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Os Evangelistas - Parte 9/22 (Lucas 11-13)

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ÍNDICE


 

Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos

J. G. Bellett

Parte 9

 

Lucas 11:1-13

 

Como já observei, é a maneira de o Senhor, neste Evangelho, colocar Sua mente em contato com todos os exercícios do coração e consciência dos homens, para que possamos obter o modo de Deus pensar (pois isso Ele sempre carregou em Si) sobre nós mesmos. Esses versículos ilustram isso. E o assunto é oração; um assunto de profundo interesse para nossa alma. Que o Senhor guie os conselhos de nosso coração sobre isso!

 

A lei, em geral, não exigia oração, pois a lei estava testando o homem e chamando-o para usar sua força, se ele tivesse alguma; enquanto a oração, por outro lado, surge na percepção de nossa fraqueza e dependência. Lembro-me, no entanto, de duas formas de oração, fornecidas pela lei; mas uma é no terreno da inocência e a outra no da obediência; e, portanto, ambas eram adequadas à dispensação com a qual estavam associadas (Dt 21, 26). O ministério de João avançou além da lei, convencendo a carne de ser apenas erva; e como aprendemos aqui, que ele havia ensinado seus discípulos a orar, não podemos duvidar que, como a lei, ele forneceu uma expressão para seus corações, adequada à posição para a qual seu ministério os estava conduzindo. Assim, na mesma sabedoria, acontecia aqui com o Senhor. Ele fornece uma oração para eles adequada à condição de fé e esperança para a qual Ele os havia conduzido. E tudo isso é perfeito, porque oportuno, porque adequado para aqueles que tinham acabado de dizer: “Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos”.

 

Mas não teria sido tão perfeita ou oportuna se tivesse sido uma expressão totalmente de acordo com a luz aumentada para a qual a Igreja foi levada desde então. Naquele momento, o Senhor não havia entrado, como o Sumo Sacerdote de nossa profissão, em Seu santuário celestial, nem o Espírito Santo havia então sido dado. Seu próprio nome, portanto, não é pleiteado aqui; como o próprio Senhor diz depois disso: “até agora, nada pedistes em Meu nome”. Mas logo depois de dizer isso, Ele acrescenta: “naquele dia, pedireis em Meu nome” – dizendo-nos claramente que haveria um avanço no caráter da adoração dos santos. E assim, de fato, encontramos isso. As orações que os apóstolos, por meio do Espírito, fazem pelos santos, contêm pensamentos mais elevados e desejos mais profundos do que o que esta oração (perfeita, sem dúvida, em seu lugar) de nosso Senhor expressa (veja Ef 1, 3; Cl 1; e assim por diante).

 

E, de tudo isso, eu realmente julgo que podemos facilmente admitir a perfeição, por causa da oportunidade desta santa forma de oração, e discernir espiritualmente que o Senhor não a estava fornecendo como a expressão da Igreja. Eu não digo de forma alguma que a alma não possa ainda usá-la, e, por vezes, encontrar nela a expressão de seu desejo. Mas eu acredito que a alma, plenamente consciente de seu novo lugar sob o Espírito Santo com Jesus ascendido às alturas, não está desprezando de nenhuma forma o santo mobiliário do próprio santuário do Senhor, se não a utilizar. Ele é o Senhor do templo, e é certamente nosso gozo reconhecê-Lo assim; mas Ele agora deu o Espírito Santo para ser o poder vivo ali, e Ele enche esse templo com adoração verdadeira e espiritual, com gemidos que não podem ser proferidos, com súplicas, orações, intercessões e ações de graças, com o espírito de adoção que sempre clama: “Abba, Pai”. Pois o mesmo Senhor do templo agora ordenou assim, e é obediência andar adiante com Ele. O que antes constituía a beleza de Sua casa agora são “rudimentos fracos e pobres”, porque o Senhor seguiu adiante, deixando Jerusalém e sua adoração para trás; e não nos convém olhar para trás, para as belas pedras, com admiração, se Jesus foi adiante para o Monte das Oliveiras.

