Lã e Linho - Parte 2/3
- J. G. Bellett (1795-1864)

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Lã e Linho
Parte 2/3
J. G. Bellett
“Não vestirás uma vestimenta de material misto, lã e linho juntamente” - Deuteronômio 22:11 – JND.
Os dias de Acabe, rei de Israel, rei das dez tribos, citando como exemplo, foram repletos de exemplos dessas misturas. Naqueles dias houve um Elias e um Micaías, um Josafá e um Obadias, além de sete mil que não se curvaram diante da imagem de Baal; e todos esses em meio ao mais vil afastamento dos caminhos de Deus, nos tempos de Jezabel e suas abominações.
Porém, todos esses exemplos não devem ser considerados da mesma forma. Para usar a linguagem de "lã e linho", ou vestes “de diversos estofos", eu diria, não havia como confundir as roupas de Elias e Micaías. O cinto de couro de um e as amarras de prisão do outro nos dizem que homens eles eram e indicam sua completa separação.
Não podemos falar especificamente dos sete mil; sabemos deles apenas sob a perspectiva de Deus como “um remanescente, segundo a eleição da graça”, e que, em um dia mau, eram “todos os joelhos que não se dobraram a Baal”. Mas Obadias não era Elias, e, novamente, ainda precisamos fazer a distinção entre ele e Josafá; tal era a variedade moral ilustrada para nossa admoestação nestes dias.
Josafá, rei de Judá, da casa e linhagem de Davi, era um homem separado, mas que, por vezes, e em grande medida, se encontrava em relações contaminadas. Ele pertencia à geração de Jacó, embora talvez essa geração fosse ainda mais falha do que a de Jacó. A vaidade o traiu repetidamente, assim como a política mundana traiu o patriarca. Josafá se aliou a Acabe. No dia da batalha, vestiu as roupas reais; uma vestimenta triste e vergonhosa, de "diversos estofos", que quase lhe custou a vida, assim como a mesma roupa quase custou a vida de Ló na cidade de Sodoma. Ali, ele agiu em terrível inconsistência com a santidade e a separação da casa de Davi. Mas, apesar de tudo isso, não estou disposto a colocar Josafá na mesma categoria que Ló. Sua vida não foi pautada por princípios mistos; Sua vestimenta não era feita, com a intenção de haver "lã e linho" juntos, o que, de maneira lamentável e vergonhosa, contradiz o testemunho que convinha a um filho de Davi e rei em Jerusalém. Ele realizou feitos muito nobres, e seu espírito respirava afetos muito profundos, e o Deus de seu pai o reconheceu; mas, como Jacó, e de forma ainda mais dolorosa, ele foi traído; foi traído em ligações que tornaram seu testemunho algo muito confuso e imperfeito. Não era apenas a natureza prevalecendo em certos momentos – isso pode ser visto em todos, naqueles da melhor geração, em Abraão e em Davi. Isso não era apenas uma vestimenta suja cuja mancha é palpável, mas uma vestimenta cuja textura é mal se dicerne, se de fato era de um tipo específico, ou uma vestimenta condenada de "lã e linho": tão vergonhosamente os "diversos estofos" aparecem nela em alguns momentos, mas não em toda a sua extensão.
Mas a vestimenta que Obadias usava naqueles dias não pode ser confundida. Não é preciso um exame minucioso para perceber o que é. Os "diversos estofos" de lã e linho podem ser vistos nela da cabeça aos pés. Sua vida era assim. Não se tratava apenas de ele ter sido traído em alguns momentos, nem de seu caminho ter sido manchado às vezes, mas toda a sua vida revela um homem de princípios mistos. Ele era um homem piedoso, mas seus caminhos não estavam de acordo com a energia do Espírito naquela época. Ele se importava com as aflições dos profetas, escondendo-os da perseguição em cavernas e alimentando-os ali; mas, ao mesmo tempo, ele era conselheiro, companheiro e ministro do rei Acabe, em cujo reino a iniquidade era praticada. O "linho e a lã" formavam, portanto, a vestimenta que ele usava por toda a sua vida. Não era o cinto de couro de Elias; e, quando as duas se encontram, essa diferença se preserva e se expressa de forma mais marcante. Obadias se esforça para apaziguar a mente de Elias. Ele o lembra do que fez pelos profetas de Deus perseguidos no dia de sua angústia e lhe diz que temia ao Senhor; mas Elias se aproxima dele lenta e friamente. Doloroso é tudo isso entre dois santos de Deus; mas está longe de ser algo raro de ser experimentado; eu diria que é algo comum; porém, muito mais comumente sentido do que reconhecido (1 Reis 18)
Não poderia ter havido harmonia entre o espírito de Abraão e de Ló depois que Ló seguiu o caminho de seus olhos e de seu coração, e continuou nessa direção – tornando-se um cidadão de Sodoma. É verdade que isso não nos é dito na história; mas descobrimos, como observei antes, que eles nunca mais se encontraram depois disso, e podemos facilmente entender o porquê. Porque essas coisas ainda são reais e vivas. Os Abraãos e os Lós de hoje não se encontram; ou, se se encontram, não é comunhão. Eles não desfrutam do refrigério nas entranhas de Cristo. Abraão resgatou Ló das mãos do rei Quedorlaomer, mas esse não foi um encontro de santos; eles não poderiam se fundir. E se o povo de Deus não consegue se unir em caráter, é melhor que esteja separado. Em espírito, eles já estão separados.
