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Revista mensal publicada originalmente em abril/2009 pela Bible Truth Publishers
ÍNDICE
Tema da edição
H. Smith
A. Miller
J. N. Darby
G. V. Wigram (adaptado)
Collected Writings of J. N. Darby
J. N. Darby
J. N. Darby
H. H. Snell, The Christian Friend, 17:18
A. J. Flint
O Apóstolo João
A Palavra de Deus, por meio do apóstolo Paulo, nos ensina a verdade da Igreja em seus vários aspectos, como a assembleia de Deus, a casa de Deus e o corpo de Cristo. O apóstolo João ensina a verdade da família de Deus e nosso lugar e privilégios como filhos nessa família. Somos trazidos para a família nascendo do alto e, nesse nascimento, recebemos “vida eterna”, a vida da família, e participamos da natureza dessa vida, a “natureza divina”. Como filhos da família de Deus, aprendemos por meio de João que é nosso gozo e privilégio ter comunhão com o Pai e o Filho. Como filhos, começamos como crianças na família, mas devemos crescer e nos tornar jovens, e então nos tornar pais. Como filhos, somos avisados sobre o espírito do anticristo que procuraria nos privar do nosso lugar e sobre os ídolos que afastaria nosso coração do nosso Pai e Deus. João, que pelo Espírito nos traz essas verdades, também é um exemplo para nós do nosso lugar de privilégio, gozo e segurança – ele não estava ocupado com seu amor pelo Senhor, mas com o amor do Senhor por ele, e ele (e nós) podemos descansar no lugar de gozo e proximidade: “Ora, um de Seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus” (Jo 13:23).
Tema da edição
O Discípulo a Quem Jesus Amava
Todo verdadeiro crente ama o Senhor, no entanto a Escritura reconhece que o amor pelo Senhor pode ser encontrado em medidas muito variadas em diferentes discípulos, em diferentes ocasiões. Além disso, nosso amor pode aumentar e diminuir. Sob pressão, o amor de muitos pode “esfriar”. Na presença dos atrativos do mundo, esse amor pode se tornar fraco, como no caso de um crente de quem Paulo disse que “me desamparou, amando o presente século”. Assim, embora o amor pelo Senhor seja algo muito precioso aos Seus olhos e muito desejável no crente, é claro que não podemos confiar em um amor que seja tão sujeito a mudanças. O único amor em que podemos descansar deve ser o amor que não conhece mudança – o amor de Cristo pelos Seus.
É o desfrutar do amor de Cristo que desperta o nosso amor por Ele. “Nós O amamos”, diz o apóstolo, “porque Ele nos amou primeiro”. Nosso amor por Cristo será de acordo com a medida em que percebemos Seu amor por nós.
O efeito da alma assim se deleitando no amor de Cristo é mostrado de forma abençoada em conexão com o apóstolo João, nas cenas finais da vida do Senhor. Em contraste, as mesmas cenas retratam os tristes efeitos de se confiar no nosso amor pelo Senhor, no caso do apóstolo Pedro. Ambos os discípulos amavam o Senhor com uma profunda e verdadeira afeição. Um discípulo, porém, confiava em seu amor pelo Senhor, enquanto o outro descansava no amor do Senhor por ele.
Com genuíno amor pelo Senhor, Pedro pode dizer: “Senhor, estou pronto a ir contigo até à prisão e à morte”, e novamente: “Ainda que todos se escandalizem em Ti, eu nunca me escandalizarei”. Mais tarde, Pedro desembainhou a espada em defesa de seu Mestre. Assim, tanto por palavras e ações, ele parece dizer: “Eu sou o homem que ama o Senhor”. Em contraste com Pedro, João diz algo como: “Eu sou o homem a quem o Senhor ama”, por cinco vezes, nessas últimas cenas, ele se descreve como “o discípulo a quem Jesus amava”. Algo abençoado, de fato, que O amemos, mas muito mais maravilhoso que Ele nos ame! Nesse maravilhoso amor João se deleitou, e nesse amor sem fim ele descansou.
O cenáculo
A primeira ocasião em que João é chamado de o discípulo “a quem Jesus amava” é no cenáculo, como descrito em João 13. Jesus está ali com um amor que jamais pode falhar, pois, “como havia amado os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”. João está ali se deleitando no amor de Cristo e repousando a cabeça no seio de Jesus. Pedro está ali com verdadeiro amor pelo Senhor, mas confiando em seu próprio amor por Ele. Por fim, Judas está ali sem amor algum pelo Senhor, mas pronto para traí-Lo.
Em Jesus, vemos quão perto o Seu amor O trouxe de nós, na medida em que João pode repousar a cabeça no seio d’Aquele que habitava no seio do Pai. Em João, vemos o que o coração do Salvador pode fazer por um pecador, levando-o a descansar no perfeito amor. Em Judas, vemos o que o coração do pecador pode fazer com o Salvador – traí-Lo por trinta moedas de prata.
É chegada a hora de o Senhor proferir Suas palavras de despedida, mas, por ora, o Senhor abre Seu coração a Seus discípulos, dizendo: “um de vós Me há de trair”. Imediatamente os discípulos olham uns para os outros, sem saber de quem Ele falava. Olhar uns para os outros nunca resolverá as dificuldades que surgem entre os crentes. Devemos olhar para o Senhor, mas olhar para o Senhor exige proximidade com o Senhor. O discípulo que era mais próximo do Senhor pode se descrever como “um de Seus discípulos, aquele a quem Jesus amava”. Pedro não era próximo o suficiente do Senhor para aprender Sua mente; ele teve que fazer sinal para João. Intimidade com o Senhor é a feliz porção daquele que está descansando no amor do Senhor.