 

Mas essas coisas, amados, eu prefiro sugerir em conexão com esta Escritura. Ele mesmo nos mostra ainda mais aqui, o valor ou eficácia da oração na parábola do amigo pedindo os pães à meia-noite; e então, em Seu contraste entre o pai humano e o Pai celestial, a garantia ou segurança da oração. E essas seguranças são duplas – uma extraída do amor do relacionamento, a outra da bondade positiva do próprio Deus, para que possamos ter forte segurança de coração, quando buscamos o Senhor e Sua bênção.

 

Não posso, no entanto, passar disso sem perguntar: A pequena expressão “de dentro” não carrega muito valor moral com ela? Eu acho que sim. Parece nos dizer que estar “dentro” tem uma tendência natural para nos indispor a entrar naquelas empatias às quais deveríamos nos permitir ser chamados em todos os momentos. Moisés, é verdade, embora no meio do Egito, saiu para olhar as cargas de seus irmãos; e Neemias, embora no palácio persa, chorou sobre as desolações da cidade dos sepulcros de seu pai. Ambos estavam “dentro”, mas a fé os empurrou para fora. Suas circunstâncias tornaram essa prova de fé ainda mais severa, e sua vitória mais excelente e incomum. Pois é perigoso chegar muito ou profundamente “dentro”, para que a alma, examinando sua condição, não diga: “os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me e tos dar” – então a necessidade de um irmão “de fora” dificilmente será ouvida, as cargas de Israel ou as desolações de Sião dificilmente serão observadas ou investigadas. (Como uma marca distintiva deste Evangelho, eu observaria que, no lugar correspondente em Mateus, o Senhor diz que o Pai dará “coisas boas” (ARA) àqueles que Lhe pedirem, mas aqui é o “Espírito Santo”. E novamente, em contraste com João, o Senhor aqui diz que o Espírito Santo será dado quando pedirmos, mas ali quando Ele pedir (João 14:16). Mas esta distinção também é muito característica dos dois Evangelhos; pois aqui, o Senhor está ensinando Seus discípulos, treinando-os e chamando o coração e consciência deles, como eu disse, para o exercício; mas em João, Ele está Se apresentando e Se revelando; e, portanto, naquele Evangelho, Ele fala de Seu lugar e ministério na grande questão da concessão do Espírito Santo à Igreja.

 

Lucas 11:14-54

 

Esses versículos nos apresentam outras cenas, ilustrando ainda, segundo o modo de nosso evangelista, questões de valor para nós.

 

O Senhor ouve dois desafios de Seus inimigos; pois, neste nosso mundo, a reprovação estava sempre quebrantando Seu coração. Mas no poder santo de um grande Mestre, como Ele era, Ele devolve ambos os desafios na mente, ou melhor, na consciência, de Seus acusadores. Um disse que Ele estava aliado a Satanás no que estava fazendo; outro, que de qualquer forma Ele não havia provado suficientemente que estava aliado a Deus nisso: “Ele expulsa os demônios por Belzebu”, disse um; mostra-nos “um sinal do céu”, disse o outro. O Senhor expõe tais pensamentos e então expõe a eles a condição em que estavam, para que aprendam que não era n’Ele, mas neles mesmos, que esse mal e essa obscuridade eram encontrados; pois Ele era o “Dedo de Deus” e a “Candeia” colocada “no velador”.

 

A argumentação do Senhor aqui é maravilhosamente simples e poderosa. Mas posso observar, contrastando o versículo 26 com Mateus 12:45, que Ele não aplica aqui, como ali, expressamente a lição do “espírito imundo” ao estado de Israel. E essa diferença está em total consonância com a natureza Judaica mais rigorosa do Evangelho de Mateus. Então, Sua sentença sobre o estado daquela geração é aqui proferida na casa, em uma das horas sociais do Filho do Homem; em Mateus, uma sentença semelhante é pronunciada desde o assento do julgamento na autoridade do Filho do Homem (Mt 23); uma diferença que ilustra vividamente o estilo dos dois Evangelhos.

