
Baixe esta parte do livro digital nos formatos:
ÍNDICE
Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos
J. G. Bellett
Parte 2
Mateus 13
É assim que iniciamos Mateus 13.
Aqui temos, pela primeira vez, uma antecipação completa da era atual.
A ação do Senhor aqui, logo no início, tem significado. Ele saiu de casa e assentou-Se à beira-mar (v. 1).
Até então o mundo dos gentios não havia sido contemplado como o campo de Seus labores. A fé de um gentio, tão cedo quanto no tempo de Mateus 8, O levou a falar daqueles que viriam do Oriente e do Ocidente para se assentarem com Abraão, com Isaque e com Jacó no reino; mas isso foi apenas um olhar daqueles olhos que examinam todas as coisas e conhecem o fim desde o princípio. Não foi o olhar fixo d’Aquele que havia previsto e designado o campo do mundo para ser o lugar da lavoura divina no evangelho. Mas agora, no capítulo 13, esses olhos olham para o mundo dos gentios e se fixam ali; pois ali, em pouco tempo, o Espírito e a verdade estariam tratando com o homem, e o Senhor da seara teria Sua lavoura ali, e não nas cidades e vilas de Israel. “O campo é o mundo”.
E agora, da mesma forma, o Senhor começa a falar em parábolas; uma circunstância profundamente significativa do momento, porque esse estilo de falar era uma forma de julgamento sobre Israel. Era como o levantamento da coluna entre Israel e os egípcios; só que Israel agora era colocado no lado escuro dela. O Senhor, como Ele mesmo nos conta, estava agora falando em parábolas, para que a palavra do profeta pudesse ser cumprida: “Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis e, vendo, vereis, mas não percebereis”. Aqui estava a razão pela qual Ele agora começou a usar esses dizeres obscuros. Eles tinham seu próprio segredo, cada um deles; mas não foi dado a Israel conhecê-lo. O Senhor tinha um povo que deveria ser instruído por eles, instruído em mistérios, mistérios do reino; mas, por eles, Israel foi deixado nas trevas. A sentença de cegueira dos olhos estava começando a ser executada sobre eles; sua dispersão ainda não havia ocorrido.
O Semeador, na parábola que abre este capítulo, está entre os homens. Ele saiu, e “o campo” é o “mundo”. E daí por diante, ao longo do capítulo, o Senhor como em espírito ou por antecipação, está entre os gentios traçando a história de Seu evangelho no mundo, ou durante esta presente era gentia, em uma série de parábolas. Ele olha para o campo de joio, a cena do bom e do mau misturados, tal como a Cristandade é agora. Ele então contempla, nas parábolas do grão de mostarda e do fermento, a prevalência daquilo que é mau. Então, nas parábolas do tesouro e da pérola, a preciosidade, mas ainda a obscuridade, daquilo que é bom. E será que não posso dizer que isso é uma vívida representação, até a própria vida, do que aconteceu, e que, com nossos próprios olhos, vemos nesta mesma hora? Há diante de nós um campo de sementes misturadas, a obra do Senhor e a obra do inimigo, com a prevalência daquilo que é do inimigo, e a obscuridade daquilo que é precioso e de Deus. Que antecipação do que vemos, e não podemos deixar de ver, ao nosso redor! O mundo deste dia, aquela parte da Terra que é o cenário da árdua obra do Semeador, é verdadeiramente um campo de joio, um campo de sementes misturadas. Mas a fé sabe que um tempo de separação está próximo. Haverá uma colheita, de acordo com o ensino posterior de outra dessas parábolas.
Haverá a consumação do século, quando a rede lançada ao mar será puxada para a praia, e o bom será recolhido em cestos, e o ruim será lançado fora.
Essas coisas aprendemos aqui; e este capítulo, em sua estrutura, e geralmente em seus materiais, é peculiar a Mateus. Algumas das parábolas não são encontradas em nenhum outro lugar; e aquelas que são comuns a Mateus, Marcos e Lucas, assumem uma conexão peculiar aqui.
