Os Evangelistas - Parte 11 (Lucas 18:9 - 21:38)
- J. G. Bellett (1795-1864)
- 1 de abr.
- 27 min de leitura

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ÍNDICE
Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos
J. G. Bellett
Parte 11
Lucas 18:9-30
Aqui encontramos outro assunto, da mesma forma, claramente considerado.
Há três cenas nesta porção do nosso Evangelho, duas das quais temos em Mateus e em Marcos. Nosso evangelista não chama a atenção para suas circunstâncias em tempo ou lugar, mas parece apresentá-las juntas com o propósito de ilustrar um grande assunto moral, de acordo com sua maneira usual.
O assunto é nossa forma de se aproximar de Deus, ou de entrar no reino; e segue apropriadamente a cena anterior, na qual a natureza do reino foi considerada e ensinada; como vimos. Na parábola do fariseu e do publicano, no caso dos pequeninos, e do jovem príncipe, somos ensinados quais são as características daqueles que entram, e têm suas boas-vindas, no reino.
É a renúncia do “eu” em todas as formas. Este é o nosso chamado, nossa perfeição; abandonar tudo o que é do homem, ou da carne, ou do mundo – para que possamos ser estabelecidos de maneira certa e com gozo no próprio Deus, e em Sua rica provisão para nós.
Esses três casos expõem essa renúncia própria. O pobre publicano de coração quebrantado fez isso; o pequenino faz isso; o jovem príncipe, se tivesse se tornado um seguidor do Senhor, teria feito isso. Por essas instâncias, e Suas reflexões sobre elas, o Senhor abre essa doutrina. Os apóstolos, depois, sob o Espírito Santo, prosseguem com ela mais completamente. Pois o esvaziamento completo da criatura, ou a renúncia da carne, é, não precisamos dizer, essencial para a obediência de fé.
A lei tinha vindo previamente buscando o bem na carne, ou fruto dela para Deus. Mas não encontrou nenhum. O Filho de Deus, ao contrário, veio de tal forma que condenou o pecado na carne (Rm 8:3). Paulo, portanto, em sua doutrina, deu fim à carne por completo. Ele a viu como um grande naufrágio – ainda não totalmente fora de vista, ou ido para o fundo, mas foi deixada por ele para ela perecer em sua própria corrupção. Ele havia sido lançado em um novo mundo, em uma nova criação, com o Filho de Deus ressuscitado.
É edificante notar o fervor e a determinação com que, em cada forma e pretexto da carne, Paulo escapa dela ou a renuncia. Ela está sujeita à condenação? Sim, mas Cristo suportou o juízo dela, e ele, um crente em Cristo, é livre. A carne tem sua religião? Ele considera tudo como perda e escória; suas ordenanças e observâncias, sua escravidão e medo, ele nega e recusa a tudo, gloriando-se na justiça de Deus pela fé. Ela tem sabedoria? Sim; o mundo tem seus príncipes – o sábio, o escriba e o inquiridor; mas Paulo insiste que Deus tornou tudo isso como loucura, e deseja apenas aquela sabedoria que o Espírito esquadrinha e revela. Paulo escapa de tudo a que foi exposto; ele renuncia a tudo o que poderia almejar. Ele não estava nela, mas em Cristo ressuscitado dos mortos por ele. E esta é fé gloriosa, que, desta maneira, deixa a carne em sua condenação, por um lado, e, por outro, a deixa muito longe, e para sempre atrás de nós em suas capacitações – seja de sabedoria, seja de justiça, seja de qualquer outra coisa.
Paulo tinha sido especialmente capacitado por Deus para ser uma testemunha da inutilidade do homem ou da carne em seu melhor estado. Pois se qualquer outro pudesse ter tido confiança na carne, ele mais ainda; como ele nos diz (Filipenses 3). Mas sua renúncia a ela expõe sua total vaidade, como sendo o ato de alguém que havia conseguido as mais justas e lisonjeiras realizações nela.
E é somente a fé que faz isso. Essa é a excelência transcendente da fé – fazer aquilo que nada mais pode fazer. Entre as virtudes, o amor é exaltado ao lugar principal (1 Co 13). Mas a fé faz o que nunca foi atribuído ao amor fazer. É aquilo que se apega à salvação de Deus para o pecador. E até chegarmos a Deus, o melhor de nós mesmos apenas nos mantém mais distantes d’Ele. O zelo de Paulo, uma coisa boa na carne, o levou a perseguir a Igreja. A sabedoria dos príncipes deste mundo os levou às trevas e à ignorância do mistério de Deus (1 Co 2). Eles eram príncipes, é verdade, os mais exaltados de sua geração, mas eram príncipes deste mundo; e o fato de serem príncipes ali apenas os fortalecia contra o Senhor da verdadeira glória. Pois com tais o mundo é o objeto; com Deus o mundo é julgado.