 

O Senhor, em Sua resposta aos desafios de Seus inimigos, conduz a esses pensamentos. No entanto, no progresso desta cena, temos que notar uma interrupção. O que Ele estava dizendo parece ter sido carregado, com poder moral, no coração de alguém que estava ouvindo; de modo que, “dizendo Ele essas coisas“, ela levantou sua voz e disse: “Bem-aventurado o ventre que Te trouxe e os peitos em que mamaste!”. Este foi um testemunho do poder das palavras de nosso divino Mestre, que é Sua glória neste Evangelho. E um testemunho semelhante é dado a Ele no próximo estágio desta mesma cena, pois novamente, “estando Ele ainda falando“, um fariseu que estava presente “rogou-lhe... que fosse jantar com ele”. Aquele homem evidentemente foi movido pelo poder de Suas palavras, mas talvez não com a mesma afeição da pobre mulher, e ele O convida para sua casa. E assim novamente, quando Ele entra na casa, Ele continua a agir como o Grande Mestre ainda, repreendendo o orgulho religioso e a hipocrisia sombria que Ele encontrou lá, até que um doutor da lei, que estava presente, sentindo as justas repreensões, O interrompe da mesma maneira, e diz a Ele: “Mestre, quando dizes isso também nos afrontas a nós”. Mas a luz permanece fiel à sua obra, e continua, ainda manifestando as trevas que a cercava, até que a inimizade daquelas trevas é totalmente levantada, e os escribas e fariseus juntos começam a insistir tanto com Ele, que Ele tem que retirar a luz, cujo poder havia se tornado intolerável.

 

Lucas 12

 

É, no entanto, para seguir Seu caminho como um Mestre, embora em outros lugares, que o Senhor assim Se retira de entre os escribas, os doutores da lei e os fariseus. Ele entra na multidão e imediatamente retoma Seu ensino, tomando como Seu assunto o que lhe foi sugerido na casa do fariseu – a hipocrisia e a perseguição com as quais um remanescente justo tinha que enfrentar.

 

Assim, temos a Lâmpada aqui, o Grande Mestre, como no capítulo anterior, fazendo Sua santa obra. Mas observo que, embora muito do assunto deste capítulo seja encontrado em Mateus, ele nos é apresentado de uma maneira diferente. Lá é simplesmente como um discurso do Senhor, mas aqui surge como resposta a outros. Mas essa distinção ainda está no caráter deste Evangelho; porque nele, como já observei, o Senhor está tratando com o homem, e trazendo seus pensamentos, consciência e afeições ao exercício, para que possam ser corrigidos e formados pela mente de Cristo segundo Deus. O ensinamento do Senhor, portanto, é, muitas vezes, como neste capítulo, no caminho da resposta às indagações e pensamentos de outros. E, como observei no final do capítulo anterior, muito do que é trazido em Mateus, como vindo de um tribunal, surge em Lucas em uma mesa de jantar, então posso dizer aqui, que o que tinha sido como um sermão de um lugar elevado ou púlpito em Mateus 5-7, surge aqui como palavras ditas no coração de uma multidão que se aglomerava ao redor d’Ele. Havia mais da facilidade e descontração da vida social aqui.

 

E aqui novamente, como no capítulo anterior, temos um testemunho do poder de Suas palavras, pois “um da multidão”, julgando, como parece, pelo rumo do discurso do Senhor, que Ele estava contra a opressão e as presunções dos ricos, busca-O para tratar de sua acusação contra um irmão seu, que o havia tratado de maneira injusta e prejudicial. Mas o Senhor tem apenas que agir como a luz que repreende as trevas onde quer que as encontre, e Ele agora, entre a multidão, dirige uma palavra contra a avareza, como pouco antes, entre os principais, Ele estava dirigindo outra palavra contra o orgulho religioso e a hipocrisia.