Foi um momento distinto no ministério do Senhor. “Coisas novas e velhas” estavam diante d’Ele, os mistérios do reino dos céus. O reino dos céus em si, o governo do Deus dos céus sobre a Terra e suas nações, não era algo novo. Daniel havia falado distintamente de tal reino, e todos os profetas deram testemunho dele, em sua maneira e medida. Mas o reino sob tais condições como o Senhor o apresenta neste capítulo era algo completamente novo, estranho a todos os pensamentos e notificações dos profetas. Cegueira dos olhos e dureza de coração executadas sobre Israel, e, durante aquele período, a semente de Deus, a Palavra da graça e da verdade, semeada no distante “campo” do “mundo”, ali passando por uma história como a que este capítulo conta; isso certamente era algo novo. Todas as obras de Deus são conhecidas desde a eternidade (Atos 15:18); mas alguns de Seus santos têm que esperar até que chegue o devido tempo para sua revelação; e tal tempo para a narração de algumas delas foi o tempo deste capítulo. O Senhor, por um momento, em espírito, deixa Israel; e nós, por antecipação, somos introduzidos à nossa própria história gentia.
A ocasião, no entanto, passa rapidamente. Antes de o capítulo terminar, nós O encontramos novamente em espírito, bem como em ação e realidade, no meio de Seu Israel; não falando, como em parábolas, os mistérios do reino à beira-mar, mas ensinando e curando nas sinagogas ao redor de Seu próprio país. Sua ocupação era com as ovelhas perdidas da casa de Israel, e Ele precisa retornar. E assim Ele o faz.
Mateus 14-16:27
Este novo período das obras do Senhor, após este intervalo de Mateus 13, abre com um evento muito sério. Herodes havia matado João Batista.
A experiência de Herodes nessa época é terrivelmente significativa do estado do coração do homem. Lemos sobre ele: “Naquele tempo, ouviu Herodes, o tetrarca, a fama de Jesus. E disse aos seus criados: Este é João Batista; ressuscitou dos mortos, e, por isso, estas maravilhas operam nele”.
Uma má consciência é uma habitante muito viva e agitada do seio humano – uma boa consciência é calma e silenciosa. Uma má consciência é propensa a agir precipitadamente, alarmando-se com tudo e qualquer coisa, temendo onde não há medo. Foi isso que, nos irmãos de José, chamou a culpa à lembrança, em um dia de inocência e falsa acusação.
A consciência de Herodes sempre guardou diante dele a imagem de João morto, e, em sua mente, a coisa mais longínqua facilmente se associaria com essa imagem. As obras de Jesus sugeririam a ele que João havia ressuscitado dos mortos; e o pensamento era um tormento para Herodes.
Pois verdadeiramente a ressurreição de um homem que foi morto deve ser intolerável ao coração daquele que o matou. Ela lhe declara que Aquele, em cujas mãos estão as fontes da vida e da morte, Se colocou ao lado de sua vítima. E foi assim, neste momento, nas apreensões de Herodes, e será assim, em breve, nas apreensões do mundo; pois no dia da manifestação do poder de Jesus, a Quem o mundo está agora rejeitando, reis, homens poderosos, escravos, homens livres, tribunos, grandes homens e homens ricos, todos clamarão aos montes e rochedos para escondê-los do rosto d’Aquele que está assentado no trono e da ira do Cordeiro (Ap 6:16).
Esta experiência de Herodes tem, portanto, uma voz para o ouvido do mundo. Pois a ressurreição diz ao mundo que Deus nas alturas Se colocou ao lado d’Aquele a Quem o homem desprezou e rejeitou.
A notícia deste martírio de João é trazida ao Senhor, e é evidente que Ele é movido por isso. Ele entra no peso disto sobre Si mesmo; pois isto pesou diretamente sobre Sua própria segurança pessoal. Se o mensageiro fosse tratado assim, o que o Senhor do templo poderia esperar? Se João foi morto, o que será feito com Jesus? Tal seria a sugestão natural de Sua alma neste momento. Depois disto, Ele disse aos Seus discípulos, falando de João: “fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do Homem”; e Seu espírito, eu acredito, neste momento, estava antecipando tal declaração; pois lemos que Ele imediatamente Se retira para um lugar deserto, apartado (Mt 14:13). Como O vemos no Evangelho de João repetidamente deixando a Judeia, porque os Judeus procuravam matá-Lo (Jo 7:1; 10:31, 40); então agora, ao ouvir que Herodes havia matado João, Ele Se retira; e daquele momento, por um tempo; isto é, de Mateus 14:13 a Mateus 17:22, Ele continua em partes distantes da terra. Ele estava ciente do perigo, e Ele não o enfrentaria descuidadamente. Ele Se retirará do alcance do perigo, se isso puder ser feito sem qualquer sacrifício do que Lhe convinha. Ele, portanto, por um tempo, não é visto em Seu caminho habitual, em Cafarnaum ou nas partes ao redor dela, nem na Judeia ou em Jerusalém.
