e ainda estar na natureza; mas contar com o amor de Cristo, reivindicar esse amor, conhecer seu direito a ele, usá-lo e desfrutá-lo, encontrar um Objeto n’Ele e receber esse amor como verdade de que Ele encontrou um objeto em nós, isso está acima da natureza. Esta é bem-aventurança da ordem mais elevada, dada a nós pelo Espírito; glorificação de Deus e céu para nós mesmos.
Para Rute, passar da eira aos pés de Boaz para sua casa, sua mesa, seu lugar como senhora de seus servos e partilhando de seus bens e de si mesmo era fácil, natural e necessário; mas passar do campo de respiga para a eira foi uma jornada que só poderia ter sido empreendida (como a de Pedro em João 21) sob a condução do Espírito Santo, atraindo pelas cordas do amor. Chamar o Senhor não mais de “Baali”, mas de “Ishi”[2], isso é verdadeiramente fé.
[2] N. do T.: Oseias 2:16 – KJV: “E acontecerá naquele dia, diz o SENHOR Me chamarás Ishi (isto é, meu marido) e não Me chamarás mais Baali (isto é, meu senhor).
A Redenção da Herança
Temos quatro Escrituras, em partes distintas da Palavra, que encontram conexão com este assunto: “A Redenção da Herança”. Refiro-me a Levítico 25:25; Deuteronômio 25:5-10; Rute 4:1-10; Jeremias 32:6-15.
A ordenança em Levítico 25 nos ensina que um israelita podia resgatar ou comprar a herança de um parente empobrecido, das mãos daquele a quem ela havia sido vendida, quem quer que fosse; e então ele podia mantê-la até o ano do jubileu, quando, como aprendemos mais tarde, ela deveria retornar ao dono original.
A ordenança em Deuteronômio 25 nos ensina que um israelita era obrigado a se casar com a viúva de seu irmão, se este morresse sem filhos, e a suscitar descendência a seu irmão, para que seu nome e sua herança fossem assegurados pelo primogênito daquele casamento. Se ele se recusasse a prestar esse serviço ao seu irmão falecido, seria exposto à vergonha pública, sendo-lhe afixada uma marca de degradação.
Essas ordenanças são ilustradas em Rute e Jeremias. Na bela história de Rute, encontramos Boaz desempenhando esse papel como irmão ou parente em Israel, de acordo com a ordenança em Deuteronômio 25, de uma maneira muito especial e admirável. A herança de Malom, um israelita de Belém de Judá, havia sido vendida, e sua esposa, moabita de nascimento, havia sido deixada por ele, uma viúva sem filhos e sem bens. Ela não possuía nada além de sua virtude, a excelência imaculada de seu caráter e reputação. Ela era uma estrangeira que, à custa de sua própria diligência e trabalho, sustentava sua sogra, a mãe de seu falecido marido, por cuja causa, no espírito de uma filha verdadeira ou adotiva de Abraão; ela havia deixado seu lar, sua terra e a casa de seu pai.
Boaz resgata a herança dela e se casa com ela. Ele não teme a diminuição de sua própria herança, mas se dedica aos interesses de seu parente falecido e da viúva sem filhos e sem bens que ele havia deixado para trás. E por meio desse casamento, e dessa redenção da herança que o acompanhava, a casa de Malom é revivida e elevada às honras reais, ao primeiro e mais alto estado de riqueza e dignidade na terra. Pois Davi, que se assentou no trono de Israel, o mais eminente em todas as genealogias de Israel, foi fruto desse ato na terceira geração.
Esta foi uma grande e magnífica ilustração da virtude dos parentes.
No decorrer do Livro de Jeremias, ou na história do profeta, nós o encontramos (embora não da mesma forma que Boaz no Livro de Rute) desempenhando o papel de parente. Enquanto ele estava na prisão (como esteve no reinado do rei Zedequias, por amor à verdade), e enquanto o exército caldeu estava acampado diante de Jerusalém, ameaçando sua destruição e o cativeiro de seu povo, Hamaneel, filho de seu tio, vem até ele e lhe diz, como seu parente, para comprar seu campo que estava em Anatote, a cidade de seus pais. Este era um apelo estranho para se fazer em tal momento a tal homem. Mas Jeremias não hesita. Ele sabia que era a vontade do Senhor, e ele paga seu preço, e compra ou resgata o campo de Hananeel, filho de seu tio; embora ele soubesse que isso poderia provar ser, se deixado à mercê das circunstâncias, um negócio infrutífero; ou, pelo menos, que um tempo muito distante precisaria ser alcançado, antes que ele pudesse adquirir a posse efetiva de sua aquisição. Este foi um grande ato de fé e mais uma bela e nobre demonstração de virtude do parente.
Posso dizer, portanto, que as ordenanças em Levítico e Deuteronômio prescrevem esses deveres de parentesco; e então, as histórias de Boaz e de Jeremias, dessas maneiras belas e admiráveis, ilustram esses deveres.