 

Sobre tal assunto, bem poderíamos fazer uma pausa. E especialmente aqui, porque, depois dessa interrupção, parece levar os pensamentos de nosso Senhor quase ao fim de Sua fala atual.

 

O amor de ter, de adquirir e possuir, que é cobiça, é, como sabemos, um dos grandes princípios que formam o curso deste mundo maligno: “a concupiscência dos olhos”, como João a chama. A grande contradição disso, como de qualquer outro princípio que anima “o velho homem”, foi expressa tanto na vida, bem como nos ensinamentos de Jesus. N’Ele, vemos perfeitamente essa descrição do apóstolo sendo cumprida – em uma grande prova de aflição, a abundância de Seu gozo e Sua profunda pobreza abundaram nas riquezas de Sua liberalidade. Sua pobreza era profunda. Ele não tinha onde reclinar a cabeça. E quando Ele quis uma moeda, para dizer uma palavra sobre a imagem e inscrição que ela continha, Ele teve que pedir para que lhe mostrassem uma. E certamente Sua generosidade era abundante. Ele tinha uma grande bolsa, por assim dizer, mas Ele nunca a abriu, exceto para outros. Ele tinha os recursos de toda a criação à Sua disposição. Ele podia ordenar pão para milhares a partir de alguns pães, e depois reunir fragmentos em cestas cheias. Ele podia transformar água em vinho. Ele podia invocar uma moeda do mar e, como o Senhor da Terra, reivindicar o animal de um estranho. Esta era certamente uma grande bolsa. Mas Ele não a abriu para Seu próprio uso. Ele preferia ir a pé, e ter sede e fome. E até mesmo de Sua própria escassa reserva – os poucos pães e peixes que Ele tinha para Si e Seus discípulos, Ele ainda pouparia algo para os outros (João 13:29).

 

Onde há riquezas de liberalidade como essa? O que era tudo isso na vida diária constante de Jesus, senão a contradição do curso cobiçoso do mundo? Os homens não podiam louvá-Lo por Ele fazer bem a Si mesmo (Sl 49:18). Com que decisão de coração Ele estava sempre esquecendo de Si mesmo, e com que autoridade santa e consciente Ele poderia resistir ao impulso daquele que, na ocasião deste capítulo, cobiçosamente desejou uma parte da herança. Ele trata com a interrupção assim ocasionada como se um assunto tivesse sido sugerido a Ele; um assunto que era demasiado importante para ser resolvido rapidamente. Ele continua com isso, aos ouvidos de Seus discípulos, até que Ele lhes mostra como este princípio, este desejo de ter, esta preocupação em adquirir e possuir, nos manterá despreparados para Sua vinda – um assunto que Ele então de maneira profunda e maravilhosa abre ao nosso coração e à nossa consciência. Ele pretende trazer esse assunto moralmente muito perto de nós, mostrando que há três maneiras diferentes pelas quais a alma deve se ocupar com esse objeto, ou ter comunhão com o grande fato do segundo advento do Senhor (a vinda do Senhor é a esperança adequada do santo; Sua vinda como um ladrão é para o mundo); primeira, como a vinda de um ladrão à noite para surpreender a casa; segunda, de um senhor para recompensar seus fiéis administradores; e, terceira, de um mestre amado, para fazer seus servos vigilantes felizes pela restauração de sua presença.