E quão perfeito, como tudo o mais, é este caminho do nosso Mestre, durante este solene e interessante tempo! Seja qual for a Sua glória pessoal (e sabemos que Ele não era nada menos que Deus sobre todos, bendito eternamente), ainda assim Ele era Homem em todas as sensibilidades próprias da humanidade. Aqueles contatos e passagens em Sua história, que revelam a fraqueza de Suas circunstâncias entre os homens, são tão preciosos quanto as maravilhas que Ele operou para eles naquela força que era divina. O cansado Viajante no poço de Sicar é uma visão tão bem-vinda quanto o transfigurado Senhor da glória no monte. E nesse período, do tempo de Mateus 14:13 ao tempo de Mateus 17:22, nós O vemos na fraqueza das circunstâncias humanas. Sua vida está em perigo pela mão do homem, e Ele Se retira; enquanto O seguimos, durante esse tempo, primeiro em um lugar deserto, depois em um monte solitário, depois em Genesaré, depois nas fronteiras mais distantes a oeste, depois em um monte novamente, depois nas costas de Magdala, no extremo leste, depois no ponto mais alto do norte e, por fim, em um alto monte à parte, que, em espírito ou em mistério, era o próprio céu (Mt 14:13, 23, 34; 15:21, 29, 39; 16:13; 17:1).
Belo e perfeito caminho natural para os pés deste Glorioso; neste momento, Aquele exposto, Aquele em perigo, o Davi, caçado como uma perdiz nos montes.
Mas embora conscientemente em perigo, e, portanto caminhando em relativo retiro, não Se expondo descuidadamente, Ele nos mostra que não temia o inimigo que O ameaçava, nem era desatento ao amor e serviço que, em graça, Ele devia ao povo. Pois é durante esse tempo que Ele responde, repetidas vezes, aos desafios de Seus adversários, e alimenta, repetidas vezes, as multidões que aguardam por Ele.
Quão cheio de glória moral é tudo isso! E este é o Jesus cujo caminho brilha diante de nós. Ele não desprezaria o perigo que O ameaçava; e ainda assim Ele não seria perturbado por isso a ponto de esquecer como Se conduzir, seja para amigos ou inimigos, para dependentes ou perseguidores. Fruto precioso na estação desta Árvore, que havia sido plantada junto aos ribeiros de águas!
E ainda há mais do que isso.
Enquanto estava nas costas de Tiro e Sidom, durante esse tempo, Ele é procurado por uma mulher cananeia. Ela traz sua tristeza a Ele. Ela deposita n’Ele sua confiança.
Ela O usaria; exatamente aquilo no que o amor se deleita; o próprio gozo no qual Ele veio ao mundo colher das mãos e corações dos pecadores. Ela sabe que Ele é capaz e pronto para servi-la. A ocasião é de interesse muito terno e comovente.
Aparentemente, apesar de toda a tristeza dela, o Senhor afirma os princípios de Deus e a ignora. Aos discípulos, Ele diz, aos ouvidos dela: “Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”. E a ela mesma, Ele diz: “Não é bom pegar o pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos”. Mas ela se curva. Ela O reconhece como o Ministrador da verdade de Deus, e não suporia por um momento que Ele renunciasse essa verdade por ela e suas necessidades. Ela deixa que Deus seja glorificado de acordo com Seus próprios conselhos, e Jesus continua a Testemunha fiel desses conselhos, embora ela ainda permanecesse em tristeza. “Sim, Senhor”, ela responde, justificando tudo o que Jesus havia dito; “mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores”.
