Os Evangelistas - Parte 22/23
- J. G. Bellett (1795-1864)
- 17 de jun.
- 18 min de leitura
Atualizado: 24 de jun.

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ÍNDICE
Os Evangelistas
Uma Meditação sobre o Senhor Jesus Cristo em Seus Vários Caracteres nos Quatro Evangelhos
J. G. Bellett
Parte 1
Já passei o tempo de minhas meditações sobre os quatro evangelistas, notando o serviço diferente confiado a cada um deles pelo Espírito de Deus, ao nos apresentar o Senhor Jesus. A facilidade com que eles cumprem sua tarefa indica a inspiração sob a qual escreveram, e a consciência que tinham da verdade de tudo o que estavam registrando. É como a facilidade com que Aquele sobre Quem eles escreveram fez Suas obras e ensinou Suas lições, e essa facilidade, da mesma forma, revelava a presença daquela luz e poder divinos que O preenchiam. Mas, quer consideremos o Filho que foi o Ator em todas essas cenas benditas, ou o Espírito que é o Registrador delas, nossa alma pode muito bem ter certeza disto, que Deus Se aproximou muito de nós.
O Senhor Jesus esteve diante de nós de várias maneiras nestes Evangelhos. Nós O vemos Deus e Homem em uma Pessoa, e ainda sem confusão das naturezas, Um em glória eterna com o Pai e o Espírito Santo, e ainda, tão verdadeiramente, o Filho de Maria, nascido de uma mulher, Seu corpo formado no ventre da virgem. Nós O vemos o Filho no seio do Pai; o Verbo feito carne revelando Deus; o Filho de Deus, o Cristo, o Filho do Homem, o Filho de Davi, Jesus de Nazaré, o Servo, o Enviado, o Santificado, o Dado, o Selado, o Cordeiro; e então o Ressuscitado, o Ascendido, o Glorificado. Em tais títulos e caracteres lemos sobre Ele.
Ele é visto por nós também em variadas condições e circunstâncias. Muito diversificada, certamente, era Sua vida diária. Ele sempre foi um Estrangeiro, um Solitário; e ainda assim Alguém tão sempre acessível. Ele estava em contínuo confronto com os governantes; ensinando o povo; aconselhando, advertindo, iluminando os discípulos que O seguiam; em comunhão mais próxima com os Doze; ou tratando ainda mais de perto e vivamente com almas individuais. Ele conhecia os ânimos dos fariseus, saduceus e herodianos, e tinha palavras a seu tempo para cada um deles. Ele tinha que responder a todo tipo de pessoas, todo tipo de doenças para curar, todos os tipos de necessidade e enfermidade para aliviar; casos de todos os tipos faziam demandas sobre Ele continuamente, e, como dizemos, de forma inesperada. Toda a Sua vida estava sempre estendendo um convite ao mundo sobrecarregado e aflito ao Seu redor. Nessas diferentes conexões vemos o Senhor.
Às vezes, da mesma forma, Ele é desprezado e rejeitado, vigiado e odiado; retirando-Se, como que para salvar Sua vida das investidas do inimigo.
Às vezes Ele está fraco, seguido apenas pelos mais pobres do povo; cansado e faminto, atendido por algumas mulheres amorosas que sabiam que eram Suas devedoras.
Às vezes, Ele é, com toda gentileza, compassivo com as multidões ou fica em companhia com Seus discípulos.
Às vezes Ele está em força, fazendo maravilhas ou emitindo alguns raios de glória; os reinos da morte e os poderes dos mundos invisíveis estando sujeitos a Ele.
Dessa forma Ele está novamente diante de nós, conforme lemos os Evangelistas. “Aquele que desceu é também O mesmo que subiu”, certamente podemos dizer, neste sentido. Ele pedirá um copo de água da mão de uma estrangeira, porque está cansado do Seu caminho, embora transforme água em vinho para uso de outros. Ele pedirá um barco emprestado a um pescador quando o povo O pressionasse e O oprimisse. Ele Se fará passar por um viajante, que iria para mais longe, e não entraria, sem ser convidado, na morada de outros. E ainda assim, quando as ocasiões o exigissem, Ele reivindicaria um animal do seu possuidor, como tendo o título de Senhor sobre o animal; ou que se saiba que a destra do poder nas alturas era Seu assento, e as nuvens eram a Sua carruagem.