 

Mateus sugere o mesmo em Mateus 24-25; apenas com esta diferença, que a figura de servos vigilantes e desejosos é alterada para a de virgens esperando o noivo. Mas a moral é a mesma. E a variedade dessas figuras tem uma grande lição para nós; porque nos diz que Jesus busca alcançar nosso coração completamente. Apresentando Seu retorno ao nosso coração sob formas tão diferentes – um ladrão na noite, um mestre e um noivo – Ele afirma ser o Objeto, o Supremo Objeto, das diferentes paixões de nossa alma. Medo, esperança e alegria, respectivamente, surgiriam no peito do pai da família, dos mordomos e dos servos vigilantes ou das virgens, em poder de comando. O medo do ladrão, a esperança de compartilhar as recompensas ou a alegria da presença do noivo seriam supremos no coração naquele momento. E isso é feliz, embora possa ser solene. É feliz saber que nosso Senhor reivindica nossas afeições. Ele sabe que tem o direito de ser nosso Supremo Objeto. E a paixão que não Lhe oferece o seu mais elevado exercício não é uma paixão de adoração.

 

Isso é santo e solene. Pois podemos perguntar: É assim conosco? A sede de nossas afeições é um lugar de adoração? Jesus está ali na sala principal? “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim não é digno de Mim”, Ele diz; e novamente, e isso também neste mesmo capítulo, “não temais os que matam o corpo... Mas Eu vos mostrarei a Quem deveis temer: temei Aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno”. A vigilância do medo e a vigilância do desejo são ambas evocadas. Todo movimento no coração só é totalmente correto quando faz confissão ao senhorio ou supremacia de Jesus.

 

A interrupção feita ao nosso Senhor O levou a esse caminho. Dessa maneira, a luz n’Ele irrompeu. Pois este mundo era apenas o lugar das trevas do homem; a luz do céu era, portanto, em todos os lugares onde entrava, uma luz condenadora (Ef 5:13). Os ricos e os pobres, os príncipes e as multidões, eram igualmente expostos por ela. Como Jeremias, em seus dias, visitou os “pobres” e descobriu que eles não conheciam o caminho do Senhor, e os “grandes”, e descobriu que eles haviam rompido completamente as ataduras (Jr 5:1-5). E assim é aqui com o Senhor de Jeremias. Jesus tinha estado no meio dos instruídos escribas e fariseus, e entre a multidão, mas tudo estava fora de ordem.

 

As impressões mais solenes foram deixadas em Sua mente (vs. 49-59). Ele queria curar os homens. Ele veio pregando a paz, e enviou os Doze e os Setenta, com paz a cada cidade e casa. Mas a paz tinha que retornar a Ele e a eles. Divisão agora, e julgamento pelo fogo em breve, eram a porção da Terra. Havia tanto inteligência quanto contenda sobre as coisas presentes, mas o testemunho de Deus não foi discernido, e o homem estava satisfeito consigo mesmo.

 

Lucas 13

 

O ensinamento do capítulo anterior foi muito importante para nossa alma; e agora, no início deste, estamos naquele mesmo tempo, conforme lemos, e então eu acredito na mesma verdade também. O homem que havia acusado seu irmão ao Senhor aprendeu do Senhor que ele próprio estava a caminho, com outro acusador, para outro Juiz; pois aquelas palavras, nos versículos 58-59, foram, como eu as entendo, dirigidas a ele. Então aqui, alguns contam ao nosso Senhor sobre os sofrimentos especiais de certos galileus, como se eles teriam sido mais pecadores do que os outros (João 9:2), e assim eles estavam, da mesma maneira, trazendo seus irmãos ao julgamento. Mas o Senhor também queria que eles soubessem que estavam na mesma condenação e que, se não se arrependessem, todos igualmente pereceriam. (Outros observaram que esse fato pode ter ocorrido em conexão com a facção de Judas, o galileu – Atos 5:37 –, na qual havia galileus que recusavam a autoridade de César e que, portanto, é claro, provocariam Pilatos. Mas os galileus eram súditos de Herodes – Lucas 3:1. Portanto, supôs-se também que essa interferência de Pilatos ocasionou a briga entre ele e Herodes, sobre a qual lemos no capítulo 23:12. Josefo menciona Pilatos matando alguns samaritanos a caminho de seu próprio templo no Monte Gerizim).

