Meditações sobre o Apocalipse - Parte 1/2
- J. G. Bellett (1795-1864)

- 16 de dez.
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ÍNDICE
Meditações sobre o Apocalipse
A Revelação de Jesus
Parte 1/2
J. G. Bellett
Esboço do Livro
A abertura deste livro maravilhoso nos revela seu título e caráter – “Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus Lhe deu”. Pois, a meu ver, ela se manifestará como uma revelação do Senhor Jesus Cristo em tais caracteres de glória e poder, como Ele recebe de Deus, ou uma revelação d’Ele no exercício de autoridade judicial.
Ora, dois exercícios de autoridade judicial O aguardavam após Sua ascensão a Deus, e, consequentemente, este livro tem duas partes.
Apocalipse 1-3 nos dá a primeira parte. O Senhor está aqui exercendo juízo na Igreja, ou entre as luzes do santuário. Isso é chamado de “as coisas... que são”.
Apocalipse 4-22 nos dá a segunda parte. O Senhor está aqui exercendo juízo na Terra, preparando-a para o Seu reino. Isso é chamado de “as coisas que... depois destas hão de acontecer”.
Esta é a ordem geral do livro, mas estas duas partes contêm, propriamente, tanto um prefácio quanto uma conclusão.
Prefácio
No prefácio (Ap 1:1-8), aprendemos primeiramente que este livro maravilhoso trata da “Palavra de Deus” e do “testemunho de Jesus Cristo”; isto é, os conselhos de Deus dados a conhecer por Jesus Cristo. Então nos é dito sobre a maneira como Jesus Cristo ministra esse testemunho às igrejas, e bênção é então pronunciada sobre aquele que age corretamente segundo este livro, seja lendo-o ou ouvindo-o, e, então, guardando as coisas que nele estão escritas.
Depois disso, as sete igrejas da Ásia são chamadas a ouvir e, após uma bênção sobre elas, o Senhor Jesus Cristo é anunciado como Aquele que está prestes a vir “com (ou sobre) as nuvens” (ARA), ou nas solenidades do julgamento (veja Dn 7:13; Mt 24:30; 26:64). Esta é uma vinda que está inteiramente de acordo com o caráter judicial do livro e que fará com que as tribos da Terra se lamentem por causa d’Ele, e aqueles que O traspassaram O verão para sua própria confusão.
Mas, em meio a um anúncio tão grandioso do Senhor como este, são colocadas nos lábios dos santos duas doces e felizes declarações. Ao Ele ser revelado como “a Fiel Testemunha”, “o Primogênito dentre os mortos” e “o Príncipe dos reis da Terra”, eles O louvam como Aquele que os amou. E novamente, quando Sua vinda nas nuvens para o julgamento é anunciada, eles invocam Sua glória com plena confiança ainda, dizendo: “Sim. Amém”. Pois eles aprenderam completamente que podem ter ousadia até mesmo no dia do juízo (1 João 4:17). Então, quando essas declarações dos santos terminam, o Senhor Se revela como o Princípio e o Fim – um título que Ele frequentemente assume neste livro – O próprio título, que Ele assume constantemente ao julgar os ídolos da Babilônia em Isaías (veja Isaías 48), tudo isso ainda nos assegura que Ele está prestes a falar em juízo novamente. De fato, na boca de cada testemunha aqui, aprendemos que este livro é uma revelação do Senhor Jesus Cristo, que Deus, e não o Pai, lhe dá; ou seja, uma revelação em juízo, não em graça. Mas isso ocorre apenas aqui, no final do volume do Novo Testamento, pois posso observar que o Senhor sempre buscou, por assim dizer, proclamar o Seu nome em graça antes de fazê-lo em juízo.