A cruz
A segunda ocasião em que João é descrito como o discípulo a quem Jesus amava nos leva até a cruz em João 19. A mãe de Jesus está presente com outras mulheres devotas, e um discípulo está lá – o discípulo a quem Jesus amava. Onde está agora o discípulo que confiava em seu amor por Cristo? Longe em algum lugar solitário com o coração despedaçado, chorando lágrimas de amarga vergonha. Onde está o discípulo que descansa no amor de Cristo? Como no cenáculo, agora também na cruz, ele está o mais próximo de Cristo quanto pode estar. E qual é o resultado? Ele se torna um vaso idôneo para o uso do Mestre. A mãe de Jesus é entregue a seus cuidados, pois descansar no amor do Senhor capacita para o serviço.
A ressurreição
A terceira vez em que João é apresentado como o discípulo a quem Jesus amava é na manhã da ressurreição, e novamente ele é encontrado em associação com Pedro. Os dois discípulos, ao saberem pelas mulheres que o sepulcro está vazio, correm para o túmulo. Em seguida temos o registro do que pode parecer um detalhe insignificante, a saber, que Pedro começa primeiro, que ambos os discípulos correm juntos e, finalmente, que o discípulo a quem Jesus amava ultrapassou Pedro. Nada do que o Espírito de Deus registrou pode ser sem importância. Se nos for permitido espiritualizar esta cena, podemos aprender que, embora o homem de natureza ardente possa muitas vezes tomar a liderança em alguma empreitada espiritual, é o homem que está se apoiando no amor do Senhor que no final assume a liderança.
O mar de Tiberíades
Nesta cena instrutiva (Jo 21:17), Pedro e João novamente têm um lugar de proeminência e, pela quarta vez, João é referido como o discípulo a quem Jesus amava. Como de costume, o enérgico e impulsivo Pedro toma a liderança e volta à sua antiga ocupação. Eles saíram, trabalharam arduamente a noite toda e, apesar de seus esforços, nada apanharam. Quando amanheceu, “Jesus Se apresentou na praia, mas os discípulos não conheceram que era Jesus”. Tendo mostrado a eles, por uma pergunta, a inutilidade dos esforços empreendidos sem Sua direção, Ele prossegue mostrando quão ricos são os resultados quando se age sob o Seu controle. Imediatamente o discípulo a quem Jesus amava percebe: “É o Senhor”. Aquele que está confiando no amor do Senhor é aquele que tem rápida percepção espiritual.
“Depois de terem jantado”
Seguindo a cena à beira do lago, os discípulos saltam em terra, encontrando ali brasas, com peixe e pão em cima delas, e um convite para jantar. Uma rica provisão foi feita para suas necessidades, apesar de todos os seus esforços. Depois de terem jantado, temos a cena final (Jo 21:15-22), na qual novamente Pedro e João têm um lugar especial, e pela quinta vez João é descrito como “o discípulo a quem Jesus amava” (v. 20) Primeiro, vemos o terno tratamento do Senhor com o homem que confiou em seu próprio amor. Sobre a negação de fato, nenhuma palavra é dita nesta cena tocante. O solene desdobramento foi tratado entre o Senhor e Seu servo em um encontro reservado. Tudo o que sabemos sobre esse encontro é a declaração dos onze, “Ressuscitou, verdadeiramente, o Senhor e já apareceu a Simão”, confirmada muito tempo depois pelo apóstolo Paulo, quando escreveu aos coríntios que o Cristo ressuscitado “foi visto por Cefas e depois pelos doze”. Maravilhoso amor que com terna misericórdia concedeu o primeiro encontro ao discípulo mais falho!
Se, no entanto, no primeiro encontro, sua consciência foi aliviada, nesta cena seu coração é restaurado. Lá o Senhor lidou com o fracasso exterior; aqui Ele lida com a raiz interior que causou o fracasso. A raiz era a confiança em seu amor por Cristo, e a pergunta tripla expõe completamente essa raiz. É como se o Senhor dissesse: “Depois de tudo o que aconteceu, você ainda sustenta, Pedro, que me ama mais do que estes?” Com a segunda pergunta, o Senhor não diz nada sobre os outros discípulos; agora é simplesmente: “Amas-Me?” Com a terceira pergunta, o Senhor, usando uma palavra diferente, pergunta: “És apegado a Mim?” (JND) Na sua terceira resposta, Pedro se coloca inteiramente nas mãos do Senhor, dizendo: “Senhor, Tu sabes todas as coisas; Tu sabes que sou apegado a Ti”. É como se Pedro dissesse: “Não posso confiar no meu amor, ou falar do meu amor ou do que farei, mas, Senhor, Tu sabes todas as coisas e conheces o meu coração. Deixarei que Tu dês a estimativa do meu amor e me digas o que fazer”.
Pedro não mais está dizendo ao Senhor com confiança própria o que ele está pronto para fazer, mas é o Senhor, em infinita graça, dizendo a Seu discípulo restaurado o que Ele o capacitará a fazer. O Senhor, por assim dizer, diz: “Você não mais confia no seu amor para fazer grandes coisas por Mim; você deixou isto Comigo. Então saia e ‘apascenta as Minhas ovelhas’ (v. 17), ‘glorifica a Deus’ (v. 19) e ‘Segue-Me’ (v. 19)”.
Mas e quanto a João? “E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava”. O homem que confiava em seu próprio amor precisava da graça restauradora e da exortação: “Segue-Me”. Não era o caso do homem que estava descansando no amor do Senhor, pois ele “seguia”. Aquele que desfruta do amor do Senhor seguirá perto do Senhor.
Se podemos falar pouco do nosso amor por Ele, podemos com certeza nos gloriar no Seu amor por nós. É privilégio do mais jovem crente poder dizer: “Sou um discípulo a quem Jesus ama”, e o discípulo mais velho e avançado não pode dizer nada maior, pois todas as bênçãos são encontradas em Seu amor abrangente, que O levou a morrer por nós, para que também nós pudéssemos sair, em nosso pequeno caminho, e apascentar Suas ovelhas, glorificar a Deus e segui-Lo na glória para onde Ele foi.
