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Foto do escritorJ. G. Bellett (1795-1864)

Breves Meditações sobre os Salmos - Parte 8/8

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ÍNDICE


 

Breves Meditações Sobre os Salmos

Principalmente em Seu Caráter Profético

J. G. Bellett

Parte 8

 

Apêndice 1: Pensamentos Sobre os Salmos Finais

 

Mas esses Salmos finais, posso observar, não apresentam diante de nós os elementos do mundo milenar. Jerusalém, Israel, as nações com seus reis, príncipes e juízes, os céus e a Terra, e toda a criação em toda a sua ordem, são contemplados como na “restauração” e no “refrigério”, mas são detalhados, como lá, apenas em suas circunstâncias. É antes o louvor de tudo o que se ouve. O salmista antecipa as harpas em vez das glórias do reino; e isso é maravilhosamente característico.

 

Louvores coroam a cena. A visão passa diante de nós com o entoar de todos os tipos de cânticos. O homem tomou o instrumento de alegria em suas mãos; para tocá-lo, no entanto, apenas para a glória de Deus. E este é o resultado perfeito de todas as coisas – a criatura é feliz e Deus glorificado. “Majestade e esplendor há diante d’Ele, força e alegria, no Seu lugar” (1 Cr 16:27).

 

Que encerramento dos Salmos de Davi! Que encerramento dos caminhos de Deus! A alegria, de fato, veio pela manhã e entoou sua nota para o “único dia eterno”. Louvado seja o Senhor! Amém.

 

Sim, louvor, todo louvor; fruto incansável e satisfatório de lábios que expressam a alegria da criação e o reconhecimento da glória d’Aquele Bendito. Essa é a justa felicidade.

 

E aqui, em conexão com isso, e ao encerrar essas meditações, que o pensamento nos anime, amados, de que a felicidade é nossa e para sempre. Pode ter havido um caminho através do Calvário, do desprezo do mundo e da sepultura na morte; mas isso levou à alegria e aos prazeres eternos. O caminho por um período passou pelas águas da Babilônia, mas Jerusalém foi recuperada – como nossos Salmos nos mostraram. O vale de Baca era o caminho para a casa de Deus. Pode ter havido “tribulação”; mas “outra vez vos verei”, disse Jesus.

 

Quanto ao nosso título a isso, não deve haver nenhuma reserva, nenhuma suspeita em nossa alma. Essa é a nossa porção divinamente designada. Não alcançar a felicidade será o destino apenas de corações rebeldes. Nosso título para aguardá-la vem do próprio Deus. Nosso título reside no sangue de Jesus, o Filho de Deus, o Deus-Homem dado por nós nas riquezas da graça divina; e a fé em nós lê, entende e pleiteia esse título. E não há motivo para hesitar em desfrutar de seus resultados e benefícios – nenhum sequer. Não há mais motivo do que Adão teria para questionar seu direito de desfrutar do jardim do Éden, porque ele nunca o plantou; nem para o arraial de Israel no deserto beber da água da rocha, porque eles nunca a abriram. O jardim foi plantado para Adão, a rocha foi aberta para Israel, assim como o Salvador, e toda a alegria que Sua salvação traz consigo mesma, foi tão simples e seguramente provida para os pecadores. Nossa alma deve fazer disso uma questão de glória de Cristo, e não de nossa dignidade. Ele agiu assim quando Ele estava aqui. Ele nunca levou alguém doente ou mutilado a investigar sobre sua própria aptidão, mas simplesmente a reconhecer Sua mão e Sua glória. “Se tu pode crer”, ou seja, se você está pronto para Me glorificar, para ser devedor a Mim por essa bênção, então aceite-a e seja bem-vindo.

 

Então, quanto aos nossos recursos. Não se trata apenas de amor, o poder também está de nosso lado. Amor e poder juntos formarão a cena que devemos contemplar para sempre, como esses têm sido nossos “cooperadores” desde o início, ensinando-nos a respeito dos nossos maravilhosos recursos.

 

Veja-os assim trabalhando juntos em alguns pequenos momentos nos dias do Senhor Jesus. Cinco mil são alimentados com cinco pães e dois peixes. Alimentado até a saciedade – e doze cestos de pedaços sobraram! Isso fala da riqueza do Senhor do banquete, bem como Sua bondade. E que satisfação de coração isso transmite! Se aproveitarmos a generosidade de outra pessoa e tivermos motivos para temer que tenhamos participado do que ela precisava para si mesma, nosso desfrutar diminuirá. Esse temor se intrometerá, e com razão, e estragará nossa tranquilidade enquanto estivermos assentados à sua mesa. Mas quando sabemos que por trás da mesa que nos está preparada, há provisão na casa, esses temores são suprimidos. O pensamento da riqueza do anfitrião, bem como de seu amor, deixa todos à vontade. E deve ser assim conosco em nosso desfrute de Cristo.

 

Portanto, ao usar Sua força, bem como Sua riqueza, Seus recursos são incomensuráveis. Veja isso na cena de perigo no lago da Galileia. Ele Se mostra no alto, acima de toda a dificuldade que aterrorizava os discípulos. Ele caminha no topo daquelas ondas e em meio aos sopros daqueles ventos, que estavam levando os discípulos ao “limite da capacidade” deles. Que alívio triunfante foi esse para eles! O perigo não era nada na presença de tal Libertador. Quão facilmente Ele poderia manejar um barco para eles na tempestade, Ele mesmo que assim controlava a tempestade sem barco algum! Havia força suficiente e de sobra aqui, assim como havia pão suficiente e de sobra antes, e eles não podiam perecer (veja Marcos 6).

 

Aqui estão figuras dos nossos recursos! Recorremos a um Senhor rico, bem como amoroso. Usamos um braço poderoso e estendido. Consultamos um Médico que pode curar tanto a morte quanto a doença. É como Davi fala: “de beneficência de Deus” desfrutamos. “A plenitude reside em Jesus, nosso Cabeça”. Somos alimentados, resgatados e curados de maneiras dignas d’Aquele cuja riqueza, força e habilidade não conhecem medida. Seus recursos, e, portanto, os nossos, são gloriosos e insondáveis, e sobram pedaços deixados para quem quiser tomar deles. E o reino vindouro os revelará com perfeição.

 

Então, depois de assim inspecionar nosso título e nossos recursos, posso somente dizer que, quanto ao caráter da alegria em si, será digno de seu Doador, e se expressará, como encontramos nestes Salmos, em júbilo, como de corações transbordantes, em todos os tipos de melodias. E será uma alegria de qualidade tão rara, da qual nunca se saciará, nunca se cansará, nunca terminará, mas ainda surgirá com mais do que o seu frescor inicial.

 

Como sabemos, haverá, então, diversas ordens de glória. “Uma é a glória dos celestiais, e outra, a dos terrestres”. Mas ambas serão glória – e glória é o fruto do amor, ou a manifestação do que o amor preparou para o seu objeto.