Isto era admirável; foi perfeito em sua geração; fruto da obra divina em sua alma. Ela seria abençoada somente de acordo com os princípios e caminhos da graça e governo de Deus, dos quais ela recebeu o Senhor como a Testemunha segura e infalível.
A mãe em Lucas 2 está bem abaixo da gentia de Mateus 15. Ela não sabia que Jesus deveria estar tratando dos negócios de Seu Pai. Ela preferia que Ele a atendesse. Aquela estrangeira reconheceu que era dos negócios de Seu Pai que Ele sempre deveria estar tratando; e ela preferia deixar o caminho de Deus ser exaltado na mão fiel de Cristo, embora ela mesma fosse colocada de lado por isso. E tudo isso foi um belo testemunho de sua sujeição a Deus. Suas palavras foram profundamente bem-vindas ao coração do Senhor; e isso, também, em um momento em que esse mesmo coração estava bastante entristecido por tudo o que Ele estava encontrando entre Seu próprio povo.
O homem teria usado tal oportunidade para si mesmo. Se Israel O desprezou, o gentio O buscou. Se os perigos de Seu próprio povo O expulsaram, e os estrangeiros O receberam, certamente Ele pode mudar o Seu lugar; a natureza teria raciocinado assim. Uma siro-fenícia estava apelando a Ele, enquanto Israel estava recusando-O. Ele não mudará? Ele não cruzará a fronteira? Não. Ele era o Obediente. Ele não irá, como outro, passar para o rei de Gate, ou para a terra dos filisteus. Ele não consulta a carne e sangue, nem obtém Sua permissão de circunstâncias ou de providências. Ele havia sido enviado como o Ministro da circuncisão, para confirmar as promessas feitas aos pais; e embora Israel possa esquecer as vozes de seus profetas e as esperanças de sua nação, Ele não pode esquecer Sua comissão. Ele é deles, e não dos gentios; e isto Ele deixa que esta gentia saiba: nem Ele dispensará virtude a ela, ou deixará Suas misericórdias alcançarem suas necessidades, até que ela tome seu devido lugar gentio em sujeição a Israel. Então, de fato, que ela tome tudo o que ela quisesse. “Ó mulher, grande é a tua fé. Seja isso feito para contigo, como tu desejas”.
Isso é realmente perfeito. Quão cheio de glória moral é todo esse caminho, do princípio ao fim! O perigo separa o Senhor para montes e desertos retirados, mas Ele não recua diante da face do inimigo por medo, nem suspende Seus serviços de amor por ressentimento, nem esquece os direitos dos outros, embora em meio a injustiças e sofrimentos causados por eles.
Davi, sob circunstâncias semelhantes, como o vemos em 1 Samuel 18-30, não nos dá isso. De muitas maneiras, ele se comporta de forma bela. Mas, com tudo isso, Davi não é um modelo. Infelizmente, ele falhou então, por mais admirável e amável como ele era acima de muitos homens. Suas mentiras em Nobe custaram o sangue dos sacerdotes; suas mentiras em Gate, a captura de Ziclague. Ele concebeu vingança em seu coração, e seu propósito teve que ser desviado pela palavra de uma mulher. E ele teria sido encontrado lutando contra o povo de Deus nas fileiras dos incircuncisos, se a mão de Deus não tivesse influenciado as mentes dos príncipes dos filisteus.
E ainda assim Davi está de fato entre os mais escolhidos dos filhos dos homens. Mas o Davi de 1 Samuel 18-30 não é o Jesus de Mateus 14-16, embora em circunstâncias semelhantes. Cada um deles estava em retiro por causa do perigo e da ameaça do poder que havia, em seus respectivos dias, em Israel; mas as duas histórias apenas provam novamente que há apenas Um. Ninguém além d’Ele para os nossos pecados, e ninguém além d’Ele para a glória de Deus. Coisas boas podem ter sido ditas por aqueles do passado, coisas boas podem ter sido feitas por eles do passado, mas toda perfeição de todos os tipos está somente com Jesus. E feliz é o pensamento, bem-vindo de fato é o contraste. Ninguém além de Jesus! Somente n’Ele o pecador encontra seu alívio, Somente n’Ele Deus obtém Sua glória. E esses pensamentos surgem enquanto seguimos o caminho do Senhor por esta parte do nosso Evangelho. Há muito tempo, se alguém pode falar de si mesmo, tem sido a admiração da alma; e, de fato, é solene e interessante. Mas tem seu fim, e devemos olhar para seu fim. Isso alcançamos em Mateus 17.