Retornando, no entanto, por outro momento, ao nosso evangelista, eu poderia observar que, no meio de todo esse ensinamento sobre renúncia própria, nos casos do publicano, dos pequeninos e do jovem príncipe, o próprio Grande Mestre pratica Sua própria lição. Jesus renuncia a Si mesmo. “Por que Me chamas bom? Ninguém há bom, senão Um, que é Deus”. Ele era bom, mas não olhava para Sua bondade. Isso era renúncia própria. O que Ele renuncia revela Sua glória pessoal e moral; o que temos que renunciar revela nossa vergonha e depravação; mas ainda assim, Ele pratica a lição que ensina e vai adiante como nosso Padrão. Temos isso novamente mostrado pelo apóstolo em Filipenses 2. Lá ele apresenta o Senhor Jesus esvaziando-Se a Si mesmo. Era, certamente, daquilo que era infinitamente ou divinamente glorioso; ainda assim Ele esvaziou-Se; e sobre isso Ele nos exorta a nos esvaziar de todo espírito de contenda e vanglória. Assim, há empatia; mas tal empatia como, enquanto Ele e nós somos encontrados nos exercitando – para falar dessa maneira – nas mesmas lições, ainda assim ela revela Sua perfeição em tudo, e nosso estado de desonra; de modo que podemos afirmar a empatia, mas com isso estamos falando apenas para Seu louvor e para nossa própria vergonha. E quando o apóstolo declara não somente nossa empatia, mas nossa unidade com Ele, a mesma aparece, pois embora um, Ele é o Santificador, e nós os santificados (Hb 2:11), características que falam alto e claro sobre a infinita distância moral que há pessoalmente entre nós, embora um no propósito de Deus.
Que a Mão graciosa, que nos redimiu como pecadores, amados, ainda nos conduza com segurança adiante como santos; e o Bom Pastor, que uma vez deu Sua vida por nós, nos alimente nas pastagens de Sua santa Palavra por amor ao Seu nome!
Lucas 18:31-43
Nesta porção do nosso Evangelho, que eu separo à parte, não há nada, talvez, de característico. O Senhor aqui, como nos lugares correspondentes em Mateus e Marcos, dirige-Se à Sua jornada, na plena antecipação das aflições e da morte em que ela logo terminaria.
Mas há n’Ele, durante toda essa jornada, a expressão de uma grandeza de alma que é perfeitamente maravilhosa e bendita. Ele tem Jerusalém, e Sua taça de tristeza ali, cheia diante d’Ele. Ele não encontra empatia naqueles que eram Seus. Ele não colhe admiração do mundo. É a cruz, e a vergonha dela também, que Ele é chamado a sustentar – sendo-Lhe negado todo o semblante favorável e apoio humano. No entanto, Ele continua sem o menor enfraquecimento possível de Sua energia em pensamentos e serviços para os outros. Nós nos consideramos no direito de pensar em nós mesmos, quando os problemas nos sobrevêm, e esperar que os outros pensem em nós também. Mas este Sofredor perfeito estava pensando nos outros enquanto Ele seguia em frente, embora cada passo de Seu caminho apenas O conduzisse a aflições ainda mais profundas; e Ele tinha motivos para julgar que nenhum passo de tudo isso seria aprovado pelo homem em troca. Seu próprio pequeno grupo, inclusive, não entendia as tristezas sobre as quais Ele estava falando a eles.
E aqui deixe-me observar que, enquanto, por meio deste Evangelho, temos notado nosso Senhor como o Mestre, tratando com os pensamentos, os corações e as consciências dos homens, não podemos deixar de observar o grande desconhecimento da Escritura que até os próprios apóstolos revelam continuamente. Não parece que foi o conhecimento prévio dos profetas que os preparou de antemão para as reivindicações de Jesus de Nazaré; nem depois, em seu relacionamento com Ele, eles parecem crescer em conhecimento. Eles se perguntam sobre uma coisa após a outra que Ele estava constantemente fazendo ou dizendo, embora tudo fosse “segundo as Escrituras”, ou “para que a Escritura se cumprisse”.
O coração deles, como o de Lídia depois, tinha sido aberto. As atrações que estavam em Jesus, tinham entrado e os separado de suas redes de pesca, de seus parentes e das mesas de publicanos. Então a consciência deles, em diferentes medidas, como a de Pedro, pode ter sido visitada por um raio convincente de Sua glória. Mas o entendimento deles permaneceu pouco influenciado.
Essa graça e bênção, no entanto, vieram no devido tempo. Depois que Ele ressuscitou dos mortos, quando todos os confortos de Seu próprio relacionamento pessoal com eles estavam prestes a terminar, “Então, abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras” (Lc 24:45); e o primeiro capítulo de Atos, antes que o Espírito Santo fosse dado, fornece uma amostra do fruto dessa nova capacitação – esse entendimento aberto para compreender as Escrituras. Tudo isso era um grande conforto na crescente tristeza e trevas da condição deles. Seu Senhor havia partido, e o inimigo ainda estava vivo e em poder, portanto a luz de Deus agora começava a derramar seus raios sobre os olhos abertos, para que assim, por nada menos que a luz de Deus, eles pudessem andar pelas trevas do mundo. Seu gracioso Mestre foi pessoalmente retirado, e seus entendimentos foram, consequentemente, abertos para conhecer os tesouros, os confortos e os fortalecimentos de Sua Palavra.
Mas ainda não era assim, como percebemos dessa passagem. O Senhor Se refere à Sua jornada, na antecipação da aflição e vergonha em que ela havia de terminar; mas Ele não obtém a empatia daqueles que foram os objetos dos Seus cuidados e de Seu ensinamento. Podemos certamente dizer que Sua jornada foi solitária – “Não animada por sorrisos terrenais”.