De uma forma ou de outra, Ele Se revelará e deverá Se revelar, pois essa é a Sua glória, mas Ele busca ser conhecido em bondade, e não em juízo, se os homens quiserem ouvir. Temos isso ilustrado de diversas maneiras. Ao Egito, por exemplo, o Senhor Se revelou em José, a testemunha da Sua bondade; pois por meio de José, Ele encheu os celeiros do Egito com toda sorte de riquezas. Mas o Egito se esqueceu de José. Então, um rei se levantou e perseguiu o povo de José, dizendo do seu Deus: “Quem é o Senhor para que eu lhe obedeça?” (KJV). Então, o Senhor teve que proclamar o Seu nome naquela terra em juízo, dizendo ao rei: “Nisto saberás que Eu sou o SENHOR: Eis que Eu com esta vara, que tenho em Minha mão, ferirei”. Ele seria agora revelado, não em José, mas em pragas.
Assim também aconteceu em Israel depois disso. O Senhor Jesus Cristo foi oferecido a eles como a “pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada”, Aquele em Quem eles encontrariam salvação e força; mas, sendo rejeitado como tal, Ele seria revelado a eles como “a pedra angular”, no poder e no julgamento de uma pedra exaltada, que cairia e reduziria tudo a pó.
E assim é no mundo atual. Esta dispensação presente está proclamando Deus em graça. Ele está rogando aos homens que se reconciliem. Mas aqueles que não quiserem conhecê-Lo dessa forma, negligenciando “tão grande salvação”, deverão conhecê-Lo, em breve, em juízos (2 Tessalonicenses 1:8). Se o sangue do Cordeiro for desprezado, deve se esperar pela ira do Cordeiro (Apocalipse 6:16-17). Aquele que agora é “cheio de graça e de verdade”, em breve enviará a espada de Sua boca para executar o juízo (Apocalipse 19:15). E esta é a diferença entre o Evangelho e o Apocalipse de João. O Evangelho proclama o nome do Senhor em graça, o Apocalipse em juízo. Um flui do Pai, o outro de Deus. Ora, de acordo com tudo isso, quando passamos do prefácio e entramos no corpo do livro, é o Senhor, o Filho do Homem, no lugar do juízo, que vemos imediatamente (veja Apocalipse 1:9-20).
Esses versículos introduzem a primeira cena que o livro revela, e aqui João vê o Senhor como Sumo Sacerdote, preparado para julgar o santuário. Ele não Se mostra a João como o Sacerdote junto ao altar de ouro, com o incensário e o incenso aceso, mas junto ao castiçal com os apagadores de ouro, como se estivesse averiguando, e isso pela última vez, se as lâmpadas do santuário arderiam de forma digna daquele lugar, ou se Ele seria em breve compelido a removê-las. É o Filho do Homem, com vestes até os pés e um cinto de ouro em volta dos lombos, com a cabeça e os cabelos brancos como a lã, olhos de chama, pés de bronze e voz de muitas águas, segurando em Sua mão as sete estrelas e em Sua boca a espada de dois gumes, caminhando no brilho e poder do sol do meio-dia, entre os sete castiçais. Tudo isso era uma expressão de julgamento “da casa de Deus”, uma revelação do Sacerdote, não no altar com incenso, nem mesmo no castiçal com azeite para alimentá-lo, mas no castiçal com os apagadores para julgá-lo e apará-lo, por estar fora de ordem. João ouvirá a si mesmo, pessoal e individualmente, interpelado com as palavras comumente usadas do doce amor de Deus por nós: “Não temas”; mas ainda assim, esta é uma visão que bem pode fazer até o mais forte dos filhos dos homens cair como morto.