 

E esse dia vindouro teve suas sombras no passado. A alegria de Adão no Éden com seus dias de coroação e esposório (Gn 2), o estabelecimento na terra sob José (Gn 47), o encontro com Jetro e o arraial de Israel no monte de Deus (Êx 18); a festa dos Tabernáculos e o ano do Jubileu (Lv 23, 25); os dias brilhantes e prósperos de Salomão, com as nações prestando honras e colhendo suas alegrias em Jerusalém (2 Cr 1-9); o monte santo e suas duas companhias (Mt 17): essas são algumas entre as passadas ou fugidas sombras dessas glórias futuras brilhando juntas, ou em suas várias esferas. Em espírito, podemos cantá-las de antemão e também distinguir suas ordens, celestiais e terrenais, como estes versos de nosso hino testemunham:

 

“Abençoada manhã! Há muito esperada,

 Eis que eles enchem o ar povoado!

 Enlutados uma vez, pelo homem rejeitados,

 Eles, com Ele exaltado ali,

 Cantam Seus louvores,

 E compartilham Seu trono de glória.

   

“Rei dos reis! Que a Terra O adore,

Nas alturas em Seu trono exaltado;

Curvem-se, nações! Curvem-se diante d’Ele,

E Seu cetro justo reconheçam:

Toda a glória

Seja para Ele e para Ele somente!” 

 

Oh, que tenhamos poder para ansiar por tais alegrias nos desejos insatisfeitos de nosso coração no presente! Devemos confiar ampla e ricamente, com certeza desmedida, que somos indescritivelmente felizes.

 

Mas há que haver reserva neste ponto – que tomemos cuidado para que nossa felicidade esperada seja justa felicidade, tal como Deus pode garantir e o próprio Jesus pode compartilhar (veja Salmo 132). E isso não pode estar na Terra como ela está agora. O evangelho não se propõe a produzir um mundo feliz, ou a replantar o Éden aqui. O retorno da glória, a presença do Senhor, deve fazer isso. Pois onde está a glória, somente ali estão as cenas de regozijos e expectativas corretas. Se a glória deixou a Terra, nossas expectativas também devem deixá-la. Quando ela retornar, nossos deleites e perspectivas podem retornar com ela. Cena feliz, quando tudo voltar a falar de Deus, e Ele encontrar na Terra um descanso para Seus pés tão agradável a Ele em seu lugar quanto Seu trono no céu! E então haverá uma rebelião nas nações por não encontrar sua alegria aqui. O pão dos enlutados não devia ser comido diante do Senhor. E assim, quando se diz de Jerusalém: “O Senhor está lá”, se as nações não subirem para celebrar a festa dos Tabernáculos, se elas se recusarem a se alegrar diante do Senhor, o Rei, elas sofrerão a repreensão e o juízo.

 

Oh, que, com corações desmamados do mundo e afeições desejosas por Ele mesmo, pudéssemos realmente dizer: “Vem, Senhor Jesus”.

 

Grande Pai de misericórdias, nós nos curvamos,

Com agradecimentos por nossa liderança acima!

Nem menos, santo Jesus, és Tu

 O objeto de louvor e de amor!

 

Nas três Pessoas gloriosas em Deus,

Cuja soberania todos adorarão,

Por meio de Cristo, e pela fé em Seu sangue,

Nós nos gloriaremos e exultaremos para sempre.

 

Apêndice 2: Aplicação Adequada dos Salmos

 

Tendo agora, em nossa medida, passado por esses sopros do Espírito de Deus, podemos perguntar: o que temos neles? Ou melhor, talvez, em um sentido amplo, o que não temos neles? Pois quantas paixões da mente renovada, quantos atos de disciplina divina e suas correspondentes experiências no crente, o Espírito de Deus aqui antecipou? E quão amplamente Ele traçou os caminhos do coração de Jesus! Seus clamores, lágrimas e louvores, Suas horas solitárias, Suas aflições causadas pelo homem e Suas consolações em Deus; tudo isso é sentido aqui em sua profundidade e poder. O que se passava em Sua alma quando Ele permanecia em silêncio diante do homem, conduzido como um cordeiro ao matadouro; aquilo que aqueles que então O cercavam não ouviram, nós ouvimos neste maravilhoso livro. Seus pensamentos sobre os homens, Sua adoração a Deus, com todo o incenso de Suas várias e perfeitas afeições, são entendidos aqui. O Novo Testamento nos diz que Ele orava e cantava, mas este livro nos dá Suas próprias orações e cânticos.

 

E, além disso – todo o mistério de Jesus, desde o ventre até o trono de glória, é narrado aqui em suas alegrias e tristezas. Nós o rastreamos até tão distante quanto desde o “princípio do Livro”. Nós lemos sobre Ele Se entregando antes da fundação do mundo. O profundo silêncio da eternidade é quebrado em nossos ouvidos por aquelas palavras: “Eis aqui venho para fazer, ó Deus, a Tua vontade”. E, a partir daí, nós O vemos avançar em direção à eternidade diante d’Ele. Assumindo nossa natureza; na infância, segurado ao seio de Sua mãe; em Sua vida de vergonha, tristeza e pobreza; e em Suas últimas aflições, a traição de Seus companheiros, a mentira das falsas testemunhas, o escárnio dos inimigos, a lança, os pregos e o vinagre e, acima de tudo, o abandono de Deus. Tudo isso é ouvido e sentido aqui. E então O seguimos em Seus regozijos e cânticos em ressurreição, e testemunhamos Sua ascensão e Suas boas-vindas e honras no céu. E, finalmente, observamos Seu retorno dali para o julgamento das nações e para Sua gloriosa liderança de Israel e de toda a Terra. Tudo isso é contado neste Livro, não meramente, por assim dizer, com caneta e tinta, mas em linhas vivas, em fragmentos do coração que este livro reuniu.

 

Essas coisas estão entre os vastos e maravilhosos conteúdos deste pequeno livro. E, como notamos, ele delineia as experiências dos santos. Pois os santos, tendo “a mente de Cristo” e “o mesmo espírito de fé” (2 Co 4:13-14), são capazes de ali também ler suas aflições e regozijos, e as meditações de seu coração.[1] Consequentemente, este livro tem sido o companheiro deles, quando muitas vezes quase tudo o mais teria sido intrusivo e desarmonioso.

[1] N. do A.: Em Isaías 50:10 e Mateus 11:29, o Senhor parece apresentar Sua própria experiência aos santos como um padrão do que a deles deveria ser. E assim é nos Salmos – entre outros, Sl 27, 31, 34.

