top of page

Os Evangelistas - Parte 13/22 (João 1:1-18)

Baixe esta parte do livro digital nos formatos:

ÍNDICE


Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos

J. G. Bellett

Parte 13

Introdução ao Evangelho de João

 

Meu atual desejo, com a graça de Deus, é falar mais particularmente do Evangelho de João; ou, como diz a expressão, “segundo João” – isto é, aquela forma ou caráter do Evangelho que foi do agrado do Espírito Santo transmitir por meio dele.

 

É uma porção da Palavra de Deus que tem sido muito preciosa para os santos. Muitas almas a tem desfrutado como tal, talvez sem saber exatamente por que acontecia assim; pois a exatidão de nossos gostos e desejos espirituais está frequentemente acima da medida de nossa inteligência espiritual. E é bom que seja assim.

 

Antes, porém, de dar o que me parece ser o caráter geral e a ordem deste Evangelho, sugerirei algumas coisas introdutórias que me ajudaram, como julgo, a um entendimento e desfrute mais completos dele. Que o Senhor controle e guie nossos pensamentos!

 

De toda a sua história, o povo de Israel poderia ter aprendido quão inteiramente dependente ele era daqueles recursos que Deus possuía em Si mesmo, além e independente de seu próprio sistema; pois por tais recursos eles tinham sido sustentados e conduzidos em todos os estágios de sua história. Seu pai Abraão havia sido chamado por um ato de graça soberana (Js 24:2-3). A própria mão de Deus os havia preservado e, de maneira singular, os havia multiplicado no Egito (Êx 1:12). Em retiros distantes, onde Israel não era conhecido, Moisés estava preparado para ser seu libertador do Egito. Por todo o deserto, sua jornada lhes havia mostrado sua total dependência de Deus. Por Seu Espírito, e não por força nem por poder, Josué, depois de Moisés, cumpriu seu ministério, reduzindo as nações de Canaã. E depois, embora em circunstâncias diferentes, ainda havia a mesma coisa. A espada de Josué, que tinha sido a comprovadora da fidelidade do Senhor a Abraão e sua semente, logo foi embainhada, e a bênção, transferida da mão de Deus que a trouxera para a mão de Israel que deveria guardá-la, logo foi perdida: ela escapou de seu novo guardião imediatamente. A infidelidade e a fraqueza estavam agora tão claramente marcadas em Israel, quanto a verdade e o poder tinham sido em Jeová. Israel e Canaã eram Adão e o jardim novamente. Antes de o primeiro capítulo do Livro dos Juízes terminar, Israel, pela desobediência, havia perdido tudo. Os habitantes da terra não foram expulsos. Mas o resto daquele livro apenas nos mostra a presença de Deus entre eles; reparando o dano, de tempos em tempos, com Sua própria mão, e pela energia de Seu Espírito.

 

E esse deve ser necessariamente o caráter da atuação de Deus em um tempo de bênção perdida. Ou o julgamento deve ser executado em justiça, ou a bênção deve ser trazida em graça soberana. Tendo o homem sido considerado em falta, na prova anterior, deve ser humilhado e posto de lado, e Deus entra com alguma nova energia própria para fazer um ato estranho – algo além da ordem da dispensação, e independente do que eram propriamente os recursos dela. Todas as libertações operadas para Israel nos tempos dos juízes são, portanto, desse caráter. O aparecimento em Israel de Débora, Gideão, Jefté e Sansão é algo a que o sistema, se mantido por seus próprios recursos em seu próprio caminho, nunca teria chegado.

 

Temos uma amostra disso até mesmo antes dos tempos dos juízes. O ministério irregular de Eldade e Medade e seus companheiros foi a provisão soberana de Deus, por meio do Espírito, para a falha em Moisés, por sua recusa, por causa da impaciência, em prosseguir com a obra que havia sido exclusivamente confiada a ele. Ele aprendeu para a repreensão de sua incredulidade que a mão do Senhor não havia encurtado (Números 11).