O mundo não conteria os livros que seriam escritos, se tudo fosse contado; mas o que é contado é contado para nossa bênção, para que possamos conhecê-Lo, viver por esse conhecimento, amá-Lo e confiar n’Ele.
Suas glórias são tríplices: pessoal, oficial e moral. Sua glória pessoal Ele velou, a não ser quando a fé a descobrisse, ou uma ocasião a exigisse. Sua glória oficial Ele velou da mesma forma. Ele não andou pela terra nem como o Filho divino no seio do Pai, nem como o Filho de Davi com a correspondente autoridade. Tais glórias eram comumente escondidas enquanto Ele passava pelas circunstâncias da vida diária. Mas Sua glória moral não podia ser escondida. Ele não podia ser menos que perfeito enquanto agia, ou enquanto era visto e ouvido. A glória moral pertencia a Ele – era Ele mesmo. Por causa de sua intensa excelência, ela era brilhante demais para os olhos do homem, e o homem estava sob constante exposição e repreensão por causa dela – mas ali ela brilhava, quer o homem pudesse suportá-la ou não. Agora ela ilumina cada página dos quatro Evangelistas, como uma vez iluminou cada caminho que Ele próprio trilhou nesta nossa Terra.
Mas além dessa glória moral que sempre brilhou n’Ele, nós O vemos indo de glória em glória ao longo de todo o caminho desde o ventre até aos céus. Nossos evangelistas nos capacitam assim a rastreá-Lo.
Em Seu nascimento, Ele surge na glória da Humanidade imaculada. Ele nasceu de uma mulher, nasceu no mundo. Ele era, no entanto, “o Ente Santo” (ARA). E assim, em Sua Pessoa, é vista a glória plena da natureza que Ele havia assumido.
Durante Sua infância e juventude, e todo o período de Sua sujeição aos Seus pais em Nazaré, era a glória da lei que Ele estava refletindo. Perfeito sob Moisés, Ele cresceu em graça (favor – JND) diante de Deus e dos homem. Moisés, em seus dias, trazia em seu rosto a glória da lei; mas ele a trazia apenas de forma oficial ou representativa (2 Co 2:7). Ele não podia refleti-la de forma essencial ou pessoal, pois ele mesmo não estava guardando-a. Ele não podia fazer isso. Como o mais fraco no acampamento, ele tremeu ao ouvi-la. Mas Jesus a guardou, e assim, pessoalmente ou essencialmente, Ele trazia o reflexo dela. Claro, refiro-me em espírito. Ele era a expressão viva da perfeição que a lei exigia.
No devido tempo, no entanto, Ele tem que deixar as solitudes de Nazaré. Ele é batizado; tomando o novo lugar para o qual a voz de Deus havia chamado Israel. Ele estava, assim, cumprindo toda a justiça; aquela exigida por alguém chamado de Deus, bem como aquela exigida por outro.
Aqui, no entanto, podemos permanecer por um momento, e notar algo peculiar. Ele Se retirou imediatamente de debaixo de João. Seu batismo foi mais acompanhado do que sucedido por Sua unção, por Sua ordenação (como podemos chamá-la), Sua comissão por parte do Pai, e capacitação pelo Espírito Santo; pois lemos: “E, sendo Jesus batizado, saiu logo da água, e eis que Se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre Ele. E eis que uma voz dos céus dizia: Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo”.
Isto é peculiar. Jesus não foi mantido um momento sequer sob o batismo de João. Ele não podia permanecer ali. Nenhum fruto de arrependimento poderia ser esperado d’Aquele que já havia sido perfeito sob a lei. Ele passou por este batismo porque Ele cumpriria toda a justiça; Ele não foi mantido sob ele, porque nenhum fruto desse batismo, nenhum “fruto digno de arrependimento” poderia ser exigido d’Ele. Quando Ele saiu da água, os céus se abriram sobre Ele, o Espírito desceu, e a voz disse: “Este é o Meu Filho amado, em quem me comprazo”. Esta foi a Sua glória, como posso dizer, sob João – verdadeiramente peculiar e perfeita em sua geração.
