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Breves Meditações - Parte 14/14

Atualizado: 3 de out.

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ÍNDICE


Breve Meditações

Parte 14

J. G. Bellett

Rute

 

Os caminhos da graça e da fé, e a garantia pela qual cada uma delas age, recebem ilustrações muito bonitas neste pequeno livro.

 

A fé tem duas características especiais – assim como a graça. A fé vence o mundo e retorna plena e intimamente a Deus. Ou, na linguagem conhecida na Escritura, ela toma um lugar “fora do arraial” e “dentro do véu”.

 

A graça encoraja a alma (inspirando confiança) e então a satisfaz. Estas são duas de suas brilhantes formas; e elas encontram expressão aqui nas relações de Boaz com Rute; assim como a fé ilustra suas duas propriedades (das quais falei acima) nas ações de Rute.

 

Rute, no princípio, lança sua sorte com Noemi na hora de sua viuvez, da sua estranheza e da sua pobreza. Por causa de Noemi, ela, agindo como uma filha de Abraão, deixará sua terra, sua parentela e a casa de seu pai; e tudo o que for dito para atemorizá-la de nada adiantará. Ela atravessará o mundo desconhecido, e o povo de Israel será o seu povo, e o Deus deles será o Deus dela. E esta era a fé que toma seu lugar fora do arraial, ou conquista vitórias sobre o mundo.

 

Mas a fé que abandona o mundo retorna a Deus. E assim acontece em Rute. As grandes coisas de Boaz não são grandes demais para ela. Quanto a possessões ou condição de vida, ela estava tão distante dele quanto podia estar, uma respigadora em seu campo, atrás de seus ceifeiros, indigna de ser colocada entre suas servas. Mas ela mira nele mesmo. Não é uma medida pequena que ela busca, mas a mais elevada e rica. A respigadora seria a esposa. E este também é o caminho da fé. Ela sai fora do arraial, mas entra dentro do véu. Ela deixa o mundo, mas retorna à plena presença de Deus; ocupando assim o lugar oposto àquele em que a queda colocou o homem. Pela queda, o homem se afasta de Deus e encontra seu lugar no mundo. Vemos isso em Caim. Ele saiu da presença do Senhor; mas lá ele construiu uma cidade e a encheu com todo tipo de proveito e prazer, com divertimento e com comércio. A fé retorna pelo mesmo caminho, fazendo a jornada oposta. Ela se despede do mundo e retorna plena, íntima e eternamente a Deus. E esse caminho e poder da fé são demonstrados em Rute, que primeiro se uniu à pobreza de Noemi e, em seguida, conquistou para si a riqueza e a dignidade de Boaz.

 

E a graça tem sua grandeza e excelência em seu modo e geração, tão certamente quanto tem a fé. Ela primeiro encoraja, como eu disse, inspirando confiança; e então recompensa a confiança que despertou:

 

O que o Senhor estava fazendo com Gideão em Juízes 6? O que Ele estava fazendo com Moisés em Êxodo 3? O que Ele estava fazendo com Jeremias, quando o chamou pela primeira vez para o seu ofício? (veja Jeremias 1). Ele encontrou corações lentos e relutantes ali; mas os preparou para a bênção que Sua graça havia preparado para eles. E qual era o caminho do Senhor Jesus nos dias de Seu ministério, senão o do Deus de Moisés, de Gideão e de Jeremias? Como Ele Se assentou junto ao poço de Sicar, convidando à confiança uma pobre samaritana distante! Como Ele repreendia, vez após vez, aquela “pequena fé” que não sabia e não podia dizer se poderia esperar d’Ele o bem ou não? E como Ele imediatamente tirou do coração do pobre leproso a única dúvida que pairava ali, oprimindo-o e obscurecendo-o.

 

E este é também o caminho do Espírito nos apóstolos. Quanto do ensino das epístolas, quanto da energia do Espírito são ali empregados para fortalecer a fé e encorajar o coração dos santos! Argumentos de divina persuasão, repreensões com temperamento cuidadoso e sincero e anseios de amor, todos são empregados para unir o débil coração com a graça e o evangelho de Deus.