Devemos, no entanto, testemunhar o refrigério e o ânimo para Seu espírito, providos pela mão invisível do Pai. Pois essa mão atrai alguns pecadores a Ele; e, sob esse poder (João 6:44), eles vêm em fé a Ele, enquanto Ele agora Se aproxima daquela cidade culpada, onde os profetas haviam perecido. Ele não precisa despender nenhum esforço Seu sobre eles. Isso distingue de maneira bela esses casos. Eles são preparados para Seu desfrute, como pelo ensino e atração do Pai em segredo e a sós. E, como a alegria de uma colheita, eles são trazidos a Jesus nessas horas sombrias e solitárias: o mendigo cego, cuja fé vemos aqui; Zaqueu, que O encontra na próxima etapa do caminho; e o ladrão que morria, que O invoca bem no final do caminho. Esses são o Seu bom ânimo durante Sua jornada. Eles não Lhe custaram nenhum cuidado ou esforço, como aqueles que eram Seus companheiros diários. Ele não foi provado pela lentidão do coração deles, ou pela obscuridade de sua fé; mas foram para Ele como a alegria da colheita para o ceifeiro.
A forte decisão e inteligência de fé que aparece nesses casos é extremamente abençoada. O mendigo cego que temos aqui não se deixa abater pelo cerimonialismo religioso da multidão que não queria que “Jesus, o Nazareno” fosse incomodado, mas ele insiste em sua causa aos ouvidos e ao coração de “Jesus, Filho de Davi”. Aqui estava a fé em sua determinação e inteligência. Ele sabia o que e Quem Jesus era. E Jesus reconhece o bom ânimo e o refresco que essa fé Lhe rende. Pois Ele imediatamente atende ao chamado dessa fé e Se compromete inteiramente a ela, dizendo ao pobre homem: “Que queres que te faça?”
Assim o Deus da graça animou a jornada deste Ministro da graça, que trabalhava duro e viajava. Qual será a Sua satisfação quando Ele vir o fruto pleno do trabalho de Sua alma!
Lucas 19:1-27
Os estágios da jornada do Senhor são aqui muito distintamente marcados. Ele é visto, como no capítulo anterior, Se aproximando de Jericó, e agora passando por ela. Então em Seu caminho de Jericó para Jerusalém, ainda do lado de fora da qual Ele Se detém por um momento, e então entra formalmente na cidade. E aqui, como também em Mateus e Marcos, as cenas finais no julgamento e condenação da cidade também são notadas com muita precisão, sendo este o assunto destes dois capítulos, como Mateus 21-23, e Marcos 11-12.
Mas elas têm suas peculiaridades. A conversão de Zaqueu, uma pequena narrativa que exibe de forma impressionante a obra de Deus na alma do homem, é peculiar a Lucas. E a parábola dos Talentos, ou do homem nobre que foi para uma terra remota, aqui segue essa pequena narrativa, embora dada por Mateus em outra conexão; pois, aqui, essas duas cenas são feitas para ilustrar os vários propósitos da primeira e da segunda vinda do Senhor; sendo o caminho do Espírito em nosso evangelista, como observei, para combinar circunstâncias e questões de instrução, para que os fins morais possam ser alcançados no coração e na consciência, e para que os princípios e verdades do reino possam ser ilustrados diante de nós. Mas a parábola das bodas do filho do rei é omitida aqui, sendo introduzida, mais adequadamente com o desígnio do Evangelho, em Lucas 14. Pois ali assume um caráter geral ou moral; ao passo que, se tivesse sido introduzida aqui, teria tido uma aplicação mais estrita aos Judeus. Assim, a maldição sobre a figueira estéril não está aqui, nem a sentença sobre Jerusalém é amplamente e completamente pronunciada.
(Observei ao longo dessas meditações – assim como aqui, a respeito da parábola dos Talentos –, que Lucas não observa estritamente as circunstâncias e ditos em ordem temporal, porque seu propósito é moral. Nos Salmos 105 e 106 podemos observar exatamente o mesmo. O propósito do Espírito ali é moral e não histórico; isto é, vindicar Jeová em Seus tratamentos com Israel, e condenar Israel em seus tratamentos com Jeová; o salmista não dá os eventos aos quais ele se refere em sua sucessão, ou ordem temporal. Ele fala da praga das trevas antes daquela das moscas, e da rebelião de Corá antes da fabricação do bezerro de ouro. Isto está precisamente de acordo com o que atinge a mente em Lucas.)
Zaqueu, como observei na meditação anterior, foi um dos refrigérios fornecidos, pela graça do Pai, à alma cansada de Cristo, enquanto Ele estava em Sua jornada atual para a cidade. E o Senhor reconhece esse refrigério; pois Ele diz da conversão deste publicano, que estava respondendo ao propósito de Sua vinda: e, portanto, Ele deve ter provado nela algo do fruto do trabalho de Sua alma. O caráter desta conversão é simples e reconfortante. A ousadia de fé é notável aqui, como no caso anterior; Zaqueu sendo surdo às observações prejudiciais do mundo justo ou moral, como o pobre mendigo cego tinha sido para a formalidade e reserva religiosa do mundo. E o fruto da comunhão com Cristo, no lugar onde Ele estava dando ao pecador condenado as promessas de Seu favor, é trazido muito fresco e abundante.