Apocalipse 2-3
E é exatamente de acordo com uma introdução como esta que encontramos nosso Senhor na cena seguinte (Ap 2:1). Aqui, o Senhor está na “casa de Deus”, desafiando as igrejas a prestarem contas de si mesmas. Ele antes as havia colocado na bênção e agora busca fruto. É como se Ele tivesse ouvido falar de sua infidelidade e agora estivesse dizendo a elas: “Que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta da tua administração; pois já não podes mais ser Meu administrador” (TB). Ele já havia Se comunicado com elas por meio dos apóstolos, mas agora o faz por meio dos anjos. Paulo se dirigiu a elas com a graça pastoral de Cristo; João agora se dirige a elas com a autoridade judicial de Cristo. Os apóstolos as alimentaram e disciplinaram como estando no lugar de dependência, mas agora estas epístolas as desafiam como estando no lugar de responsabilidade, e no momento em que são assim interpeladas, elas são achadas em falta como castiçais obrigados a brilhar para o louvor d’Aquele que as havia colocado em Seu santuário. Elas agora são visitadas, e o resultado comum de todas essas visitações aos administradores de Deus pode nos indicar também o fim dos castiçais.
Pois a crise ou o julgamento sempre encontrara o homem despreparado. Quer plantado na inocência, quer na esfera da providência ou sob a ministração da graça, o homem tem sido achado incapaz até mesmo de manter uma bênção. “Adão... onde estás?” recebeu esta resposta: “Ouvi a Tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me”. A vinha de Israel deveria, então, ter dado seus frutos Àquele que a plantou e a cultivou, mas quando Ele veio, encontrou apenas uvas bravas. E assim é agora com os castiçais na casa de Deus. Eles haviam sido devidamente preparados pelo cuidado de Deus. Eram nada menos que castiçais de ouro, igrejas alimentadas pelo Espírito, abençoadas com as bênçãos de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, tornadas luzes plenamente equipadas e bem ordenadas no santuário. Mas agora que a visitação é feita, também em tempo devido, o Filho do Homem encontra algo inadequado ao lugar santo. Estas sete igrejas (a expressão sétupla ou perfeita da Igreja) são aqui desafiadas pelo Filho do Homem com estas palavras: “Conheço as tuas obras”, mas a luz sétupla é apenas tênue e incerta. Esta administradora da glória de Deus também é infiel. E assim, em breve, a mesma inquisição será feita aos “deuses da Terra”, os poderes gentios aos quais o Senhor confiou a espada, e eles serão então, assim como Adão, Israel ou os castiçais, achados em falta e terão de cair como homens e morrer como qualquer um dos príncipes (Salmo 82). Todos os administradores são assim achados em falta, quando pesados na balança, e o Senhor é justo no Seu falar e puro no Seu julgamento.
Estas sete igrejas estão aqui como o local deste julgamento. É verdade que havia outras congregações do Senhor na época, mas estas sete são suficientes para demonstrar o julgamento, pois sete representa a completude. Assim, algumas delas podem ser encontradas, por este julgamento ou visitação, em melhor condição do que outras; mas ainda assim o Filho do Homem (Filho do Homem é o título do Senhor aqui em Apocalipse 1:13, e isso pertence a Ele em juízo, como em João 5:27) vê a coisa toda muito diferente do que deveria ser. Uma não foi julgada na outra, mas cada uma foi responsável por si mesma, e assim algumas mantiveram sua pureza por mais tempo do que outras. Mas ainda assim, o tom geral desta visitação traz consigo um aviso de como o fim seria em breve. Tal como vemos em nossos dias, pois Filadélfia e Esmirna são agora castiçais tão completamente removidos quanto são Sardes ou Pérgamo.