 

E Boaz é levado a expressar isso. A delicadeza e, ao mesmo tempo, a sinceridade com que ele encoraja Rute no segundo capítulo são de uma beleza digna de se admirar. E então ele está pronto para responder a todas as exigências, que a confiança que ele havia assim despertado, coloca sobre ele. Ele não havia treinado o coração dela para a decepção; assim como a mão do Senhor está pronta para preencher a mão do pecador, que Seu Espírito já abriu para receber d’Ele.

 

E aqui eu poderia dizer que foi um momento bendito na alma de Noemi, quando ela despertou para a lembrança, ou para o conhecimento deste simples fato, de que Boaz era um parente. “Bendito”, diz ela, “seja ele do SENHOR, que ainda não tem deixado a sua beneficência nem para com os vivos nem para com os mortos” (cap. 2:20). Isso foi como quando uma alma é levada à descoberta não apenas da graça que há em Deus, mas do direito de um pecador a essa graça, por causa de Jesus, o Parente.

 

E assim, ao descobrir este fato bendito, Noemi imediatamente ordena a Rute que permaneça firme com suas servas e não seja encontrada em nenhum outro campo. Pois este é o caminho da fé na plena descoberta de Cristo. Exige uma longa despedida, uma despedida para sempre, e todas as outras confianças.

 

Boaz era um parente – e um parente tem seus deveres e obrigações, de acordo com as leis e ordenanças de Israel. Noemi sabia disso e instrui Rute, a estrangeira, nesses segredos seletos e maravilhosos. E ela é ousada e encoraja Rute. E a fé permanece assim. Ela conta com as maiores coisas – perdão, aceitação, adoção, herança, glória. Mas, embora ousada, tem fundamento. Os costumes e ordenanças do lugar onde a fé é introduzida, os conselhos do Deus de Israel, os segredos da graça abundante, são o fundamento da fé. Ela mira alto; mas seu intento é guiado pelo Espírito de Deus; pois Deus, desde a antiguidade, aconselhou essas coisas elevadas para a fé.

 

E quando Rute seguiu a palavra de Noemi, e se deitou aos pés do parente e o reivindicou como senhor e marido, ao retornar a Noemi, Noemi, em belas palavras, lhe disse: “Quem és tu, minha filha?” (cap. 3:16 – ARC). Perfeitamente bela, isso sim. Noemi olhou para Rute como a noiva eleita. Ela sabia o que o fiel parente faria dela. Ela brilhou em toda a sua dignidade e alegria, aos olhos de Noemi, naquele momento – assim como deveríamos nos examinar com igual poder de fé e dizer: “agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando Ele Se manifestar, seremos semelhantes a Ele; porque assim como é O veremos”.

 

O que se segue é a experiência de uma alma, quando o parente é descoberto pela fé.

 

A graça do parente é também uma grande cena a contemplar. Havia obstáculos no caminho. Um parente mais próximo tinha seus direitos, e Boaz precisa reconhecê-los e satisfazê-los. Assim como no grande Original, o pecado resiste aos propósitos do amor – a culpa do homem se interpõe no caminho de sua bênção vinda d’Aquele que é santo, assim como gracioso. Mas Ele encontrou uma maneira de vindicar a justiça e colocar de lado o pecado, enquanto satisfaz Seu próprio amor e atende a todas as reivindicações que a fé faz à graça.

 

Boaz vai até “a porta”, o local do julgamento, e lá encontra “os anciãos”, que eram os guardiões e vindicadores da justiça. E lá, na presença deles, e para a plena satisfação deles, ele afasta o parente mais próximo, e assim remove do caminho o obstáculo que o impedia de tomar Rute para si mesmo e todos os seus fardos. A fé contava com isso, que “o homem não descansará até que conclua hoje este negócio” (cap. 3:18); e assim aconteceu. Boaz resolve todo o assunto, Rute só precisa “esperar”, como Noemi a instruíra, e seu parente é fiel e seu redentor é poderoso.

 

Um parente em Israel era alguém que, como Noemi havia dito a Rute, não se esquecia de sua bondade para com os mortos ou para com os vivos (cap. 2:20). Não, mas para com os pobres e oprimidos, podemos acrescentar. Ele deveria resgatar a herança, a herança vendida, de seu irmão pobre – ele deveria vingar o sangue de seu irmão morto – ele deveria suscitar o nome de seu irmão morto e sem filhos. Belos serviços, demonstrando a graça em suas riquezas, sua profundidade e sua variedade. E Boaz é apresentado para representar isso.