H. Smith
A História do Apóstolo João
O nome oficial “apóstolo” significa “enviado”. “Jesus enviou estes doze” (Mt 10:5). Esse nome foi dado a eles pelo próprio Senhor. “E, quando já era dia, chamou a Si os Seus discípulos, e escolheu doze deles, a quem também deu o nome de apóstolos” (Lc 6:13). Um conhecimento pessoal de todo o curso ministerial do Senhor era a qualificação original e necessária de um apóstolo. Isso foi afirmado por Pedro antes da eleição de um sucessor para o traidor Judas. “É necessário, pois, que, dos varões que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre nós, começando desde o batismo de João até ao dia em que dentre nós foi recebido em cima, um deles se faça conosco testemunha da Sua ressurreição” (At 1:21-22). Por essa comunhão íntima e pessoal com o Senhor, eles eram particularmente adequados para serem as testemunhas de Seu caminho terrenal. Ele mesmo os descreve como “os que tendes permanecido comigo nas Minhas tentações” (Lc 22:28).
Os três escolhidos
Pedro, Tiago e João, e ocasionalmente André, sempre foram os companheiros mais íntimos do bendito Senhor. Apenas os três primeiros foram admitidos na ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5; Lucas 8). Somente os mesmos três apóstolos foram autorizados a estar presentes na transfiguração (Mateus 17; Marcos 9; Lucas 9). Foram os mesmos três que testemunharam Sua agonia no Getsêmani (Mateus 26; Marcos 14; Lucas 22). Mas os quatro, Pedro, Tiago, João e André, se juntam quando perguntam ao Senhor, em particular, sobre a destruição do templo (Marcos 13).
Assim como a mudança no nome de Pedro, ou a adição a ele, os filhos de Zebedeu recebem o sobrenome Boanerges, ou “filhos do trovão” (ARA). Grande ousadia e fidelidade podem ter levado Tiago a ser escolhido por Herodes como o primeiro a ser preso e silenciado. Não é de admirar que “o filho do trovão” e “o homem pedra” sejam os primeiros a serem presos. Mas Tiago tem a honra de ser o primeiro dos apóstolos a receber a coroa do martírio, no ano 44 d.C. Pedro foi resgatado por um milagre.
O zelo de uma mãe e a ambição de seus filhos levaram Salomé a pedir lugares muito distintos no reino para seus dois filhos. O Senhor permitiu que a petição passasse com uma repreensão bem branda, mas disse aos irmãos que eles deveriam beber de Seu cálice e serem batizados com Seu batismo. Tiago foi chamado cedo para realizar essa afirmação. Após a ascensão, ele é visto em companhia dos outros apóstolos em Atos 1, e então ele desaparece da sagrada narrativa até sua prisão e morte em Atos 12. E ali nos é dito simplesmente, na breve linguagem do inspirado historiador, que o rei Herodes matou Tiago, irmão de João, à espada.
A família de Zebedeu
João era filho de Zebedeu e Salomé e o irmão mais novo de Tiago. Embora seu pai fosse pescador, parece, pela narrativa do evangelho, que eles estavam em boas circunstâncias. Alguns dos antigos falam da família como sendo rica e até mesmo como tendo conexões com a nobreza. Mas essas tradições não são conciliáveis com os fatos da Escritura. Lemos, no entanto, sobre seus “empregados”, e eles podem ter possuído mais de um barco. E Salomé, não duvidamos, era uma daquelas mulheres honradas que ministravam ao Senhor com os seus bens. E João tinha uma casa própria (Lc 8:3; Jo 19:27). Assim, podemos inferir com segurança a partir desses fatos que eles se situavam consideravelmente acima da pobreza. Como muitos já foram ao extremo de falar dos apóstolos como pobres e analfabetos, achamos por bem notar as poucas indicações da Escritura sobre esses assuntos.
Nada sabemos a respeito do caráter de Zebedeu. Ele não fez nenhuma objeção a seus filhos o deixarem ao chamado do Messias. Mas não ouvimos mais nada sobre ele depois. Frequentemente vemos a mãe em companhia de seus filhos, mas nenhuma menção ao pai. É provável que ele tenha morrido logo após o chamado de seus filhos.
Os filhos do trovão
O evangelista Marcos, ao enumerar os doze apóstolos (cap. 3:17), quando menciona Tiago e João, diz que nosso Senhor a eles “pôs o nome de Boanerges, que significa: Filhos do trovão”. Sem dúvida, em uma ou duas ocasiões, seu zelo foi intemperante, mas isso foi antes de eles entenderem o espírito de seu chamado. Mais provavelmente nosso Senhor tenha dado a eles esse nome como profético do seu ardente zelo em proclamar aberta e corajosamente as grandes verdades do evangelho, depois que se familiarizaram completamente com elas. Temos certeza de que João, em companhia de Pedro, nos primeiros capítulos de Atos, demonstrou uma coragem que não temia ameaças e não se intimidava com nenhuma oposição.
A julgar pelos seus escritos, João parecia possuir uma disposição singularmente afetuosa, branda e amável. Ele foi caracterizado como “o discípulo a quem Jesus amava”. Em várias ocasiões, ele foi admitido em comunhão íntima e livre com o Senhor (João 13).
“O que distinguia João”, diz Neandro, “era a união das mais opostas qualidades, como frequentemente observamos em grandes instrumentos do avanço do reino de Deus – a união de uma disposição inclinada à meditação silenciosa e profunda, com um zelo ardente, porém não impelido a uma grande e diversificada atividade no mundo exterior, não um zelo apaixonado, como aquele que, supomos, enchia o peito de Paulo antes de sua conversão. Mas havia também um amor, não brando e flexível, mas que agarrava com toda a sua força e retinha firmemente o objeto ao qual era direcionado, repelindo vigorosamente qualquer coisa que pudesse desonrar esse objeto ou tentar arrancá-lo de sua posse, e essa era a principal característica de João”.