A parábola que segue esta história feliz, como vemos claramente, e como observei brevemente antes, ilustra o grande propósito da segunda vinda do Senhor. Os profetas não distinguiram as duas vindas tão claramente. Pensamentos tanto de graça quanto de glória surgem de imediato e simultâneos a partir do que eles dizem sobre o advento do Messias. Isaías 61, ao qual nosso evangelista já nos levou, exemplifica isso (veja Lucas 4). A graça, a vingança e o reino aparecem ali em ordem e sucessão ininterruptas. Assim, o louvor e as palavras proféticas que acompanharam o nascimento de Jesus neste Evangelho contam novamente o mesmo (veja Lucas 1-2). Mas a necessidade de dois adventos surge formalmente sobre a incredulidade de Israel, e sua rejeição de seu Rei, eu digo formalmente, porque, é claro, “Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as Suas obras” (ACF). E a história de Cristo sob a figura da “Pedra”, à qual aqui se faz alusão, nos dá esses dois adventos exatamente neste princípio, e a consequente vingança que agora acompanhará o segundo.
Lucas 19:28 - 20:47
Jesus entra na cidade com dignidade real. O quinto período do nosso Evangelho começa com esta ação. A multidão assume o tom da ocasião e suas boas-vindas, seus ramos de palmeira e sua exultação, preenchem a cena desta procissão real. O clamor de um Rei estava entre eles. Mas a questão ainda era: Sião se regozijaria? Os filhos de Israel ficariam jubilosos em seu Rei? Jerusalém exultaria porque Ele estava vindo, manso e humilde, e montado em um jumento (Zc 9:9)?
Esta era a inquisição agora realizada. E sabemos a resposta. Em uma linguagem ou outra, todos os evangelistas a dão. “Não quisestes”, é dito aos filhos de Jerusalém. “Veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam”, é novamente a palavra sobre Israel. E todo o curso da ação aqui registrada dá a mesma resposta. Jerusalém – aquele “assento favorecido de Deus na terra, aquele céu abaixo do céu” – havia se contaminado. O templo é impuro; os anciãos do povo são descrentes; a hipocrisia e o amor ao mundo mancham os sacerdotes, escribas e principais; eles desafiam em vez de aceitar Jesus; e armadilhas e laços são colocados para Seus pés onde a coroa deveria ter sido preparada para Sua cabeça.
A ação desses capítulos, dessa forma, se junta ao testemunho universal contra Jerusalém; e Jesus tem que chorar por aquela “cidade de paz”. Ela tinha sido, antigamente, Seu desejo. “Este é o Meu repouso”, Ele havia dito sobre ela. E como os dons e o chamado de Deus são sem arrependimento, Ele não busca alívio em outras cidades aqui, mas chora por esta infiel. E, até que Jerusalém seja restaurada, a Terra, de uma ponta a outra, é um Boquim para o espírito de Jesus em Seus santos. O gozo deles é divino e celestial até então; pois a Terra não lhes concede gozo, se Jerusalém for desobediente.
É muito abençoado ver que o lugar que o Senhor escolheu para Sua morada na Terra foi Salém, a cidade da paz. Ali, em tempos muito antigos, Sua santa testemunha e ministro se manifestou (Gn 14). E assim, quando Ele mesmo realmente desceu à Terra, Ele veio como o “Príncipe da paz”, buscando Jerusalém; Seus arautos proclamando “Paz na Terra” (Lc 2). Mas o homem não estava pronto para isso. O homem havia construído anteriormente uma cidade de confusão (Gn 11); e os construtores de Babel dificilmente poderiam estar preparados para um rei de Salém. O “filho da paz” (ARA) não estava na Terra para responder à saudação do “Príncipe da paz” do céu. Jerusalém, em seus dias, não conhecia as coisas que pertenciam à sua paz. Ele tinha, portanto, como vemos aqui, apenas que chorar por ela. Seus cidadãos O recusaram, disseram que Ele não reinaria sobre eles; e Ele tem que retornar à “terra remota” (a sede suprema e fonte de todo poder), para tomar novamente o Seu título ao reino.
Tudo isso, no entanto, nos diz que, quando Ele retornar, será em um novo caráter. Seu retorno será em um “dia de vingança”, visto que esta visitação em “paz” foi recusada. E, ao prometer-Lhe este dia de vingança sobre os cidadãos, o Senhor diz a Ele, ao chegar àquela “terra remota”: “Assenta-Te à Minha direita, até que Eu ponha os Teus inimigos por escabelo de Teus pés”. A Pedra que foi primeiramente oferecida como pedra fundamental, firme e preciosa, foi rejeitada pelos edificadores; e, portanto, agora, antes que Ela possa alcançar Seu lugar de honra destinado (isto é, encher, como um grande monte, toda a Terra), Ela deve primeiro ferir a imagem. O reino que será tomado pelo Nobre que retorna deve primeiro ter todas as coisas que causam escândalo retiradas dele. A incredulidade e a rebelião do homem moldaram assim o curso do Senhor do céu e da Terra; e Ele agora tem que ascender à Sua glória e reino por meio de um “dia de vingança”. [Este dia de vingança será sobre os gentios, bem como sobre Israel; sobre “todas as nações” (Is 34, 63); pois Pôncio Pilatos com os gentios, bem como Herodes com os Judeus, rejeitaram a Pedra principal da esquina (Atos 4:27)].
Mas (que a Terra nunca mais tenha um momento tão irado), Ele ainda tomará a cidade da paz para ser Sua morada, e Salém ainda será fiel ao seu nome: como Ele diz por Seu profeta Ageu, “e neste lugar darei a paz”; pois somente esta é Sua “forte cidade” (Is 26); seus muros serão salvação, e seus portões louvor. A “cidade forte” do homem então terá sido transformada em ruína (Sl 108; Is 26). O dia da vingança terá cumprido isso, pois a cidade da confusão e a cidade da paz não podem permanecer juntas. E então, quando Ele tiver estabelecido Sua própria paz, com a derrubada da cidade da confusão do homem, a Terra aprenderá a responder à saudação do céu, e a dizer: “Paz no céu”, da qual as aclamações aqui nos dão a garantia e o exemplo (veja Lucas 2:14, 19:38).