Mateus 17
A certeza de nossa visão de um objeto depende muito principalmente da luz em que ele é colocado; e nosso desfrute de uma perspectiva é grandemente determinado pela maneira como nos aproximamos dela. Foi a incredulidade em Israel que colocou o Senhor no campo de joio, como já vimos; e é a mesma que agora O coloca no monte de glória. Devemos ver isso para apreciar Seu lugar tanto em Mateus 13 como Mateus 17.
Cada passo de Seu brilhante caminho de bênçãos na Terra, e no meio de Israel, deixou rastros atrás de Alguém que veio como o Reparador da ruptura. Ele estava, como podemos dizer, renovando Seu concerto com Seu antigo povo, Seu concerto de saúde e salvação. Mas eles “não quiseram”. O homem grande e o homem pobre, o rei e a multidão, deram seus respectivos testemunhos disso. Eles “não quiseram”.
No palácio do rei, a harpa, o saltério e o vinho estavam lá, e o sangue dos justos. O pecado da Babilônia foi encontrado em Jerusalém, e mais do que o pecado da Babilônia. A festa de Herodes era cheia de ritos mais horríveis do que aqueles que fizeram surgir os dedos da mão de homem, para escrever a sentença de morte sobre Belsazar e seu reino. Os vasos do templo foram profanados lá, mas o sangue do Justo foi derramado aqui. Esta era a voz do palácio. Os lugares ermos de Cesareia de Filipe também foram ouvidos, e eles testemunharam o mesmo: que os de Israel “não quiseram”. “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” perguntou o Senhor aos Seus apóstolos, enquanto estavam lá juntos. Mas eles não tinham resposta para Ele que pudesse indicar-Lhe que Ele havia sido recebido por eles. A exultação do profeta, “Porque a nós nos é nascido um Menino, e a nós nos é dado um Filho” (TB), a exultação adequada de Israel sobre seu Messias, não foi assumida pelo povo. Eles podem ter pensamentos elevados e honrosos sobre Ele, como Elias ou Jeremias; mas isso não adiantava; Ele não foi compreendido.
Este foi um grande momento. Precisamos permanecer aqui um pouco. É uma ocasião que não podemos deixar passar.
Nenhuma confissão menor que a de “o Filho do Deus vivo” servirá. As pessoas podem ter pensamentos elevados e honrosos sobre Jesus, como acabei de dizer. Podem falar d’Ele como “Ele é bom”, ou como “um dos profetas”, como Elias ou Jeremias; mas nada desse tipo servirá; nada menos que a fé que O apreende e O recebe como o Cristo, o Filho do Deus vivo.
A razão da necessidade desta fé é simples. Nosso estado de ruína neste mundo, ruína por causa do pecado e da morte, exige a presença do próprio Deus entre nós, e isso também, no caráter de Conquistador sobre o pecado e a morte. E Aquele a Quem Deus enviou é Esse tal. Ele é o Cristo, o Filho do Deus vivo, o Deus vivo em carne; veio aqui com o propósito de trazer de volta a vida a esta cena de morte, destruindo as obras do diabo e tirando o pecado. Este é Aquele que nossa condição exige. Nossa ruína é tal que nada menos do que isso servirá para nós; e se acharmos, em nossos próprios pensamentos, que qualquer coisa menos do que isso nos ajudará, mostramos que ainda não descobrimos nossa real condição, nossa condição na presença de Deus. Toda aceitação de Cristo, aquém disso, não é nada. É a não aceitação d’Ele. Ele pode ser um Profeta, Ele pode ser um Rei, Ele pode ser um Operador de maravilhas ou um Mestre de segredos celestiais; mas se isso for o tudo da nossa apreensão d’Ele, o nosso tudo é nada.