 

Ele agiu, ao tomar Rute e abençoá-la com a mais rica bênção que ele pôde conceder, sob o fundamento das leis de Israel. Ele agiu com retidão, ao mesmo tempo em que honrava generosamente as reivindicações do trono do julgamento, ao tomar uma respigadora do campo para assentá-la ao seu lado. Bela sombra d’Aquele que é Justo e também Justificador.

 

A fé pode almejar alto e contar com grandes coisas, pois a graça de Deus, os conselhos de Deus, a lei do parente e a fidelidade do Redentor garantem tudo isso. A ousadia da fé não excederá o título da fé. O coração que se encoraja em Deus será abençoado; é bendito dizer isso!

 

E a graça tem tão claro direito de satisfazer a si mesma, quanto a fé tem de encorajar a si mesma. A cruz foi, por assim dizer, levantada “à porta”, ou no lugar do julgamento. Deus nunca é mais santo do que quando perdoa pecados sob o direito da cruz de Cristo. Ali, a glória de Deus nas alturas é novamente proclamada, assim como a paz na Terra. Sua justiça é ali apresentada, tão brilhantemente quanto Seu amor. É na misericórdia entronizada que nos apoiamos – um propiciatório sobre a arca da aliança, onde se encontram as tábuas do testemunho. Se o sangue da aspersão está ali, a lei guardada, honrada e magnificada também está ali; a justiça de Deus é ali declarada, para que “Ele seja Justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3:26). É glória a Deus nas alturas, enquanto é paz na Terra, boa vontade para com os homens, que ainda será cantada por toda alma que aprende o mistério e o fruto da missão do Filho do seio do Pai para um mundo de pecadores.

 

E ainda há um belo ponto nas instruções de Noemi a Rute que eu gostaria de observar.

 

Enquanto Rute, no estado anterior, ainda era aquela que suplicava, Noemi lhe diz para se lavar, se ungir, se vestir com suas vestes e, em seguida, descer à eira, onde Boaz havia de estar. Mas, assim que Boaz a aceita, Noemi muda de tom e lhe diz para ficar “quieta” (cap. 3:3, 18 – TB).

 

Assim é na jornada da alma. No início, ocupamo-nos conosco mesmos. Temos muitos pensamentos sobre nossa impureza e nudez, nossa condição como pecadores convictos e em nossa vergonha – mas quando conhecemos o grande segredo da graça, que nosso Redentor está fazendo de nossa causa a Sua própria, então o silêncio, a quietude, a abstração de si mesmo e a ocupação apenas com Cristo nos convêm. Temos então que permanecer aquietados e ver a salvação de Deus. Temos então, como Josué em Zacarias 3, que ficar em silêncio, enquanto o Senhor realiza Sua obra em nós e por nós. Temos que deixá-Lo responder aos nossos acusadores e não abrir nossos próprios lábios, como a mulher em João 8. Podemos, de antemão ou durante a jornada, como o filho pródigo, pensar em nós mesmos, mas assim que entramos na casa e vemos que o Pai fez de nossa bênção o Seu cuidado, então, como o filho pródigo novamente, só nos resta nos assentar e comer.

 

E permita-me dizer ainda, Noemi, colocando-se entre Boaz e Rute, o testemunho de Boaz para Rute é como uma escritura entre Deus e nós. Ela testemunha Deus para nós. Ela até mesmo O promete – e a função da fé é ouvir, receber e desfrutar com confiança. Assim fez Rute. A modesta respigadora torna-se a suplicante segura e, se preferir, ousada, sob a palavra de Noemi. Isso foi o suficiente para Rute, mais do que o suficiente, que Noemi a tivesse instruído. Ela não pediu mais nada, nem hesitou.