Esses desafios feitos às igrejas pelo Filho do Homem nos levam a perceber que tudo estava quase no fim, que havia apenas um passo entre tais repreensões e sua remoção. E, certamente, não precisamos, em nossos dias, que nos seja dito da perturbação que ocorreu na casa de Deus. Aprendemos que Adão perdeu o Éden, e os atuais gemidos da criação nos dizem isso. Aprendemos que Israel perdeu Canaã, e suas atuais peregrinações pela Terra nos dizem isso. E como vemos o santuário? Acaso nós mesmos não somos testemunhas de que não fomos mais capazes de reter a bênção que nos pertencia, do que Adão foi capaz de reter o Éden, ou Israel de reter Canaã? O castiçal que foi erguido para repreender tudo o que estava de fora como trevas, e para ser ele próprio a luz materializada e bem ordenada do mundo, não está mais em Éfeso, nem mesmo em Sardes. Mas onde está algo semelhante a ele? Pode alguma coisa, em algum lugar, reivindicar a honra de ser a candeia do Senhor ali, e mostrar que o Senhor a alimenta, julga e a apara como tal? Nos dias de João, o Senhor ainda reconhecia os castiçais, reconhecendo-os ao visitá-los e julgá-los. Mas existe tal reconhecimento hoje? Podemos certamente examinar nossos caminhos com tudo o que é dito aqui às igrejas, mas isso não equivale ao Filho do Homem nos reconhecer por meio do julgamento. E nosso primeiro dever, portanto, tanto em graça quanto em sabedoria, é estarmos humilhados por causa disso; pois, embora possamos ter muito, em fragmentos, daquilo que pertence aos castiçais, ainda assim tudo isso não nos dá a posição e o privilégio do castiçal, habilitando-nos a pôr de lado como trevas, e como não sendo do santuário, tudo aquilo que não pertence a nós mesmos.
Quando nossa fidelidade ao Senhor se tornou a questão, fomos achados em falta, como qualquer outro administrador. Este livro nos mostrará, ao final, que a questão da fidelidade do Senhor para conosco será respondida de outra maneira; pois, como esposa do Cordeiro, a Igreja será então achada como sobrevivendo a todos os julgamentos, embora aqui, ela não pudesse, como castiçal, suportar o justo desafio do Senhor. E este é o homem; e este é Deus sempre; vergonha e ruína marcam o nosso fim; honra e paz, e verdade e amor eternos marcam o fim do Senhor. E nesta vergonha e ruína, creio eu, estes três capítulos se encerram; a ordem perfeita das sete luzes da casa de Deus se foi, para não ser restaurada; e, segundo isso, o profeta é imediatamente chamado a ver outras coisas e outros lugares, a testemunhar outra cena, mas ainda assim uma cena de julgamento, como veremos; não a do Filho do Homem sacerdotal em Seu templo, mas a de Deus e do Cordeiro na Terra.
Apocalipse 4
Mas esse julgamento é adiado até que toda a família dantes conhecida tenha entrado, pois a longanimidade de Deus é a salvação (2 Pedro 3:15). A plenitude dos gentios deve entrar, e todos devem ser levados ao conhecimento do Filho de Deus. (veja Romanos 11:25; Efésios 4:13). Portanto, antes de sermos conduzidos por nosso profeta a contemplar essa segunda cena de julgamento, ou o julgamento da Terra, nos é dada, creio eu, uma visão da Igreja no céu sob os símbolos das criaturas viventes, e anciãos coroados ao redor do trono, de modo que o arrebatamento dos santos nos ares ocorreu em algum momento indizível entre os tempos dos nossos capítulos três e quatro.
Mas aqui, gostaria de fazer uma pequena pausa. Não temos, eu reconheço, essa ascensão dos santos realmente apresentada aqui. Aprendemos sobre isso na passagem bíblica designada (1 Tessalonicenses 4), e que o arrebatamento conduzirá tanto ao próprio Senhor quanto, depois, ao Pai. Mas não são esses os resultados que vemos aqui. Não são os santos, seja na presença do Senhor, seja nas moradas da casa do Pai, que vemos aqui, mas a Igreja diante do trono de Deus Todo-Poderoso, d’Aquele que era, que é e que há de vir, para cujo prazer todas as coisas foram criadas. Esta é a cena que temos aqui. Não são os filhos diante do Pai, mas a Igreja em dignidade diante do trono.