Mas temos mais do que isso – pois esses feitos de Boaz e Jeremias antecipam, como em sombras e figuras, os caminhos de nosso Senhor Jesus, que, tendo-Se feito nosso Parente, de maneiras que ofuscam todas as analogias, desempenhou um papel de parente. Sim, de fato – e não preciso dizer – essas ilustrações de virtudes de parentes nas pessoas de Boaz e Jeremias são superadas e ofuscadas nos caminhos brilhantes, maravilhosos e perfeitos do Filho do Homem – pois Ele, certamente, como um Boaz ainda mais abnegado, a um preço que Lhe custou tudo, aliviou não apenas um parente sem filhos e sem posses, mas também um culpado, arruinado e vendido ao cativeiro desonroso; e, como um Jeremias melhor, esperou agora por um longo período e por uma era de dura rejeição pela herança que Ele comprou com Seu próprio sangue no dia do Calvário.
Mas eu ainda gostaria de analisar isso mais profundamente. O Senhor Jesus é um Redentor em dois aspectos: um Redentor por compra e por poder. Ele é um Redentor pelo preço de Seu sangue, comprando desse modo a nós e a nossa herança das justas reivindicações de Deus, para que Deus seja Justo ao nos justificar e abençoar. Ele é um Redentor pelo poder do Seu braço, resgatando-nos e à nossa herança das mãos do grande inimigo. Para que no “mundo vindouro”, onde “a redenção da possessão adquirida” será manifestada, poderemos contemplar com gratidão o Deus bendito e saber que Ele está satisfeito com o nosso Redentor, e olhar com ousadia para o nosso grande adversário e vê-lo vencido pelo nosso Redentor. E esta será, de fato, uma condição elevada. “Comprados” e “resgatados”, os sujeitos de uma dupla redenção, será a nossa condição no “mundo vindouro” – e algo semelhante jamais existiu na criação de Deus. Nem os anjos, em sua dignidade, nem Adão, em sua inocência, jamais a ilustraram.
Posso apenas observar que um versículo na Epístola aos Colossenses nos faz aprender a redenção pelo sangue; um versículo na Epístola aos Filipenses nos ensina a redenção pelo poder; um versículo na Epístola aos Efésios combina os dois. (Cl 1:20; Fp 3:21; Ef 1:14.)
A história da compra que nosso Redentor fez nos é contada nos Evangelhos; a história do resgate que nosso Redentor fará nos é contada no Apocalipse [3]. Consequentemente, é simplesmente como “o Cordeiro” que vemos Cristo nos Evangelhos – é como “o Leão da tribo de Judá”, bem como “o Cordeiro”, que O vemos no Apocalipse (João 1:29, 36; Apocalipse 5:5-6). Pois é por Seu sangue ou sacrifício que o Senhor Jesus nos compra, ou responde por nós às reivindicações de Deus sobre nós; será por Seu braço estendido em juízos que Ele resgatará nossa herança das garras e do cativeiro do usurpador, que agora governa, como seu deus e príncipe, o curso deste presente século mau.
[3] Pelo menos no que diz respeito ao resgate da herança, do quarto ao décimo nono capítulos.
Mas posso dizer um pouco mais sobre este duplo caráter da redenção de que estamos falando agora. Ele é indicado já na primeira promessa (Gn 3:15). Houve uma demonstração disso no dia do Êxodo; pois Israel era então um povo comprado, resgatado das reivindicações de Deus pelo sangue nas vergas da porta, e também um povo resgatado, libertado da inimizade e da força de Faraó pela derrota do Egito no Mar Vermelho (Êx 12; 14). Então, temos, aqui e ali, ao longo do Velho Testamento, figuras, profecias e repetições deste grande mistério, a criação de Deus em uma condição comprada ou resgatada, ou no desfrute desta dupla redenção. Depois de tudo isso, o Senhor Jesus é apresentado ao mundo e à Sua própria obra e comissão nele, neste caráter de um duplo Redentor, como nos dizem as profecias que O precederam (veja Lucas 1 e 2). E então, Seu ministério em vida ilustrou a redenção pelo poder, porque Ele estava apagando os traços da força do inimigo nas curas e vivificações que Ele operou; e Seu ministério na morte realizou a redenção pelo sangue, porque pagou o resgate por nossa libertação de todas as reivindicações de Deus e da justiça que eram contra nós[4].
[4] Há um intervalo, certamente, entre os tempos dessas duas redenções – como Efésios 1:14 claramente nos diz e, como sabemos, deve ser.
Mas mesmo que houvesse uma graça e uma luz para fazê-lo, o tempo não seria suficiente para contar todas as glórias da redenção. Ela ainda está conquistando suas vitórias, e as conquistará até o dia da ressurreição dos santos e do reino que se segue – e quando todas as suas vitórias forem alcançadas, suas honras serão celebradas para sempre.
Rico em Deus
É bom para nós nos familiarizarmos com os muitos, profundos e maravilhosos interesses que temos em Deus – como, por exemplo, em Suas afeições, Seus conselhos e Seus feitos. Essas coisas são ensinadas e ilustradas na Escritura.