 

E é muito bendito acrescentar que a palavra de Noemi foi suficiente para Boaz, assim como foi suficiente para Rute. Tudo o que Noemi havia prometido a Boaz em favor da respigadora, Boaz cumpriu para ela. Foi suficiente para Boaz que Noemi o tivesse comprometido. E assim, bendito seja dizer, foi suficiente que a Escritura tenha falado e feito promessas em nome do Senhor aos pecadores. Tudo será cumprido. Nem um jota falhará. O céu e a Terra passarão, antes que isso pudesse acontecer. Jesus estava cumprindo a Escritura durante todo o Seu ministério aqui, e Ele não descansará até que tenha cumprido tudo, em todas as Suas ricas e maravilhosas promessas de graça e glória.

Samaria e Galileia

 

Quão simples e importantes são as palavras encontradas nesta Escritura: “Queres ficar são?” (Jo 5:6).

 

Mas seu valor não será devidamente apreciado se não analisarmos cuidadosamente a ocasião em que foram expressadas.

 

O Senhor estava em Jerusalém. Ele estava no grande centro e representante da religiosidade humana, e cercado naquele momento por suas várias provisões. Era sábado. Era um tempo de festa na cidade das solenidades. A ordenança, ou ministério angélico de Betesda, estava diante d’Ele, e multidões jaziam ao redor. O templo estava próximo, e os fariseus estavam todos por perto.

 

O Senhor Se coloca em meio a tudo isso, falando a mesma língua e conclamando o homem à religiosidade,. Mas é como algo novo que Ele agora aparece, diferente de tudo o que já existia ali. Ele não Se importa com a festa, nem com o sábado, nem com o templo. Ele coloca de lado a ordenança, e provoca os fariseus. Suas palavras vinham para cancelar tudo e introduzir algo completamente diferente. “Queres ficar são?” O homem pode libertar-se imediatamente de toda rivalidade e resistência; pode deixar de procurar ajuda humana; não precisa mais esperar, nem duvidar da bênção tão desejada. Ela estava ali para ele em Jesus, sem rivalidade, sem ajuda humana, sem demora, sem dúvida, sem ordenança ou anjo. A única questão era: Ele aceitaria a bênção de Jesus? Seria devedor a Ele? Ficaria quieto vendo a salvação de Deus? Deixaria Deus, em graça, trabalhar por ele?

 

Que palavras, de fato, em meio a tal cena! Que palavras comoventes e de grande peso! Eram um chamado a sair da religiosidade e de suas provisões e dependências, para à fé e às provisões e soberania da graça.

 

Isso aconteceu na Judeia. Mas há Samaria e Galileia, além da Judeia, e precisamos analisar cada uma delas.

 

Essas regiões, moralmente, são muito diferentes. Samaria era a contaminada, Galileia a racional, e Judeia a religiosa. Essas são as diferenças características entre elas, como as vemos nestes capítulos.

 

Samaria era a profanada, a rejeitada, o lugar fora do arraial, por assim dizer. Era uma figura do mundo dos pecadores. Não tinha caráter a perder. Mas, sendo tal lugar, era justamente o lugar que o Filho, vindo do seio, tinha vindo visitar, e onde Ele podia exercitar-Se.

 

A Galileia era a racional, a orgulhosa e a intelectual. A experiência do Senhor em Nazaré já Lhe havia mostrado o caráter daquela região. Era um lugar onde o orgulho prevalecera sobre as convicções, e onde Ele fora rejeitado (por mais que lhes manifestasse Sua autoridade), por ser o Filho do carpinteiro. Ele havia provado ali que um profeta não tinha honra em sua própria terra (Lucas 4). Ele, portanto, prefere tentar outra cidade na Galileia nesta ocasião, e vai para Caná. Mas Caná não é Samaria para Ele. Havia pretensão ali. Os galileus O recebem porque tinham visto Seus milagres. Eles O credenciam para si mesmos, antes de O aceitarem. E aqui está o orgulho da pretensão mais detectado do que no mundo intelectual.

 

A Judeia era o mundo religioso. Se a Galileia era o mundo intelectual, a Judeia era o mundo religioso. Embora de um tipo diferente, nenhum dos dois servirá para o Filho do seio. Ele não veio entre os homens para defendê-los ou adotá-los como religiosos, nem para educá-los e cultivá-los como intelectuais. Sua ocupação era com o homem contaminado, com o homem como pecador; e a pretensão da parte do homem, sob qualquer forma, não servirá para Ele.

 

Há um maravilhoso conforto para a alma ao ver como o Senhor reagia de forma diferente nessas diferentes regiões.