 

Assim, quanto a Débora – ela “julgava Israel naquele tempo”. Mas esta não era bem uma sucessora daquele que era “rei em Jesurum[1]” como poderíamos esperar. A honra havia passado para as mãos de uma mulher, pois Israel estava fora de ordem. A transgressão havia entrado com uma força perturbadora, e o remédio deveria ser aplicado, se fosse o caso, pela própria mão de Deus. E assim foi. Portanto, em seu magnífico cântico ela entoa – “Pisaste, ó minha alma, à força” (ACF); uma confissão de que a fonte de sua força e vitória estava toda em Deus, e que na energia do Espírito, e somente nisso, ela havia lutado a batalha do Senhor, e vencido.

[1] N. do T.: Jesurum é o nome dado a Israel, provavelmente significando “os justos”; outros preferem “amado do Senhor”. O Senhor foi “Deus de Jesurum” (Dt 33:26 – JND); e Moisés, “rei em Jesurum” (Dt 33:5 (AIBB). (Veja Dt 32:15; Is 44:2) (Dicionário Bíblico Conciso - George Morrish).

 

Assim com Gideão. Ele não era de Judá (a quem tal honra por direito antigo pertencia), mas de Manassés; e sua família a menor em Manassés. Mas tal pessoa é chamada para fora de sua eira, para empunhar aquela espada que logo se distinguiria como “a espada do SENHOR, e de Gideão”. E o que era essa espada de tal renome? Trezentos homens com buzinas e cântaros! Estranhas armas de guerra contra o exército de Midiã! Mas Midiã correu diante deles. Um pão de cevada veio rolando e derrubou as tendas do inimigo! Pois era o próprio Senhor que estava agora em ação novamente, e o tesouro da força de Israel poderia, portanto, estar em um vaso de barro (2 Coríntios 4:7 parece ser uma alusão às tochas acesas e cântaros de Gideão).

 

E Jefté, por sua vez, conta a mesma história. Filho de uma mulher estranha, ele havia sido rejeitado por seus irmãos em Israel e lançado entre os gentios. Mas este é aquele a quem o Senhor escolhe para ser o salvador de Israel no dia de sua angústia. Mas onde está a honra de Israel agora? Onde está a glória e o valor de seu próprio sistema, quando aquele a quem seus irmãos desprezaram e expulsaram como algo vil é sua única esperança em sua calamidade? A honra não era deles, nem a força de seu próprio sistema era sua ajuda e defesa agora. O Espírito de Deus, em graça soberana a Israel, vem sobre Jefté. A batalha era do Senhor. Israel havia se destruído novamente, mas em Deus estava sua ajuda.

 

E tudo isso nós temos novamente demonstrado em Sansão. Tudo o que o introduz e o conduz neste estranho curso de ação, fala somente da força e do caminho de Deus. Não havia nada no sistema de Israel que pudesse explicar isso. Sansão era um filho da promessa, criado na tribo desonrada de Dã; e, portanto, era um sinal da graça e soberania de Deus. E de acordo com isso, ele é imediatamente separado para Deus, e afastado, tanto quanto possível, da ordem e estrita linha de coisas Judaicas. O caminho que ele trilhou estava do outro lado do caminho batido de Israel. O segredo de Deus estava com ele. Ninguém conhecia o enigma, exceto ele mesmo. Seus parentes na carne não o conheciam; e ele rompeu com pai, mãe, país e a lei de Israel, e está sob uma nova e especial dispensação. Contrário à lei, e ainda pela direção do Legislador, ele se casa com uma filha dos filisteus. Ele não seguiu o caminho comum de Israel, ou usou os recursos de Israel; mas atos estranhos e surpreendentes marcaram seu curso, desde o momento em que o Espírito o moveu pela primeira vez no arraial de Dã, até o momento em que ele morreu no meio dos príncipes filisteus. Tudo o que ele fez foi de um grande caráter. Uma energia desconhecida o agitou e o conduziu. Os recursos de Israel foram por tudo isso novamente colocados de lado, e o próprio Deus foi exibido em Sua graça e poder.

 

Então, depois que o Livro dos Juízes se encerra, vemos a mesma coisa. Samuel, como Sansão, era um filho da promessa; e um filho da promessa é sempre o sinal da graça (Rm 9:8); pois diz: “Não... do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. E, portanto, em seu nascimento, sua mãe celebra, por meio do Espírito Santo, os louvores da graça. Ele se torna a princípio um mero menino de espera no tabernáculo; dali ele é chamado para que todo Israel o reconheça como o profeta de Deus; e finalmente eles veem nele o levantador da pedra Ebenézer, o libertador e ajudador da nação.

