Os Evangelistas - Parte 18/22 (João 14-16)
- J. G. Bellett (1795-1864)
- 20 de mai.
- 21 min de leitura

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ÍNDICE
Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos
J. G. Bellett
Parte 18
João 14 – 16
Tendo assim passado, em espírito, pela noite e tomado Seu lugar no dia que estava além dela, o Senhor se volta para Seus discípulos e, nestes capítulos, como o Profeta das coisas celestiais, os instrui e conforta, contando-lhes sobre o mistério de Seu próprio sacerdócio celestial e sobre seu chamado, deveres e bênçãos como a Igreja de Deus ainda peregrinando na Terra durante o exercício desse sacerdócio.
O sacerdócio do Filho de Deus, ou a presente dispensação, durante a qual Ele está no trono do Pai, e nós no reino do Filho do amor de Deus, era um segredo com Deus completamente escondido dos pensamentos de Israel. O “um pouco” era um estágio no procedimento divino do qual tanto os Judeus quanto os discípulos eram igualmente ignorantes (João 7:36; 16:17). Todos eles pensavam que Cristo permaneceria para sempre (João 12:34); pois seus profetas falaram d’Ele em conexão com o domínio terrenal. Houve, no entanto, muitas indicações, tanto da profecia quanto da história, que poderiam tê-los preparado para isso. A habitação e a glória de José no Egito e, durante esse tempo, seu esquecimento de seus parentes em Canaã até que o estresse da fome os trouxessem a ele, prefiguraram esse mistério. Assim como a peregrinação de Moisés em Midiã (veja Atos 7). Podemos julgar, sem dúvida, que tanto José quanto Moisés tinham lembranças constantes de seu próprio povo, e muitos desejos em relação a eles, enquanto separados deles – mas era um desejo não expresso. Então sabemos que o Senhor agora está atento a Jerusalém, seus muros estão continuamente diante d’Ele, gravados nos salmos de Suas mãos. Mas aparentemente Ele é para eles como um homem desanimado, como um homem poderoso que não pode salvar (Ez 14:9).
E, além dessas histórias típicas, os profetas falaram diretamente desse mistério. Eles predisseram a viuvez de Jerusalém, que continuaria por um tempo. Moisés no início deixou um testemunho permanente com Israel, de que o Senhor por um tempo esconderia Sua face deles, e os provocaria ao ciúme por aqueles “que não são povo” (Dt 32). Davi disse que o Messias, como seu Senhor, deveria assentar-Se por um tempo à mão direita de Deus (veja Salmo 110). Isaías teve uma visão de Cristo na glória celestial, durante uma temporada de julgamento sobre Israel (Is 6). Ezequiel viu a glória deixar a cidade, e então, depois de uma temporada, retornar a ela. E o Senhor disse, por Oseias, “Irei e voltarei para o Meu lugar, até que se reconheçam culpados e busquem a Minha face; estando eles angustiados, de madrugada Me buscarão”. Em Seu próprio ministério, o Senhor Jesus já havia Se referido ao mesmo mistério. Em Mateus, Ele corrige o pensamento de que Cristo permaneceria para sempre, por meio de uma citação daquelas Escrituras que falavam da rejeição da Pedra pelos construtores. Em Lucas, Ele havia mostrado, pela parábola do homem nobre indo para uma terra remota, que haveria um intervalo entre a primeira Aparição do Messias e Sua Aparição em Seu reino. Mas agora, em nosso Evangelho, Ele trata desse assunto mais completamente, mostrando o caráter desse intervalo, ou de Sua permanência por um tempo à mão direita de Deus no céu.
Tendo, portanto, encerrado Seu ministério público, e estando em retiro com os discípulos, Ele Se ocupa com este assunto. Na ação do capítulo 13, no ensino dos capítulos 14, 15 e 16, e novamente na ação do capítulo 17, é o sacerdócio celestial que Ele está de formas variadas manifestando ou ensinando; mostrando assim que, em Seu presente intervalo de separação de Israel, Ele está, de forma bendita, Se ocupando com a Igreja. Em empatias e intercessões, na diligência e vigilância de Alguém cujos olhos estão sobre eles, Ele está em plena ação para com Seus santos agora. Ele está separado de Seus irmãos segundo a carne, é verdade, mas Ele está, enquanto isso, como Moisés, cuidando do rebanho de Seu Pai no Monte de Deus, longe tanto das corrupções do Egito quanto da incredulidade de Israel, saboreando os confortos de um lar e uma família amados, em santo retiro.