 

Em Samaria, Ele assentou-Se junto ao poço com alguém da nação contaminada; e depois permaneceu por dois dias no meio de vários deles. A consciência foi despertada ali, e Ele está, portanto, entre eles sem reservas. Não há peso em Seu espírito. Ele estava em Seu devido lugar, o lugar que Lhe dava oportunidade de agir como de Si mesmo, e de fazer com que se aprendesse Quem Ele era e para que tinha vindo a este mundo. Ele encontrou um lar em Samaria, pois ali encontrou consciências despertadas, ou corações contritos e abatidos. (Isaías 57:15)

 

Em direção à Galileia, Ele olhou com o peso em Seu espírito (4:44). A Galileia não era o cenário natural para o divino Estrangeiro servir, como era Samaria. Ele não veio para cá, como eu disse antes, para educar e cultivar o homem intelectual. E, portanto, enquanto O vemos tomando Seu lugar junto ao poço de Sicar com toda a facilidade, e então habitando por dois dias entre os samaritanos como se estivesse em casa, aqui na Galileia Ele não encontra lar, e entra nela com reserva. Ele ministra graça e poder ali, mas sem revigorar Seu espírito. Ele não tem alimento ali do qual Seus discípulos desconheçam. Samaria havia providenciado isso. A Judeia Ele tem que testar; ou melhor, cancelar. A Judeia era a religiosa, assim como a Galileia era a racional; Galileia tinha suas pretensões, a Judeia tinha suas preocupações; e à Judeia o Senhor tem que Se propor como o fim da lei, a substância de suas sombras, o Objeto de todas as suas ordenanças e Aquele que deveria tomar o lugar de tudo o que ali existia. Ele Se posiciona ao lado de Betesda e simplesmente diz ao homem impotente: “Queres ficar são?” Ele seria aceito como o fim de todas as ordenanças, a vida e o poder de todas as instituições da cidade das solenidades. Ele está pessoalmente fazendo o que o apóstolo faz doutrinariamente na Epístola aos Hebreus, substituindo-Se no lugar de todas as disposições da dispensação mosaica ou levítica. Ele entrou em Samaria livremente, na Galileia com reservas; mas na Judeia, Ele não encontrou lugar algum. O sábado, o tanque, o templo, as festas estavam ali diante d’Ele, e Ele é desafiado como um Intruso e tem que Se retirar.

 

Tudo isso redunda para nosso conforto. Aprendemos com isso o que Jesus é e O encontramos para nosso conforto. É quando nossas necessidades O acolhem, como em Samaria, que Ele nos concede Sua presença; é quando nossas pretensões são feitas, sejam elas intelectuais ou religiosas, que O perdemos, total ou parcialmente. O Senhor Se mostra de forma diferente no poço de Sicar e no tanque de Betesda.

 

E permitam-me acrescentar que, assim como começamos, devemos continuar com o Senhor, como pecadores, como samaritanos, com consciências exercitadas. Se abandonarmos a consciência e nos voltarmos para o intelecto, se nos separarmos de um coração quebrantado e nos voltarmos para a religiosidade, se deixarmos Samaria pela Galileia ou pela Judeia, a comunhão com Jesus fracassará. Pois Jesus partiu de casa quando deixou Samaria e não encontrou outra na Galileia ou na Judeia.

 

Certamente, então, vemos essas regiões como moralmente diversas, e o bendito Senhor relacionado a cada uma delas de maneiras diversas. A consciência foi despertada em Samaria, e nenhum milagre foi pedido; e lá Jesus estava em casa. A mente, em vez da consciência, foi exercida na Galileia, e os milagres eram o fundamento da fé; e lá Jesus realizou um ato de graça e poder, mas não permaneceu. A religião O excluiu da Judeia.

 

Acaso tudo isso não nos fala sobre Jesus para nosso consolo? O Filho de Deus Se aproximará de um miserável, autodestruído, corrompido filho da natureza, mas nenhuma pretensão, qualquer que seja sua forma, servirá para Ele. Pode ser pretensão intelectual que especula sobre Ele e O julga em sua própria balança; pode ser pretensão religiosa, que ainda confia em suas obras apesar das ofertas de Sua graça; mas nenhuma delas servirá para Aquele que veio a um cenário de ruínas, justamente porque eram ruínas, ruínas imundas, negras, leprosas e impuras. Que o pecador seja o pecador, e Jesus Se aproximará dele, pois Ele veio para buscá-lo e salvá-lo; mas, se o homem pretende ou presume, Jesus deve permanecer reservado.