Na crucificação
A história de João está intimamente ligada às histórias de Pedro e Tiago. Esses três nomes raramente estão separados na história do evangelho. Mas há uma cena em que João fica sozinho e que deve ser observada. Ele foi o único apóstolo que seguiu Jesus até o local de Sua crucificação. E lá ele foi especialmente honrado com a consideração e a confiança de seu Mestre. “Ora, Jesus, vendo ali Sua mãe e que o discípulo a quem Ele amava estava presente, disse à Sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19:26-27).
Os últimos anos
Após a ascensão de Cristo e a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, João se tornou um dos principais apóstolos da circuncisão. Mas seu ministério vai até o final do primeiro século. Com sua morte, a era apostólica naturalmente se encerra.
Na Ásia Menor, ele plantou e cuidou de várias Igrejas em diferentes cidades, mas fez de Éfeso seu centro. Dali ele foi banido para a Ilha de Patmos, perto do fim do reinado de Domiciano. Lá, ele escreveu o Apocalipse (cap. 1:9). Ao ser libertado do exílio, pela ascensão de Nerva ao trono imperial, João retornou a Éfeso, onde escreveu seu evangelho e epístolas. Ele morreu por volta de 100 d.C., no terceiro ano do imperador Trajano, com cerca de cem anos de idade.
A. Miller
A Natureza Divina
João nos apresenta o que há de mais exaltado na comunhão, ou melhor, na natureza da comunhão; consequentemente, ele não toca no assunto da Igreja, como um objeto dos conselhos divinos, mas da natureza divina.
J. N. Darby
Os Escritos de João
Há uma conexão entre o evangelho de João, suas epístolas e o Apocalipse. A mesma verdade é proeminente em cada um desses três livros, mas cada um olha para essa verdade de uma perspectiva diferente.
João não foi o escolhido para comunicar a nós o chamado celestial, nem o Mistério, nem a organização das igrejas no deserto. Tais assuntos fluíam da caneta de um Paulo. João também não nos apresenta os efeitos da ressurreição do Senhor Jesus sobre aqueles dentre Israel que eram crentes, como fazem Pedro e Tiago. O assunto de João é a vida eterna e o que flui dela. A vida eterna que estava em Jesus é o assunto encontrado em toda parte nos escritos de João, mas cada uma de suas obras tem algo pelo qual se distingue das demais. No entanto, em todas elas há, como verdade governante, a vida eterna que estava em Cristo.
O evangelho
No Evangelho, temos a vida eterna que estava em Cristo Jesus, e a história dos sofrimentos que eram necessariamente Seus, já que Ele iria comunicar vida eterna a pobres pecadores. No momento em que tudo isso termina, Ele parte. Ele deixou a Terra para Se assentar, como Filho do Homem, à direita de Deus, na Majestade das alturas. As cortinas se fecham sobre as cenas de Sua carreira terrenal, e Ele é perdido de vista daqueles que são apenas homens sobre a Terra.
As epístolas
Nas epístolas, temos a corrente dessa vida eterna, que é vista fluindo d’Ele como sua fonte – uma fonte de água viva, colocada no meio do trono nas alturas. À medida que flui, ela traz à luz um povo celestial aqui embaixo e os enche, como santos do Deus vivo, durante sua peregrinação pelo deserto.
Apocalipse
No livro de Apocalipse, são os efeitos dessa vida eterna. Não é a vida manifestada no evangelho em Jesus em humilhação, nem, como nas epístolas, concedida pela fé a um povo celestial que está na Terra, mas o resultado desses dois testemunhos. Ele trata dos efeitos da vida eterna, segundo Deus, tanto sobre aqueles que não estão sujeitos a ela como sobre aqueles que estão, seja na Terra ou no céu. O Senhor, que tinha a vida eterna em Si mesmo, é o primeiro a manifestá-la aqui embaixo; Ele fez e sofreu tudo o que era necessário, seja para a comunicação dessa vida por parte de Deus, ou para o recebimento dela por parte de pobres pecadores. Sem aquilo que Cristo fez e sofreu, a santidade mantinha fechado o caminho da bondade divina, por um lado, e, por outro, o pobre pecador nunca poderia ser livre diante de Deus. Quando tudo foi feito, Sua graça começou em Jerusalém. Rejeitado ali, Ele deu a bênção a Seus santos propriamente ditos, um povo preparado para os lugares celestiais. Finalmente, devem ser manifestados o que é a glória de Sua Pessoa e qual é o julgamento que Deus formou a respeito d’Ele. Ele deve reinar sobre a Terra sobre um povo terrenal, a quem Ele Se manifestará na glória celestial que Ele deu à Sua noiva celestial. O resultado final da humilhação do Filho será que tudo o que não se humilhar sob Ele será julgado, pois convém a Deus fazer brilhar a luz dessa vida eterna; é necessário que Ele torne manifesto, tanto na Terra como no céu, qual o Seu julgamento a respeito da obra de Seu Filho. Se o Filho de Deus Se tornou Filho do Homem, Ele é a ressurreição e a vida, e, como tal, tudo relacionado ao homem deve ser apresentado à luz de Sua glória.
A glória divina deve ser plenamente manifestada, aquela glória que a vida eterna, manifestada em Jesus como Filho do Homem, vindicou, até mesmo no momento em que Ele foi rejeitado.