 

Com os mesmos pensamentos sobre o pecado de Israel em Sua mente, estando toda a nação pronta para o julgamento de uma matança mais poderosa do que a dos galileus, o Senhor conta a parábola da figueira estéril.

 

Esta figueira foi plantada em uma vinha, assim como Israel foi colocado na vinha de Deus, em meio a ordenanças e privilégios, regado e cuidado com toda diligência e zelo; mas sem frutos. Israel não tinha raiz em si mesmo para oferecer algo a Deus; e o ministério de Jesus, o paciente Lavrador desta vinha, agora já havia quase provado isso. Por esse ministério, a bondade de Deus estava levando-os ao arrependimento (Rm 2); isso havia sido como a escavação e adubação desta árvore estéril, mas, com tudo isso, não havia frutos. E então vemos, na próxima pequena cena, que não havia nenhuma percepção em Israel de seu estado real. Os doentes estavam lá, e, portanto, havia necessidade de um médico; mas eles parecem inconscientes disso. Uma filha de Abraão é encontrada enferma, mas os príncipes da casa de Abraão rejeitam com orgulho a assistência do Bom Médico.

 

Em todo esse caminho, o estado corrompido da nação passa diante da mente do Senhor, e Ele parece proferir pensamentos de acordo com tudo isso, refletindo sobre a grande árvore onde os imundos encontravam seu descanso, e sobre toda a massa que agora sentia o fermento. E nessa mente Ele entra em Sua jornada. Tendo diante de Si o pecado provado e o julgamento vindouro de Israel, Ele segue Seu caminho para a cidade.

 

Mas aqui deixe-me notar que, em João, o Senhor é visto frequentemente em Jerusalém, pois Jerusalém não tinha caráter mais elevado, na estima do Estrangeiro do céu, do que qualquer outro lugar na Terra. Mas nos outros Evangelhos o Senhor não é visto entrando naquela cidade, que era a sede ordenada de Seu governo como Filho de Davi, até que Ele entra nela, quando Seu ministério estava se encerrando, em estado real, oferecendo o reino à filha de Sião, e quando Ele é total e formalmente rejeitado por ela. Neste Evangelho de Lucas, Sua aproximação gradual à cidade para este propósito é mais distintamente traçada do que em Mateus ou Marcos. (veja Lucas 9:51; 13:22, 33; 17:11; 18:31; 19:1, 11, 28). Ele parece demorar, por assim dizer, de estágio em estágio, não querendo apressar a ruína da nação, porque o que aconteceria com Ele ali era para encher a medida de seus pecados e deixá-los para julgamento. Ele estava esperando para ser gracioso, como agora nesta era, a longanimidade de Deus em não enviar Jesus é salvação, não querendo que ninguém pereça. E essa reserva em Seu movimento em direção à cidade me lembra da partida da glória dela em Ezequiel (veja Ezequiel 1-11). A glória ali se demora de estágio em estágio, como relutante em partir, embora a contaminação na cidade não permitisse que ela ficasse. E assim aqui; o Senhor Se demora, da mesma forma, atrasando a hora do julgamento de Jerusalém, em jornada ainda em direção a ela por todo o Evangelho, mas não a alcançando até que Seu ministério estivesse se encerrando.

 

É com pensamentos fortes e claros em Seu coração que Ele faz essas aproximações à cidade, e a contempla à distância. Em Lucas 9:51, como já observei, Ele seguiu em frente como se Sua jornada O estivesse conduzindo à glória. Em Lucas 18:31, Ele tem a cidade diante d’Ele como o lugar de Seu sofrimento. Mas aqui, em Lucas 13:22, Ele a contempla como se Sua presença ali fosse para encerrar “o dia da salvação” para Israel, e trazer o julgamento de Deus. Era esse pensamento que estava agora em Sua mente. Todas as cenas anteriores deste capítulo, o relato dos galileus, a parábola da figueira, e a hipocrisia dos príncipes na casa de Abraão, com a enfermidade da filha de Abraão, tudo O levou a esses pensamentos enquanto Ele agora Se aproxima da cidade. E pode ser que essa mente estivesse tão expressa em toda a Sua maneira de ser que alguém, ao observá-Lo, como se entendesse um pouco Seus pensamentos, disse: “Senhor, são poucos os que se salvam?”. Este foi, porém, um momento de interesse para nossa alma, e eu gostaria de refletir um pouco sobre ele.