Uma impressão de um caráter muito feliz está em minha mente ao ler o início de João 14. É a seguinte: nosso Senhor assume que Seu ministério havia trazido o Pai para tão perto deles que Seus discípulos deveriam ter concluído que Sua casa era o lar deles. Há grande consolo nisso.
O ministério do Senhor tinha sido uma revelação tal do amor do Pai por eles, que teria sido realmente estranho se não fosse assim. Algo diferente disso teria sido uma exceção e, portanto, teria sido notada. Mas que havia moradas para eles, assim como para Ele, na casa do Pai, estava tão completamente em caráter com todas as Suas obras e palavras anteriores, que tal fato, tal verdade, não precisava de menção alguma. Era uma conclusão necessária. Todos os privilégios familiares eram deles, e, claro, a mansão da família era seu lar.
Que conclusão para a fé ter o direito de tirar, mesmo sem instrução direta! Seríamos acusados de insensibilidade espiritual, se não a tirássemos! Como poderia um ministério como o de Jesus, “o Filho do Pai”, falar de algo menos do que isso, que a própria casa do Pai seria nosso lar para sempre?
“Maravilha insondável e mistério divino!”, posso dizer novamente. Tudo o que precisamos é daquele espírito de fé como de uma criança que repousa na realidade de tal graça insuperável.
Quem dera que Sua família estivesse reconfortando a solitude do Filho de Deus melhor do que eles estavam fazendo! Quem dera eles fossem mais “o teu lindo rebanho” (ARA) para Seu cuidado e atenção no Monte de Deus! Uma cena mais alegre para compensá-Lo por Sua presente perda de Israel! Mas Ele deu Sua vida por eles, Ele Se entregou pelas ovelhas, e em Seu amor Ele permanece fiel.
E esses capítulos, posso dizer ainda, nos mostram que o ministério do Filho não fez nada que fosse eficaz no coração de Seus discípulos. Pois assim a ordem divina funcionava – o Pai havia trabalhado até então, o Filho estava trabalhando agora, mas o Espírito Santo também tinha que trabalhar, antes que a Igreja pudesse ser colocada em seu lugar. E assim não é até agora que temos o nome de Deus totalmente revelado. A revelação de Seu nome brilha gradualmente mais e mais intensamente conforme as dispensações avançam. Mas este é um grande assunto.
Em Gênesis 1 é simplesmente “Deus” que vemos e ouvimos. É “Deus” que percorre pelos seis dias de trabalho e então descansa no sétimo. Mas em Gênesis 2 é “o Senhor Deus” que vemos e ouvimos. E esses são dois estágios na revelação de Deus sobre Si mesmo. No capítulo 1, nós O vemos surgindo como “Deus” simplesmente, para Seu próprio deleite e glória. Ele tem Seu pleno deleite na obra, contemplando tudo como muito bom, e Ele glorifica a Si mesmo pela obra, estabelecendo sobre ela um à Sua própria imagem, o representante de Si mesmo. Mas no capítulo 2 vemos “o Senhor Deus”, isto é, Deus em um caráter de aliança, Deus entrou em propósitos e planos para a bênção de Sua criatura. E, portanto, muitos dos detalhes anteriores da obra, conforme ela prosseguia sob a mão de “Deus”, são omitidos, e muitas coisas são trazidas à vista que não tinham lugar antes. Assim, temos, em forte destaque, e que não tínhamos de forma alguma no capítulo 1, o jardim e o rio, a maneira de criar o homem, de investi-lo com domínio, de formar a mulher e de instituir sua união – e temos também as árvores místicas e o mandamento com sua penalidade – pois tudo isso dizia respeito ao lugar e à bênção da criatura em aliança com “o Senhor Deus”. (Estamos conscientes, quando pronunciamos a palavra “Senhor”, de que falamos de Alguém mais próximo de nós, mais nosso, do que quando dizemos simplesmente “Deus”.)