É fácil apreender isso, e o curso desses dois capítulos apresenta tudo isso para nós de forma muito simples. O fato de Jerusalém estar despreparada para Jesus de Nazaré, explica a necessidade de dois adventos, e para o retorno do Nobre em um dia de vingança. Mas podemos observar que, no meio de tudo isso, embora tenha sido negado a Ele tudo no presente pelos filhos dos homens, ainda assim Ele age na consciência de Seu senhorio de tudo. Ele reivindica o jumento do seu dono, porque Ele poderia dizer, falando de Si mesmo, “O Senhor precisa dele”. E é muito impressionante que, no curso de Sua vida e ministério, embora Ele fosse o rejeitado Galileu o tempo todo, não havia forma da antiga glória que Ele não tenha assumido. Eu já observei como a fé às vezes afastava o véu, e revelava Sua glória. Mas agora eu pergunto, Que glória? Todas as glórias de Jeová conhecidas e registradas antigamente – todas as glórias que ensinaram a Israel que seu Deus era o único Senhor do céu e da Terra. Assim: Ele curou a lepra, a honra peculiar bem conhecida de Deus (2 Rs 5:7); Ele afastou todas as doenças, como o antigo Jeová-Rafá de Israel (Êx 15:26); Ele alimentou as multidões nos desertos novamente; Ele acalmou as ondas, como se pudesse novamente dividir o Jordão e o Mar Vermelho; e Ele fez os peixes trazerem-Lhe tributo, como aqui Ele reivindica o jumento, tratando a Terra e sua plenitude como todas Suas. Ele também preencheria a glória judicial de Jeová, quando a ocasião exigisse isso, pronunciando “ai” sobre o povo, ou deixando a cidade para a desolação; como, antigamente, Ele havia repetidamente julgado e castigado Seu povo, tanto no deserto quanto em Canaã. Todas as antigas formas de louvor e honra conhecidas em Jeová para Israel, Ele assim Se revestiu; o Redentor, o Líder, o Curador, o Alimentador e o Juiz também, de Seu povo. E, como que guiado pela fé de um gentio, Ele pôde mostrar-Se Um com Aquele que, no princípio, por Sua Palavra, havia feito os céus e a Terra, e todo o Seu exército (Lucas 7).
Pode muito bem ser um serviço feliz reunir esses fragmentos de Sua glória no meio de Sua humilhação. Mas posso observar ainda que as duas parábolas que ouvimos no decorrer desta ação nos conduzem, em grande medida, por todas as dispensações divinas. A parábola dos Trabalhadores na Vinha nos dá os tratamentos de Deus com Israel, desde o dia em que foram plantados como Seu povo em Canaã, até o tempo da missão e rejeição de Cristo, o Herdeiro da vinha. A parábola das Dez Minas retoma a economia divina a partir daquele momento e nos conduz por toda a era presente até a segunda vinda ou reino de Cristo. E em cada uma delas lemos sobre a ida do Senhor para uma terra remota (Lc 19:12, 20:9). O Senhor de Israel fez isso. Depois que Ele deixou Seu povo em sua herança, nos dias de Josué, Ele retirou-Se, em certo sentido, esperando que eles cultivassem a terra que Ele lhes dera, para Seu louvor na Terra. Mas a história deles e esta parábola nos contam a decepção total de todas essas esperanças. Então Cristo, o Herdeiro Rejeitado da vinha Judaica, fez isso também. Após Sua rejeição, Ele foi para a mesma “terra remota” (céu), deixando para trás, não uma porção terrenal aos cuidados dos trabalhadores Judeus, mas talentos, oportunidades de servi-Lo, com Seus servos, sob a promessa de Seu retorno com o pleno direito ao reino, para recompensá-los. E a parábola nos conta, assim como a história de nossa era presente nos contará, o final disto. Estas parábolas dão, desta maneira, uma visão muito completa dos grandes planos de Deus, surgindo aqui da maneira mais ingênua e natural, no curso desta ação.
Mas não é um pensamento terno o que é sugerido aqui – que os santos, nesta era, são deixados para servir seu Mestre em um lugar onde, após a mais completa deliberação, Ele foi recusado e expulso? Os cidadãos dela disseram que não O aceitarão; e o serviço, portanto, para ser totalmente de caráter correto, deve ser prestado com a lembrança desta rejeição.
E novamente; se a partir desta parábola aprendemos a natureza do serviço em geral, da história do servo inútil aprendemos a fonte do serviço. Este homem não conhecia a graça. Ele temia; ele julgou ser Cristo um homem austero; seu melhor cálculo era sair livre no dia do acerto de contas; a escravidão da lei encheu seu coração, e não a liberdade da verdade. Ele não era um Zaqueu, que carregava em sua alma, a alegria da comunhão com Jesus e a certeza de Seu amor, uma prontidão para dar metade de seus bens aos pobres e um propósito de restituir a qualquer um que ele tivesse prejudicado ainda mais do que a lei exigia. Mas este homem não era servo. Ele serviu a si mesmo, e não a Cristo. E assim fazem todos os que não começam conhecendo que Cristo os serviu primeiro, e que o serviço deles deve ser o serviço de amor grato. Amor grato! Quão feliz é o pensamento! Paulo serviu neste espírito. A vida que ele viveu, ele viveu pela fé no Filho de Deus, que o amou e Se entregou a Si mesmo por ele. O amor grato, no sentido de perdão selado e assegurado à sua alma, explica (sob o Espírito, certamente) a frutificação em Paulo; a falta desse amor – ignorância e desprezo por isso – no servo inútil, explica sua esterilidade.