 

E depois dele, em Davi, vemos novamente o próprio caminho e os recursos de Deus exibidos no tempo da necessidade de Israel. Pois Davi foi tirado dos apriscos para alimentar Israel. Seu pai e seus irmãos não o levaram em conta; Israel não o conhece; mas o Senhor o escolhe e o unge. Ele se torna, por um tempo, um exilado e um fugitivo necessitado; mas, por fim, ele tem o reino estabelecido em sua casa por um concerto de misericórdias seguras para sempre.

 

Assim, desde o chamado de Abraão, o pai deles, até a exaltação de Davi, o rei deles, passando por Moisés, Josué, os juízes e Samuel, cada etapa dessa jornada maravilhosa é realizada na graça de Deus. Assim, os recursos de seu próprio sistema, aquilo que estava em suas próprias mãos, provaram ser totalmente vãos.

 

E eu acrescentaria que os profetas eram outra linha de testemunhas da mesma verdade. Eles foram levantados, para a orientação de Israel, por uma energia extraordinária do Espírito. O estabelecimento primitivo das coisas em Israel não proporcionou tal ministério. A nação deveria permanecer na lembrança e obediência das palavras que Moisés havia proferido (veja Dt 6, 11, 31). Mas ao esquecerem essas palavras, uma presença extraordinária do Espírito de Deus é convocada, e então manifestada na pessoa e ministério dos profetas.

 

Assim, por uma linha de mestres ou profetas, como por outra linha de governantes ou libertadores, o testemunho da necessidade dos recursos de Deus em seu favor foi deixado com cada geração sucessiva de Israel. Isso estava continuamente dizendo a eles que eles não poderiam permanecer em seu próprio concerto, e que toda a sua esperança de honra e descanso final estava na graça e no poder de Deus. E sabemos que será assim. Israel permanecerá como o povo de Deus, no último dia, na força que está reservada para eles em Jesus; para Quem, portanto, essas duas linhas de testemunhas apontam, e em Quem, como o verdadeiro Profeta de Israel, e como o verdadeiro Rei de Israel, ambos terminarão. E quão revigorante será para aqueles que estão cansados do homem, e “enjoados de sua sabedoria e de seus feitos”, andar em uma esfera onde o homem será escondido, e somente Deus será exibido! “A altivez do homem será humilhada, e a altivez dos varões se abaterá, e só o SENHOR será exaltado naquele dia”.

 

Mas havia outro e mais profundo propósito de Deus, que também era constantemente visto na história de Israel. As pessoas eminentes que tenho notado eram todas de Israel, e brindavam somente as misericórdias de Israel. Mas Deus tinha propósitos além de Israel – propósitos tocando os gentios de um caráter muito exaltado; e isso Ele significou por outra linha de testemunhas, formada, como veremos agora, de personagens eminentes que eram todos gentios, ou estrangeiros para Israel.

 

Parece ter havido um corpo de gentios em todos os tempos vivendo no meio de Israel, que assumem uma posição inferior a Israel, embora desfrutando de bênçãos e ordenanças com eles (veja Êx 20:10; Lv 17:12; 18:26; 26:22; Nm 9:14; 15:14-16, 29; 19:10; 35:15; Js 8:35; 1 Cr 22:2; 2 Cr 2:17; 15:9; 30:25). Mas havia também uma linhagem de gentios distintos, que sempre que apareciam na história, tomavam um lugar e eram chamados para cenas e serviços que, por outro lado, os elevavam grandemente acima do nível de Israel. Ambas as coisas são, julgo eu, muito significativas, ilustrando os planos então reservados nos conselhos de Deus para os gentios e estrangeiros, o grande corpo dos quais doravante no reino tomará um lugar subordinado a Israel, embora na alegria de Israel; enquanto haverá um corpo eleito e distinto deles (aqueles que agora são chamados para formar a Igreja de Deus), cujo lugar e dignidade estarão muito acima do lugar e dignidade de Israel (Ap 21:9-11, 23-24).