Assim Ele começou a revelar Seu nome para nós; e depois dessas primeiras menções de “Deus” e “o Senhor Deus”, temos o nome “Deus Todo-Poderoso”, publicado a Abrão. Esta foi uma revelação adicional de Si mesmo. E isso foi feito quando Abrão estava “fora da idade”, e não tinha nada em que se apoiar, exceto a onipotência, ou toda-suficiência de Deus (Gn 17:1). Neste nome, que declarou esta suficiência necessária, Deus o guiou; e Isaque e Jacó depois dele; pois eles eram todos estrangeiros e peregrinos na Terra, não tendo nada além da promessa de um Amigo Todo-Poderoso para seu sustento e apoio (Gn 28, 35, 48). No decorrer do tempo, no entanto, Deus foi conhecido por Seu povo por outro nome. Trazendo-os para o concerto, para a herança prometida, Ele Se chama a Si mesmo de “Jeová”; isto é, o Deus do concerto de Israel (Êx 6:1-6). E sob Deus como Jeová Israel toma seu assento em Canaã.
Mas ainda assim, tudo isso não comunicava Deus na plena glória de Seu nome. Havia graça em Deus, e havia dons pela graça, que esses Seus caminhos não revelavam plenamente. Mas isso é feito no nome que agora nos é publicado – o nome de “Pai, Filho e Espírito Santo”. Este é o nome completo ou glória plena do nosso Deus; e a graça, e os dons da graça, são efetivamente trazidos a nós por aquela dispensação que o publica. (O crente sempre terá o seu mais doce deleite na última ou mais completa revelação de Deus. E por isso o crente e o mero homem da ciência são distinguidos. O homem meramente filosófico permitirá que a mão divina seja exibida na criação; ele reconhecerá “Deus” na vegetação e no gado, por exemplo; mas o jardim e o rio, e o casal, com os quais “o Senhor Deus” tem a ver, não têm atração para ele; mas esses são os objetos que principalmente envolvem os pensamentos do crente.)
Assim, não foi até a era presente que o nome completo e a glória do nosso Deus foram publicados. O Pai tinha estado trabalhando, é verdade (veja João 5), em todas as eras dos tempos Judaicos; mas ainda assim, Israel foi colocado nacionalmente sob Deus simplesmente como “Jeová”. A revelação de “o Pai” teve que esperar pelo ministério do Filho, e certas dispensações tiveram que cumprir seu curso antes que o Filho pudesse Se manifestar. O Filho não poderia ter sido o ministro da lei – tal ministério não teria sido digno d’Aquele que está no seio do Pai. Esse ministério foi confiado aos anjos. E o Filho não Se manifestou em ministério até que a “grande salvação” estivesse pronta para ser publicada (Hb 2:1-3). Assim também, a manifestação do Espírito Santo esperou por seu devido tempo. O Espírito Santo não podia servir ao ministério da lei, assim como o Filho não podia. A fumaça, os relâmpagos e a voz do trovão estavam lá (Êx 19); mas o Espírito Santo veio, com Seus dons e poderes, para servir ao ministério do Filho, na publicação da grande salvação (Hb 2:3). O Espírito de Deus não poderia ser um espírito de escravidão gerando temor – a lei pode fazer isso, mas o Espírito Santo deve gerar confiança. “Todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus”.
Até que o Filho de Deus tivesse terminado Suas obras, o Espírito Santo não poderia vir. O coração deve primeiro ser purificado de uma má consciência, para que o templo possa ser santificado para que o Espírito habite nele, e o mobiliário santo (isto é, o espírito de liberdade e adoção, e o conhecimento da glória) deve ser preparado para este templo; e tudo isso poderia ser feito somente pela morte, ressurreição e ascensão do Filho. A revelação do Espírito Santo esperava por essas coisas. Ele tinha sido, é verdade, o poder santo em todos, desde o princípio. Ele tinha falado pelos profetas. Ele era a força de juízes e reis. Ele era o poder da fé, do serviço e do sofrimento, em todo o povo de Deus. Mas tudo isso estava abaixo do lugar que Ele agora ocupa na Igreja. Sua habitação em nós, como em Seu templo, não tinha sido no passado; mas agora Ele habita, disseminando um reino de justiça, paz e alegria. Como o Espírito de sabedoria, Ele nos dá “a mente de Cristo”, sentidos espirituais para discernir o bem e o mal. Como o Espírito de adoração, Ele nos capacita a chamar Deus de “Pai” e Jesus de “Senhor”. Ele também intercede por nós, com gemidos inexprimíveis. Ele derrama no coração “o amor de Deus” e nos faz abundar “em esperança”. Ele é em nós uma fonte de água jorrando para a vida eterna; e Ele é também a fonte de “rios de água viva”, fluindo de nós para reanimar os cansados. E Ele forma os santos juntos como uma “casa espiritual”, onde “sacrifícios espirituais” são oferecidos; não mais admitindo “um santuário terrestre” e “ordenanças da carne” (ARA); pois eles são edificados juntamente para morada de Deus no Espírito; e dons são dispensados entre eles, fazendo com que todos cresçam em Cristo em todas as coisas.