 

Mas ainda assim, ao usá-lo, devemos lembrar que, tendo o Espírito Santo em nós, nossas experiências devem fluir disso. A experiência Cristã é a apreciação do fruto da presença do Espírito, e está de acordo com as formas em que, como nos é dito na Escritura, Ele age em nós. E quão rico isso deve ser, quando Ele habita e age em nós, como uma Unção, um Penhor e uma Testemunha. Que alegria de esperança, que amplitude de entendimento, que força de fé, devem ser nossas! Que percepção do amor divino, quando o próprio Espírito Santo está derramando esse amor em nosso coração! E como essa é a devida experiência do santo, na medida em que o Livro dos Salmos reflete somente o coração de um Judeu justo, o santo agora é levado além dele ou ao lado dele. O Salmista diz, por exemplo: “O meu corpo se arrepiou com temor de Ti, e temi os Teus juízos”; o santo agora deve provar que “o perfeito amor lança fora o temor” (ACF) e que ele tem “confiança” “no dia do juízo”. Então, novamente – “não me deixes envergonhado da minha esperança”; o santo é ensinado que “a esperança não envergonha” (TB). Dessa maneira, o santo agora passa além do Salmista e caminha na luz mais intensa e brilhante do Novo Testamento, na força do Espírito Santo nele.

 

Assim, no Salmo 112, toda a prosperidade terrenal é prometida de forma absoluta ao homem piedoso; mas o apóstolo, citando esse Salmo (2 Co 9:8-11), apenas declara o poder de Deus para dar prosperidade, – e ora por uma medida dela em favor dos santos em Corinto[2].

[2] N. do A.: Então Pedro cita Oséias; mas ele não continua com Oséias para prometer aos santos agora, como o profeta promete a Israel, que eles terão todas as bênçãos na Terra – a Terra responderá ao trigo, e ao mosto e ao óleo, e estes responderão a Jezreel; mas ele os exorta a se comportarem como aqueles que são apenas estrangeiros e peregrinos enquanto permanecem na Terra (veja 1 Pedro 2:11; Oséias 2:21-23).

 

Mas muitos erros sobre esse assunto da experiência Cristã têm surgido, creio eu, por causa do uso errado do Livro dos Salmos. Muitos, diligente e graciosamente desejosos de andar com Deus, fizeram disso uma espécie de modelo para si mesmos e procuraram fazer com que o coração se conformasse às provações, consolações e outras experiências delineadas nesse Livro. Mas esse não é o seu uso adequado. Ele deve ser lido, antes, como a imagem variada da alma exercitada pelo Espírito sob certas condições e circunstâncias. A circunstância, juntamente com a graça e a energia do Espírito, e não qualquer esforço de nossa própria alma, é o que deve ser a origem da experiência.

 

Creio que isto deve ser lembrado. Os Salmos não eram modelos para Jesus. Ele não passou, por exemplo, pela paciência ou pela alegria do Salmo 16 e do Salmo 22, como se estivesse conformando os caminhos de Sua alma a certos padrões. Esses Salmos eram antes as antecipações inspiradas de quais seriam os caminhos de Seu Espírito. As circunstâncias pelas quais Ele estava passando atraíram Sua alma perfeita àquelas declarações.

 

Há, sem dúvida, muitas outras fontes de erro relacionadas a esse assunto. Mas essa, penso há muito tempo, pode ser observado como uma delas.

 

Mas, voltando ao assunto da diferença na linguagem dos Salmos e do Novo Testamento, podemos dizer que tudo isso é perfeito em seu devido tempo, mas surpreendentemente sugere uma diferença entre as pessoas e coisas celestiais e as terrenais. E o fato de irmos além do livro do Salmista em nossas experiências, é como irmos além dos livros dos Profetas em nossa esperança e chamado. Pois a Terra, o seu povo, o seus juízos e a sua glória, são os temas apropriados dos Profetas. E não se deve esperar que as coisas celestiais entrem na mente do Espírito no Salmista de maneira mais ampla do que nos Profetas. Os santos encontram suas empatias neste livro e o usam para seu conforto espiritual, mas seu chamado e glória nos céus não são o assunto do livro. A Jerusalém do Salmista não é a Jerusalém celestial de Apocalipse 21, mas a Jerusalém na terra de Israel. E o povo deste livro em geral é o povo dela, ou aquele Remanescente que nossas meditações têm contemplado tão amplamente.

 

E deixe-me aqui observar algo mais particularmente quanto a essa ideia de “um Remanescente”, tão comum na Escritura.

 

Tem seu fundamento formal na incorrigibilidade do homem. O homem pode sofrer e gritar sob a vara, mas ele volta à sua maldade repetidamente. O Livro dos Juízes ilustra isso. E Isaías 1 nos mostra que a ideia de um Remanescente, como eu disse, surge disso. Pois o profeta nos diz que aqueles que foram criados como filhos amados se rebelaram e que depois, castigados como filhos desobedientes, se recusaram a se arrepender. Eles eram incorrigíveis. Flauta lhes tocaram, lamentações lhes cantaram e não houve resposta. E sobre isso o Senhor só tem que agir na soberania da graça, ou no princípio de um Remanescente – como ainda diz o profeta: “Se o SENHOR dos Exércitos nos não deixara algum remanescente, já como Sodoma seríamos e semelhantes a Gomorra” (Is 1:1-9).

 

O Senhor estava constantemente, no decorrer do tempo de Israel, exibindo essa soberania da graça na eleição e manifestação de um Remanescente. Tais momentos foram chamados (e com razão) de “Reavivamentos”. Os tempos de Samuel, Davi, Ezequias, Josias, Zorobabel, Esdras e Neemias marcam muitos reavivamentos ou eras de recuperação espiritual de um estado doentio. Mas a condição atual de Israel nos diz, mais uma vez, que a floração se transformou em podridão. O verão deles se foi. A terra e o povo testemunham isso. Mas nem sempre isso será assim. Ainda haverá o maior reavivamento de todos. Aqueles que traçamos aqui foram apenas as recuperações ocasionais de um sistema enfermo, que carregava em si o princípio da morte! Mas o último reavivamento será eficaz, pois será na vida de ressurreição e na força do Filho de Deus. Pois, embora nada no homem seja confiável, e nada que tenha sido confiado ao homem permaneça, n’Ele todas as promessas de Deus são sim e amém (2 Co 1).

 

E no tempo do último e glorioso avivamento em Israel, haverá um grande ato do Senhor, como sempre houve em tais épocas. Samuel foi exercitado no coração antes de se manifestar, e Davi da mesma forma, e Esdras, e Neemias, e os demais, embora de forma variada. O Espírito de Deus estava preparando o instrumento antes que a mão de Deus o usasse. Como lemos sobre Sansão, “E o Espírito do SENHOR começou a incitá-lo de quando em quando [às vezes – JND] para o campo de Maané-Dã, entre Zorá e Estaol” (Jz 13:25 – ACF). E assim, em Israel nos dias vindouros, haverá a obra secreta do Espírito novamente na eleição de entre a nação.