Tudo confiado ao Filho
O que temos em Apocalipse parece estabelecido naquilo que encontramos apresentado em João 5: “E o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo, para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai, que O enviou... Porque, como o Pai tem a vida em Si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em Si mesmo. E deu-Lhe o poder de exercer o juízo, porque é o Filho do Homem”. Assim também em Atos 10:42: “E nos mandou pregar ao povo e testificar que Ele é o que por Deus foi constituído Juiz dos vivos e dos mortos”. Em Atos 17:30-31, lemos: “Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia [manda – TB] agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam, porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do Varão que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-O dos mortos”. A mesma doutrina é encontrada em outras partes da Escritura.
O Filho de Deus tornou-Se Filho do Homem, a fim de revelar a graça de Deus a pobres pecadores. Portanto, Deus dá, na Terra, testemunhos d’Ele, mas os resultados de tais testemunhos em graça devem ser totalmente manifestados. As igrejas, o estado da Terra como um todo, o estado dos Judeus, o estado das nações, o poder de Satanás, licenciado pela natureza carnal dos homens deste mundo, que negaram a Deus tanto em Seu governo quanto em Sua adoração – todas as coisas devem ser manifestadas em seu verdadeiro caráter por Jesus, e, depois de manifestadas, Ele as julgará – colocando-as de lado para estabelecer o reino milenar. Assim, temos a vida eterna claramente expressada: primeiro, em Jesus, perfeitamente e de acordo com as reivindicações de Deus e o estado de coisas na Terra (como no evangelho de João); segundo, por meio do Seu Espírito em um povo fraco (como nas epístolas); e terceiro, o triunfo dela sobre todas as coisas, independentemente de seu caráter (como em Apocalipse). Tais são a verdade que governa e os pensamentos que distinguem os escritos de João.
G. V. Wigram (adaptado)
O Evangelho de João
O Evangelho de João tem um caráter especial, que impressionou a mente de todos aqueles que lhe deram um pouco de atenção, mesmo que nem sempre tenham entendido claramente o que produziu esse efeito. Não só impressiona a mente, mas atrai o coração de uma maneira que não pode ser encontrada nas outras partes do Livro sagrado. A razão para isso é que o Evangelho de João apresenta a Pessoa do Filho de Deus – o Filho de Deus que desce tão baixo que Ele pode dizer: “Dá-Me de beber”. Isso atrai o coração, se o coração não estiver completamente endurecido. Se Paulo nos ensina como um homem pode ser apresentado diante de Deus, João apresenta Deus diante do homem. Seu assunto é Deus e a vida eterna em um Homem, com o apóstolo seguindo o assunto na epístola, mostrando-nos essa vida reproduzida naqueles que a possuem ao possuírem Cristo. Falo apenas dos principais elementos que caracterizam esses livros, pois muitas outras verdades além daquelas que acabei de observar são encontradas neles, é desnecessário dizer. De fato, é o Evangelho de João que nos dá a doutrina do envio do Espírito de Deus, o outro Consolador, que permanecerá conosco para sempre.
Mateus, Marcos e Lucas
O Evangelho de João se distingue muito claramente dos outros três evangelhos sinóticos, e faremos bem em considerar o caráter destes últimos, principalmente no que diz respeito à diferença entre eles e o Evangelho de João. Os três evangelhos sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas, fornecem os mais preciosos detalhes da vida do Salvador aqui embaixo, de Sua paciência e Sua graça: Ele era a perfeita expressão do bem no meio do mal; Seus milagres (com exceção da maldição da figueira) eram todos milagres de bondade – a expressão do poder divino manifestado em bondade. Aqui encontramos o bem; o próprio Deus, que é amor, agindo segundo a graça que logo seria claramente revelada. Assim foi o bendito Salvador apresentado ao homem, para ser reconhecido e recebido: Ele foi desconhecido e rejeitado. Algo mencionado frequentemente é que cada um dos três evangelistas apresenta o Salvador em um aspecto diferente: Mateus traz diante de nós o Emanuel no meio dos Judeus; Marcos, o Profeta Servo; Lucas nos dá o Filho do Homem, mais em relação ao que existe atualmente, isto é, a graça celestial. Mas todos os três, em geral, apresentam o Salvador em Seus pacientes caminhos de graça neste mundo, para que o homem O receba, e o homem O rejeitou! O Evangelho de Marcos, relacionado ao serviço de Jesus, não tem genealogia. Mateus, em relação aos Judeus e às dispensações terrenais, traça o Salvador desde Abraão e Davi e também mostra as três coisas que substituem o Judaísmo, isto é, o reino como ele existe no tempo presente (cap. 13), a Igreja (cap. 16) e o reino em glória (cap. 17). Lucas, que nos apresenta a graça no Filho do Homem, segue Sua genealogia até Adão. Esses três evangelhos sempre falam de Cristo como um Homem aqui embaixo, apresentado aos homens historicamente, e eles seguem seu relato até que Ele seja decididamente rejeitado, anunciando então Sua entrada na nova posição que Ele assumiu pela ressurreição. A ascensão, que é o fundamento de nosso lugar atual, é dada somente em Lucas diretamente; alusão a ela é feita nos últimos versículos suplementares em Marcos.