Estas são algumas das maneiras do Espírito Santo em Seu reino dentro do santo: estas são Suas obras que brilham no lugar do Seu domínio. Ele está ali como um Penhor, uma Unção e um Testemunho. Ele nos fala “abertamente... do Pai”, e recebe as coisas de Cristo, para mostrá-las a nós (João 16:14-15). Sua presença em nós é tão pura, que não há mal pelo qual Ele não Se ressinta e Se aflija (Efésios 4:30); e ainda assim tão terna e cheia de empatia, que não há nenhuma tristeza piedosa da qual Ele não sinta e suspire (Romanos 8:23). Ele faz a esperança abundar; Ele transmite o senso de pleno favor divino; Ele lê para nossa consciência um título para calma e inteira segurança. Não há nada de fraqueza, ou estreiteza, ou incerteza no lugar de Seu poder. Suas operações têm o sabor de um reino, e um reino de Deus também, cheio de beleza e força. Temos que reconhecer o quão pouco vivemos na virtude e no brilho dele; mas ainda assim, é isso que o reino é em si mesmo, embora nosso coração estreito e impedido tão pobremente se apossa dele. E a obra de Sua mão deve receber o nosso louvor; e Sua glória em Seus templos deve ser declarada. É bom sermos humilhados às vezes e nos provar a nós mesmos com relação a um tal reino que habita em nós; mas o reino em si não deve ser medido dessa forma. (Devo observar aqui algo que novamente me parece ser altamente característico deste Evangelho de João. O nome de Deus é publicado de maneira formal em Mateus; é publicado, como posso dizer, literalmente, ou nos termos e sílabas estritos dele (veja Mateus 28:19). Mas neste Evangelho, como vimos agora nestes capítulos, é publicado segundo um método moral; o conhecimento desse nome, “Pai, Filho e Espírito Santo”, sendo transmitido à alma por meio de uma revelação de seus vários atos e maneiras na dispensação de nossa salvação e bênção.)
Não preciso dizer, amados, que todo esse mistério é precioso. Toda a ordem das coisas à qual somos introduzidos nos diz (e isso é cheio do mais rico conforto) que é com Deus e não conosco mesmos que agora temos diretamente que tratar. Na lei era diferente. A lei lidava conosco diretamente, dizendo: “farás” e “não farás”. Mas agora é com Deus que temos que tratar imediatamente. Somos absolutamente convocados para longe de nós mesmos, e não devemos lembrar se éramos Judeus ou gregos. Temos Deus para olhar, Deus para ouvir, Deus para tratar. E este é o ponto mais elevado possível de bênção para um pecador apreender – é tão abençoado que Satanás faz o que pode para nos manter aquém dele, para tornar o ouvido pesado para a voz de Deus, os olhos embaçados para os caminhos e obras de Deus, e o coração indiferente ao amor de Deus. Ele quer nos ocupar de bom grado com qualquer coisa que impeça que a luz da glória do Evangelho de Cristo, que é a Imagem de Deus, brilhe. Ele faz com que alguns se ocupem com pensamentos de sua justiça, e outros se ocupem com pensamentos de seus pecados, para que ele possa mantê-los, seja por vanglória ou por medo, separados do próprio Deus.
Agora, atrair os discípulos de um mero lugar Judaico para essa elevação, e por isso confortá-los sob o senso de Sua ausência, é o grande propósito do Senhor no discurso que Ele mantém com eles nestes capítulos, o mesmo que nunca ocorreu entre os filhos dos homens – o coração e a mente de Deus nunca antes haviam comunicado tão ampla e abençoadamente seus tesouros aos desejos e pensamentos de Seu povo, como agora o Senhor estava fazendo. Estes foram os momentos mais santos de comunhão entre o céu e a Terra!