Então, como Ungido e Comissionado, Jesus surge em ação. Não é mais apenas Nazaré, mas toda a terra. E Ele surge para manifestar o caráter divino. O perfeitamente Obediente ainda, honrando a lei em cada jota e til, Seu negócio agora é manifestar o Pai e a bondade divina, em meio às misérias e necessidades de um mundo autodestruído. A glória da Imagem do Pai agora brilhava n’Ele, no ministério que Ele tinha vindo cumprir.
Não foi meramente como perfeito sob a lei que Ele Se mostrou ao mundo. Ele mesmo guardou a lei, mas não a apresentou a outros. Se Ele tivesse feito isso, Ele teria sido um legislador, como Moisés havia sido. Mas, enquanto a lei foi dada por Moisés, foi “a graça e a verdade” que veio por Jesus Cristo. Em retiro em Nazaré, Ele trazia sobre Si a glória da lei; em público, em meio às ruínas do homem, Ele trazia a glória do Pai, manifestando o caráter divino em favor da necessidade e da miséria, embora ainda fosse o Obediente, e tão perfeito sob a lei como antes. Mas quem O via, via Aquele que O enviou. Tal era o vivo, o ativo e o ministrador Jesus.
Como o morto, o ressuscitado e o ascendido Jesus, nós O vemos em seguida. Por Sua morte, tudo o que poderia manter a justiça de Deus, enquanto Ele estava tornando o pecador justo, ou justificando-o, foi mantido. A cruz reflete as glórias reunidas de misericórdia e verdade, de justiça e paz. Glória a Deus, paz aos pecadores, é a linguagem dela. A plena glória moral brilha ali, enquanto Deus aceita e perdoa o mais vil. O véu do templo foi rasgado por ela, assim como foram os túmulos dos santos. É justo para Deus (fruto também, eu sei, de riquezas ilimitadas e eternas de graça) justificar o pecador que pleiteia a cruz. E assim, a glória de Deus agora brilha na face d’Aquele que estava morto e está vivo novamente – na face do Crucificado assentado à direita da Majestade nos céus.
Certamente, posso portanto dizer, é como de glória em glória que vemos o Senhor percorrendo todo o caminho, o maravilhoso e variado caminho, desde o ventre até aos céus. A glória da natureza humana brilhou em Sua Pessoa quando Ele nasceu da virgem; a glória da lei brilhou em Seu comportamento e maneiras enquanto Ele cresceu e viveu por trinta anos em solitude, ou em sujeição a Seus pais em Nazaré; a glória do Cumpridor de toda a justiça brilhou em Sua momentânea passagem pelo batismo de João; a glória do Pai brilhou em Seu ministério pelas cidades e aldeias de Israel; e a glória de Deus agora brilha na “face de Jesus Cristo”, ressuscitado, ascendido e assentado nos céus, após Sua crucificação e morte.
E traçando assim Suas glórias do ventre aos céus, posso me lembrar do que alguém disse sobre Sua ascensão. “Na trasladação de Elias, os delineamentos da ascensão de Cristo aparecem, a ascensão d’Aquele que, não arrebatado em uma carruagem de fogo, nem necessitando da purificação daquele batismo de fogo, nem requerendo uma carruagem comissionada para carregá-Lo, porém, na calma muito mais sublime de Seu próprio poder interior, Se elevou da Terra e, com Seu corpo humano, passou para os lugares celestiais” (Trench’s Hulsean Lectures). Muito verdadeiro e belo.
Mas, além disso, os evangelistas nos dão amostras das glórias que O aguardam no dia vindouro de Seu poder. A transfiguração, a entrada em Jerusalém e o desejo dos gregos na festa nos mostram “o reino” em certos aspectos dele. Pois essas várias ocasiões colocam Suas glórias diante de nós por um momento. Os céus e a Terra, os lugares ao redor do trono no alto, Israel e sua Jerusalém, com todos os gentios desde os quatro ventos do céu, são vistos aqui entretendo-O adequadamente, de acordo com seus diferentes estados e capacidades.