Assim aconteceu, numa expressão muito mais vívida, com Elias e Obadias. O homem com o cinto de couro – o estrangeiro de Deus na terra nos dias de Acabe – raramente se encontrava na companhia do mordomo da casa de Acabe. Mas eles se encontram num dia mau, um dia que pode nos lembrar o dia do vale dos poços de betume, o dia do cativeiro de Ló. Acabe, seu senhor, havia dividido a terra com Obadias para buscar água no dia da seca. O Senhor, seu Deus, havia colocado a espada de seu servo Elias sobre a terra para que não houvesse chuva nem orvalho; e, numa hora de perplexidade para Obadias e da missão de Elias sob a autoridade de Deus, eles se encontram.
A ocasião é interessante e significativa, e traz lições para nossa alma.
Há um esforço da parte de Obadias e uma reserva por parte de Elias. Isso é natural e necessário. Obadias busca se unir a Elias, mas Elias resiste a esse esforço. Obadias chama Elias de “meu senhor”, mas Elias o lembra de que Acabe é o seu senhor. Ora, isso não funcionará. Não devemos servir ao mundo e seguir em frente em seu curso às ocultas uns dos outros, para depois, quando nos reunimos, presumir que nos encontramos como santos. Isso não funcionará; mas a tentativa de fazer assim é muito natural, aliás, é muito comum nos dias de hoje. Mas Elias agiu de acordo com seu caráter, fiel ao seu irmão agora como havia sido ao seu Senhor antes; e isso é belo e precioso, e deveria ser assim sempre que encontrássemos um irmão. Obadias havia caminhado com o mundo na ausência de Elias, e Elias não podia permitir que Obadias agora presumisse que era um com ele, embora estivesse em sua presença. Obadias roga: “Em que pequei?”, diz ele, “para que…”, etc. Mas por que isso? Elias não o havia acusado de pecado. Por que esse alarme e perturbação de espírito? Elias não estava colocando a vida de Obadias, sua segurança ou qualquer um de seus interesses em risco; ele não estava perturbando nada que lhe pertencesse. Por que esse alarme e o refúgio no pensamento, ou a justificativa no fato de que não havia pecado? Esse é um estado de alma pobre e baixo quando um santo tem apenas a consciência disto – de que não pecou. É isso suficiente para desfrutar da comunhão ou entender a mente de um Elias? Acaso Obadias não estava no palácio de Acabe quando Elias estava junto ao ribeiro de Querite? Essa é a questão, e não se ele havia estado pecando ou não. Acaso Obadias estava com ele junto à panela de farinha ou a botija de azeite? Elias não lhe disse que havia pecado; Obadias não precisava se proteger ou se recomendar dessa forma. Mas Elias não podia deixar de lhe mostrar que o espírito deles não estava em sintonia, pois eles haviam se encontrado vindos de lugares diferentes. “Porventura não disseram a meu senhor o que fiz, quando Jezabel matava os profetas do SENHOR?” Mas o que isso tinha a ver com o ponto em questão? Elias não estava relembrando sua história passada: seria melhor deixar a maior parte dela não contada. E é algo lamentável para um santo de Deus negociar dessa maneira com seu caráter ou com seus caminhos passados. Isso não é um título, um título suficiente, para a presente comunhão dos santos, nem capacidade para ela.