No início, o Senhor diz: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em Mim”. Isso imediatamente lhes dá conhecimento de outro Objeto de fé além do que eles ainda tinham. Deus, no sentido dessas palavras, já tinha sido conhecido por Israel. Os discípulos, tem seu lugar Judaico, já eram crentes em Deus. O Senhor aqui permite isso, como Ele havia afirmado antes, falando à mulher de Samaria: “nós (isto é, os Judeus) adoramos o que sabemos”. Os Judeus tinham Deus; sua fé não estava errada, mas apenas defeituosa, e o Senhor agora a preencheria. Ele agora os faria conhecer o Pai por meio do Filho – e todo esse discurso com Seus discípulos promove esse desígnio. Ele fala particularmente do Pai e promete o Consolador para tornar essas coisas (as coisas do Pai e o Filho) conhecidas a eles.
Este era o caráter da graça que este Evangelho no início insinuou, quando João escreveu: “a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus”. E esta declaração inicial do valor e poder do ministério do Filho é, nestes capítulos, amplamente revelada. Mas enquanto isso está acontecendo, temos várias formas de ignorância Judaica trazidas à tona – necessariamente assim, posso dizer, pois Israel não estava neste conhecimento para o qual o Senhor agora os estava conduzindo. Tomé ignora a partida e separação de Cristo desta Terra, e diz: “Senhor, nós não sabemos para onde vais”; pois Israel havia sido ensinado que Cristo deveria permanecer para sempre. Filipe revela sua falta de familiaridade com o Pai; pois não era o conhecimento do Pai no Filho que Israel havia sido conduzido. Judas se maravilhava com qualquer glória, exceto a glória terrenal e manifestada do Messias; pois tal era a esperança de Israel. E todos eles ficam maravilhados com o mistério do “um pouco”. Mas desses pensamentos o Profeta celestial os está conduzindo. Eles já tinham sido retirados da nação apóstata, como o remanescente de Deus aceitando Jesus como Messias vindo de Deus; mas eles ainda tinham que conhecer o Filho como vindo do Pai, que enquanto Ele estava com eles, tinha-lhes mostrado o Pai, que agora estava prestes a retornar ao Pai, e que viria novamente para levá-los para casa, para o Pai. Essas eram as grandes coisas de Seu amor que seu divino Profeta aqui lhes revela; mas essas eram ainda coisas estranhas para eles.
Mas o curso dos pensamentos de nosso Senhor ao longo dessa conversa é interrompido apenas por um tempo por esses pensamentos Judaicos defeituosos de Seus discípulos. Seu propósito era elevá-los ao senso de sua vocação, como a Igreja de Deus, e assim confortá-los; e esse propósito Ele segue firmemente, embora possa, por um tempo, ter que repreender a lentidão de coração deles. Assim: na interrupção causada por Pedro (João 13:36-14:1), o Senhor, ao responder a Pedro, é levado a contemplar e predizer sua infidelidade e negação d’Ele; mas isso não desvia o curso de pensamentos de bondade sobre ele e o resto deles que o Senhor estava seguindo. “Não se turbe o vosso coração”, diz o gracioso Mestre, imediatamente após avisar Pedro de seu pecado. Então, no final da conversa, Ele teve que dizer a eles que a hora estava próxima quando cada um deles iria para o seu próprio lugar e O deixariam sozinho; e ainda assim, sem permitir uma interrupção por um único momento sequer de Seu fluxo de amor para com eles, Ele imediatamente retoma Seus próprios pensamentos, dizendo-lhes: “Tenho-vos dito isso, para que em Mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; Eu venci o mundo”.
E assim, amados, em sido com Seus santos desde então. Podemos, por nossa própria tolice, ter que ouvir o “canto do galo” para receber repreensão, sair e chorar; mas o coração de Jesus não se arrepende de Sua bondade que propôs para conosco. Seu propósito é salvar, e Ele salvará. Seu propósito é abençoar, e quem impedirá? Ele não viu iniquidade em Seu povo. Eles devem ter paz realizada para eles por Sua morte, vida trazida a eles por Sua ressurreição, e glória para ser deles no futuro em Seu retorno. Essas são suas bênçãos e delas Ele lhes fala, apesar de toda lentidão de coração ou indignidade, para seu conforto sob o senso de Sua partida.