Na transfiguração, nós O vemos aceito nos lugares celestiais, recebendo ali aquelas honras que tais lugares em suas mais elevadas esferas bem sabiam que pertenciam a Ele, e honras tais que somente esses lugares poderiam Lhe conferir. Ele é aqui glorificado com a glória do celestial. Suas vestes também são batizadas na luz celestial. Aqueles que pertencem a essas esferas saem para atendê-Lo. Moisés está de um lado, e Elias do outro; mas Jesus, como o Sol, está no centro ou fonte da glória a qual então os envolvia a todos.
Esta era Sua completude e honra no céu. Ele foi pessoalmente glorificado ali, e Seu séquito enchia o templo.
Na entrada em Jerusalém, nós O vemos aceito em Israel, recebendo, da mesma forma, tais honras que Israel poderia conferir a Ele. O dono do jumento reconhece Sua reivindicação mais elevada como Senhor. A multidão, é verdade, não pode batizar Suas vestes em glória, como os céus antes fizeram, mas eles podem estender suas próprias vestes sob Seus pés, e cercá-Lo com as alegrias de uma festa de tabernáculos. Não há glorificados para esperá-Lo, para sair de suas casas de glória para saudá-Lo e honrá-Lo; mas Seus cidadãos O saudarão como seu Rei.
E os gregos, representantes das nações, estão prontos para esperar na festa, para esperar por Ele como o Senhor da festa – como Zacarias tanto antecipa quanto requer (Zc 8:20-23; 14:17). O Senhor recusou isso naquele momento, é verdade (Jo 12). Sua hora não havia chegado. Ele seria, por enquanto, a Semente sob o solo, em vez do Molho (ou Feixe – ARA) no dia da colheita. Tudo isso é assim; mas ainda assim, os gregos estavam prontos em seu lugar, como os céus estavam prontos no dia do Filho de Davi.
Mas tudo isso durou apenas um momento. Sabemos que, apesar dessa passageira exultação da multidão, eles e seus principais rapidamente O negaram; sim, e a inimizade das nações nos é mostrada na cruz, em companhia da incredulidade de Israel. Ainda assim, Suas glórias brilharam assim por esses pontos e essas ocasiões, para que pudéssemos reuni-las como penhor – fragmentos ou antecipações do que O aguarda no dia em que o céu e a Terra e toda a criação de Deus, em suas várias maneiras, falarão d’Ele e reconhecerão Sua presença em um mundo digno d’Ele. E que esperança é essa! Que tenhamos um coração para Ele, vê-Lo em um mundo que será digno d’Ele.
Mas não conhecemos essas glórias como deveríamos, e às quais as páginas dos Evangelistas nos apresentam. Acima de tudo, não usamos essa Imagem de Deus com aquela fé simples que ela requer. Temos nossos próprios pensamentos sobre Deus; e eles provam, mais ou menos, ser a perda e a tristeza de nossa alma. Mas o apóstolo pôde nos dizer o valor dessa Imagem. Ele pôde testemunhar como essa glória de Deus na face de Jesus Cristo surge no coração; como, antigamente, a Palavra que ordenou que a luz brilhasse das trevas surgiu na criação (2 Co 4:6). E deveríamos instruir nosso coração que não mais se ocupe com seus próprios pensamentos e devoções religiosas, mas que se ocupe com essa Imagem de Deus, e encontre nosso objeto e nosso descanso nela.
Qual é a obra do Espírito Santo nos apóstolos, seja falando aos pecadores por meio da pregação, ou ensinando os santos por meio de epístolas, senão a revelação do Jesus que os evangelistas, sob Sua direção, já nos deram? Certamente Jesus é tudo. “Cristo é tudo.” E por diferentes persuasões e argumentações somos desafiados a fazer d’Ele o nosso tudo. Nada é deixado para nossas próprias especulações – absolutamente nada.