 

É uma doce meditação percorrer estes capítulos inestimáveis e fazer estas descobertas sobre o Filho de Deus. Podemos estudá-Lo, estudá-Lo profundamente, quando O temos assim diante de nós; pois são o coração e a consciência, e não apenas a mente, que então se assentarão diante da lição.

 

Com tudo isso, no entanto, devo destacar mais uma coisa: “o modo como o Senhor tratou a samaritana impura, para assim obter para Si um lar ali”. Assim como Ele veio tanto para buscar quanto para salvar, esta cena O mostra para nós tanto buscando quanto salvando.

 

Ela era uma filha da natureza, uma natureza arruinada e contaminada. Seu coração não conhecia nada além dos prazeres e ocupações comuns da vida cotidiana.

 

O Senhor começa convidando-a à confiança. E faz isso com a habilidade do amor, buscando um favor de sua mão.

 

Ele adquire a confiança que buscava. Ela se sente à vontade em Sua presença.

 

Ele então utiliza a confiança que havia conquistado para o bem dela. Ele desperta a curiosidade daquela cuja confiança havia conquistado. Ele usa uma linguagem que a faz sentir que não se trata de uma pessoa comum que ela encontrou. Ela usa a palavra “Senhor”, mostrando que sua alma havia sido aprisionada e fixada. E tendo assim conquistado tanto sua confiança quanto a atenção dela para Si mesmo como uma pessoa que não é comum, Ele ainda usa Suas vantagens para o bem dela, mas com fidelidade à sua condição atual. Ele Se dirige à consciência dela; e após um breve instante, consegue expô-la a si mesma, para sua confusão e espanto.

 

Assim, Ele conquistou a confiança dela, sua atenção e sua consciência. Mas há muito mais. Ela luta e gostaria de se esconder novamente – como Adão de outrora. Uma pergunta sobre adoração fará por ela o que as árvores do jardim fizeram por ele. Mas Ele a segue até seu esconderijo e responde à sua pergunta em tal forma de palavras que parece apenas fixar mais profundamente a atenção de sua alma n’Ele, despertando ainda mais intensamente sua admiração, de modo que ela quase O identifica com o Messias prometido.

 

Ele então Se revela a ela. Isso, porém, é para a satisfação dela; assim como antes ela se revelara a si mesma, por meio das palavras d’Ele, para sua confusão.

 

Ela O deixa, e os discípulos retornam; mas aprendem com Ele, e suas provisões agora eram desnecessárias. Ele havia mandado embora uma pobre pecadora feliz, e isso era comida, bebida e descanso para Ele.

 

Que segredos são revelados nessas coisas de Samaria, Galileia e Judeia, e que métodos de graça nesses tratamentos com a mulher!

 

Quanto a ela, o Senhor a busca e então a salva. Ele buscou a confiança de uma pecadora, então fixou a atenção da alma dela em Si mesmo, depois a expôs a si mesma e, finalmente, Se revelou a ela em luz, alegria e liberdade; e quando todo o processo termina, Ele Se alegra mais com o resultado do que ela mesma!

 

Este é o Jesus com Quem temos que tratar e a Quem temos o privilégio, assim como o dever, de estudar.

 

Ele só pode encontrar um lar entre nós, nesta Terra, no pobre pecador que trata com Ele com um coração quebrantado; e um lar como este Ele precisa obter para Si mesmo pelo poder operante do Seu Espírito. Encontramos um exemplo de tudo isso aqui. O profeta, posso dizer, havia esboçado ou antecipado isso em Isaías 57:15-19. Mas tudo isso nos fala do Salvador que encontramos. Suas diferentes experiências em Samaria, Galileia e Judeia nos diz que Ele só encontra um lar em meio a pecadores de coração quebrantado; e Seu tratamento com a mulher mostra como Ele obtém esse lar para Si mesmo.