O que é diferente em João
O Evangelho de João considera o Senhor de outra maneira. Ele nos apresenta uma Pessoa divina que desceu até aqui, Deus manifestado neste mundo – um fato maravilhoso, do qual tudo depende na história do homem. Não é mais uma questão aqui de genealogia; não é mais o segundo Homem responsável para com Deus (embora isso seja sempre verdade) e perfeito diante de Deus e todo o Seu deleite, enquanto vemos em cada página que não é mais o Messias segundo a profecia; não é mais o Emanuel, Jesus, que salva o Seu povo; não é mais o mensageiro que comparece diante de Sua face. Em João, é o próprio Deus, como Deus, que em um Homem Se mostra aos homens, aos Judeus, pois Deus O havia prometido – mas antes de tudo para colocá-los inteiramente de lado (cap. 1:10-11), mostrando ao mesmo tempo que nada no homem podia sequer compreender Quem estava ali presente com ele. Então, no final do Evangelho, encontramos a doutrina da presença do Espírito Santo, que deveria substituir Jesus aqui embaixo, revelando Sua glória nos céus e nos dando a consciência de nossos relacionamentos com o Pai e com Ele. Também é de salientar que todos os escritos de João, e entre eles o seu evangelho, olham para o Cristão como um indivíduo e não reconhecem a Igreja, nem como o corpo nem como a casa. Além disso, o Evangelho de João trata da vida eterna; ele não fala do perdão dos pecados, exceto como uma administração presente confiada aos apóstolos, e, no que diz respeito a Cristo, ele trata essencialmente do assunto da manifestação de Deus aqui embaixo e da vinda da vida eterna na Pessoa do Filho de Deus; consequentemente, ele praticamente não fala da nossa porção celestial, com a exceção de três ou quatro alusões. Mas é hora de deixar essas reflexões gerais, para considerar o que o evangelho em si nos ensina.
A estrutura do evangelho
Antes de tudo, então, vejamos sua estrutura. Os três primeiros capítulos são preliminares. João Batista ainda não havia sido preso, e Jesus, embora ensinasse e realizasse milagres, ainda não havia iniciado Seu ministério público. Os dois primeiros desses três capítulos, até o capítulo 2:22, formam um todo. O capítulo 3 nos dá a base da obra divina em nós e para nós – isto é, o novo nascimento e a cruz, esta última introduzindo coisas celestiais quanto a nós e ao próprio Jesus. No capítulo 4, Jesus passa da Judeia para a Galileia, deixando os Judeus que não O receberam, e toma o lugar de Salvador do mundo em graça. No capítulo 5, Ele dá a vida como Filho de Deus; no capítulo 6, Ele Se torna, como Filho do Homem, o sustento da vida, em Sua encarnação e em Sua morte. O capítulo 7 nos mostra que o Espírito Santo deveria substituí-Lo – a festa dos Tabernáculos, o restabelecimento de Israel, que acontecerá depois. No capítulo 8, Sua palavra é definitivamente rejeitada; no capítulo 9, Suas obras, mas o homem que recebeu a visão O segue. Assim, no capítulo 10, Ele terá Suas ovelhas e as guardará para coisas melhores por vir. Nos capítulos 11 a 12, Deus dá testemunho d’Ele, como Filho de Deus, pela ressurreição de Lázaro; como Filho de Davi, por sua entrada em Jerusalém; como Filho do Homem, pela vinda dos gregos, mas esse título de Filho do Homem trouxe consigo a morte, um assunto que é então considerado. Betânia é uma cena por si só; Maria apreendeu em seu coração a posição de Jesus; Aquele que deu a vida deve Ele próprio morrer. Seu título de Filho do Homem encerra a história de Jesus aqui, apresentando-O pela morte e pela redenção em uma esfera de glória muito mais ampla. Mas então (cap. 13) surgiu naturalmente a questão: Jesus deixaria Seus discípulos? Não; sendo glorificado no alto, Ele lavaria os pés deles. Mas para onde Ele foi, os discípulos não podiam segui-Lo agora. No capítulo 14, encontramos os recursos de consolo durante o tempo da ausência do Senhor. O Pai já havia sido revelado n’Ele durante Sua vida aqui. Quando tivesse retornado para os céus, Ele enviaria outro Consolador; por meio d’Ele, os discípulos conheceriam que Ele estava no Pai, e eles n’Ele, e Ele neles. O capítulo 15 nos mostra a relação dos discípulos com Ele na Terra, tomando o lugar dos Judeus; o lugar dos discípulos diante do mundo, o dos Judeus ao rejeitá-Lo, e depois o Consolador. O capítulo 16 nos diz o que o Espírito Santo faria quando viesse; do que Sua presença seria a prova no mundo e o que Ele ensinaria aos discípulos, colocando-os ao mesmo tempo em relacionamento imediato com o Pai. No capítulo 17, o Senhor, assumindo Sua posição em razão da realização de Sua obra e a revelação do nome do Pai, coloca os Seus em Sua própria posição diante do Pai e diante do mundo; o mundo é julgado, por ter rejeitado o Senhor, e os Seus são deixados aqui em Seu lugar. Em seguida, nos capítulos 18-19, temos a história da condenação e crucificação do Senhor; no capítulo 20, Sua ressurreição e manifestação de Si mesmo a Seus discípulos, bem como a missão deles. O capítulo 21 nos dá Sua conversa com os Seus na Galileia, a restauração de Pedro e a profecia de Jesus sobre ele e sobre João.
Collected Writings of J. N. Darby
As Epístolas de João
Na primeira epístola profundamente interessante de João, temos as evidências intrínsecas do poder do Cristianismo fluindo de Deus. Temos seu caráter essencial e interno de natureza permanente; nossa força nele, ao nos proporcionar comunhão com o Pai e com Seu Filho Cristo Jesus, e, no conhecimento de Seu amor, segurança contra a altiva assunção de sedução anticristã. Isso é efetuado internamente pelas duas evidências pessoais, em que Ele deu Sua vida e “por Seu Espírito habitando em nós”. Externamente, guardamos Seus mandamentos e amamos os irmãos. A unidade do testemunho da glória de Cristo, no Espírito, na água e no sangue, é declarada nesta epístola, e o testemunho interno e externo são distinguidos. Um é a bênção do crente; o outro, a condenação do mundo. O livro termina com o contraste geral: “Sabemos que somos de Deus e que todo o mundo está no maligno”. “E sabemos que já o Filho de Deus é vindo e nos deu entendimento”. O próximo ponto é: “para conhecermos O que é verdadeiro”, e o próximo: “nO que é Verdadeiro estamos, isto é, em Seu Filho Jesus Cristo”. “Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna”. Amém! Todo o resto é apenas “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos”.