Temos o próprio Deus revelado em nossa própria natureza, em nosso próprio mundo, em nossas próprias circunstâncias. Com razão reis e profetas desejaram tal privilégio. Mas eles não o tiveram. É nosso, e está além de todo preço. Não somos deixados para reunir nosso conhecimento de Deus a partir de descrições; nós vemos, ouvimos e aprendemos por nós mesmos, por meio da manifestação pessoal, Quem Ele é e o que Ele é. Sentamo-nos diante de Sua Imagem, Sua Semelhança, no Senhor Jesus. O evangelho é “o evangelho de Cristo, que é a imagem de Deus” (KJV). A Escritura, como posso dizer, permite que Deus Se revele por meio de Seus atos, e não adota o método de descrevê-Lo. Ele não confiou a revelação de Si mesmo à pena de uma descrição, ainda que inspirada. Ele graciosamente escolheu ser o Seu próprio Revelador, em ação viva e pessoal, por meio de Suas próprias palavras e feitos – a maneira mais simples e segura de Se tornar conhecido, a maneira pela qual o caminhante errará, e pela qual a criança não precisa se enganar em sua lição.
E, de acordo com isso, vemos o Senhor, durante Sua vida, em constante atividade. Pois há um profundo significado nessa atividade. Ele estava por meio dela sempre pressionando Deus ou o Pai sobre a atenção dos pecadores; e essa diligência constante em fazer e falar nos diz que Ele quer que aprendamos muito de Deus. Parece nos dizer que devemos nos familiarizar amplamente com Ele; em tudo aquilo, pelo menos, em que tal conhecimento é bom, doce e proveitoso, adequado a nós em nossas necessidades e para nossa bênção.
Não é por meio de tratados ou discursos, mas por meio de atividades pessoais em nossas próprias circunstâncias comuns, que O aprendemos; e, portanto, quanto mais simples formos, quanto mais nos comportarmos como crianças (que aprendem suas lições em vez de discuti-las), tanto mais certamente O encontraremos, O alcançaremos e O conheceremos.
A natureza divina foi encontrada em Sua Pessoa, o caráter divino em Sua vida. E isso nos dá interesse em cada passagem de Sua vida, por menor, mais ocasional ou comum que seja. Pois aquele que traça a vida e a morte de Jesus lê Deus, ou as características da glória moral divina.
E eu pergunto, amados: Será que esta imagem, esta glória, como resplandeceu no rosto de Jesus, causou alarme? Os pecadores tiveram que tratá-la como Israel tratou a glória que resplandecia na face de Moisés? Será que o pobre, aquele que fora convencido, precisava que o Senhor colocasse um véu em Seu rosto, como Arão e os filhos de Israel exigiram que Moisés fizesse? A samaritana foi convencida tão profunda e completamente como nunca o Sinai a teria convencido. Jesus tinha todos os segredos de sua consciência expostos. Mas ela se retirou? A pecadora no templo está diante de Jesus como alguém a quem a lei teria apedrejado. Mas ela se esconde? Ela acha aquela luz opressiva ou esmagadora, a luz que então enchia aquele lugar, e que havia esvaziado dele os seus acusadores?
E pergunto novamente: Os discípulos, que andavam com Ele todos os dias, tremiam diante d’Ele? Será que desejavam que Ele Se afastasse como se sentissem que Sua presença era demais para eles? Nada disso. Eles ficaram tristes quando Ele falou em deixá-los; e quando eles de fato O perderam, como julgaram, foram encontrados pelos anjos chorando. Eles nunca andaram com Ele como se desejassem que um véu estivesse em Seu rosto. E Suas repreensões não mudaram isso. Para seus espíritos, tais repreensões, embora fossem severas às vezes, jamais foram os trovões do Monte Sinai. Eles sentiram a santidade de Sua presença e ficaram envergonhados de revelar o segredo de seu coração; mas nunca desejaram Sua ausência. Que privilégio! Que consolo!