 

Os Profetas, repetidas vezes, nos contam o fato de que eles, um povo reavivado, será trazido por meio de muito exercício da alma; a saber, que eles suportarão a indignação do Senhor porque pecaram contra Ele – lamentarão sua magreza e o fato de serem apenas como uvas vindimadas – esperarão pelo Deus de sua salvação – se lembrarão de Seus feitos anteriores – serão um povo aflito e pobre, abstendo-se da iniquidade e de falar mentiras, e fechando os olhos para não ver o mal – virão com choro e súplica – serão conduzidos ao deserto e lá ouvirão palavras de conforto – retornarão e buscarão a Deus e a Davi, seu rei – levarão consigo palavras – reconhecendo suas ofensas – falarão frequentemente um com o outro, etc. Tudo isso nos é mostrado, historicamente, sobre o Remanescente pelos Profetas, como os evangelistas nos mostram, historicamente ou como fatos, os caminhos de Jesus. E então, este livro de Salmos vem, e, por sua vez e lugar, sob o mesmo Espírito, e nos mostra o caminho oculto tanto de Jesus como desse Seu Israel eleito por meio destas circunstâncias assim registradas pelos Profetas e Evangelistas.

 

Da eleição do meio de Israel, ou do Remanescente de quem tanto falamos, Daniel, Esdras, Neemias e outros nos dão exemplos. A alma justa de cada um deles foi atraída para o exercício piedoso sobre o estado da nação e sobre os oráculos de Deus. Assim, Josias é exercitado em um dia em que o juízo sobre o povo não poderia ser evitado, mas a semente justa seria preservada (2 Cr 34).

 

E assim como as vozes de Ageu e Zacarias animaram o povo na obra da casa do Senhor, assim a atenção reavivada às palavras dos Profetas dará vivificação e direção a cada coração de um Remanescente semelhante, em breve, destinados, pela graça, a serem filhos ou cidadãos da Jerusalém terrenal (veja Esdras 5).

 

Mas o fruto proposto de toda essa disciplina de alma e de todas as outras disciplinas é apenas este – “de se haver tirado o seu pecado” (Is 27). Pois, quando toda essa purificação terminar, “a oferta de Judá e de Jerusalém será suave ao SENHOR, como nos dias antigos”. O vale de Acor será uma porta de esperança, como era antes (veja Josué 7, Oséias 2) – uma saída para a aflição e disciplina (certamente por meio daquele sangue de Jesus que é a única fonte para todo pecado, seja deles ou nosso - Zacarias 13:1), produzirá para eles alegria e honra. Seu deserto produzirá uma vinha ou um jardim de rosas. (Is 35, Os 2). Acã deve ser removido, e então a terra será tomada. Os rebeldes devem ser expurgados, e então o rebanho será salvo, novamente deitado como “sob a sombra do Líbano”, e Davi será seu pastor novamente.

 

Essas simples considerações podem nos preparar para ouvir a voz deste povo, o verdadeiro Israel de Deus neste livro. Eles serão, em seus dias, levados a encontrar nele o que se adequará à condição de cada um deles a partir das circunstâncias em que sua obediência a Deus os levará. Pois o Espírito de Cristo, em empatia com eles, escreveu esses Salmos para serem usados em seus dias. E disso, Atos 4:25-27 nos dá um exemplo muito simples, mas muito claro. Pois lá, as circunstâncias que os cercam formam a mente dos discípulos (sob o Espírito Santo, certamente), de tal forma que eles são imediatamente lançados na comunhão com o Salmo 2; e, sem esforço ou demora, eles obtêm a expressão adequada de seu coração por meio desse Salmo.

 

Esta é apenas uma amostra do que queremos dizer; e é uma garantia muito feliz para isso, ou seja, que os Salmos são preparados pelo Espírito de Cristo para o Seu Israel no dia de sua vivificação, que deve ser o dia de suas provações também. E podemos observar que o Salmo 78 foi, dessa forma, preparado para outras gerações distantes, como nos é dito logo no seu início. Assim, Moisés nos diz que seu cântico era para todas as gerações do povo, e seria usado para abençoar ao testemunhar contra eles, e levá-los a conhecer a abundante graça em Deus, e a misericórdia que triunfa sobre o juízo (Dt 32). Essas, portanto, são mais garantias para dizermos que as antigas palavras do Espírito de Deus na Escritura foram preparadas para o uso futuro de Seu povo, no dia do abrandamento do coração deles. E não é uma passagem como Isaías 53 claramente desse caráter? Todos nós agora a usamos plenamente como se nossa fosse; mas certamente, pelos próprios termos dela, devemos ver que Israel a usará, como se tivesse sido totalmente escrita por causa deles (veja 1 Coríntios 9:10), no dia de seu arrependimento.

 

Certos Salmos, então, não duvidamos, são escritos pelo Espírito de Cristo para o Seu povo no tempo de seu reavivamento. E isso vem da empatia de Cristo com Seu Israel eleito, cuja empatia podemos estar preparados para encontrar nos Salmos, pois ouvimos falar dela continuamente em outras passagens: “Em toda a angústia deles foi Ele angustiado” – “Se angustiou a Sua alma por causa da desgraça de Israel” – “aquele que tocar em vós toca na menina do Seu olho”. Aqui está a doutrina da empatia do Senhor por Israel. E ainda mais nas palavras do Senhor por meio de Natã a Davi: – “Por todas as partes por onde andei com todo o Israel, porventura, falei alguma palavra a algum dos juízes de Israel, a quem ordenei que apascentasse o Meu povo, dizendo: Por que Me não edificais uma casa de cedros?” Pois Ele não descansaria até que Seu povo descansasse, mas ainda iria, como Ele diz no versículo 5, “fui de tenda em tenda e de tabernáculo em tabernáculo”; como Ele havia andado com Davi “Por todas as partes por onde andei” (1 Cr 17). Uma bela passagem sobre a total empatia do Senhor por Seu Davi e Seu Israel. E Seus caminhos exibiram o mesmo. Pois quando eles estavam na fornalha egípcia, Ele estava numa sarça ardente; quando viajavam pelo deserto, Ele estava em um carro de nuvens; quando eles estavam sentados sob as muralhas hostis de Jericó, Ele estava como Capitão do exército deles. Como depois, Ele estava no campo com os juízes ou libertadores de Israel; como Débora encoraja Baraque: “Levanta-te... o Senhor não saiu diante de ti?” Aqui está a empatia. Aqui está o Senhor falando e agindo como Um com Israel. E da mesma maneira estava cuidando do rebanho com Davi, quando o leão e o urso o encontraram; e com ele no vale do Carvalho ou de Elá, quando o filisteu incircunciso saiu ao seu encontro.