Quão abençoado é o testemunho de que em Jesus estamos no verdadeiro Deus e – o que é nossa porção, e bênção, e conforto eterno nisto – a vida eterna n’Ele! Em Jesus, temos a vida eterna e, em associação com Ele, somos capacitados para entender e desfrutar de tudo que está n’Ele, o Senhor e verdadeiro Deus.
Na segunda e terceira epístolas, temos o cuidado individual, vivo e fiel do Espírito no apóstolo para que ninguém caia na sedução de perder a verdadeira doutrina de Cristo: quem falha aqui, ou seja, não permanece aqui, não tem Deus, e é dada direção para a ousadia implacável na rejeição daqueles que participam de suas obras más, a direção sendo, em uma, para não receber sedutores, ou seremos participantes delas; na outra, para receber testemunhas fiéis da verdade, porque nelas somos participantes da verdade. Ambas as epístolas se apoiam nisto: “andando na verdade” (AIBB); elas são os detalhes do Cristianismo, tais como se desenvolvem no serviço.
J. N. Darby
João e o Apocalipse
Vamos examinar qual é a natureza e o caráter do livro de Apocalipse. É um livro de julgamentos, mas é especialmente João quem traz esse ponto de vista, enquanto fala das verdades relacionadas à nossa salvação, especialmente a presença do Espírito Santo, e, na epístola, de propiciação. Em seu evangelho, é o Filho que veio como vida, a vida sendo a luz dos homens. Na epístola, isso é tomado como base, e a vida é comunicada a nós, e sua existência testada por seu verdadeiro caráter de nos proteger contra os enganadores. É notável que, exceto em algumas passagens que vêm para completar a verdade aqui e ali (e são muito poucas e curtas), João nunca vê essa vida levada ao seu resultado final no propósito de Deus, mas manifestada neste mundo, seja no próprio Cristo ou em nós. O fato de que subiremos ao alto para a casa do Pai é algo abençoadamente declarado no começo de João 14 e desejado no final do capítulo 17, mas não é em nenhum lugar o assunto geral.
João apresenta a Pessoa divina do Filho em vida (e isso em graça em carne, o amor divino mostrando a si mesmo e ao Pai), em Sua abençoada superioridade ao mal e, por isso, a extrema doçura dos escritos que ele nos deu pelo Santo Espírito – e, como o amor divino faz, adaptando-se à necessidade e tristeza ao seu redor, a tudo o que o coração humano poderia precisar, e ainda assim sempre luz. Em João, não temos o homem sendo levado ao céu, por assim dizer, mas temos o próprio Deus em graça, o Filho revelando o Pai na Terra. O evangelho e a epístola, como vimos, revelam essa vida em si mesma ou em nós, mas o evangelho (pois a epístola nos dá a vida entre a partida e a volta do Senhor) nos dá no final um indício do apóstolo mantendo um testemunho da vinda de Cristo. Ele não disse que João não morreria, mas que, se Ele quisesse, ele ficaria até que Ele viesse. Paulo podia edificar a Igreja, pôr seu fundamento como sábio arquiteto; Pedro podia ensinar um peregrino a seguir Aquele que ressuscitou e que, pela Sua ressurreição, o havia gerado de novo para uma viva esperança – como seguir seu Mestre pelo deserto, no qual, afinal, Deus ainda governava. Estes, e outros, também alertam quanto aos males que hão de vir. Mas aquele que era tão pessoalmente próximo de Cristo – esse (o discípulo a quem Jesus amava) podia zelar, com o poder do amor divino, pelas glórias da Igreja na Terra, que estavam desaparecendo, na energia de uma vida que não podia falhar nisto. E ele poderia passar, com uma visão profética, a estabelecer os direitos da mesma Pessoa (fora e por parte do céu, mas ainda assim) na Terra – direitos, cujo estabelecimento deve trazer paz à Terra, e abolir o mal, e fazer valer esses direitos, onde o profeta os havia visto desprezados, em Um que ele tanto amava, manifestado na Terra, e conectar a excelência do glorificado Sofredor com a bênção de um mundo resgatado, o qual a graça poderia abençoar por meio d’Ele, embora já O tivesse rejeitado antes. A maneira de realizar isso, com o histórico anterior da Igreja de falha, é o que nos é dado no Apocalipse, com a Pessoa profeticamente conhecida e a glória de Cristo Se conectando, primeiro com a assembleia responsável na Terra, embora depois judicialmente, e depois com a Terra.
J. N. Darby
Filhos de Deus
É somente pelas abundantes riquezas da graça de Deus que qualquer um de nós somos Seus filhos, e, porque é totalmente por graça, deve ser, portanto, baseado no princípio da fé, e não das obras. No entanto, é algo muito abençoado saber disso pela autoridade da Palavra de Deus como uma certeza divina, mas ainda mais abençoado ter o gozo deste novo e eterno relacionamento pela verdade sendo trazida ao nosso coração no poder do Espírito Santo. “O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus”. Outro apóstolo inspirado diz: “Amados, agora somos filhos de Deus” (Rm 8:16; 1 Jo 3:2). É praticamente impossível que algo possa ser mais simples ou dito de modo mais definitivo. Não existe “se” ou “mas” na frase; não há “na esperança de ser” ou espaço para sombra de “dúvida”. O fato é inconfundivelmente estabelecido que todos os que verdadeiramente creem no Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, são “filhos de Deus”. Nunca nos esqueçamos de que isso é o que o Espírito de Deus ensina e é, portanto, a verdade de Deus, e não a opinião do homem.