Podemos bem entender como é mais fácil receber alguém de distinção em nossa casa, do que ir visitá-lo em sua casa. Mas uma visita dele seria a maneira mais segura de nos preparar para fazer uma visita a ele, e vê-lo naquelas condições e circunstâncias que são propriamente dele, e superiores às nossas. E assim é entre o Senhor e nós. Quem pode descrever isso em sua bem-aventurança! Ele esteve aqui, no meio de nossas circunstâncias, como o Filho do Homem que veio comendo e bebendo, mostrando-Se na graciosa liberdade de Alguém que queria ganhar nossa confiança. Ele andou e falou conosco como um homem faria com seu amigo. Ele nos conheceu face a face. Ele estava em nossa casa. E, depois que Ele ressuscitou, Ele retornou para nós, se não para nossa casa, para o nosso mundo – pois as cenas da ressurreição todas aconteceram aqui. Ele estava então a caminho de Seu próprio lugar; mas novamente Ele demorou-Se no nosso, para que os laços entre nós pudessem ser fortalecidos. Pois então, depois que Ele ressuscitou, Ele era O mesmo para nós como Ele tinha sido antes. Mudança de condição não teve efeito sobre Ele – bendito é dizer isso. Exemplos semelhantes de graça e caráter, antes que Ele sofresse e depois que Ele ressuscitou, nos mostram isso abundantemente. Eventos recentes colocaram o Senhor e Seus discípulos a uma distância maior do que qualquer companheiro jamais conheceu. Eles haviam revelado seu coração infiel, abandonando-O e fugindo na hora de Sua fraqueza e perigo; enquanto Ele, por causa deles, passou pela morte, provando o juízo de Deus sobre o pecado. E eles ainda eram pobres galileus, e Ele foi glorificado com todo o poder no céu e na Terra. Mas tudo isso não operou nenhuma mudança n’Ele. “Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura”, como diz um apóstolo, poderia causar mudança n’Ele. E Ele retorna a eles, o mesmo Jesus que eles conheceram antes. Ele lhes mostrou Suas mãos e Seu lado, para que pudessem saber que era Ele mesmo. Não, podemos acrescentar, Ele lhes mostrou Seu coração, Seus pensamentos e Seus caminhos; Suas empatias, e consideração, e todas as Suas afeições; para que, em outro sentido, eles pudessem saber que era Ele mesmo.
Eu não cessaria de oferecer a evidência disto dos Evangelistas; ela é tão abundante, dirigindo-se a nós em todas as ocasiões em que vemos o Senhor em ressurreição, se apenas prestarmos a devida atenção. Mas se eu pudesse por um momento passar os limites dos Evangelistas, e olhar para o Jesus ascendido no Livro de Atos, lá encontramos a mesma identidade. Jesus aqui no ministério, Jesus em ressurreição, Jesus no céu, é o mesmo Jesus. Pois desde os céus Ele parece deleitar-Se em conhecer a Si mesmo pelo nome que Ele adquiriu entre nós e por nós, o nome que O torna nosso pelo vínculo de uma natureza comum, e pelo vínculo da graça e salvação consumadas. “Eu sou Jesus” foi Sua resposta como do lugar mais elevado no céu, quando Saulo, na estrada para Damasco, perguntou a Ele, “Quem és Tu, Senhor?” (ARA).
O que diremos, amados, das condescendências, da fidelidade, da grandeza, da simplicidade, da glória e da graça juntas, que formam e marcam Seu caminho diante de nós! Sabemos o que Ele é neste momento, e o que Ele será para sempre a partir do que Ele já tem sido, como O vemos nos quatro Evangelhos. E podemos passar para Seu mundo com toda facilidade e naturalidade, quando pensamos nisso.
“Não há estrangeiro – Deus te encontrará,
Estrangeiro, tu nas cortes celestiais.”
Ele é “o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente”, em Sua própria glória. Com Ele “não há mudança, nem sombra de variação”, de acordo com Sua natureza essencial e divina. Mas assim também em Seu conhecimento de nós, Seu relacionamento conosco, Suas afeições por nós e Seu caminho conosco.
Depois que Ele ressuscitou e retornou aos Seus discípulos, Ele nunca os lembrou de que fora abandonado por eles. Isso nos fala sobre Ele. “Não conheço ninguém”, alguém disse, “tão gentil, tão condescendente que tenha descido até aos pobres pecadores, como Ele. Confio em Seu amor mais do que em qualquer santo; não apenas em Seu poder como Deus, mas na ternura de Seu coração como Homem. Ninguém jamais demonstrou algo assim, ou teve algo assim, ou provou isso tão bem. Ninguém me inspirou tanta confiança. Que outros recorram aos santos ou anjos se quiserem, eu confio mais em Jesus.”