 

Assim, os Salmos (na medida em que são essas declarações preparadas pelo Espírito de Cristo para o Seu povo) são apenas a expressão de tudo isso novamente. Eles são, por assim dizer, as vozes de Jeová-Jesus novamente da sarça ardente, ou do carro de nuvem, ou de debaixo dos muros de Jericó na noite anterior à batalha. Neles, podemos dizer, Jesus está novamente com Moisés e Davi, com Josué e com Gideão; novamente vivo para a aproximação da espada do perseguidor, e dizendo: “Saulo, Saulo, por que Me persegues?”. E estas são algumas das declarações que ouvimos neste livro maravilhoso e precioso. Pois as experiências da alma de Jesus, seja em Sua própria história pessoal, seja em Suas empatias com Seu povo, podem ter sido tão importantes para as antecipações do Espírito no Salmista, quanto os fatos e circunstâncias de Sua vida foram para as antecipações do mesmo Espírito nos Profetas.

 

Essas empatias são, verdadeiramente, profundas e fervorosas; e elas ajudam a nos dizer, como também toda a Escritura ajuda, que quando o Senhor retornar a Israel, Ele retornará com todo o fervor do “primeiro amor”. Pois não é simplesmente aqueles a quem Ele ama que Ele ama até o fim, mas da maneira como Ele os ama, Ele ama até o fim. O primeiro amor nunca esfria. “Nada muda a afeição de Deus”. Feliz verdade, seja para Israel, ou para a Igreja, ou para qualquer santo. Quando o Senhor visitou Israel nos dias do justo Josafá, houve uma amostra da restauração dos dias de Salomão – os gentios lhe trazem presentes, seus oficiais de estado o aguardam ao seu redor e o temor do Senhor cai sobre todo o mundo por causa de Josafá. Aqui estava novamente algo dos dias de glória de Salomão. E tudo isso mostra que a antiga glória ainda estava à espera. Ela havia apenas se retirado para dentro de um fino véu. E é assim agora; até que Israel aprenda a dizer: “Bendito o que vem em nome do Senhor”, e a glória que partiu retornará.

 

Ele mudou? O Senhor Se tornou um deserto para Israel ou uma terra de trevas? Ou Ele ainda Se lembra da bondade da juventude e do amor dos esposórios, quando todos os que devorariam Israel O ofenderam? Com certeza, Se lembra. E quando Ele voltar, no dia do arrependimento de Israel, será na plenitude do Seu “primeiro amor” por Israel, nesta afeição da sua juventude. O amor mantém seu primeiro fervor, bem como seu objeto, nas “afeições de Deus”. Portanto, Isaías diz sobre o retorno do Senhor a Sião, que será assim: “como o noivo se alegra com a noiva, assim Se alegrará contigo o teu Deus” (Is 62), assim como Oséias 2, Sofonias 3, e assim como toda a Escritura. E então, nosso apóstolo escreve: “quanto à eleição, amados por causa dos pais”, palavras que nos dizem que o amor do princípio, a primeira afeição, ainda é lembrado; que é o amor para com Abraão, Isaque e Jacó, que reunirá e deleitar-se-á com Israel, no dia do seu concerto. E o fim provará que o arrependimento está oculto dos Seus olhos; e que a maneira tão imutável quanto o objeto de Seu amor será lembrada até o fim.

 

Mas não continuaremos com esse assunto, mas notaremos outro, que essas breves meditações também sugeriram; – o iníquo, ou o orgulhoso apóstata do último dia.

 

Como dissemos antes sobre o Remanescente Judeu, agora podemos dizer desse, sobre quem os profetas falam repetidamente. E não é de se admirar! Pois esse iníquo aperfeiçoará a história da apostasia humana. E ele ocupa um lugar tão especial na realização dos propósitos divinos na Terra, que ele teve sua figura em toda a Escritura, do começo ao fim – Ninrode, Faraó, Amaleque, Balaque, Adoni-Zedeque e Abimeleque, Saul e Absalão, Nabucodonosor, Hamã e Herodes – estes, estendendo-se ao longo de toda a linha da história da Escritura, apresentam-no sob diferentes características de seu caráter e ações. E, finalmente, ele aparece sob o símbolo da besta, a quem o dragão dá seu poder, seu assento e grande autoridade, e que finalmente cai diante do resplendor da vinda do Senhor.

 

A inimizade deste rei voluntarioso, o orgulho infiel deste iníquo, encerrará o curso e o poder do mundo que se opôs a Jesus em Seus dias, e sempre esteve em rebeldia, em contradição com Deus.

 

E a partir disso podemos esperar encontrar (como temos) este grande apóstata do último dia muito notado nos Salmos. Pois, nas Escrituras proféticas, o Espírito de Deus está continuamente olhando para a grande crise – as solenes cenas finais do conflito entre a luz e as trevas, entre Cristo e o inimigo; e se assim for, o Remanescente Judeu e este apóstata e sua facção devem ser vistos também, pois cada um deles tem sua parte distinta nessa crise. Não esquecendo, no entanto, mas admitindo plenamente, que nós temos mais pessoal e imediatamente a ver com aqueles princípios e obras de iniquidade que estão levando a esta crise – “o mistério da iniquidade”, que, com mais ou com menos energia, tem estado em ação desde os dias dos apóstolos. E é mais importante para nossa alma conhecer os falsos princípios agora funcionando assim, do que ter grande conhecimento sobre o Anticristo ou o rei voluntarioso.

 

Mas, embora este seja nosso ponto de observação, e nossa sabedoria e dever de vigilância, ainda assim os Profetas e os Salmos têm a ver (profeticamente) com a crise. E uma direção errada será dada à alma de um crente, se, em seu caráter profético, os Salmos não forem assim aplicados. Assim como a orientação errônea que foi dada, em dias anteriores aos nossos, à mente de muitos filhos de Deus, ao ler as guerras dos Israelitas, como se fossem os tipos das ações apropriadas dos santos agora, e assim obter deles um mandado para pegar a espada e ir para a batalha como do lado do Senhor. Mas tudo isso era zelo sem direção correta. Pois não devemos agora chamar o Vingador para Se mostrar, como o Salmista faz, – para invocar o Senhor para arrancar Sua mão de Seu peito, ou levantar Seus calcanhares para as desolações perpétuas. Ao contrário disso, devemos estar dispostos a esperar por nossa herança, regozijando-nos porque a demora ou a longanimidade de Deus é a salvação para os outros (2 Pe 3).