Mas quão perfeita é a sabedoria de Deus ao designar todas as razões para revelar Sua mente e Seus propósitos! Uma visão da casa do Pai não seria apropriada aqui, pois este livro não é para o consolo dos filhos do Pai, mas de julgamento, pelo qual Deus e o Cordeiro afirmam Seus santos direitos, reivindicando Seus próprios louvores e libertando a herança há muito usurpada e corrompida das mãos de seus destruidores. O Evangelho de João nos conduz à casa do Pai; nosso caminho lá termina, como o caminho dos filhos, naquela casa de amor. Mas esta Revelação de João nos apresenta a ação que prepara a cidade dourada para nós, e nosso caminho aqui termina, como o caminho dos herdeiros, naquele lugar de glória; pois ambos são nossos: as alegrias dos filhos e a dignidade dos herdeiros, a casa do Pai e o trono do Filho.
Aqui então, quando levados em visão das coisas celestiais, é o trono de Deus com os seus devidos ministrantes, e não a casa do Pai com os filhos, que vemos. É o trono de Deus Todo-Poderoso, Criador e Dominador de todas as coisas, em torno do qual, portanto, está lançada a santa garantia da segurança da aliança com a Terra. E é também o lugar de onde flui a ação subsequente do livro, ou o julgamento da Terra; e, portanto, relâmpagos, trovões e vozes (os símbolos desses julgamentos) emanam dele. E é o trono que também governará o mundo vindouro, ou o reino no fim. E, portanto, os sete espíritos (o símbolo daquela energia pela qual esse reino será mantido, Isaías 11:1-3) são vistos aqui diante dele; e em conexão com esse governo do reino, ou “mundo vindouro”, vemos a Igreja no símbolo dos seres viventes e dos anciãos também em redor dele. Mas, quanto a este maravilhoso tema das criaturas viventes, ou dos querubins, gostaria de observar com um pouco mais de detalhe. Sempre que os vemos na Escritura, eles estão sempre ministrantes junto ao trono de Deus, sempre refletindo, por meio de suas ações ou atitudes, a mente e os caminhos d’Aquele que ali Se assenta. (Portanto, creio que foram feitos de uma só peça de ouro, juntamente com o próprio trono, como se vê em Êxodo 25:19).
Assim, eles são vistos à porta do Éden, com uma espada flamejante, porque ali o Senhor expressava a Sua própria justiça irretratável na lei, expulsando, como então Ele estava, o pecador do Seu lugar.
Assim também são vistos diante do propiciatório no lugar santíssimo, com olhar fixo e deleitoso, indagando sobre os segredos daquele trono da graça, porque ali o Senhor expressava a Sua obra em Jesus, a firmeza do Seu propósito e o gozo no evangelho do Seu amado Filho (veja Êxodo 25:20; 1 Pedro 1:12).
Assim também são vistos com as asas abertas sob o Deus de Israel (Ezequiel 1), porque então o Senhor de Israel estava prestes a deixar o Seu santuário, tendo a apostasia do Seu povo perturbado o Seu repouso em Jerusalém. E aqui também são vistos estendendo as mãos para pegar fogo e lançá-lo sobre a cidade, pois então o Senhor havia ordenado o julgamento dos seus pecados.
Assim também, como aqui, eles são vistos ao redor do trono, ainda servindo a ele, para celebrar o louvor d’Aquele que ali Se assenta, para fazer a Sua vontade e para aprender a Sua mente, refletindo ainda, portanto, a Sua mente e os Seus caminhos. Mas neste último lugar dos querubins, observamos uma distinção de grande importância. Até então, ou nos três primeiros casos, eles eram angelicais, porque a lei havia sido ordenada por anjos (Gálatas 3:19). Com deleite, os anjos atentavam para os mistérios de Cristo (1 Pedro 1:12) e os anjos serviam ao Senhor de Israel (Isaías 6:2). Mas agora os querubins, ou os ministrantes do trono, tornaram-se humanos porque “o mundo vindouro” será sujeito ao homem e não aos anjos (Hebreus 2:5), e este trono em Apocalipse 4 é o trono que em breve presidirá sobre “o mundo vindouro”.