A fé tem uma grande e nobre obra a fazer em tal cenário como este mundo, e em tais circunstâncias que a vida humana fornece todos os dias. Ela tem que alcançar seus próprios objetos através de muitos véus, e habitar em seu próprio mundo apesar de muitos obstáculos. São as coisas não vistas, e as coisas esperadas, com as quais ela trata; e tais coisas estão à distância, ou sob coberturas; e a fé tem que ser ativa e energética para alcançá-las e tratar com elas.
Em João 11, vemos uma cena de morte. Como já disse, nossa condição de ruína neste mundo é realmente essa. Todos, exceto o próprio Senhor, parecem não ter apreendido nada além da morte. Os discípulos, Marta e seus amigos, e até Maria, falavam apenas da morte; e, no que diz respeito ao momento presente, eles não têm fé em nada além dela. Jesus, no meio de tudo isso, está sozinho, olhando a vida e falando da vida. Ele seguiu em frente na consciência disso, carregando em Si mesmo a luz em meio a essa sombra de escuridão e tristeza. Mas não havia fé ali cumprindo seus deveres; isto é, descobrindo-O. Marta representa essa ausência de fé; assim como a multidão faz em Mateus 16:14. Ela encontra o Senhor, mas seu melhor pensamento sobre Ele é este; que tudo o que Ele pedisse a Deus, Deus Lhe daria. Mas isso não vai servir. Esta não era a fé fazendo seu trabalho adequado, descobrindo a glória que estava escondida em Jesus de Nazaré.
O Filho Se esvaziará a Si mesmo. Ele tomará a forma de um servo. Ele será obediente até a morte. Ele Se cobrirá como uma nuvem, e Se esconderá sob um véu espesso, um véu não apenas de carne, mas de carne em humilhação, fraqueza e pobreza. Mas enquanto Ele está fazendo tudo isso, Ele não pode admitir a ausência daquela fé que faz seu trabalho adequado somente quando O descobre. Ele não estará em companhia de pensamentos depreciativos sobre Ele. Ele busca as descobertas da fé de Sua glória, nos santos com quem Ele anda.
Ele, portanto, repreende Marta. Em vez de admitir que Deus O atenderia, como Marta havia dito, assim que pedisse a Ele, Ele diz a ela, como na autoridade de Sua própria glória pessoal, “teu irmão há de ressuscitar”. E em vez de concordar com sua reflexão posterior, de que ele ressuscitaria no último dia, Ele diz a ela: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá e todo aquele que vive e crê em Mim nunca morrerá”.
Como tudo isso se recomenda à nossa alma! O Senhor não dará lugar a essas apreensões imperfeitas sobre Ele. Era necessário, nas riquezas de Sua graça, que Ele Se esvaziasse; nossos pecados não poderiam encontrar alívio em nada menos do que isso. Mas é certo que a fé faça uma descoberta completa d’Ele sob esse véu de esvaziamento próprio.
Mas, feliz em acrescentar, se Marta representa a incredulidade que fica aquém de uma correta apreensão de Jesus, Pedro, nesta ocasião, em nosso Evangelho, representa a fé que, pela operação de Deus, faz a devida obra da fé, descobrindo a glória oculta. Bem-aventurado por ver isso. Pedro recebeu isso por revelação do Pai. Carne e sangue não eram capazes de cumprir este dever, ou realizar esta obra de fé. Foi uma revelação para Pedro, como precisa ser para todos nós.
Ao saber o que as pessoas pensavam sobre Ele, Jesus Se volta para Seus discípulos e diz: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” E então a confissão de Pedro é feita. “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, ele diz.
Jesus estava satisfeito; mais ainda, Ele estava cheio de deleite. A glória de uma revelação direta do Pai ao espírito e inteligência de um dos Seus agora brilhava diante d’Ele; e Ele conhecia o êxtase de tal momento. “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas”, diz o Senhor; “porque não foi carne e sangue quem to revelou, mas Meu Pai, que está nos céus”; e então Ele reconhece este mistério (que Ele era o Cristo, o Filho do Deus vivo) como o fundamento de toda a edificação para a eternidade.