 

Quando chegar o dia do Vingador, os santos cantarão (Ap 19). No presente momento, eles têm suas lágrimas sobre as corrupções ao seu redor, e tais lágrimas são fruto de uma mente piedosa. Mas, ainda que isso seja assim, essa tristeza deve ter sua medida. Choramos por uma criação contaminada, um Éden perdido, uma terra perdida de Canaã ou a atual ruína da Cristandade. Mas deve haver medida em tal luto. Jesus lamentou as cidades incrédulas, mas teve alívio nos conselhos do Pai (Mt 11). Paulo podia ficar triste com os professos apóstatas, mas tinha alívio na certeza dos fundamentos de Deus (2 Tm 2). Samuel, nos dias antigos, chorou pelo pecado de Saul e pela desonra do ungido do Senhor, mas suas lágrimas foram enxugadas pelo próprio Senhor (1 Sm 16). E nos Salmos, Jesus, em empatia pelas aflições dos justos, quando a iniquidade está enchendo sua medida, espera vingança e reivindicação, sabendo que há recurso em Deus para todo o mal que os homens possam fazer. Assim, como eles nos mostram, Ele deseja a libertação e prosperidade dos justos – a elevação dos humildes, o rebaixamento dos orgulhosos, a reivindicação do nome do Senhor e o estabelecimento de todas as coisas de acordo com o direito. Ele pode dizer, é verdade: “Ah! Se o Meu povo Me tivesse ouvido!” (Sl 81), como nos dias de Sua carne, Ele disse: “Jerusalém, Jerusalém”. Mas ainda assim, Seu Espírito nos Salmos é geralmente exercido nos justos e estabelecidos conselhos de Deus. Jeremias, no mesmo espírito, clama por juízo (Jr 17). Pois é resistência a Deus que Ele vê: como Paulo, em sua medida, quando fala em Gálatas 1:8 e em 2 Timóteo 4:14. E Ele vê muito disso, como eu disse, em empatia com o Remanescente sofredor dos últimos dias, quando a iniquidade encherá a sua medida. Como já foi dito, “Assim que o evangelho concluir seu curso, Cristo exigirá um julgamento justo contra o mundo. É Cristo clamando por justiça e pedindo isso (geralmente pelo Seu Espírito nos humildes e mansos da nação Judaica) contra o homem orgulhoso e violento. Não é Davi pedindo para governar seus inimigos, mas Cristo que exige julgamento, porque é chegado o tempo”.

 

Isso foi dito, creio eu, com muita justiça, sobre muito do que obtemos nos Salmos, e simplesmente explica os sopros e desejos ali, que não estão, e não deveriam estar, em harmonia com os movimentos atuais da mente renovada dos santos. Mas não vamos prosseguir com isso.

 

O livro dos Salmos nos dá, como podemos dizer, fragmentos da história da Redenção. Eles não são as partes ordenadas de uma narrativa, ou de um argumento, ou mesmo de um poema. Eles são apenas fragmentos e estão espalhados também aqui e ali. Ainda assim, no entanto, precisa ser descoberto algo de método, mesmo nessa dispersão. Não é uma desordem totalmente caótica. E o apóstolo, nomeando um Salmo como “o Salmo segundo”, testemunha que há alguma ordem no Livro conhecido pelo Espírito Santo. E assim, nessas breves meditações, encontramos alguns Salmos agrupados, enquanto outros estão separados. Mas deve haver um cuidado santo na alma para reunir esses fragmentos, juntá-los com uma mão cautelosa, e caminhar sobre o terreno onde eles estão com nossos pés descalços. Certamente devemos considerar isso como “terra santa”, já que Jesus está ali em Suas tristezas e em Suas alegrias. As cordas da harpa de Davi são as cordas do coração de Cristo; e quando elas são tocadas, devemos ficar quietos. Deve haver algo do profundo silêncio daqueles que ouvem música distante; pois as melodias daquele coração estão longe o suficiente deste mundo grosseiro e turbulento.

 

Deve ser assim com nossa alma em nossas meditações aqui. Que tristezas, provações, tentações, gemidos, orações, meditações, alegrias, cânticos, clamores e louvores, ouvimos neste Livro maravilhoso! É a sede das afeições – o coração, por assim dizer, de todo o Volume inspirado, como antes nos permitimos chamá-lo. E quantos exercícios de espírito foram despertados nos santos por meio deles! Como eles acalmaram e elevaram o coração do povo do Senhor, regularam os movimentos ali e, como o menestrel[3] do profeta, os capacitou a seguir seu curso tranquilo e feliz novamente! A presença do rei de Israel perturbou a mente de Eliseu, e antes que ele pudesse profetizar, ele precisava ouvir a harpa de um menestrel. E assim tem sido essa harpa de Davi, essa harpa de muitas cordas, para muitos santos de Deus quando outras ocasiões surgiram para entristecê-los. Esse tem sido o seu gracioso ministério sob o Espírito Santo, o Consolador dos santos, e ainda é a cada dia.

[3] N. do T.: Menestrel era um artista da corte ou um ambulante que, a serviço de senhores, na Idade Média, recitava e cantava poemas em versos, frequentemente com acompanhamento instrumental.

 

Mas, como essas meditações nos mostram, as paixões da alma, proferidas neste Livro, não são meras descrições, mas o poder sentido de circunstâncias reais. Elas são experiências em cenas reais da vida, para que aprendamos sobre os eventos por meio das expressões. O principal é a paixão da alma, mas o evento ou circunstância que a produziu é revelado por meio dela. Desse modo, um Salmo é como um cântico. Em uma música, a melodia é o principal, o assunto é apenas secundário, embora possa ter dado ocasião a isso. Portanto, a paixão da alma é o principal em um Salmo, embora o evento transmitido por meio dele a tenha ocasionado. As Lamentações de Jeremias e os Cantares de Salomão são deste tipo – no primeiro, as tristezas profundas do Espírito em Jeremias, ou no Remanescente justo em Israel, ou do próprio Cristo; o segundo, os gozosos movimentos daquela alma que aprendeu a se deleitar no Amado e anseia por mais de Sua presença. E o evento que está sendo sugerido por meio dessas expressões nos dá o ministério histórico ou profético deste Livro.

 

Este Livro, portanto, presta um duplo serviço para nós. Como devocional, acalma, regula e anima nossa alma, e é o companheiro bem-vindo de todas as nossas provações de coração: como profético, nos ensina os conselhos e obras do Senhor, e muito do que tem sido ou será o Seu caminho.

 

Apêndice 3: O Efeito Moral dos Salmos na Nossa Vida

 

Essas breves meditações são um esforço para extrair dos Salmos tanto as experiências da alma como os eventos de onde elas surgiram. Mas são apenas esboços ou linhas gerais. E assim preferiríamos tê-los; pois não devemos pensar pelos outros. Nossa comunhão como santos não é a do cego guiando o cego, nem é a do que vê guiando o cego, mas é a de filhos da luz caminhando juntos sob a graça comum do único bendito Senhor e Autor da luz; e a mente de um irmão deve dar ocasião a outros para se exercitarem a si mesmos na verdade, na dependência do Espírito Santo que habita neles; reconhecendo, além disso, o dom ou a graça de alguns para ensinar ou exortar; como está escrito: “o que ensina esmere-se no fazê-lo; ou o que exorta faça-o com dedicação” (ARA).