Mas isto é glorioso e maravilhoso. Os pobres pecadores redimidos pelo sangue estão destinados, pela graça, a assumir a dignidade e o gozo de querubins nos quais os anjos, anjos não caídos, outrora se encontravam, os próprios anjos recuando, por assim dizer, e abrindo as suas fileiras para deixar os pecadores redimidos entrarem, e então tomar o seu próprio lugar ao redor deles, bem como ao redor do próprio trono (Ap 7).
Assim, os anjos passam e a semente de Abraão é tomada, e é bem-aventurado saber que os próprios anjos se deleitam com isso. Eles desejam olhar para dentro desse mistério. Deus manifestado em carne é visto por eles (1 Timóteo 3:16). O próprio regozijo deles é ampliado por tudo isso, pois, por meio disso, eles aprendem mais sobre os resplandecentes e graciosos caminhos d’Aquele que os criou, assim como Ele nos redimiu, e de Quem eles, como nós, dependem. Mendigos do monturo são colocados como entre príncipes ao redor do trono. As criaturas viventes e os anciãos coroados, portanto, nunca, em toda a ação deste livro maravilhoso, saem do céu, mas permanecem ali, seja na inteligência da mente de Deus, seja na autoridade sob o trono, seja no santo ofício de conduzir o júbilo da criação (veja os capítulos 5-7, 11, 15 e 19). Eles permanecem em sua esfera nas alturas enquanto a ação prossegue na Terra. (Havia algo semelhante a esta ordem de seres viventes e anciãos coroados em Israel; refiro-me à maneira como a arca era ministrada. Os sacerdotes e os levitas circundavam a arca num círculo menor e mais próximo, e então as doze tribos, três de cada lado, a rodeavam num círculo ou quadrado maior e mais distante; assim, um grupo tinha mais intimidade com ela do que o outro, como aqui a ordem de seres viventes, anciãos e hostes angelicais ao redor do trono, como visto em Números 1-4.)
Assim julgo eu ser o trono com seus atributos e ministrantes. É o trono do Criador e Sustentador de todas as coisas, de onde emanam os julgamentos que purificarão a Terra de seus corruptores e destruidores, e então ter ligação com a Terra redimida no “mundo vindouro”.
Mas, sendo assim visto o trono, e sendo assim celebrada a glória e o prazer de Deus como Criador e Governador de todas as coisas, surge a pergunta: Quem Ele poderá assentar no trono Consigo mesmo? “Quem subirá ao monte do SENHOR, ou quem estará no Seu lugar santo?” (Salmo 24) – Um monte é um símbolo de governo, como visto em Salmos 2:6 e Isaías 2:2. A Terra e tudo o que nela há pertencem ao Senhor, título da criação aqui celebrada e reconhecida no Salmo 24, mas foi do Seu agrado, desde a antiguidade, colocar Sua imagem sobre estas obras de Suas mãos. Adão recebeu domínio, mas Adão perdeu seu lugar e perdeu seu reino. Quem, então, reassumirá a dignidade, subindo novamente ao monte do Senhor? Quem é Aquele a Quem o Senhor Deus pode restituir o senhorio perdido por Adão?
Apocalipse 5
Essa se torna a questão agora, e, consequentemente, ela é levantada em Apocalipse 5, imediatamente após a manifestação do trono supremo em Apocalipse 4, e a resposta dada a ela, vinda de todos os lados, é esta: o “Cordeiro, como havendo sido morto... o Leão da tribo de Judá”. Aquele que estava assentado no trono Se une para dar essa resposta, permitindo que o livro passe de Sua mão para a do Cordeiro. Os seres viventes e os anciãos se unem para dar a resposta, entoando seu cântico de gozo na perspectiva de a Terra em breve ser o cenário de sua glória; as hostes de anjos se unem para dar a resposta, atribuindo agora todo o poder, e glória e capacidade de domínio ao Cordeiro. Toda criatura no céu, na Terra, debaixo da terra e no mar, em sua ordem e medida, une-se a ela, juntando o nome do Cordeiro ao de seu Criador e Senhor, e todas sentem imediatamente como se seus gemidos já tivessem sido transformados em louvores, pois assim que Adão caiu, a criação percebeu a causa e se tornou “prisioneira da esperança” (Romanos 8:20-22); mas agora que o Cordeiro toma o livro, a criação se torna igualmente consciente da libertação e se gloria na liberdade dos filhos de Deus. Assim, a questão é resolvida no céu.