 

Isso nos sugere que o Senhor tinha um método – perfeito, não preciso dizer, como tudo o mais com Ele – em responder perguntas. Ele nunca visa meramente transmitir informações, como falamos, mas busca afetar o coração ou a consciência. Não é tanto a indagação, mas o inquiridor, com quem Ele trata. Talvez cada caso mostre isso; mas eu o exemplificaria brevemente. Assim: quando perguntado sobre o tempo em que Sua Palavra contra o templo deveria ser cumprida, Ele não responde a isso, mas conduz os pensamentos dos discípulos para assuntos grandes e solenes, selando Suas instruções na alma deles pelas importantes parábolas das dez virgens e dos talentos (Mt 24-25). Em resposta a João, “És Tu Aquele que havia de vir ou esperamos outro?” Ele não diz: “Eu sou Ele, e não precisais procurar outro”, mas mostra aos discípulos de João aqueles objetos que eram adequados para levar a resposta ao coração em poder real e vivo (Mt 11). E aqui: “Senhor, são poucos os que se salvam?” não foi respondido formalmente, mas moralmente, ou de uma tal forma que fosse adequada ao próprio homem, dando-lhe assunto para solene investigação e aplicação próprias.

 

Um método, podemos certamente dizer, que revela Sua sabedoria e Sua bondade, e que Ele estava de fato tratando com o homem; não exibindo Seus próprios recursos de conhecimento, mas, com sinceridade, buscando e salvando os perdidos. O método do homem é uma coisa pobre. Pois olhe para Jesus em contraste com os homens cultos, ou (como Paulo fala), “os príncipes deste mundo”. Quando lhes perguntaram onde Cristo deveria nascer, eles responderam formalmente – verdadeiramente, de fato, mas formalmente – não buscando despertar a consciência do rei na ocasião assim oferecida a eles (Mateus 2). Mas quando foi perguntado a Jesus de Quem Ele nasceu – “Onde está Teu Pai?” – Sua resposta não chega meramente aos seus ouvidos, mas às suas consciências com todo o sério e solene poder (João 8).

 

Ele não precisa de nossos elogios, amados; mas deveria ser motivo de alegria para qualquer um de nós refletirmos sobre essas Suas perfeições e admirar Sua beleza. E tenho certeza de que essas reflexões são valiosas hoje em dia. Pois o presente é um tempo em que muitos estão correndo de um lado para o outro, e o conhecimento está aumentando. E isso deve ser um aviso para nossa alma; pois o santo sempre tem que vigiar contra o que é chamado de espírito dos tempos. Paulo, quando ora pelos santos, para que cresçam em conhecimento, primeiro deseja que eles tenham o entendimento espiritual (Ef 1:17-18; Cl 1:9). Pois o mero intelecto não tem valor. É melhor que deixemos nossas investigações de lado, do que segui-las na sagacidade da habilidade humana. E, amados, será inoportuno recorrer ao pensamento de alguém que viveu para Cristo em dias antes dos nossos – que “o desejo de saber muito, mesmo em coisas espirituais, pode ser o testemunho de que na realidade o próprio Deus não é conhecido?” Conhecer a Ele mesmo é vida eterna. E como alguém de nossos dias observou com muito proveito: “O homem natural frequentemente recebe a verdade mais rapidamente do que o santo, porque o santo tem que aprendê-la em sua consciência, tê-la exercitada diante de Deus por aquilo que ele está aprendendo.” Muito necessária é esta admoestação. Podemos nos apressar para ser sábios e cheios de conhecimento nesta era agitada, e a alma ser prejudicada, profundamente prejudicada, ao mesmo tempo. Mas digo isso apenas de passagem.