E estes são os pensamentos, refúgios e alegações de Obadias, agora que ele está na presença de uma testemunha fiel de Cristo. Ele não havia pecado e, no passado, havia prestado serviço. Que visão limitada da vocação comum do povo de Deus deve ter a alma que pensa que possa manter-se assim, e que os santos possam continuar juntos sobre um título e capacidade como este! Pois, se servimos ao mundo enquanto estivermos às ocultas uns dos outros, ainda que não tenhamos pecado, como dizem, e ainda que tenhamos tido bom caráter e prestado serviços em dias passados, não estaremos aptos para a presença uns dos outros como santos de Deus.
Temos nós estado no céu ou na corte de Acabe? Temos feito provisão para a carne ou desejado as coisas de Cristo? Há outras coisas além de alegar que “não pecamos” ou de nos apoiar sobre um caráter estabelecido e em serviços passados. É apenas estando no céu que nos torna aptos para a verdadeira comunhão dos santos. Obadias era o mordomo da casa de Acabe; como poderia alguém como Elias se sentir confortável ou à vontade com ele? Ele sentia reservas e expressava isso em seu comportamento, se não em palavras. Obadias era o homem das palavras nessa ocasião – o que também era natural e é o estilo comum em tais ocasiões ou em tais interações entre os “Elias” e os “Obadias” até os dias de hoje. Pois, de fato, não há comunhão quando há esforço de um lado e reserva do outro.
Certamente, essa não é a comunhão dos santos. Mas tudo isso tem sua voz e é algo bastante comum em nossos dias. Eles não estavam em comunhão um com o outro: esse era o fato. O espírito deles não podia se misturar. A vestimenta de diversos estofos, de lã e de linho, que um santo de Deus inevitavelmente teria de usar na corte de Acabe contrastava fortemente com o cinto de couro de uma testemunha separada e sofredora de Cristo. Vemos este santo de Deus assim, com suas vestes parcialmente coloridas, apenas uma vez; mas esta voz está repleta de significado santo e solene para nós. A pobre viúva de Sarepta, a quem Elias havia deixado recentemente, desfrutava de toda a compaixão de Elias; e aquela humilde e distante casa, com a sua panela de farinha e sua botija de azeite, havia testemunhado uma comunhão viva entre almas semelhantes e havia apresentado uma cena que tinha sua origem e sua recompensa em Deus. Mas Elias e Obadias não estavam em comunhão um com o outro dessa forma. Elias era fiel demais para permitir que Obadias se aproximasse dele em espírito, ou para corresponder ao esforço que ele fazia para conciliá-lo.
Há caráter em tudo isso, tenho plena certeza. Abraão e Ló nunca se encontraram, como já dissemos, depois que se separaram, quando Ló levantou os olhos para as planícies bem regadas de Sodoma. Havia uma distância moral mais do que suficiente para mantê-los apartados, embora uma jornada de sábado pudesse tê-los reunido. Esta é uma evidência muito significativa! E o mesmo se aplica a Elias e Obadias: o encontro deles não foi um encontro. Da mesma forma, o resgate de Ló por Abraão das mãos de Quedorlaomer não poderia ser chamado de encontro. Isso não era "a comunhão dos santos". Isso não era recrear as entranhas no Senhor. Mas tudo isso repete para o coração uma história já bastante conhecida.
Ebede-Meleque, nos dias de outro Elias, era um homem dessa geração de Obadias, embora não tão marcado quanto seu irmão mais velho. Assim como Obadias, ele amava o profeta de Deus e, mesmo diante de uma corte injuriosa e insultuosa, e impedido pela política tímida do rei, intercedeu por Jeremias e o serviu com graça e serviço pessoal. Mas ele não era uma testemunha como o profeta era. Ele temia os caldeus (Jeremias 39:17), que era a espada da ira do Senhor, e essa não era a condição da testemunha do Senhor. Mas sua fraqueza não foi desprezada na rica graça de Deus. Sua medida recebeu novamente sua medida, e no dia do julgamento do Senhor, Ebede-Meleque recebeu sua vida como despojo, enquanto Jeremias foi honrado. Ebede-Meleque foi salvo então, mas isso foi tudo; o profeta foi recompensado.