As obras que Jesus fez, no Evangelho de Mateus, são reconhecidas como sendo as do Filho de Davi (João 12:23). Elas são ali os selos de Sua Messianidade. Mas aqui o Senhor as oferece a Seus discípulos como os selos de Sua Filiação ao Pai. Ele desejava que fossem estimadas, não meramente como sinais de que Ele poderia ordenar o reino de Israel, de acordo com as promessas dos profetas (Is 35:5-6), mas como testemunhas de que Ele era o Dispensador da graça e do poder do Pai; pois Ele diz: “Crede-Me que estou no Pai, e o Pai, em Mim; crede-Me, ao menos, por causa das mesmas obras”. E isso está em total consistência com nosso Evangelho. E as “maiores obras”, que Ele imediatamente depois promete que os crentes n’Ele deveriam fazer, como eu julgo, obras do mesmo caráter, obras que deveriam ter o sabor da graça do Pai, como trazer pecadores condenados à liberdade dos filhos de Deus. Como Paulo diz: “eu vos gerei em Cristo Jesus por meio do Evangelho” (TB). E assim ainda é. Pecadores ainda são trazidos à liberdade de filhos amados. “Não vos deixarei órfãos”, diz o Senhor neste lugar: “(Eu) voltarei para vós”. “Porque Eu vivo, e vós vivereis”. Nenhum orfanato para eles, nenhuma lamentação vinda deles, como houve de Israel, que eles eram órfãos (João 14:18; Lamentações 5:3). A adoção dos santos durante o orfanato de Israel é aqui trazida pelo Senhor em termos de significado profundo e maravilhoso. Eles deveriam saber que Ele estava no Pai, e eles n’Ele, e Ele neles. O PAI é o peso santo aqui.
E há uma pequena ação do Senhor que devo mencionar. No final do capítulo 14, Ele diz: “Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou”; por meio disso, dizendo-lhes que, antes de deixar este mundo, Ele deixaria Sua paz com eles – paz para eles como pecadores, realizada por Sua morte. E depois de assim lhes falar da paz, Ele diz: “Levantai-vos, vamo-nos daqui”. Sobre o que podemos supor que todos eles se levantam da mesa pascal e caminham em direção ao monte das Oliveiras; e então é que Ele imediatamente Se apresenta a eles, em ressurreição, como sua Vida, a Fonte do poder vivificante, dizendo: “Eu Sou a Videira; vós sois as varas (os ramos – ARA)”.
Há um belo significado em toda essa ação. Ele Se assenta à mesa pascal até que a paz tenha sido pronunciada, pois naquela mesa as promessas de paz para eles estavam naquele momento sendo distribuída; mas quando Ele Se levanta dela, Ele lhes conta sobre sua vida em ressurreição – vida que eles deveriam conhecer como n’Ele, elevada acima do poder da morte – a verdadeira Videira. E Ele lhes diz que não há outra vida senão esta; dizendo: “Se alguém não estiver em Mim, será lançado fora, como a vara, e secará”. E, tendo assim revelado a eles a única raiz da vida, Ele lhes mostra o gozo e as santas prerrogativas desta vida, ensinando-lhes que eles deveriam ter o Seu próprio gozo, o gozo do Filho, cumprido neles, e também deveriam entrar na dignidade e graça da amizade com seu Senhor, e assegurar a si mesmos que Sua glória e sua bênção eram agora apenas um interesse; e, além disso, que o grande propósito do Pai era glorificar o Filho como esta Videira, ou Cabeça da vida; que tendo-a plantado como a única Testemunha da vida na Terra, que é o cenário da morte, o Pai a vigiaria com o cuidado e a diligência de um lavrador. Isto o Senhor aqui mostra ser o cuidado presente do Pai, para ter a Videira em formosura e frutificação, para glorificar Jesus como a Cabeça da Vida, como em breve Ele O glorificará no trono da glória como Herdeiro de Todas as Coisas. Nos tempos antigos, os olhos de Deus estavam sobre a terra de Israel, como seu Lavrador (Dt 11:12); mas agora ele está vigiando esta videira, que Sua própria mão plantou.