O título do Cordeiro para tomar o domínio na Terra é reconhecido e confirmado no próprio lugar onde todo poder, domínio ou ofício poderia ser obtido com justiça: na presença do trono no céu, pois “o poder pertence a Deus”. O Messias reconhece isso no Salmo 62, e aqui Ele o reconhece novamente ao tomar o livro de Sua mão, pois essa é uma ação que confessa, da parte do Cordeiro, que os poderes são ordenados por Deus, que o Senhor no céu é o fundamento do ofício. Assim, é no céu e é da parte do Ancião de Dias que o Filho do Homem toma o domínio e o homem nobre recebe o seu reino (veja Daniel 7; Lucas 19). Jesus não tomaria poder do deus deste mundo (Mateus 4:9-10), nem o aceitou do desejo ardente do povo (João 6:15). Ele espera recebê-lo (pois somente então poderia ser recebido de maneira justa) da mão do Deus do céu e da Terra, de Quem Adão, na antiguidade, o recebeu. E assim como o Cordeiro reconhece Deus no trono como sendo a fonte de poder, então Deus no trono reconhece o Cordeiro como Sua ordenação de poder.
Este ato de tomar o livro contém uma harmonia de sons doces, pois o Cordeiro Se levanta para tomá-lo, e o Senhor permite que ele seja tomado de Sua mão. A glória de Deus como supremo e único Soberano é assim reivindicada, e Ele novamente confia o poder na Terra às mãos do Homem, sancionando-o plenamente, assim como todo o seu exercício, como outrora fizera com Adão, deleitando-Se novamente nesta outra Imagem e Semelhança de Si mesmo. E isso governa toda a ação subsequente deste livro maravilhoso, pois o título do reino, estando assim aprovado no devido lugar, resta apenas revestir esse título com a possessão. A herança pertence ao Cordeiro por compra de sangue; esse sangue O selou como o totalmente Obediente, e por isso Deus pôde exaltá-Lo tão soberanamente (Filipenses 2), e esse sangue também reconciliou todas as coisas nos céus e na Terra (Colossenses 1). E, tendo a herança sido assim comprada, Ele agora só precisa redimi-la. Seu sangue, como o Cordeiro imolado, deu-Lhe o título a ela; Sua força como o Leão da tribo de Judá precisa Lhe dar agora a possessão dela.
Em Israel, havia a ordenança de resgatar a herança, bem como o herdeiro ou a pessoa (Levítico 25). Se um israelita ou seus bens tivessem sido vendidos, era tanto dever como direito de seu parente remidor resgatá-lo juntamente com seus bens; Ora, Jesus provou ser nosso Parente em ambos os sentidos. O Filho de Deus Se tornou Filho do Homem e, assim, demonstrou Sua natureza de Parente. Ele morreu para nos comprar e à nossa herança com Seu sangue, demonstrando assim Seu amor de Parente, e neste livro do Apocalipse, a meu ver, O vemos aperfeiçoando Seus atos como tal Parente e resgatando nossa herança das mãos de seus corruptores. O parente remidor em Israel tinha o título para resgatar a herança, mas precisava fazê-lo sob a condição de quitar a dívida que pesava sobre ela. Jesus pagou com Seu sangue um valor pleno e mais do que suficiente, como aqui é reconhecido; pois o livro, ou título da possessão resgatada, passa para Suas mãos, e daí a ação se desenrola. Mas o usurpador da herança ainda precisa ser removido, o inimigo precisa ser feito escabelo dos pés do Parente, e quer a ação seja propriamente de Deus, quer seja do próprio Cordeiro, o caráter da ação, a meu ver, é igualmente claro e certo. A ação é a redenção da herança que flui do título reconhecido do Senhor. O livro tomado pelo Cordeiro é a escritura de propriedade; e que seja assim, e não um livro de instrução para Ele como Profeta da Igreja, ou qualquer outra coisa que não seja esta escritura de propriedade que diz respeito à herança da Igreja na Terra, parece-me evidente, a partir de diversas considerações.