 

O primeiro desses estrangeiros distintos que nos encontra é Melquisedeque. A honra que lhe foi dada não precisa ser particularmente mencionada; é geralmente tão bem entendida, mas ele apenas inicia uma série de pessoas, ilustres em sua geração e em seu dia, como ele próprio.

 

Depois dele, encontramos Asenate e Zípora, as esposas, respectivamente, de José e Moisés. Ambas eram estranhas a Abraão; mas se tornaram as mães daquelas crianças que foram dadas a esses dois pais ilustres em Israel, enquanto eles estavam em seus dias separados de Israel; e elas tinham dignidades que as filhas mais importantes de Israel poderiam ter invejado.

 

Em seguida, somos apresentados a Jetro, que, quando Israel saía do Egito, assumiu para si, sem repreensão, embora fosse apenas um estrangeiro, o serviço sacerdotal na presença de Arão e aconselhar Moisés sobre assuntos de estado. Este estava ocupando, por um tempo, um lugar muito eminente no meio de Israel. As glórias mais brilhantes em Israel foram ofuscadas. Moisés e Arão, o rei e o sacerdote em Jesurum, são colocados de lado por este estrangeiro. Belo sinal, como Melquisedeque antes, de grandes coisas que viriam aos gentios.

 

Depois de Jetro, vemos Raabe, outra estrangeira, mas uma que, todos nós podemos lembrar, foi trazida para ter um alto memorial em Israel; um memorial como o que as filhas da terra ansiavam continuamente. Pois a Esperança de Israel vem através dela segundo a carne (Mt 1:5); e ela é aquela cuja fé é falada em conexão com a de seu pai Abraão (veja Tiago 2).

 

Em seguida, em Jael, a esposa de Héber, o queneu, vemos novamente a estrangeira ilustre. Foi por sua mão, de uma maneira muito especial, que Deus subjugou o rei de Canaã diante dos filhos de Israel, de modo que seu louvor é assim cantado: “Bendita seja sobre as mulheres Jael, mulher de Héber, o queneu; bendita seja sobre as mulheres nas tendas”.

 

Então, em outra mulher, em Rute, a moabita, vemos a estrangeira novamente. Embora filha de um povo impuro e rejeitado, ela recebe um lugar igual ao das principais mães de Israel. Como Raabe antes dela, a Esperança da nação vem por meio dela, segundo a carne (Mt 1:5); e ela recebe uma posição igual em dignidade à da própria Raquel (Rt 4:11). Ela não tinha parentesco natural com Israel; mas, pela graça, ela é enxertada em Israel, para se tornar a portadora do Tronco de Jessé, em Cujo ramo, como sabemos, toda esperança do povo depende.

 

E depois, nos tempos de Davi, temos o estrangeiro mantido na mais elevada honra. Isso aparece primeiro em Urias. Ele era um hitita; mas sua fidelidade ao Deus de Israel e seu zelo abnegado na causa de Israel brilham de maneira abençoada, em contraste até mesmo com o mais ilustre, mais nobre e mais excelente filho de Israel naquele dia. Esta pobre relíquia dos contaminados gentios repreende ninguém menos do que o próprio rei Davi.

 

Temos o estrangeiro novamente nestes tempos de Davi, em Itai, o giteu (2 Samuel 15). Ele, com todos os seus homens, aparece para se unir a Davi, e a linguagem de tal ato foi a mesma que Rute havia usado antes com Noemi: “o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus”. Ele não era de Israel, mas era mais fiel ao rei de Israel do que Israel; pois quando seu povo se revoltou a favor de Absalão, e a terra estava em rebelião, foi esse estrangeiro que se apegou a Davi, quer fosse para a vida ou para a morte.

 

Mas nestes mesmos dias de Davi, o estrangeiro, ou gentio, é novamente apresentado a nós na pessoa de Araúna; e, como de costume, de uma maneira eminente e honrosa. A transgressão de Davi havia trazido a nação sob juízo; e o anjo do Senhor estava passando pela terra matando seus milhares, quando, a mando do Senhor, sua mão foi detida na eira deste jebuseu. Foi ali que a misericórdia primeiro triunfou sobre o juízo. O pecado estava reinando em Israel para a morte; mas a graça é feita para reinar para a vida primeiro nesta herança do gentio. Que elevada distinção foi esta! Que nota de favor para os gentios! Certamente tudo isso tinha uma voz, embora não houvesse linguagem nem fala.