Tudo isso falou aos discípulos sobre as abundantes riquezas da graça. Mas, por outro lado, Ele lhes diz que essa união com Ele era para separá-los do mundo; essa amizade com Ele era para expô-los ao ódio do mundo. O mundo logo expressaria sua inimizade total a Deus, e então a eles. A revelação de Deus em amor, a revelação do Pai em e pelo Filho, logo seria totalmente recusada pelo mundo. Isso era ódio de fato, ódio “sem causa”, ódio por amor. A cruz de Cristo logo apresentaria o ódio mais completo do homem encontrando o amor mais completo de Deus. Ignorante do Pai, o homem ainda poderia ser zeloso por Deus, e pensar em fazer serviço a Deus matando os filhos do Pai. Pois pode haver zelo pela sinagoga, sim, e pelo Deus da sinagoga, com separação total do espírito daquela dispensação que publica riquezas da graça, e revela o Pai no Filho.
Mas essa visão das tristezas que Seus santos poderiam suportar do mundo, leva o Senhor a exibir os serviços do Consolador prometido, neles e para eles, ainda mais abençoadamente. Ele lhes diz que o Consolador Se levantaria por eles contra o mundo, convencendo-o do pecado, da justiça e do juízo, mas ao mesmo tempo habitando neles a Testemunha do amor de seu Pai e da glória de seu Senhor. Esse conforto Ele lhes fornece contra o dia do ódio do mundo.
E aqui deixe-me observar que o Espírito agora deveria ser recebido do Pai. Deus havia aprovado Jesus Nazareno (Atos 2:22); mas era do Pai que o Espírito Santo deveria ser recebido, e o Pai aprovaria Sua presença de acordo com isso. Observe o caráter de Sua presença na Igreja, imediatamente após Ele haver sido dado (Atos 2). Que óleo de alegria, que Espírito de liberdade e largueza de coração, é Ele nos santos ali! Jesus O havia recebido no lugar ascendido, onde Ele próprio havia sido cheio da abundância de alegrias na presença de Deus, e dando-O de tal lugar, o Espírito Santo Se manifesta aqui da mesma forma, transmitindo imediatamente algo daquela alegria da presença de Deus em que o Senhor deles havia entrado. Eles receberam a Palavra de bom grado, comeram seu pão com alegria e louvaram a Deus. E essa alegria poderia facilmente secar outras fontes. Eles se separaram do que poderia ter garantido prazeres humanos e suprido desejos naturais. O Espírito Santo neles era alegria, liberdade e largueza de coração. Era o Espírito “do Pai”. Era o reflexo sobre os santos aqui daquela luz que havia caído sobre Jesus no Santo dos Santos. O óleo havia descido desde a barba para a orla das vestes (Salmo 133).
De fato, podemos formar apenas uma ideia pobre do valor de tal dispensação como esta que o Consolador estava agora a trazer, para uma alma que estava sob o espírito de escravidão e de temor gerado pela lei. Que pensamentos de juízo vindouro agora foram ordenados a se retirarem! Que temores da morte agora iriam ceder à consciência da vida presente no Filho de Deus! E o que seria tudo isso senão a unção com óleo de alegria? E os discípulos, por este discurso, estavam sendo treinados para esta alegria e liberdade. O aio logo deixaria seu encargo – sua vara e seu livro de rudimentos agora seriam dispensados – e neste discurso, o Filho está conduzindo os filhos em seu caminho de volta ao Pai, vindos de debaixo de tais tutores e curadores, e eles logo alcançarão o Pai, para que possam conhecer, por meio do Espírito Santo, a liberdade e a alegria da adoção (veja Gálatas 3-4).
Tal foi esta hora interessante para a Igreja. O Espírito Santo, o Testemunho do Pai e do Filho, e assim o Espírito de adoção, logo seria concedido, e eles agora eram levados da escola da lei para esperar por isso. Com pensamentos do Pai e do Filho, e dos interesses da Igreja em todo o seu amor, o Espírito Santo agora encheria os santos. E isto, portanto, Ele faz em nossa dispensação. Ele nos conta, como o Senhor aqui promete que Ele deveria, do deleite que o Pai tem no Filho, de Seu propósito de glorificá-Lo, e de nosso lugar naquele deleite e glória. Ele toma estas coisas e coisas semelhantes, e as mostra a nós.