Assim, vimos uma geração em outros dias que, embora fosse povo do Senhor, se mostrava tristemente distante do lugar para o qual o chamado de Deus os teria conduzido. Assim foi Ló, assim foi Jônatas, e tais foram Obadias e Ebede-Meleque. Neles havia em maior ou menor grau, duplicidade de ânimo, ou amor ao mundo com maior ou menor força na alma de cada um deles. Mas tal geração é abundante até os dias de hoje. Santos são vistos em situações e conexões das quais o chamado de Deus os separaria tão certamente quanto teria mantido Ló fora de Sodoma. Mas isso pode ser acrescentado com igual certeza em uma infinidade de casos: essa conexão impura surge da ignorância ou da falta de corações instruídos no reino de Deus. Eles não têm ouvido a voz dos mistérios do reino, mas têm consultado a carne e o sangue. Não ouviram a voz do Bom Pastor chamando-os para fora. Eles não entenderam a Igreja como uma estrangeira celestial na Terra, e essa conexão – a conexão religiosa – com o mundo é como Ló em Sodoma, ou um israelita com uma vestimenta de “diversos estofos de lã e linho juntamente”.
O mundo está marcado para o juízo com ainda mais certeza do que Sodoma estava; dez justos teriam poupado as cidades da planície, mas nada pode cancelar o juízo deste "presente século (mundo) mau”.
Permitam-me acrescentar, porém, que a distinção entre Ló e Jônatas pode ser vista em muitas pessoas hoje em dia. Ló não tinha nada que justificasse a existência de Sodoma para ele: tudo o que ele sabia ser de Deus estava fora dela; e nem mesmo a natureza tinha argumentos em favor de Sodoma. Abraão e Sara estavam fora, testemunhas do chamado e da presença de Deus, e seus parentes na carne. Tudo o que era santo, fosse na religião ou na natureza, estava fora; e as providências intercediam por ele com o mesmo propósito, pois as planícies de Sodoma já o haviam colocado em risco de vida e liberdade, e elas o haviam advertido para temer aquela cidade. Era o mundo, e nada além disso, que se fazia ouvir no coração de Ló em favor de Sodoma. Mas, no caso de Jônatas, a natureza tinha um argumento. Tudo o que era de Deus, é verdade, estava naquele dia fora da corte e do arraial de Saul; mas os laços familiares, a voz da natureza, aliás, a autoridade da natureza eram conhecidas e sentidas de dentro. O pai e a família estavam lá, embora Davi e Deus não estivessem.
E assim é hoje em dia. Há muitas coisas que clamam de dentro. A natureza, as questões morais e religiosas clamam dali; oportunidades de serviço e testemunho, obediência à autoridade, manutenção da ordem, os perigos e males que ameaçam o bem-estar social, a paz das famílias e o exemplo para crianças e empregados – todas essas coisas são apresentadas como razões, e todas procedem de dentro, apresentando diversas reivindicações em favor do curso do mundo.
Mas todas essas coisas, e quaisquer outras semelhantes, somadas, jamais poderão falar ao santo, nem pleitear com ele com a autoridade do chamado de Deus. Se a Igreja é uma estrangeira celestial na Terra, a aliança com o mundo a contamina, aliás, a arruína como testemunha para Deus; e contaminar dessa maneira, seduzir e desviar do lugar de testemunho, é o propósito do inimigo, e tem sido assim desde o princípio. Não foi a serpente no jardim que seduziu Adão, afastando-o do lugar onde o Senhor Deus o havia colocado? Aliás, antes mesmo disso, não nos é dito sobre os anjos que pecaram, que não guardaram o seu estado original?
Assim, depois, com Israel, “vós sois as Minhas testemunhas”, diz o Senhor a respeito deles; mas o inimigo prevaleceu até que o testemunho se perdeu. “A Minha casa será chamada casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões”. Aqui estavam tentativas bem-sucedidas do inimigo de arrancar do lugar onde Deus havia estabelecido o Seu testemunho. Não se tratava meramente de um solo, uma mancha ou uma ruptura, mas de uma revolta, um afastamento, uma rendição ao inimigo do grande propósito ou pensamento de Deus.