 

Então, novamente, nos tempos dos reis, posso notar tanto a viúva de Sarepta, quanto Naamã, o sírio; não que eles tenham sido levados a uma posição elevada em Israel, como foram outros estrangeiros que observei, mas eles foram feitos os monumentos permanentes da graça distintiva e eletiva (veja Lucas 4:25-27). E depois destes chegamos a Jonadabe, filho de Recabe (2 Reis 10). Ele é feito auxiliador de Jeú, no juízo sobre a casa de Acabe.

 

Assim, entre os patriarcas, e sucessivamente nos tempos de Moisés, de Josué, dos juízes, de Davi e dos reis, o estrangeiro, é ocasionalmente apresentado a nós, e sempre em distinção. Mas, além desse testemunho ocasional, havia a presença e o testemunho permanentes do gentio em Israel: quero dizer, naquela família à qual este Jonadabe pertencia: a família dos recabitas, que permaneceram em Israel desde os tempos mais remotos até os mais recentes, de Moisés a Jeremias (Juízes 1:16; 1 Crônicas 2:55; Jeremias 35:8). E durante todos esses muitos séculos eles habitaram como estrangeiros na terra. No início, eles subiram da cidade para morar no deserto, e no final são vistos mantendo o mesmo caráter. Eles não construíram casas, nem compraram campos, nem semearam sementes, nem plantaram vinhas; todos os dias eles habitaram em tendas, e não comeram do fruto da videira. Eles eram uma ordem permanente de nazireus, mais separados para Deus do que até mesmo Israel; e eram tão fiéis aos seus votos de consagração, que no final, quando o Senhor estava pronunciando julgamento sobre Seu próprio povo, Ele prometeu a eles que não lhes faltaria um homem para estar diante d’Ele para sempre. Durante o longo período de sua peregrinação em Israel, onde quer que ouvimos falar deles, é sempre para seu louvor, sempre ocupando tal lugar de honra e sustentando tal caráter de santidade, que os distingue, como os outros estrangeiros, bem acima do nível da nação. (Posso acrescentar os casos do centurião e da siro-fenícia, como os estrangeiros que aparecem no meio de Israel quando os tempos do Novo Testamento começaram. Pois, como seus irmãos mais antigos, eles aparecem em grande distinção. O Senhor os sinaliza a ambos).

 

Agora, sobre tudo isso eu observaria que, assim como Melquisedeque deveria ter sido para os Judeus um aviso de uma ordem melhor de sacerdócio do que a de Arão (Hb 7), assim esta linha de estrangeiros, seguindo, por assim dizer, as pegadas de Melquisedeque, poderia ter sido o aviso constante de coisas melhores reservadas para os gentios do que tudo o que havia distinguido Israel. Israel poderia, por meio deles, ter sido preparado para o chamado da Igreja, a qual, tendo o Filho de Deus como sua Cabeça, é a verdadeira estrangeira na Terra, e está destinada a ocupar um lugar mais honrado sob Deus do que Israel jamais conheceu. A Igreja é aquilo para o qual todos esses estrangeiros eminentes apontaram de antemão. Pois a Igreja não trilha o caminho de Israel. Ela é uma estrangeira onde Israel estava em casa. Sua cidadania está no céu, e não na Terra. Os santos são os filhos de Deus, e o mundo não os conhece, assim como não conheceu a Cristo. Eles estão como que no fim do mundo (ou do século - 1 Co 10:11), mortos e ressuscitados com Cristo. Jesus não recebeu nenhum lugar na Terra; e eles, assim como Ele, apenas peregrinam aqui, separados em princípio de tudo ao seu redor, assim como os recabitas foram separados de Israel, entre os quais eles apenas “tabernacularam”[2], ou seja, armaram suas tendas. [2] N. do T.: O verbo inglês tabernacled significa assumir uma morada temporária.