Veja Gênesis 24, uma passagem bem conhecida e muito apreciada. Ela estabelece a eleição de uma noiva para o Filho pelo Pai – mas o lugar que o servo ocupa nela é apenas o lugar do Espírito Santo na Igreja, ministrando (como na graça divina) às alegrias do Filho e da Igreja, no aperfeiçoamento dos propósitos do amor do Pai. Naquela cena, o servo de Abraão conta a Rebeca sobre a maneira como Deus havia prosperado seu mestre – que favorecido e amado Isaque era, como ele havia sido filho da velhice e como Abraão o havia feito herdeiro de todas as suas possessões. Ele revela a ela os conselhos que Abraão havia tomado a respeito de uma esposa para este seu filho muito amado, e a deixa ver claramente sua própria eleição de Deus para preencher aquele lugar santo e honrado. E, por fim, ele coloca sobre ela as promessas desta eleição e do amor de Isaque.
Nada poderia ser mais comovente e significativo do que toda a cena. Quem dera que nosso coração conhecesse mais do poder de tudo isso, sob a ação do Espírito Santo, como Rebeca o conheceu sob a mão do servo de Abraão! Foi porque ele a havia enchido com pensamentos sobre Abraão e sobre Isaque, e de seu próprio interesse neles, que ela estava pronta para ir com aquele estrangeiro sozinha através do deserto. Sua mente foi formada por esses pensamentos; e ela estava preparada para dizer à sua terra, à sua parentela e à casa de seu pai: “Irei”. E os pensamentos do amor de nosso Pai celestial e do deleite que nosso Isaque tem em nós ainda podem nos conceder santa separação deste lugar contaminado onde habitamos. A comunhão com o Pai e o Filho por meio do Consolador é o caminho santo de distinção da Igreja em relação ao mundo. Pode haver o temor de um julgamento vindouro operando alguma separação prática dele, ou o orgulho do fariseu operando uma separação religiosa dele, mas somente o conhecimento presente do amor do Pai e a esperança das glórias vindouras do Filho podem operar uma separação divina do curso e do espírito do mundo.
O amor do Pai, do qual o Consolador testifica, é um amor imediato. É o amor de Deus que visitou o mundo no dom de Seu Filho (João 3:16); mas no momento em que esse amor de Deus é crido, e a mensagem de reconciliação que ele manifestou é recebida, então os crentes têm o direito, por meio das riquezas da graça, de conhecer o amor do Pai, um amor que é um amor imediato, como o Senhor aqui nos diz (João 16:26-27). É desse amor do Pai, bem como da glória do Filho, que o Consolador nos fala no caminho para casa. Ele é nosso Companheiro por toda a jornada, e este é Seu discurso conosco. Assim como o servo, não duvido (retornando ao mesmo capítulo, Gênesis 24), enquanto acompanhava Rebeca pelo deserto, contou-lhe mais sobre seu mestre, acrescentando muitas coisas ao que ele já havia dito a ela na Mesopotâmia; pois ele tinha sido o confidente de seu mestre, e o conhecia desde o início. Ele conhecia seu desejo por um filho, e a promessa de Deus e a fidelidade de Deus. Ele sabia da vitória de Abraão sobre os reis, de seu resgate de Ló e do encontro com Melquisedeque. Ele sabia do concerto, a promessa da herança. Ele sabia do despedimento de Ismael da casa, e do andar de Isaque nela sem rival – da jornada mística até o Monte Moriá, e de Isaque estar assim vivo dentre os mortos. Tudo isso ele sabia, e tudo isso sem dúvida ele contou a ela, enquanto viajavam juntos, e com essas lembranças e perspectivas ela se deleitava, embora suas costas agora estivessem viradas, e viradas para sempre, para sua terra, para sua parentela e para a casa de seu pai. E, amados, se estivéssemos mais conscientemente no caminho com o Consolador, o caminho para nós seria igualmente encantado por Suas muitas histórias de amor e glória, sussurrando do Pai e do Filho para o mais íntimo de nossa alma. Que assim seja conosco, Teu pobre povo, bendito Senhor, mais e mais!
J. G. Bellett
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