Certamente este foi um grande momento. Isso justifica nossa demora neste lugar do nosso Evangelho por este pequeno período. Nós nos voltamos para ouvir a palavra da amorosa Marta em João 11; e aproveitamos a ocasião para contrastar a pobreza e a imperfeição disto, clamando uma repreensão do Senhor, com esta palavra de Pedro proferida sob uma revelação do Pai, extraindo a satisfação e o deleite do Senhor.
Mateus 16:28 – 20
Mas esse momento estava impregnado de grandes resultados. As trevas do homem tocando o Filho do Deus vivo compartilhou o momento com a revelação d’Aquele Filho que o Pai havia feito a Pedro. Tudo isso deu caráter a essa grande ocasião, e o Senhor nos instrui por meio disso.
Como a incredulidade da Terra agora estava provada diante d’Ele, pelo relato que Seus discípulos Lhe trouxeram sobre as opiniões do povo a Seu respeito, havia, portanto, apenas um passo, por assim dizer, entre Ele e o céu. Consequentemente, Ele prepara Seus apóstolos para isso; para uma visão do reino em seu dia de poder e glória, quando Aquele a Quem a Terra estava agora rejeitando apareceria em Sua magnificência. “Em verdade vos digo”, fala o Senhor agora aos Seus doze, “alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino”.
Depois de seis dias, de acordo com essa promessa, Pedro, Tiago e João são levados pelo Senhor a um alto monte, à parte, e lá lhes é permitido vê-Lo em Seu corpo glorificado, com Moisés e Elias também em glória.
Até então não houve visão como esta. Abraão e Jacó tiveram visões de anjos e do Senhor dos anjos; mas diante deles Sua glória estava velada. Gideão e Manoá também O tinham visto, e Josué também. A sarça ardente, a rocha fendida e o topo de Pisga, tinham colocado Moisés em companhia de Deus. Jacó viu a escada cujo topo alcançava o céu. Moisés e os anciãos de Israel viram o Deus de Israel com os céus sob Seus pés, como uma obra pavimentada de uma pedra de safira. Os profetas O tinham visto em vestes místicas, Isaías no templo e Daniel no rio Hidéquel (ou Tigre). Eliseu teve uma visão peculiar; não do Senhor, mas do carro e dos cavaleiros de Israel, e do profeta que subia, seu mestre. E esta, em certo sentido, foi a mais brilhante de todas. Ela se elevou muito alto até aos propósitos celestiais de Deus. Foi como o arrebatamento ou transladação dos santos, como será aquela no dia de 1 Tessalonicenses 4. Foi uma ascensão. Ainda assim, no entanto, não foi uma visão de homens em glória. Eliseu não viu um corpo humano glorificado, embora tenha visto, em um mistério, o cortejo celestial dele. Ele estava mais em 1 Tessalonicenses 4 do que em 1 Coríntios 15. Mas agora, no monte santo, Pedro, Tiago e João têm uma visão mais sublime de Elias do que o próprio Eliseu teve dele do outro lado do Jordão. Eles viram Elias em glória, o que Eliseu não viu.
De modo que até então não houve nenhuma visão igual a esta em nosso décimo sétimo capítulo. A de Estêvão, em um dia depois deste, pode ser considerada superior a esta. Mas não houve visão em dias anteriores em que os homens foram vistos, como agora foram, em glória pessoal, transfigurados segundo a imagem do celestial. E, se tivéssemos mais desejo pela presença do Senhor, não poderíamos viver esquecidos desta grande ocasião. A luz do monte santo, onde a majestade de Jesus foi vista, e onde a voz da magnífica glória foi ouvida, animaria o coração muito além do que costuma fazer; se alguém puder expressar seu coração para outros.
E assim foi agora, no progresso do nosso Evangelho. A incredulidade de Israel, isto é, da Terra, selada pela resposta que o Senhor recebeu à Sua indagação, “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” levou-O ao céu por um momento.
Pois se a Terra não estava pronta para recebê-Lo, o céu em sua glória mais elevada estava aberto para Ele.
Isto, no entanto, como Sua visita ao campo de joio da Cristandade em Mateus 13, é apenas por um momento. Seus negócios são com Israel e com a Terra, e para Israel e a Terra Ele, portanto, retorna rapidamente.