Lucas 21
Assim nós o vimos – o Senhor de Israel, o Senhor da Terra e de sua plenitude, rejeitado pelos cidadãos da Terra; e Aquele que uma vez os visitou com um dia de paz, tomando Seu assento à direita do poder, esperando para visitá-los com um dia de julgamento (Lucas 20:42). Este foi o rumo do capítulo anterior, e este presente nos mostra mais completamente todos os resultados para Israel e Jerusalém desta rejeição de seu Rei; isto é, “os tempos dos gentios”, o período do abatimento de Jerusalém, com o fim desses tempos quando o Filho do Homem retornar.
Este capítulo corresponde, em seu propósito geral, a Mateus 24-25 e Marcos 13. Mas, entre outras distinções, podemos observar a pequena circunstância que o abre. E é muito peculiarmente na maneira de Lucas.
Esta pobre viúva contrasta com a nação em geral. Nosso Senhor lhe dá este lugar. Pelo menos, em contraste com aqueles que podem ser considerados como um exemplo da nação em sua riqueza mundana e importância própria religiosa. E como o Senhor de Israel aqui olha para esses dois juntos, assim os profetas de Israel fizeram o mesmo antes d’Ele. Eles veem a nação em apostasia, e o remanescente no meio dela; como as duas no moinho, ou os dois no campo, como já vimos. Pois, nos últimos dias, quando as coisas de Israel se tornarem novamente objeto da atenção divina, esses dois serão mais uma vez manifestados.
Foi fácil para o bendito Senhor passar dos ricos benfeitores nesta cena, para a viúva com suas duas moedas. Conhecemos bem Sua mente para pensar que poderia ter sido de outra forma. Seu Espírito em Seu profeta (Is 66:1-2) mostra algo maravilhoso, um pouco semelhante a isto. Ele vê o homem contrito e de coração quebrantado, e se volta para tal, em vez de para todas as obras magníficas de Sua própria mão. Os céus e a Terra são, foram e serão tanto Seu deleite quanto Sua glória, mas esse homem é “para quem” Ele preferirá olhar. As afeições mais profundas são despertadas ali.
Que conforto é esse! E quão facilmente nossas próprias afeições entendem isso? Pois aquilo que simpatiza com nossa mente ou gosto está realmente mais próximo de nós do que aquilo que serve aos nossos interesses. Aquele que, no exterior, nos assuntos da vida, proporciona nossa vantagem, não está tão próximo de nosso coração quanto aquele que pode assentar-se conosco e entrar nos regozijos de nossa mente e gosto. E assim é com nosso Deus. Aquilo que assegura Sua glória, como os céus e a Terra, é deixado de lado em favor do pecador humilhado que treme diante de Sua palavra. Ali a mente divina encontra seu objeto mais querido.
Quem desejaria que fosse de outra forma? Mas quem pode medir o consolo que nos vem disto?
Muitas vezes tem sido observado com que propriedade o Senhor, ao citar Isaías 61, interrompe a Si mesmo com as palavras “a anunciar o ano aceitável do Senhor” (Lucas 4:19-21); porque sendo as palavras que imediatamente seguem no profeta, “e o dia da vingança do nosso Deus”, o Senhor não poderia dizer delas, como disse das palavras precedentes: “Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos”, pois Seu ministério era de graça e não de julgamento para Israel. Mas agora, neste capítulo, o Senhor, por assim dizer, continua Sua citação do profeta, e continua a revelar “o dia da vingança” em ordem, como Ele nos diz no versículo 22, “para que cumpram todas as coisas” (não somente algumas, como antes) “que estão escritas”.
Este dia de vingança sobre Israel como nação se estende, em certo sentido, por todos estes atuais “tempos dos gentios”. A crise nos últimos dias é o caráter de todo o período. Eles são todos “dias de vingança”, como o Senhor aqui os chama, embora haja um período especial e visitação no final – “o dia da vingança”, como o profeta o chama (Is 34, 63). E, creio eu, é todo o período que nosso Senhor aqui, (em vez de nos capítulos correspondentes em Mateus ou Marcos) nos dá para olhar – aquele período sombrio e maligno, a porção de Jerusalém durante “os dias de vingança” ou “os tempos dos gentios”. E, consequentemente, em vez de apontar para “a abominação da desolação” (como é feito em Mateus e Marcos, e pela qual é descrito o último inimigo de Jerusalém), nosso evangelista tem a expressão mais geral, “quando virdes Jerusalém cercada de exércitos”; introduzindo “todas as árvores”, na parábola, em conexão com “a figueira” – sendo estas ainda outras marcas do caráter mais geral deste Evangelho, e da visão mais estendida das aflições de Jerusalém que o Senhor está aqui tomando. De fato, é somente Lucas que tem a expressão, “os tempos dos gentios”.