Afeições divinas, conselhos divinos, feitos divinos, fazem de nós o Seu objeto. Que bênção dizer isso. A eternidade passada de Deus tomou conhecimento de nós, tendo sido então escolhidos, predestinados e escritos no livro da vida. O tempo, nas mãos de Deus, em todos os seus estágios ou sucessões, tem se ocupado conosco. A eternidade vindoura de Deus deve muito de sua alegria e glória à nossa história, àquilo que foi feito, em abundante graça, para a redenção de nós, pecadores.
Tendo nos escolhido antes que o mundo existisse, Ele nos tem treinado na sabedoria de Seus caminhos em todas as eras do mundo; e quando o mundo for enrolado como um pergaminho, ainda seremos um objeto. O céu se familiariza com nossa história – anjos dela extraem nova luz e alegria; e a moral ou resultado disso será a revelação e a plena manifestação da glória de Deus em todas as Suas múltiformes e infinitas perfeições para sempre. Que interesses em Deus são esses!
A Sua justiça é nossa – e o Seu amor é nosso. Somos feitos “justiça de Deus”, e com o amor com que Cristo é amado, nós somos amados.
As pessoas falam de seus amplos e variados interesses, de suas propriedades aqui e ali; e percorrem em pensamento esses lugares ricos, examinando-os bem e se deleitando com a clareza e a segurança de seus títulos sobre eles. Mas acaso nós, com igual deleite, examinamos nossas possessões em Deus, como dissemos – tais como: Suas afeições; Seus conselhos; Sua eternidade, passada ou futura; no tempo como agora, sob Sua mão e ordenança; em Sua justiça; em Suas obras por nós e Suas operações em nós por meio de Seu Filho e por Seu Espírito; nos sofrimentos que Ele consumou e nas glórias que conquistou. Que riquezas! Que verdade bendita é essa para a alma se apropriar!
As Epístolas aos Romanos e aos Efésios, entre outras, mostram-nos amplamente o nosso interesse nos conselhos divinos – a Epístola de João mostra-nos o nosso interesse nas afeições divinas. Todas as Escrituras nos dizem como Deus tem estado ministrando a nós em todos os Seus arranjos, nas sucessivas jornadas que o tempo percorreu, e o lugar que já temos, ou teremos, na Sua eternidade. E o Evangelho prega-nos o nosso interesse nos Seus sofrimentos, nas Suas glórias, na Sua justiça e nas operações do Seu Espírito.
Temos ilustrações, assim como ensinamentos diretos, sobre essas coisas. Gostaria de destacar algo disso, como vemos em Zacarias 3 e Lucas 15 – na parábola profética do sumo sacerdote Josué, e na parábola do Senhor sobre o filho pródigo. Há afinidade nessas parábolas, mas também diferenças características em cada uma.
Josué nos representa como tendo nossos interesses nos conselhos divinos; o pródigo, nas afeições divinas – embora ambos são vistos na presença de um amigo e de um acusador, também passando pelo processo que os transforma da degradação para a honra e a alegria.
Mas em Josué não vemos nenhum exercício pessoal. Não nos é mostrado nada de uma obra do poder de Deus nele. Nem nos é relatado qualquer manifestação do coração do Pai para com ele. Ele é simplesmente o objeto da eleição e da obra da graça de Deus por ele e em seu favor (e isso em um grau brilhante e maravilhoso), enquanto ele próprio precisa apenas ser passivo, deixando que o Senhor faça por ele e com ele o que Lhe aprouver.
No filho pródigo, vemos a obra do Espírito, a virtude oculta e eficaz da operação de Deus visitando e movendo sua alma, e o levando de volta para casa, onde uma recepção o aguarda sob todas as formas que a mais querida e profunda afeição poderia sugerir.
De fato, eu poderia notar a narrativa em João 8, em companhia destas parábolas – pois ali, a convicta está na presença tanto de um acusador quanto de um amigo, e é transportada de um lugar de vergonha e perigo para um de liberdade e segurança. Mas ela não é declarada como tendo sido objeto de conselhos, nem é mostrada como objeto de afeição; mas o caminho de Cristo no evangelho é ilustrado e forma bela. Quem é “cego” e “surdo” como o Senhor nesta ocasião? – tomando assim o Seu lugar no serviço da graça de Deus aos pecadores, não imputando aos homens os seus pecados (veja Isaías 42:19; 2 Coríntios 5:19). Estas são ilustrações de coisas que nos são ensinadas – nossos muitos e variados interesses em Deus. Conselhos divinos, afeições divinas, obras e operações divinas nos tornam o objeto deles. Somos “ricos para com Deus”. Cada um dos santos de Deus compartilha tudo isso; mas é, portanto, o modo da sabedoria divina ilustrar as diferentes partes desta nossa herança em Deus em diferentes porções de Sua Palavra.
Os santos em breve serão ricos em circunstâncias, mas agora são ricos no próprio Deus. O reino será estabelecido, “o mundo vindouro” brilhará em suas glórias, e os santos estarão lá. E os santos devem agora ser ricos para com Deus, assim como são ricos n’Ele, investindo suas energias e suas vantagens, seus talentos, sejam eles quais forem, em Seu serviço – como diz Lucas 12:21.
J. G. Bellett
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