Depois que ouvimos e cremos no evangelho da nossa salvação, recebemos o perdão dos pecados, e o Espírito Santo é dado para habitar em nós como o selo de Deus, Sua unção, o penhor da herança, para nos guiar também e nos ensinar, para que possamos conhecer e desfrutar, pela autoridade da Escritura, do nosso novo e eterno relacionamento de filhos. Ele testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus, e é uma fonte inesgotável de santo gozo, ação de graças e louvor. Dessa maneira a alma começa a conhecer Deus como Pai.
Herdeiros
Isso não é tudo, pois somos instruídos ainda: “se nós somos filhos, somos, logo, herdeiros também, herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo; se é certo que com Ele padecemos, para que também com Ele sejamos glorificados” (Rm 8:17). Não deixemos isso passar levianamente, mas consideremos até que ponto conhecemos e desfrutamos desse abençoado relacionamento com Deus para o qual fomos trazidos. Lembremos que temos “gozo e paz em crer” (JND), não apenas em conhecer a doutrina, mas em receber a verdade dela em nosso coração como da boca de Deus. Assim, nos alimentando das palavras de Deus para nós, tornando-as nossas, vivemos dia após dia no conforto desse relacionamento imutável e eterno. Por mais piedosos que pareçamos, não podemos andar como filhos de Deus, a menos que saibamos que somos Seus filhos. Muitos dirão: “Sim, eu entendo” ou “Eu sei disso há alguns anos”, mas viver dia após dia desfrutando disso como uma realidade estabelecida e olhar para a bendita perspectiva que nos é apresentada produz alegria no coração e santa liberdade como nada mais pode. Não deixemos então de receber de Deus por Sua Palavra e desfrutar diante d’Ele a surpreendente verdade de que Sua própria graça insondável nos fez Seus filhos para cuidar e confortar para sempre para Seu próprio louvor e glória eternos.
O Espírito Santo
Observe também que o Espírito que nos foi dado para nos fazer conhecer que somos filhos de Deus é mencionado como “o Espírito de Seu Filho”, para que possamos ter, em nossa medida, Seus próprios sentimentos e afeições, e que Ele também é chamado de “o Espírito de adoção”, para nos fazer perceber nossa posição e nos dar pensamentos, sentimentos e afeições adequados ao Aba, Pai. Nosso Senhor orou para que o amor com o qual o Pai O amava possa estar em nós, e Ele também Se referiu a um tempo em que o mundo saberá que o Pai nos amou como Ele O amava. Preciosa graça! O Espírito Santo também é nosso Guia. “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus”. E que seja lembrado que Ele está aqui também para nos guiar a toda a verdade. Ele nunca é mencionado como nos dirigindo, mas com toda a ternura de uma ama amorosa guiando as crianças pequenas. Isso está em total consonância com o amor divino, e ser guiado por Ele é uma marca da filiação.
Quanto a esse guiar do Espírito de Deus, é fácil dizer: “Eu sou guiado pelo Espírito a fazer isso ou aquilo”, mas é certo que Ele nunca nos leva a ter confiança na carne ou a cobiçar uma posição no mundo, que crucificou o Senhor da glória, ou a fazer algo contrário à Sua Palavra. Sem dúvida, Sua maneira usual de guiar é pela Palavra escrita, embora, quanto ao tempo, lugar, circunstâncias e outros detalhes, se andarmos na verdade, observarmos Seus olhos e mãos, não tendo nossa vontade própria em atividade, mas com toda humildade tendo o olho para a Sua glória, Ele certamente guiará. O Espírito é Aquele que glorifica e testifica do Filho de Deus, e Ele toma das coisas do Pai e do Filho e as mostra para nós. Estes são marcos importantes para nunca se perder de vista. Separar, portanto, as operações do Espírito de Deus do testemunho da Palavra escrita e da Pessoa do Filho seria enganoso e não sadio.
Comunhão
O Espírito Santo nos leva a uma associação consciente com Cristo. Mesmo que Ele nos ocupe conosco mesmos para nos reprovar por causa do pecado, é para nos levar com julgamento próprio à presença de Deus. Como somos chamados à comunhão do Filho de Deus, nos separar d’Ele é descer aos pensamentos da carne. A comunhão com o Pai e o Filho é o estado normal do filho de Deus, e ela é mantida apenas no poder do Espírito Santo. O mundo não recebe o Espírito Santo porque, como nosso Senhor disse, ele “não O vê, nem O conhece”. Aos Seus discípulos, no entanto, Ele acrescentou abençoadamente: “mas vós O conheceis, porque habita convosco e estará em vós” (Jo 14:17). Todos os crentes que sabem que são filhos de Deus conhecem, em alguma fraca medida, o Espírito Santo e algo de Suas graciosas operações e maneiras. Aqueles que têm o Espírito de Deus habitando neles têm uma consciência pessoal do amor de Deus, pois ele é derramado em seus corações; eles se deleitam em se curvar a Jesus como seu Senhor, bem como seu Salvador. Eles sabem que são filhos de Deus. Eles percebem também Seu poder em ministrar a eles as coisas preciosas do Filho de Deus, enquanto atrai seus corações para cima, para Cristo, e para fora, por Cristo.
H. H. Snell, The Christian Friend, 17:18
O Melhor Vinho
Quando da festa da vida a glória se foi
E o cansaço se arrasta,
Quando em teus lábios o pão se tornou em cinzas
E todo o vinho acabou.
Então encha os jarros mais uma vez, mas apenas com água,
E encha-os até a borda;
E aos convidados esperando em volta de tua mesa
Despeje o teu melhor por Ele.
Seu poder só aguarda teu pequeno esforço
Para adicionar Seu poderoso toque,
Transformando teu pobre dom em Sua rica safra,
Fazendo teu pouco muito.
Então conhecerás de novo o gozo de servir
Que tu pensavas que havia passado,
E descobrirás que o Mestre da festa deu
O melhor vinho no final.
A. J. Flint
“Ora, um de Seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus”
João 13:23
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