A Sunamita

 

Nos tempos do Velho Testamento, encontramos o Senhor trazendo novos recursos diante de repetidos fracassos, e a fé sempre pronta a adotá-los, e, às vezes, a calculá-los e a procurá-los. O fracasso de tudo sob a mão do homem, como em sua mordomia, é testemunhado repetidas vezes, mas os recursos de Deus são inesgotáveis, e a fé não se deixa abater nem se distrai.

 

Quando Israel, no deserto, fez o bezerro de ouro, e assim quebrou o primeiro item da aliança sob a qual tudo então estava estabelecido, Moisés agiu como alguém que esperava encontrar algo em Deus para enfrentar a catástrofe (Êx 33).

 

Quando a nação, trazida à terra sob o comando de Josué, quebra novamente a aliança, como ela costuma fazer, o Senhor, na energia de Seu Espírito, convoca os juízes para libertá-los, e a fé neles está pronta para a ocasião.

 

Quando o sacerdócio se arruinou posteriormente, e Icabô (ARA) foi escrito na testa de Israel, Deus tem um profeta (uma nova e estranha provisão) no lugar secreto de Seu conselho e recursos, e Samuel, como tal, em fé conduz a Ebenezer, ou a ajuda de Deus, para este povo caído.

 

Quando o reino, com o tempo, se arruína, como aconteceu com o povo no deserto e com a nação sob os juízes, e o trono e a casa de Davi estão no pó, e Israel, um cativo, a fé ainda aguarda na certeza de que Deus não falhou, embora todos os outros tivessem falhado. O templo pode estar em desolação, a arca pode ter desaparecido, tudo o que era sagrado ter sido perdido, a própria terra estar em propriedade dos incircuncisos e o povo de Deus escravos dos gentios – ainda assim, um Daniel, um Neemias, uma Ester e outros corações semelhantes podem manter seu nazireado e aguardar dias de novas descobertas do que Deus é e tem para Israel.

 

Os recursos de Deus não se esgotam diante das falhas do homem, e a fé não se distrai.

 

Mas nos dias atuais do Novo Testamento, temos algo mais a destacar – e é isto: a plena satisfação que a fé toma daquilo que Deus já lhe proveu, e o zelo e cuidado do Espírito, para que usemos isso e nos apeguemos a isso, na perfeita satisfação de ser igual a todas as novas e crescentes exigências.

 

A diferença, portanto, é esta: em outros tempos, a fé calculava sobre o que ainda faltava obter; nestes dias, ela é fiel àquilo que já obteve e permanece nisso, pois já obteve Cristo, o fim de todas as provisões divinas.

 

Temos apenas que ler as epístolas para perceber isso. Cristo, o Cristo de Deus, e a Escritura, a Palavra da Sua graça, tornam-se a nossa provisão permanente. Como o Espírito mantém toda a glória do coração naquilo que já está conosco! E certamente a fé adota a mente do Espírito. Como as epístolas falam de Cristo como sendo tudo para nós, exortando-nos a prosseguir com Ele como começamos com Ele, a sermos edificados n’Ele como fomos arraigados n’Ele, a nos apegar, a continuar nas coisas que já aprendemos, e a continuar rejeitando tudo, exceto Cristo e a Palavra. “Encomendo-vos a Deus e à Palavra da sua graça” é a linguagem apostólica.

 

Vemos aqui uma diferença. Há afinidade entre o passado e o presente, os dias do Velho e do Novo Testamento, no fato de que a falha da parte do homem e a consequente confusão no cenário ao nosso redor conferiram caráter a ambos. Mas a fé é a mesma, conhecendo e usando os recursos de Deus diante da confusão; apenas, digo novamente, com esta diferença: o recurso, nos dias passados do Velho Testamento, era algo novo; agora, é sempre um e o mesmo; isto é, Deus e a Palavra da Sua graça, Cristo e a Escritura.

 

Antigamente, a fé agia daquela maneira, agora a fé age desta maneira.