E sendo assim, o Senhor aqui olhando através da longa perspectiva das aflições de Jerusalém, a forte impressão deixada na mente, após ler este capítulo, é esta – que o grande propósito do Senhor era proteger Seus santos contra o pensamento de que o reino de Israel seria introduzido imediatamente ou em tranquilidade. Ele lhes diz que eles não deveriam contar com tais coisas, pois antes que o reino pudesse surgir, haveria juízos e dores. Alguns diriam: “o tempo se aproxima”; outros diriam “eu sou o Cristo”; ou o mesmo enganador poderia proferir ambos (v. 8); mas o Senhor aqui adverte Seus discípulos contra tais coisas. Os cidadãos já odiavam seu Rei oferecido; e, como inimigos, eles deveriam ser mortos, antes que o reino pudesse aparecer completamente. E o grande propósito do Senhor neste discurso com eles era deixar no coração dos discípulos a impressão clara e completa de tudo isso, para que pudessem permanecer em um dia mau, e não serem seduzidos por nenhum falso profeta de paz.
Creio que Daniel, da mesma maneira, olha através de todo o tempo, “os tempos dos gentios”, como sendo um e o mesmo em caráter; e o chama de “guerra” (Dn 9:26). O fim, é verdade, será especial, e será manifestado “com uma inundação” como ele fala; mas o todo é uma guerra, e desolações são determinadas, até que aquilo que também é determinado seja derramado sobre o desolador.
Mas é muito significativo que, enquanto Mateus e Marcos nos dão mais particularmente a última grande angústia Judaica, ou a “angústia para Jacó”, e Lucas mais amplamente toda a era dos “tempos dos gentios”, João não menciona essa notável profecia de forma alguma. A entrada solene do Senhor como Rei em Jerusalém segue em uma direção bem diferente do que acontece em qualquer um dos Evangelhos anteriores. Os gregos, representando as nações presentes e obedientes nos últimos dias, vêm desejando vê-Lo, e isso O leva imediatamente a outros pensamentos. Sua alma então passa por uma angústia; e logo depois Ele prenuncia, não o julgamento de Israel, de acordo com esta profecia, mas o julgamento do mundo e do príncipe do mundo. E, finalmente, nas riquezas de Sua graça, como Salvador do mundo, Ele fala de Si mesmo sendo levantado na cruz, e de Ele ser a Luz do mundo, e Aquele que falou de acordo com aquele mandamento que o Pai Lhe dera, e que é a vida eterna (veja João 12).
Tudo isso é notavelmente característico dos quatro Evangelhos, e ajuda a concluir que essa profecia, não encontrada em João, é sobre assuntos Judaicos, e conectada com o retorno do “Filho do Homem” à Terra. Pois essa não é a perspectiva da Igreja. Os santos agora esperam pela descida do “Filho de Deus” do céu nos ares (1 Tessalonicenses 1). É a eleição Judaica, que, aos poucos, terá que esperar pelos dias do Filho do Homem.
As Lamentações de Jeremias são as declarações adequadas do coração, em empatia com Jerusalém e seus filhos, durante todos esses “tempos dos gentios”. A cidade ainda se assenta solitária. O monte de Sião ainda está desolado. A coroa caiu, e o gozo do coração se foi. O castigo da iniquidade ainda não foi cumprido naquela terra e entre aquele povo. Raquel ainda chora. Mas o Senhor não a rejeitará para sempre (Lm 3:31), e Raquel foi informada disso: “Reprime a voz de choro, e as lágrimas de teus olhos, porque há galardão para o teu trabalho, diz o SENHOR; pois eles voltarão da terra do inimigo” (Jr 31:16).
Mas há outra expressão, também peculiar ao nosso Evangelho, que talvez leve a outras perspectivas. Falando da consumação dessas aflições Judaicas, o Senhor diz: “quando essas coisas começarem a acontecer, olhai para cima e levantai a vossa cabeça, porque a vossa redenção está próxima”.
Dizer: “O tempo se aproxima”, antes que qualquer aflição viesse, seria engano, como vimos; mas agora, quando o dia da vingança está no auge, dizer “vossa redenção se aproxima”, seria um conforto santo e oportuno para os fiéis. E, da mesma forma, os profetas conectam “o dia da vingança” com “o ano dos Meus redimidos”, como o Senhor aqui faz (Is 63:4). Juízo sobre a nação apóstata, libertação e gozo para o remanescente, ambos devem ser esperados. Pois embora o Senhor dê um fim completo a todas as nações, ainda assim Ele não dará um fim a Israel. Os prometidos “tempos da restauração de todas as coisas” (ARA) certamente seguirão os ameaçadores “tempos dos gentios”. E aqueles tempos prometidos de restituição, chamados aqui pelo Senhor de “a vossa redenção”, serão o verdadeiro jubileu Judaico ou terrenal, que preeminentemente era o tempo de restituição ou redenção (veja Lv 25).
Em Israel, a terra e o povo pertenciam ao Senhor; e no ano do jubileu Ele tratava ambos como se fossem Seus. Por quarenta e nove anos Ele permitiu que a confusão prevalecesse. Terras poderiam ser vendidas, e o próprio povo iria ao credor. Mas isso seria apenas por um período, pois a reivindicação de Deus era suprema; e a cada quinquagésimo ano Ele a faria valer. Israelita poderia negociar com israelita, e corromper a ordem primitiva, ou o mundo de Deus, transformando todo o sistema no mundo do homem; mas toda essa corrupção e perturbação teriam um fim, e esse fim vinha no ano de retorno do jubileu. Então o Senhor Se levantava, por assim dizer, para agir em Seus próprios princípios, e afirmar Seus próprios direitos; para desfazer todo o mal que o comércio do homem havia introduzido, e para replantar a terra e o povo de acordo com seus primórdios sob Sua própria mão. Sua mão estava então em primeiro plano, e Sua ordem e propósito se mostrariam abertamente. E que gozo é ver isso, que no momento em que colocamos as coisas novamente sob as mãos de Deus, no momento em que nos encontramos em Seu mundo, é um jubileu que estamos celebrando, uma época de regozijo, um tempo para a restauração da graça, um tempo para fazer um retorno feliz, cada um para sua família e cada um para sua possessão.