 

Nesta resposta do Senhor à pergunta agora colocada a Ele, apreendo que o “porfiar” (ou “esforçar” – ARA) e o “procurar” não são meramente medidas diferentes de intensidade na mesma ação, mas ações moralmente diferentes. O “procurar” vem com o alarme com o “se levantar” do pai de família (ou dono da casa - ARA), e é o medo que desperta; o “porfiar” é uma ação do coração e da consciência diante de Deus, antes que o pai de família tivesse se levantado; uma ação, portanto, não resultante simplesmente do medo de ser deixado de fora. E quantas vezes essa descrição de “procurar” é exibida entre nós. Um alarme repentino despertará afeições religiosas; mas elas só vivem enquanto o perigo passa. Como diz o Senhor pelo profeta: “Ó tu que habitas no Líbano e fazes o teu ninho nos cedros! Quão lastimada serás quando te vierem as dores e os ais como da que está de parto!... E te entregarei na mão dos que buscam a tua vida” (Jr 22).

 

Esta passagem em nosso capítulo é, portanto, uma advertência muito importante para todos. Mas, à medida que o Senhor segue Seu caminho, ainda não é em Si mesmo, nem em Seu sofrimento ou glória, que Ele está pensando, mas em Jerusalém, e seu pecado e seu julgamento. Alguns Lhe falam de Herodes e seus propósitos contra Ele; mas o Senhor simplesmente lhes diz que Herodes e todos os seus propósitos não poderiam prevalecer contra Ele; pois, sem impedimento dele e de tudo o mais, Ele deveria caminhar até chegar a Jerusalém; que, como eminente em privilégio sob Deus, era eminente em maldade contra Ele também; e teve que preencher a medida de sua culpa, matando o último e principal dos profetas. O ódio de Herodes não deveria, portanto, ser considerado, pois Jesus deveria caminhar por sua jurisdição. E assim é, que Jerusalém é o objeto que o bendito Senhor ainda tem em Sua mente, como indicado no versículo 22. E a tudo isso, com o qual Sua alma estava trabalhando dessa forma, Ele dá expressão, dizendo: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis Eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste? Eis que a vossa casa se vos deixará deserta”. Jerusalém “não quis” (Sl 81:11). O cuidado da galinha foi recusado, mas a raposa já estava dentro; e, portanto, não deve haver nada além de dispersão presente em vez de ajuntamento. Herodes e Roma foram vangloriados, e Deus e Seu Cristo rejeitados. “Por causa do monte de Sião, que está assolado, as raposas andam sobre ele” (JND). E o Filho de Deus tem apenas que deixar Seu monte por enquanto em posse deles, até que, no espírito de arrependimento e fé, o povo O receba de volta e diga: “Bendito O que vem em nome do Senhor”.

 

(Este Herodes era o quarto filho de Herodes que, em Mateus 2, é chamado de “rei Herodes”. De Lucas 3:1 aprendemos que a Galileia era o cenário de seu governo, como também pode ser extraído desta passagem. Alguns julgaram que ele desejava tirar o Senhor de seus domínios, porque o Senhor tinha um grande e crescente interesse ali, e porque ele O odiava por Sua justiça e Seu testemunho. Não ousando, no entanto, matá-Lo, por causa do povo, ele busca expulsá-Lo, ou amedrontá-Lo. Talvez Herodes quisesse que Ele agisse como alguém medroso, e assim, agisse de forma indigna de Si mesmo; como os inimigos de Neemias procuraram, em seus dias, enredar aquele homem querido e simples. Veja Neemias 6:10-14).


J. G. Bellett

 

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