 

Eu não falo, no entanto, das histórias desses estrangeiros como figurativas. Eu apenas aponto para o fato de sua alta exaltação em Israel como sendo um aviso de Deus de Seus elevados e exaltados propósitos concernentes à Igreja, a verdadeira estrangeira. As histórias de alguns deles; podem ter sido figurativas. Mas não são os detalhes de suas histórias que tenho estado olhando, mas simplesmente o fato de sua exaltação em Israel. Eu não me recusaria, no entanto, a observar quão docemente Êxodo 2:16-22 revela a Igreja, durante o intervalo da rejeição do Messias por Israel até a libertação final de Israel pelo Messias. Zípora (a quem já me referi) se torna devedora a Moisés pela sua libertação e vida (da qual água, ou um poço, é o emblema constante), no dia de seu exílio de Israel; e por isso ele se torna digno de recebê-la como sua esposa, da mão e com a aprovação total de seu pai. Tudo isso é maravilhosamente significativo do mistério de Cristo, do Pai e da Igreja. E como uma prova adicional de que isso é uma figura, podemos lembrar que Estêvão fala da rejeição de José e de Moisés por seus irmãos, como algo relacionado à rejeição de Cristo pelos Judeus. O casamento de José e Moisés com gentias claramente, portanto, representa a união do Senhor com a Igreja durante Sua rejeição e afastamento de Israel.

 

E eu gostaria de observar que a estimativa de Jeová sobre o que um estrangeiro deveria esperar, e a estimativa do Espírito Santo, por meio de Paulo, sobre o que um santo deveria esperar, são as mesmas (Dt 10:18; 1 Tm 6:8).

 

Assim, duas linhagens de personagens terminam em Cristo. A linhagem de distintos israelitas ou Judeus dignos, que foram chamados na energia especial do Espírito para a ajuda e orientação de Israel, termina, como já observei, em Cristo, como o verdadeiro Profeta e Rei de Israel, o Deus de Jesurum, Quem, no último dia, será o Escudo de sua ajuda e a Espada de sua excelência. A linhagem de distintos estrangeiros gentios, que sustentaram um caráter e tinham dignidades e honras muito acima do nível ou da vocação comum de Israel, termina em Cristo como a Cabeça de Seu corpo, a Igreja. E o reino vindouro manifestará a Ele e aqueles que estão separadamente associados a Ele, nessas várias glórias. Todas as coisas no céu e na Terra serão então congregadas n’Ele. Os verdadeiros estrangeiros, ou os santos, resplandecerão nos céus, “como o Sol, no reino de Seu Pai”, e Israel encontrará seu descanso, seu santo descanso, na Terra, sob Davi, seu Príncipe e Pastor.

 

Agora, tudo isso me leva ao nosso Evangelho; pois o Evangelho de João é o testemunho apropriado de Cristo como o Filho de Deus, o Estrangeiro na Terra, e dos santos que têm associação com Ele nesse caráter, e em relação ao Pai. De fato, é isso que lhe dá sua distinção, e o torna, eu acredito, a porção mais preciosa dos Oráculos de Deus para nós.

 

Que tenhamos corações sábios, para entender os segredos revelados nesta Palavra celestial! Se pudéssemos apenas discerni-la, cada linha dela carrega consigo sua própria autoridade divina. Mas, amados, o único conhecimento seguro e proveitoso é aquele que obtemos em comunhão com o Senhor por meio do Espírito; e aquele que, quando adquirido, ministra a uma comunhão ainda mais ampliada. Que possamos provar isso mais e mais!

 

Eu seguiria agora nosso Evangelho em sua ordem, observando brevemente, e conforme a graça que me for dada sobre ele. Perceberemos naturalmente que ele se distribui em quatro partes; pelo menos como eu julguei, e agora submeteria ao julgamento de meus irmãos.

João 1:1-18

 

Eu leio esses versículos como uma espécie de prefácio, servindo para introduzir este Evangelho em seu devido caráter como o Evangelho do Filho de Deus – o Filho do Pai; e o testemunho do Batista é aqui sumariamente anexado a este prefácio como servindo ao mesmo propósito.