 

Como vimos, quando, antigamente o bezerro de ouro foi criado, a fé buscou outra revelação do nome de Deus. Quando a nação na terra perdeu seu lugar sob a asa de Jeová, a fé encontrou seu objetivo no juiz ou libertador recém-despertado. Quando o sacerdócio foi contaminado, a fé usou o profeta. Quando o reino estava em ruínas, a fé ainda aguardava, de novas maneiras adequadas às novas condições, na esperança de um alívio soberano seguro e certo – como Mordecai disse em tal época: “socorro e livramento de outra parte sairá para os judeus”. Mas agora, diante do fracasso e da confusão, qualquer que seja a forma, a fé tem Deus e Sua Palavra, Cristo e a Escritura, recursos permanentes e duradouros, conhecidos igualmente em todos os momentos dos tempos do Novo Testamento; nada novo, nada recente, mas aquilo que é dado em graça, a fé usa e permanece calma e sem distrações, por mais aflita e humilhada que esteja. Pois “os fins dos séculos” já nos são chegados (1 Coríntios 10:11). Não buscamos mais exibições, mas usamos o que temos, sejam quais forem as ruínas da Igreja e a confusão da Cristandade. A fé mantém o começo de sua confiança firme até o fim. A fé está preparada para o fracasso nos mordomos de Deus; mas, tendo alcançado a Ele próprio, descansa em paz e se satisfaz.

 

A sunamita, em 2 Reis 4, ilustra esses belos caminhos da fé, e o faz de forma magnífica. Ela não se deixou abater nem se distrair por um dia de fracasso e confusão; ela está preparada para isso sob a mão do homem; mas, tendo apreendido e alcançado Deus e Seus recursos, ela está satisfeita e permanece ali.

 

Isso se mostra nitidamente em sua história. No início, ela apreende Eliseu corretamente. Sem apresentações, ela o percebe como “um homem de Deus” e, como tal, o acolhe e o hospeda. Ela pode contar com Deus tendo Seus recursos à disposição, embora o reino estivesse desaprovado. E isso ela faz da maneira devida. Ela conhece o caráter dele, bem como sua pessoa. Se ele for um homem de Deus, ela confiará nele como tendo os gostos e empatias de um tal, e como tal, ela prepara para ele um pequeno quarto junto ao muro, e então a mobília necessária: uma cama, uma mesa, uma cadeira, um candeeiro. Não para exibir as riquezas de sua casa, mas seu pensamento é para conhecê-lo em caráter, e isso é comunhão. Os instintos dela são apurados, assim como sua fé é forte e inteligente.

 

O cenário era celestial. Quero dizer, tudo em torno daquele aposento revelava estrangeiros celestiais na Terra nos dias de corrupção e apostasia. As coisas estavam então em completa ruína moral. A família de Acabe, a casa de Onri, estava no trono, e nada no reino era digno de Deus. Pequenas coisas serviam, e somente elas serviam, para o povo de Deus naquela época. Nos dias de Salomão seriam diferente. Agora, uma cama, uma mesa, uma cadeira e um candeeiro são suficientes; e então, servos, suas vestes e seus assentares, com tudo o mais, exibiriam a grandeza terrenal e mundana.

 

Tudo isso é cheio de beleza e significado.

 

Esta querida mulher apreende o testemunho de Deus neste dia mau. Ela sabe que Deus é verdadeiro, embora todo homem seja mentiroso. Ela sabe que, se os fundamentos forem destruídos, Deus ainda estará em Seu santo templo. Neste dia mau, ela vê os recursos de Deus neste vaso. Ele é um estrangeiro, um homem solitário, uma espécie de Jonas em Nínive, não apresentado, não reconhecido. Mas ela o apreende – e, tendo-o aceitado, apega-se a ele. O marido pode falar de luas novas e sábados; o próprio Eliseu pode falar do servo e do bordão; mas, para ela, o vaso de Deus é tudo. Ele foi o começo de sua confiança, e ela o terá como tal, firme até o fim.

 

Pois a fé, tanto naqueles dias como nestes, apegava-se aos recursos de Deus. A fé buscava, repetidamente, como eu disse, novos recursos, à medida que novas exigências surgiam; mas enquanto esses recursos estavam nas mãos de Deus para o Seu povo, até que cedessem lugar a novos recursos, por causa de nova corrupção, a fé se apegava a eles. Assim, esta sunamita se apegava ao profeta, quando todo o reino das dez tribos, quer no trono, quer no santuário, estava em ruínas.

 

J. G. Bellett

 

 

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