Mas notamos em Mateus 13 que o Senhor, em espírito, continua entre os gentios, ou nesta nossa presente dispensação, por toda a importante série de parábolas que formam o material daquele capítulo. Algo assim pode ser notado agora após esta visita ao céu em Mateus 17. Pois, embora o Senhor retorne a Israel e à Terra, ainda assim, por meio deste estágio de Seu ministério, que não termina até entrarmos em Mateus 21, há algo da mente celestial n’Ele. Ele desce do monte e deixa de lado Suas vestes de glória; mas Suas palavras têm o sabor de Alguém que tinha impressões celestiais em Seu espírito. A luz que havia brilhado de Zebulom sobre as cidades e aldeias da terra, agora havia absorvido algo da glória celestial; e, em seus brilhos a partir de então, parte dessa glória é vista nela.
Assim, ao tomar o menino, repreendendo o orgulho de Seus discípulos, o Senhor fala da Igreja em seus princípios desapegados do mundo, e em seu lugar e autoridade no Espírito. E, no curso desses capítulos, Ele comenta de tal forma sobre a lei do casamento, prescreve tal regra de perfeição ao jovem rico, faz tais promessas de lugar e honra na regeneração ou no vindouro reino milenar a Seus servos, que nos permite sentir que Ele havia retornado à Terra, vindo do monte santo, com algo da mente celestial vívido diante de Si.
Isso pode ser percebido. É verdade que Ele não está glorificado no sopé daquele monte, como Ele havia sido no topo dele; nem Ele faz da Igreja, ou do chamado celestial, o Seu assunto. Isso teria sido fora de época. O mistério da Igreja teve que esperar por outro ministério, sob o dom e a presença do Espírito Santo, e após Sua glorificação. Mas agora, uma vez que houve uma antecipação momentânea da glória celestial, há o suficiente para nos deixar saber que a Luz da Galileia agora havia colhido para Si algo daquela glória.
E, em conjunto com isto, penso que podemos perceber que embora Ele tenha retornado a Israel, Seu povo na Terra, Ele está agora, de alguma forma, tomando certa distância deles. Ele está um pouco menos com a multidão durante o tempo destes capítulos. Ele os recebe se for procurado por eles; Ele responde a eles, se desafiado por eles. Com certeza. Mas ainda assim Sua mente parece distanciar-se deles.
Essa distância, no entanto, não é abandono. O tempo para isso ainda não havia chegado completamente. Um longo e triste tempo de Sua face oculta aguardava Israel, mas não havia começado nos dias de Mateus 18-20. (No início de Mateus 19 (v. 1), o Senhor começa a deixar a Galileia. Desde o tempo de Mateus 4:12, de acordo com Mateus, Ele esteve naquelas partes, como a Luz de Zebulom e Naftali; mas agora Ele começa a Se colocar no caminho para a Judeia. Pois, como descobriremos, será na Judeia, e não na Galileia, que Ele fará a terceira e última apresentação de Si mesmo a Israel). Nós O vimos proposto ou apresentado a Israel como o Belemita do profeta Miqueias, e como a Luz da Galileia do profeta Isaías. Nós O vimos desprezado e rejeitado, desafiado e vigiado. Ouvimos Suas lamentações sobre as cidades da terra, por causa de sua incredulidade. Nós O vimos, por dois momentos místicos distintos, tomando um lugar, seja no mundo entre os gentios, como em Mateus 13, ou no reino com os glorificados, como em Mateus 17. Mas Ele ainda não terminou com Israel. Eles tinham sido um povo amado por muito tempo. A Glória nos dias de Ezequiel não sabia como deixar sua antiga morada no templo; Deus não sabia como retirar Seus profetas de Israel, ainda levantando-os cedo e enviando-os, embora gerações os tivessem rejeitados (Ez 8-11; 2 Cr 36:15-16); e agora Jesus, a Glória do templo e o Deus dos profetas, ainda permanece no limiar da casa, e Se levanta repetidamente para falar com eles.
Temos, portanto, ainda que ouvi-Lo suplicar ao Seu povo, como faremos agora na terceira parte ou seção do nosso Evangelho.
J. G. Bellett
Comments