Mas este é apenas um raio da glória moral que resplandeceu n’Ele. Que visão é essa, se pudéssemos apenas contemplá-la em sua medida completa! Quem poderia ter concebido tal Objeto? Era necessário que fosse exibido antes que pudesse ser descrito. Mas tal era Jesus, que uma vez andou aqui na resplandecente plenitude dessa glória, e cujas reflexões foram deixadas pelo Espírito Santo nas páginas sagradas dos Evangelistas.
Que atratividade deve ter havido n’Ele para os olhos e os corações que foram abertos pelo Espírito! Isso nos é testemunhado nos apóstolos. Doutrinariamente, eles sabiam pouco sobre Ele, e quanto aos seus interesses mundanos, eles não ganharam nada permanecendo com Ele. E ainda assim eles se apegaram a Ele. Não se pode dizer que eles se valeram de Seu poder para fazer milagres. Na verdade, eles o questionaram em vez de usá-lo. E temos razão para julgar que, normalmente, Ele não teria exercido esse poder por eles. E ainda assim lá estavam eles com Ele; e por amor a Ele deixaram seu lugar e parentela na Terra.
Que influência Sua Pessoa deve ter exercido sobre as almas atraídas pelo Pai!
E essa influência, essa atratividade, eram igualmente sentidas por homens de temperamentos muito opostos. O lento de coração e raciocinador Tomé, e o ardente e impetuoso Pedro, eram mantidos juntos, perto e ao redor d’Ele.
Acaso não poderíamos refletir saudavelmente sobre essas amostras de Sua proximidade conosco e de Sua preciosidade para corações como o nosso; e aceitá-las também como garantias daquilo que ainda está reservado para todos nós, quando, reunidos de todos os climas, redimidos de todas as cores, caracteres e fases da família humana, estaremos com Ele para sempre?
Precisamos conhecê-Lo pessoalmente melhor do que O conhecemos. Era esse conhecimento que os apóstolos tinham d’Ele, naqueles dias dos Evangelhos – era a força e a autoridade de tal conhecimento que a alma deles sentia. E precisamos mais disso. Podemos estar ocupados em nos familiarizar com verdades sobre Ele, e podemos até progredir nesse caminho; mas com todo o nosso conhecimento, e toda a ignorância dos discípulos, essas coisas podem nos deixar muito para trás no poder de uma afeição dominante por Ele próprio. E não me recusarei a dizer que é bom quando o coração é atraído por Ele além do conhecimento que temos d’Ele (refiro-me ao conhecimento em uma forma doutrinária) pode explicar. Existem almas simples que exibem isso; mas, geralmente, é o contrário.
“A prerrogativa da nossa fé Cristã”, diz alguém (e suas palavras são boas e oportunas), “o segredo de sua força é este – que tudo o que ela tem, e tudo o que ela oferece, está depositado em uma Pessoa. Isto é o que a tornou forte, enquanto tudo o mais se mostrou fraco. Ela não tem apenas livramento, mas também um Libertador; não apenas redenção, mas também um Redentor. Isto é o que a torna luz do Sol, e tudo o mais, quando comparado a ela, parece como a luz da Lua; bela talvez, mas fria e ineficaz; enquanto aqui, a vida e a luz são uma só. E oh, quão grande é a diferença entre nos submetermos a um conjunto de regras, e nos lançarmos sobre um coração pulsante; entre aceitar um sistema, e nos apegarmos a uma Pessoa! Nossa bem-aventurança (e que não a percamos) é esta: que nossos tesouros são depositados em uma Pessoa, que não é um Mestre presente e um Senhor vivo para uma geração, e então para todas as gerações seguintes um Mestre passado e um Senhor morto, mas que está presente e vivo para todos.”
Sim, de fato – e Este sempre presente e vivo nos Evangelhos, é constantemente Ele mesmo visto ou ouvido. Ele é o Mestre ou o Fazedor em todas as ocasiões e os evangelistas têm pouco ou nada para eles em termos de explicação ou comentário. E isso dá às suas narrativas simplicidade e veracidade palpável, uma veracidade que pode ser sentida.
J. G. Bellett
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