 

E aqui observo que o lugar que nosso bendito Senhor imediatamente toma, em Sua Aparição na Terra, é aquele que já observei pertencer a Ele como o Filho de Deus, e à Igreja com Ele; isto é, o lugar de um Estrangeiro. Ele é aqui mostrado a nós imediatamente neste caráter. Ele é como luz no meio das trevas; o Criador do mundo, e ainda não conhecido do mundo; vindo para os Seus, e ainda não recebido pelos Seus; feito carne, e ainda apenas “tabernaculando” por um tempo entre nós. Tudo isso mostra que Ele é o Estrangeiro aqui; é assim que este Evangelho O apresenta. E, consequentemente, no início, ele assume que Sua questão com o mundo, e com Seu povo terrenal Israel, estavam ambas determinadas (vs. 11-12). O Espírito de Deus em nosso evangelista imediatamente encerra o mundo sob a condenação de estar “sem Deus”, e conclui Israel na incredulidade; e, com base nisso, traz à tona uma família eleita, não registrada na Terra, ou nascida da carne, mas nascida de Deus, para quem “graça e verdade”, a plenitude do Pai no Filho, foram agora providas.

 

O Livro de Gênesis abre com a criação; mas o Evangelho de João abre com Aquele que era antes da criação e acima da criação. É a Ele que somos imediatamente levados. A criação é passada adiante, e chegamos ao “Verbo”, que estava com Deus, e que era Deus.

 

Esta é a abertura do nosso Evangelho, definindo-o como o Evangelho do Filho de Deus, o Criador de todas as coisas, o Revelador do Pai, a Fonte e o Canal da graça e da verdade para os pecadores. E, de acordo com isso, a glória que João nos diz ter contemplado é aquela “do Unigênito do Pai”, isto é, uma glória Pessoal; enquanto a glória que os outros evangelistas registram como tendo sido contemplada, era a glória no monte santo; isto é, uma glória meramente oficial. E isso novamente caracteriza distintamente o objetivo e a direção deste Evangelho.

 

Muito abençoados, assim como muito elevados e divinos, são os pensamentos sugeridos por esses versos introdutórios. Eles nos dizem, além do que observei acima, que a Luz, a Luz vivente, resplandecia nas trevas antes que o Verbo Se fizesse carne e habitasse entre nós; sim, antes que Seu precursor, o Batista, fosse enviado por Deus. Assim como na velha criação, a luz foi o primeiro elemento sob o poder formador de Deus. Ela era antes do Sol. O Sol foi a criatura do quarto dia, mas a luz era a principal criatura do primeiro. Os três primeiros dias, portanto, caminharam na luz da própria luz, sem a presença daquilo que depois governaria o dia. E assim tem sido, como esses versículos nos dizem, na história da Luz vivente. Cristo foi o mais antigo pensamento de Deus que surgiu sobre as trevas morais e o caos do homem apóstata. Na promessa, “Ele esmagará a tua cabeça” (JND), a Luz vivente irrompeu! Dias ou dispensações se sucederam. Os três primeiros dias novamente, por assim dizer, seguiram seu curso. As eras dos patriarcas e de Moisés se findaram. Mas a luz da vida havia se espalhado, embora o Verbo ainda não tivesse Se tornado carne. A luz brilhou antes que o Sol fosse colocado nos céus. E este é um pensamento feliz. O Cristo de Deus foi a mais antiga revelação que surgiu sobre as ruínas e trevas de Adão; e embora por uma temporada aquele depositário divino de toda a Luz, aquela grande fonte de todos os raios vivificantes, permanecesse não manifestado, ainda assim refulgências dignas d’Ele, e que pertenciam a Ele, surgiram para animar e guiar eras precedentes, o primeiro, o segundo e o terceiro dia.

 

Mas o calor, assim como a luz, são nossos, eu poderia dizer. Pois esta mesma Escritura maravilhosa nos diz que o “seio do Pai” nos foi revelado. “O Filho unigênito, que está no seio do Pai, Este O revelou”. Não há nada parecido. O amor profundo, indizível e insondável que habita naquele seio é o amor que nos visitou, no calor do qual temos sido tratados. E quão insuperável a todo conhecimento é um pensamento como esse! Bem podemos pedir para sermos fortalecidos com poder pelo Espírito para compreendê-lo (Ef 3:16-19). É o céu do coração ficar tranquilo e silencioso, e em fé simples deixar tal revelação contar sua história para nós.


J. G. Bellett


 




Comentarios


bottom of page