 

Mas alguns são impelidos a obter conhecimento. Eles estão sempre educando a mente. Seu modo exige um esforço contínuo e atua como uma pressão constante. Mas o apóstolo tinha outro método. Ele desejava que o mestre agisse o mínimo possível como mestre. Embora pudesse chamar a si mesmo de “mestre dos gentios” (1 Tm 2 – ARA), ele falava mais como um amoroso companheiro ou irmão. “Porque desejo ver-vos, para vos comunicar algum dom espiritual, a fim de que sejais confortados, isto é, para que juntamente convosco eu seja consolado pela fé mútua, tanto vossa como minha” (Rm 1:11-12). “Falo como a filhos”, também foi sua palavra.

 

E esse estilo do apóstolo era apenas uma expressão distante daquele do próprio Grande Mestre. Como Paulo indica quando diz (2 Co 10): “vos rogo, pela mansidão e benignidade de Cristo”. Pois isso nos permite conhecer o estilo do Senhor, por assim dizer, como um Mestre. E é abençoado saber que esse era o estilo do Filho de Deus no nosso meio. Ele queria revestir o coração de Seus discípulos com uma percepção de proximidade com Ele. Ele não tratou com eles como um patrono ou benfeitor, como o homem trata o homem (Lc 22:25). O homem estará pronto o suficiente para conceder benefícios se puder ocupar o lugar de reconhecida superioridade. Mas o Senhor Jesus traz aquele que é Seu dependente para perto d’Ele. Ele assentou-Se ao poço ao lado da pecadora cujo espírito Ele procurava preencher. Esse favorecimento foi feito à maneira dos homens? Essa era a condescendência de um benfeitor?

 

Creio que é algo celestial o apreender essa mente ou estilo em Cristo. Mas temos que ser admoestados, bem como confortados. Se temos esse modo no Grande Mestre para observar, temos o nosso próprio modo, como Seus discípulos, para considerar e ordenar.

 

Tem sido dito, e é muito importante para a consideração de nossa alma, que “devemos tomar cuidado como lidamos com a verdade que não é sentida[4]”.

[4] N. do T.: A expressão inglesa “unfelt truth”, que traduzimos como “a verdade que não é sentida” é a verdade que conhecemos, porém que não sentimos, ou acreditamos, e que, por consequência, não tem qualquer impacto em nossa conduta, caráter ou vida espiritual. C. M. Machintosh escreveu: “Deus nos deu a Sua Palavra para formar nosso caráter, governar a nossa conduta e moldar o nosso curso. Se a Palavra não tem uma influência formativa sobre nós, é loucura pensar em acumular uma quantidade de conhecimento bíblico.”

“Ocupar-se com verdades não sentidas traz consigo uma indiferença de coração, leviandade de espírito e insensibilidade de consciência. A mera profissão da verdade – verdade que não atua na consciência – é um dos perigos especiais da atualidade. É melhor saber pouco com realidade e poder do que professar uma grande quantidade de verdade que permanece impotente na região do entendimento.” Studing Scripture - Christian Shepherd 2001.

 

Um tempo de paz é um tempo em que a mente pode vir a fazer concessões a si mesma e manejar o conhecimento de forma despreocupada ou especulativa. Mas o conhecimento não é divinamente alcançado, a verdade não é espiritualmente aprendida, se a mente tiver esse conhecimento como uma especulação, ou como proposições, que o intelecto digere e com os quais se ocupa.

 

Há o perigo, hoje em dia, de tornar a Bíblia “fácil”. O caráter claro e completo da revelação em nossa dispensação é um de suas grandes distinções. Isso é verdade, e uma verdade muito abençoada. “Bem-aventurados os vossos olhos, porque veem”, disse o Senhor. Mas ainda assim a facilidade com que o conhecimento divino agora pode ser alcançado tem sua armadilha e seu perigo. Podemos ficar satisfeitos com a conquista em si, sem sermos despertados, como deveríamos, a andar naquelas afeições mais ricas e naquele poder moral mais profundo, que é o único consistente com nossa medida ampliada de luz e entendimento.

 

A Igreja em Corinto era abundante em conhecimento (1 Co 1:5), mas seu andar era tão não-espiritual que o apóstolo não os trataria como se tivessem conhecimento (1 Co 3:1). E isso nos mostra como o Senhor abomina o ocupar-se com verdades não sentidas. No céu pode haver ignorância ou falta de conhecimento, mas não a possessão de uma verdade não sentida. Os anjos são criaturas celestiais, mas confessam sua ignorância por seu desejo de saber (1 Pe 1:12). Eles ignoram certas verdades, mas não são desinteressados a respeito elas. Portanto, homens justos e profetas foram ignorantes, mas não desinteressados (Mt 13:17; Lc 10: 24; 1 Pe 1:10). E, na pessoa do patriarca Abraão, vemos como alguns da antiguidade, em dispensações de menos luz e conhecimento comunicado, tinham afeições tão corretas que o Espírito os levou além da medida da estatura de sua época.

 

Falando de Abraão, o Senhor diz: “Abraão, vosso pai,  exultou por ver o Meu dia, e viu-o, e alegrou-se” (Jo 8:56). Sua “alegria” era a condição inicial ou prévia de sua alma. Diz-nos que ele se interessou pelos anúncios que lhe foram dados a respeito de Cristo. Eles eram comparativamente poucos e fracos; mas cativaram sua alma. Os vislumbres foram poderosos. E o Senhor honrou tal afeição e deu ao Seu servo uma visão mais completa. “Abraão, vosso pai, exultou por ver o Meu dia, e viu-o”. E então, como lemos mais adiante, “e alegrou-se”. Ele usou corretamente o conhecimento que obteve, pois o havia buscado corretamente. Suas afeições estavam envolvidas na busca desse conhecimento e não se esfriaram ou amorteceram quando o encontrou.

 

Aqui estava o conhecimento buscado e usado na devida ordem. Oh, como o coração pode dizer, oh, que haja mais disso dentro de nós e entre nós!

 

Um pouco de conhecimento, com exercício pessoal de espírito a respeito dele, é melhor do que muito conhecimento sem o exercício pessoal. Como diz o provérbio: “Abundância de mantimento há na lavoura do pobre”. Pois os pobres aproveitam ao máximo o seu pouco. Eles usam a pá, a enxada e o enxadão; eles capinam, aparam e cuidam de sua pequena horta de vegetais. E sua diligência tira muito proveito dela. E devemos ser esses “pobres”, sempre usando a divina Escritura, como eles conduzem sua lavoura, e aproveitar ao máximo o nosso pouco. Pode ser que nos alimentemos apenas de leite, mas se usarmos nossa diligência para deixar de lado a malícia, as hipocrisias, as invejas e coisas do gênero, estaremos realmente nos alimentando e crescendo (1 Pe 2). E, por causa disso, muitas vezes encontramos muito mais aroma de Cristo, naqueles que têm menos conhecimento, pois deles é essa “lavoura dos pobres” (Pv 13:23).