Quão abençoado (para falar de acordo com a figura ou símbolo desta ordenança) é ter o Senhor, o Senhor da Terra, novamente. “Felizes são as pessoas que estão em tal situação”. E este jubileu foi introduzido pelo dia da expiação (Lv 25:9). Esse era o dia que deveria inaugurar a era milenar. Pois não é nada além da obra do Cordeiro de Deus que pode levar a qualquer gozo ou libertação entre nós. O sangue precioso é todo o nosso título. E é assim que o jubileu e a redenção estão conectados; de modo que quando o Senhor aqui diz: “A vossa redenção se aproxima”, era como olhar para este jubileu de Israel e da Terra. O jubileu era a redenção de Deus sobre Sua terra e Seu povo. Supondo que nenhum parente remidor pudesse ser encontrado capaz ou disposto a fazer isso anteriormente, o próprio Deus, no quinquagésimo ano, exerceria tanto Seus direitos quanto Seus recursos em favor de Sua terra oprimida e povo escravizado. E assim este jubileu foi “o ano dos Meus redimidos” (como falou o Senhor pelo profeta), ou, a época da “redenção”, para a qual os olhos do remanescente expectante e sofredor são aqui direcionados por seu bendito Mestre.
Aprendemos, então, que “quando virdes acontecer essas coisas”; esses “dias de vingança”, esses “tempos dos gentios”, seguirão seu curso, mas a “redenção” estará por trás de tudo isso. O “forno fumegante” passará primeiro, porque os direitos e reivindicações do Senhor foram negados pelos rebeldes cidadãos deste mundo, porque não havia nenhum “filho da paz” na “cidade caótica” (ARA) do homem; mas, com a mesma certeza, a “tocha de fogo” seguirá (Gn 15). Um clamor dos cidadãos, de que eles não O queriam, seguiu o Senhor; e em Seu retorno Ele deve, portanto, visitá-los, em Sua severa indignação, antes de proclamar o jubileu. Mas o jubileu espera para coroar e encerrar a obra.
Isto é alimento para esperança; e Deus é o Deus de esperança. Estar sem esperança é estar sem Deus (Ef 2:12). Não podemos ter fé sem ter esperança; porque a verdade em que cremos é a verdade de Deus; e Deus, sendo Amor, não nos revelará a verdade sem fazer dessa verdade um caráter tal que inspire esperança em nós. Ele deve dar essa forma às Suas revelações. Aquele que chamou Israel para fora do Egito os chamou para dentro de Canaã. E assim conosco; “Sendo, pois, justificados pela fé... nos gloriamos na esperança da glória de Deus” (Rm 5:2).
Isto é muito certo. Deus é o Deus de esperança, bem como de salvação. Mas o estilo deste capítulo sugere (o que me impressionou de forma geral por toda a Escritura) que o alimento que a esperança obtém na Escritura é comparativamente pequeno – rico de fato, mas pequeno em quantidade. Isto, no entanto, é apenas mais um testemunho da perfeição dos oráculos divinos. Porque o próprio Deus é nossa lição atual. Somos chamados a aprender d’Ele primeiro, e então da herança ou glória que Ele tem para dar. E isto é tão certo. Pois quando conhecemos completamente a excelência ou bondade de uma pessoa, podemos facilmente nos assegurar de que não sairemos perdedores com ela. Seu caráter garante nossa esperança e é a segurança de nossas expectativas. Não, nós O desonramos se não esperamos d’Ele. Se, no entanto, o homem tivesse sido o autor das Escrituras, elas teriam sido muito diferentes do que são. Estariam repletas de descrições da alegria prometida. Da mesma forma com relação à vida e ao caráter de Cristo: se o homem tivesse sido o autor de tal história, ele teria se dedicado extensivamente à descrição e ao elogio. Mas a maneira daqueles que falaram d’Ele sob a inspiração do Espírito Santo é exatamente o oposto. Assim como para nossas perspectivas. Olhe para a história de Jó. Temos um longo relato de suas tristezas e do exercício de sua fé, mas a alegria e a honra em que todas essas tristezas resultaram nos são dadas em um único curto capítulo. Brilhante, com certeza, é a exposição ali de sua condição final, mas comparativamente pequena, e rapidamente tratada. E, de modo geral, os testemunhos de Deus nos dão um relato amplo e repetido do mal deste mundo, e a consequente prova de nossa de fé nele, mas alimentam as esperanças de nosso coração da maneira mais contida. Pois, como sugeri antes, é antes a Ele mesmo que devemos conhecer agora, e d’Ele mesmo que devemos nos alimentar agora.
Nosso capítulo atual segue esse padrão. Temos aflição e provação ocupando a cena em grande parte, mas a perspectiva no final é apresentada brevemente, e logo cumprida – “levantai a vossa cabeça, porque a vossa redenção está próxima”.
J. G. Bellett
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