O efeito contrário, precisamente na tentativa idêntica, como já foi observado por alguém, se vê em Jesus. "Se Tu és o Filho de Deus", disse o tentador. Seu propósito era levá-Lo a abandonar Seu lugar, Seu lugar de perfeita e completa submissão, que conhece somente a vontade de Deus. Mas tudo era perfeição e vitória em Jesus, e somente em Jesus, tanto antes quanto depois d’Ele; pois o testemunho desta dispensação foi corrompido tanto quanto os outros. Aquela que deveria ser uma estrangeira celestial na Terra, a companheira do Cristo rejeitado, aliou-se infielmente ao mundo que O rejeita; e que ruína pode ser mais completa do que esta?
O “homem de Deus”, que foi enganado pelo velho profeta, teria encontrado segurança nos princípios divinos se sua alma estivesse atenta a eles. A palavra recebida, certamente, o teria protegido, pois proibia expressamente que comesse e bebesse naquele lugar. Mas os princípios divinos também lhe teriam servido de refúgio. A palavra que ele havia recebido, ao partir em sua jornada, estava fundada nesses princípios, como podemos facilmente perceber. Pois como, pergunto, poderia o Senhor usar um vaso impuro? O velho profeta havia sido claramente descartado como não idôneo para uso do Mestre. Ele habitava na própria cidade onde o Senhor tinha um assunto a tratar, mas foi deixado de lado. O Senhor havia descido a Judá para obter dali uma testemunha contra o altar de Betel, embora um de Seus santos vivesse exatamente naquele local. Como poderia o “homem de Deus” pensar que o Senhor poderia usar o profeta de Betel como Seu vaso? Ele já o havia deixado de lado. Ele já o havia tratado, dessa maneira, como impróprio para Seu uso, segundo os princípios da Sua própria casa, de que um vaso não purificado não serve para o serviço (2 Timóteo 2). Como pôde o homem de Judá ser descuidado com tudo isso? A palavra que ele havia recebido era suficiente para lhe dizer como esse princípio da honra de Deus estava, naquele momento, por assim dizer, vivo nos pensamentos de Deus, pois ele fora proibido de comer ou beber naquele lugar imundo, e também de retornar pelo caminho por onde viera: tão específico era o mandamento em mantê-lo afastado de toda comunhão com aquilo contra o qual Ele o estava empregando para testemunhar. E, no entanto, “o homem de Deus” é enganado a receber uma mensagem como se viesse do Senhor pelas mãos de alguém que estava em contato e comunhão com a coisa imunda, contra a qual ele havia sido trazido de tão longe, de Judá, para testemunhar! Estranho esquecimento! Triste e vergonhosa negligência para com os princípios da casa de Deus. Santo como era, e servo como era, fiel também, diante das ofertas de um rei – seu cadáver não irá para o sepulcro de seus pais (1 Reis 13).
Quando os olhos são simples, todo o corpo será luminoso. Há consistência e harmonia na ação, quando o princípio que a move se mantém puro e sem misturas. A ação de Micaías em 2 Crônicas 18 foi dessa natureza, mas o corpo de Josafá estava longe de ser “luminoso” (TB). Na hora em que deixou Micaías para ir à prisão do rei de Israel, enquanto ele próprio acompanhava o rei à batalha, quem reconheceria Josafá como um santo de Deus? Onde estava o corpo “luminoso” então? Era o obscurecimento e a escuridão de toda a iluminação da qual ele realmente participava. Não havia harmonia, não havia um meio-dia puro e sem nuvens, marcando o caminho de Josafá naquele momento, não havia o “fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição”, como diz o apóstolo. É uma alegria acompanhar esse querido homem um passo adiante (2 Crônicas 20). Pois nos dias de Amom, de Moabe e do monte Seir, o corpo de Josafá voltou a ficar “luminoso”. Ele agiu como um filho de Davi deveria agir, buscando o Senhor e somente o Senhor; e tudo era fé, vitória e gozo. Mas quando, em um dia anterior, Micaías foi enviado à prisão de Acabe, e o próprio Josafá foi à batalha de Acabe, onde estava então o filho de Davi? Todo o seu corpo era “tenebroso”.