 

“Porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos”. Temos motivos para dizer uns aos outros: “Falo como a sábios, julgai o que digo”. E especialmente, em um pequeno trabalho como este, tendo em vista o coração do Senhor Jesus e de Seus santos, haverá necessariamente muito que só pode ser alcançado pelo sentimento. Quem não experimentou, algumas vezes, ao meditar nos caminhos do Senhor, emoções vívidas retratadas em um Salmo; enquanto, em outras ocasiões, procuramos em vão os mesmos traços e, talvez, nos perguntamos, como eles já foram tão brilhantes diante de nós? Pode ser que a alma de alguém que tem o hábito de meditar muito no Senhor, relacionaria um versículo dos evangelhos a um Salmo inteiro; e ao praticar um determinado ato, ou ao sofrer uma certa indelicadeza, encontraria uma expressão para seu coração a Deus em uma determinada porção deste Livro. E outro, de acordo com a medida de sua apreensão espiritual, se referiria a outra porção de uma conotação diferente. Isso não poderia acontecer com qualquer outra parte da Escritura. Pois este Livro não é de doutrina, mas das experiências da alma.

 

Que nada nestas meditações seja permitido impedir qualquer dos valores desse Livro! Pois elas visam apenas ser a companheira das meditações dos santos, se porventura, por meio do Espírito, puderem ajudar no seu gozo e luz no Senhor.

 

O presente é um momento em que muitos estão correndo de um lado para o outro para aumentar o conhecimento de todos os tipos. E isso deve ser uma advertência para nossa alma; pois o santo sempre tem que vigiar contra o espírito dos tempos. E nestes tempos atuais de luz e conhecimento (embora possa ser conhecimento de Deus), ainda assim devemos lembrar que não é apenas o alimento, mas a digestão, que nutre. O animal limpo, sob a lei, ruminava. E o Espírito de Deus, pela sabedoria de Salomão, disse: “Achaste mel? Come o que te basta; para que, porventura, não te fartes dele e o venhas a vomitar” (Pv 25:16).

 

E nosso próprio Senhor, posso acrescentar, nos instrui a saber como devemos cultivar o conhecimento divino ou o conhecimento da Escritura. Pois, ao responder perguntas, Ele nunca parece estar satisfazendo curiosidades, mas Ele aborda as indagações, como alguém que tinha o olhar voltado para a alma do inquiridor, e não apenas o Seu ouvido aberto à sua pergunta. Suas palavras: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora”, mostram-nos que Seu propósito não era transmitir informações, como falamos, mas orientar a consciência e alimentar a mente renovada de acordo com sua crescente capacidade. E isso é divino. Todos os outros questionamentos e coleta de conhecimento serão apenas a atividade vã do mero intelecto humano ou “ateniense” (At 17:21).

 

Mas acima de tudo, amados, gostaríamos de lembrar que, com nosso conhecimento, precisamos buscar e cultivar aquela fé que se apropria do que conhecemos, que faz com que esse conhecimento se torne nosso e nos dá alegria pessoal e interesse por ele. Esse é o ponto de maior bênção para nós. “mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram”. Porque é fé que assim se apropria de Deus – que torna o Bendito e Sua plenitude nossos, o nosso Lar. E isso é algo de grande valor para nós. Deus é um Lar para nós – Ele é nosso. Nos é dito que habitamos n’Ele. Um lar se torna o próprio símbolo do devido estado de nossa alma ao pensar em Deus. E somente a fé nos dá isso que é de maior valor para nós. Pois quem não sente o encanto de um lar? Como dizemos: “Lar é lar, por mais simples que seja”. Instintivamente nos apropriamos de tudo o que existe nele. A mobília pode ser de má qualidade, mas é nossa. Esse é o pensamento que o coração preza. Tudo o que vemos nos lembra dos nossos direitos, das nossas conexões, dos nossos deleites. E assim “lar é lar”. E assim é com o nosso Deus. A fé faz d’Ele um Lar para o coração. O conhecimento mobília a casa, mas a fé vê tudo, seja mais ou menos, como o nosso próprio lar.

 

Oh, pelo aumento da fé! Um escriba pode ser muito instruído; ele pode olhar para a casa da glória e falar de seu custo, falar dos troféus de Davi e das cortinas de Salomão, que pendem ali; mas o tempo todo ele pode ser apenas um visitante. Ele pode passar por toda essa grandeza, sem a fé que se apropria, sem que sua alma carregue a sensação de que ele está em casa nesse rico lugar. Enquanto outro pode ter menos capacidade de desdobrar essas cortinas e decifrar esses troféus, ou de pesar o ouro e a prata da casa, mas, ainda assim, pode possuir aquela fé preciosa que se apropria abençoadamente de tudo o que vê, seja muito ou pouco, e assim o torna não um visitante, mas um filho em casa, na casa de Deus.

 

E oportuna, mais do que oportuna, nos dias de hoje, é a voz de alguém dita em outros dias: “Queres saber se os assuntos contidos na Palavra de Cristo são coisas reais? Então nunca as leia apenas por conhecimento. Procure por alguns raios da glória e do poder de Cristo em cada versículo. Não considere nada como conhecimento, a não ser que isso esteja temperado com alguma revelação da gloriosa presença de Cristo e de Seu Espírito vivificador. Não discurse sobre verdades espirituais por mera conversa, mas tenha em mente o promover a edificação. E não use os deveres por mero costume ou serviço, mas para uma comunhão mais íntima com Deus.” – Henry Dorney’s Contemplations.

 

Essa é a graça que podemos bem almejar: “Senhor: Aumenta-nos a fé” (ARA).

 

Que possamos ser como o barro na mão do divino Oleiro! Que não estejamos à disposição do homem para sermos o que seus pensamentos, sua sabedoria ou sua religião nos tornariam; mas na mão do Senhor, ali permanecendo, para ser moldado por Sua verdade e Espírito, segundo Sua mente, e mantido até o fim na “simplicidade que há em Cristo”; e então, a tempo, ser removido da casa do Oleiro, para ser colocado como vasos de Seu louvor no santuário de Sua glória para todo o sempre. Sim, Senhor Jesus!


Louvai ao SENHOR!

Louvai a Deus no seu santuário;

Louvai-o no firmamento do seu poder.

Louvai-o pelos seus atos poderosos;

Louvai-o conforme a excelência da sua grandeza.

Louvai-o com o som de trombeta;

Louvai-o com o saltério e a harpa.

Louvai-o com o adufe e a flauta;

Louvai-o com instrumento de cordas e com flautas.

Louvai-o com os címbalos sonoros;

Louvai-o com címbalos altissonantes.

Tudo quanto tem fôlego louve ao SENHOR.

Louvai ao SENHOR!

 

“Àquele que nos ama, e em Seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus e Seu Pai, a Ele, glória e poder para todo o sempre. Amém”.


J. G. Bellett

 

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