Primeiro. Porque ela estava nas mãos de Deus Todo-Poderoso, o Criador de todas as coisas, antes de Ele a receber.
Segundo. Porque ela é tomada pelo Senhor como o Cordeiro imolado e como o Leão de Judá, características de poder e força.
Terceiro. Porque, ao conquistá-la, a Igreja canta em perspectiva de seu domínio sobre a Terra. Os anjos, que antes eram ministros do poder na Terra, transferem tudo isso para o Cordeiro, e a criação cessa seus gemidos em louvor.
Essas testemunhas confirmam, no meu pensamento, a natureza do livro que o Cordeiro toma, e o livro do Apocalipse está em consonância com isso.
É a história da redenção da herança; refiro-me, é claro, à segunda parte dele, depois do capítulo 3. É o Josué do Novo Testamento. Ela ocupa o mesmo lugar na história dos atos do Senhor no Novo Testamento assim como o livro de Josué ocupa na história dos atos do Senhor no Velho Testamento. Registra a maneira de redimir a herança, como aquele livro o fez, e sem os seus atos como registrados em Josué, os caminhos do Senhor nos tempos antigos teriam sido imperfeitos.
Do Egito, Ele havia resgatado o herdeiro por intermédio de Moisés; havia educado-o e instruído-o no deserto, preparando-o assim para o descanso em Canaã, mas ainda precisava resgatar Canaã das mãos dos amorreus, e esse Seu ato está registrado em Josué. Então, e somente então, o Senhor percorreu todo o curso de Sua misericórdia e poder; e assim, sem o livro do Apocalipse, o registro dos atos do Senhor teria sido igualmente incompleto. Os evangelhos e as epístolas nos contam, assim como o livro de Moisés, sobre o resgate do herdeiro e sua educação no deserto deste presente século (mundo) mau, mas agora é este livro final do Apocalipse que nos fala da redenção da herança, e então, concluindo e completando, de forma adequada, os atos perfeitos do Senhor em favor da Igreja de Deus.
Se nenhum parente fosse encontrado capaz ou disposto a resgatar a herança, ela retornava ao herdeiro no jubileu. O Senhor de Israel, assim, mantinha em Suas próprias mãos os meios de restaurar todas as coisas. Ele agiu como Senhor do solo e disse que a Terra era Sua (Levítico 25:23). Ele criou, por assim dizer, um arrendamento por quarenta e nove anos, retomando a terra no quinquagésimo ano e, então, a restituindo à Sua família segundo a Sua própria vontade. E assim com esta Terra, da qual a terra de Israel foi o exemplo; o homem pode tomá-la em suas próprias mãos por um tempo e, por sua cobiça, por um lado, ou por hábitos ociosos, por outro, perturbar a ordem de Deus nela. Mas um dia está chegando, o jubileu prometido e esperado, o tempo da restituição de todas as coisas, e então a Terra será trazida de volta a Deus, e Ele a restituirá à Sua família segundo os Seus próprios princípios santos e justos. Gostaria de observar aqui que os sacrifícios podem ser permitidos entre os Judeus no reino, para manter viva a memória do sangue do Cordeiro, que foi o preço e a compra do reino.
J. G. Bellett



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