Os cativos, retornados da Babilônia para a terra e cidade de seus pais, nos legaram, da mesma forma, uma lição instrutiva sobre o tema das vestes de “diversos estofos”; e sua história oferece tanto encorajamento quanto advertência. Eles não se recusaram a aceitar a punição pelo pecado da nação e, portanto, tomaram seu lugar e se submeteram ao poder gentio que Deus havia estabelecido sobre eles por causa de seus pecados. Eles aceitaram o favor de Ciro, de Dario e de Artaxerxes, no espírito do mandamento “a quem temor, temor; a quem honra, honra”. Os cativos referem-se a um poder gentio como “o grande e afamado Asnapar” e, evidentemente, sentiam-se gratos pela bondade que lhes fora demonstrada por um após o outro desses poderes, bendizendo a Deus por causa deles e, tenho certeza, de corações prontos a orar pela vida do rei e de seus filhos. Mas, apesar de tudo isso, eles eram um povo separado. A recusa deles à comunhão com os samaritanos foi tão sincera quanto sua aceitação dos favores dos gentios.
O zelo, a vingança e o purificar-se a si mesmos do princípio misto e da abominação de trazer gregos ao templo para profanar aquele lugar santo, foram tão simples e firmes como teriam sido nos dias de Josué ou de Davi. Recusaram-se a usar vestes de diversos estofos. Se tivessem aceitado usar aquelas vestes, isso poderia ter-lhes poupado muitos problemas no andamento da obra de suas mãos, que também era obra do Senhor; mas não puderam e não quiseram. Aquilo não estava de acordo com a ordenança; e eles não quiseram.
Paulo poderia ter evitado a prisão se tivesse aceitado o testemunho da jovem em Filipos; mas, novamente, tratava-se de ajuda samaritana, ou algo pior, e ele não pôde aceitar; e o homem que, naquela ocasião, recusou a túnica de lã e linho, por sua fidelidade, teve os pés presos no tronco e foi acorrentado. Mas, no fim, tudo acaba bem, tanto para Paulo quanto para os cativos libertados. O Deus deles intercede por eles.
Aqui, porém, surgem alguns pontos novos e sérios de instrução sobre a questão dos princípios mistos. Sinto que posso abordar este assunto com uma percepção de necessidade e aplicação pessoal. A história posterior dos cativos vindos da Babilônia tanto nos adverte como também nos instrui. Eles recusam a aliança estranha, não querem usar vestes de diversos estofos; mas, em seguida, vestem suas próprias vestes sem cinto – esse é o sentido moral da história. Eles vão construir suas próprias casas quando a inimizade samaritana os impede de construir a casa do Senhor. Isso é uma advertência para nós, assim como foi uma vergonha para eles, e o Espírito do Senhor precisa despertá-los como de um sono profundo e de uma embriaguez. Eles passam a servir a si mesmos quando o serviço ao Senhor é interrompido. O conforto, a indulgência e o prazer próprio tomam o lugar do que havia sido deixado vago. Ageu e Zacarias precisam chamá-los a cingirem seus lombos e a prepararem suas lâmpadas. De modo algum os enviam de volta para negociar com os samaritanos. Eles não lhes dizem que erraram quanto ao recusar vestir vestes de diversos estofos; eles apenas os exortam a vestir as vestes puras que estavam usando – fazer a obra do Senhor à maneira do Senhor, ainda que os samaritanos pudessem novamente resistir a eles.
Tudo isso está cheio de significado para nós. O Espírito de Deus, sejam quais forem as circunstâncias, jamais desejará ver o santo usando “lã e linho”; mas, ao mesmo tempo, Ele deseja que a veste pura esteja cingida. Uma veste sem cinto, embora pura, não é segundo Seu pensamento; e muitas vezes Ele percebe a falta disso, como nos dias de Ageu e Zacarias, e essa é a nossa profunda repreensão: uma posição pura mantida com pouca graça espiritual.
Os cativos que retornaram estavam na posição correta. O lugar deles era melhor do que o de seus irmãos, que ainda habitavam as cidades distantes dos incircuncisos, e eles agiram bem, como venho dizendo, ao recusarem aliança com os samaritanos; tal aliança seria apenas o uso de vestes de diversos estofos, de “lã e linho”. Isso eles não fizeram, mas aqueles que permaneceram firmes sob tal provação, falham sob outra: embora se recusassem a usar roupas mistas, suas vestes, como vimos, não estavam cingidas e, pior ainda, estavam lamentavelmente sujas e manchadas. Esses Judeus que retornaram estavam em situação muito pior do que seus irmãos que estavam nas terras distantes dos pagãos. Seus caminhos na Terra Santa eram profundamente repreendidos pelos caminhos de seus irmãos entre os gentios.
J. G. Bellett


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