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Cinco Cartas sobre Adoração e Ministério no Espírito


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ÍNDICE


 

Carta 1 – Deus Presente na Assembleia


Amados irmãos,


Há vários pontos relacionados com a nossa posição, sendo reunidos ao nome de Jesus, a respeito dos quais sinto em meu coração comunicar com vocês. Eu considero fazer isso por meio de cartas, pois oferece a vocês uma melhor oportunidade para examinar individualmente, e considerar de forma madura o que esta sendo comunicado, do que vocês provavelmente fariam em uma conversa informal, onde todos estivessem presentes. E por essa conversa eu ficaria muito grato, se o Senhor conduzir cada coração, quando tiverem examinando e considerado os assuntos que tenho a colocar diante de vocês, considerando-os em Sua presença.


Uma palavra inicial em reconhecimento à misericórdia de Deus para conosco, reunidos ao nome de Jesus. Só posso inclinar a cabeça e adorar, lembrando as muitas ocasiões de verdadeiro refrigério e gozo sincero que Ele nos proporcionou, quando juntos, em Sua presença. Ao mesmo tempo em que a lembrança dessas ocasiões faz o coração se curvar diante de Deus, também torna cada um, com quem tais misericórdias têm sido desfrutadas, indescritivelmente querido. O vínculo do Espírito é um vínculo real; e pela confiança que Ele inspira no amor de meus irmãos que eu, como seu irmão e como seu servo por amor a Cristo, gostaria de expressar, sem reservas, o que me parece de profunda importância para nossa felicidade contínua e proveito associado, bem como para o que é de muito maior importância, a glória d'Aquele para cujo nome estamos reunidos.


Quando em julho passado, fomos levados pelo Senhor, do que não tenho dúvidas, a substituir as pregações do evangelho nas noites do dia do Senhor, mantidas até aquele momento, por reuniões abertas antecipei tudo o que se seguiu desde então. Posso dizer, pois, que o resultado não me decepcionou nem um pouco. Há lições sobre a orientação prática do Espírito Santo que só podem ser aprendidas por experiência; e muito do que agora, pela bênção do Senhor, se recomenda ao entendimento espiritual e à consciência de cada um de vocês, teria sido bastante ininteligível, devido ao desconhecimento de vocês do tipo de reuniões às quais tal verdade se aplica. Costuma-se dizer que a experiência é a melhor mestra. Isso talvez possa ser questionado, e com razão; mas não pode haver dúvida de que a experiência nos torna conscientes das necessidades que somente o ensino divino supre. Creiam, não é motivo de gozo para mim encontrar meus irmãos mutuamente insatisfeitos com a parte tomada por cada um de vocês nas reuniões. Mas se esse estado de coisas for superado, como creio que possa ser, para que possamos abrir totalmente nosso coração às lições da Palavra de Deus, que de outra forma não poderíamos ter aprendido tão bem, isso pelo menos será motivo de gratidão e de gozo.


A doutrina da habitação do Espírito Santo no "corpo” – a “Igreja" – , e como consequência certa, a Sua presença e supremacia nas assembleias dos santos, por muitos anos pareceu à minha própria alma, se não a grande verdade da dispensação, certamente, uma das verdades mais importantes pelas quais o período atual se distingue. A negação virtual ou real disso constitui uma das características mais graves da apostasia que tem ocorrido. E para mim, essa sensação não diminuiu, mas se aprofunda com o passar do tempo.


Confesso abertamente a vocês que, com o pleno reconhecimento de que existem filhos amados de Deus em todas as denominações ao redor, e com todo o desejo de manter meu coração aberto a todos eles, eu não poderia mais ter comunhão com nenhum grupo de Cristãos professos que substituem a direção soberana do Espírito Santo pelo clero, em qualquer uma de suas formas, do que eu poderia, como um israelita, ter tido comunhão com o estabelecimento de um bezerro de ouro no lugar do Deus vivo. Por essa substituição ter sido feita por toda a Cristandade, o julgamento é iminente sobre ela, por esse pecado, juntamente com outros. Só podemos lamentar e assumir a vergonha disso diante de Deus, como tendo participação em tudo isso, e sendo um só corpo em Cristo com muitos que até hoje se gloriam nisso. Mas as dificuldades que acompanham o lugar de separação desse mal, as quais todos estamos começando a sentir (como certamente deveríamos tê-las previsto), não têm tal efeito em mim, a ponto de enfraquecer o senso do mal do qual Deus em Sua misericórdia nos separou; e tais dificuldades não despertam no meu íntimo nenhum desejo de retornar àquele tipo de posição e poder humano e oficial, cuja afirmação, para uma classe distinta, caracteriza o mundo professo, e está se aproximando rapidamente do juízo pelo qual o mundo professo será visitado em breve.


Todavia, amados irmãos, embora nossa convicção da verdade e importância da doutrina da presença do Espírito Santo possa não ser muito profunda, peço-lhes que se lembrem de que a presença do Espírito Santo nas assembleias dos santos é em si UM FATO. Precisamos de fé simples nessa verdade. Somos propensos a esquecê-la. E o esquecimento disso, ou sua ignorância, é a principal causa de estarmos juntos sem proveito para nossa alma. Se ao menos nos reuníssemos para encontrar Deus; se apenas crêssemos, quando estamos reunidos, que Ele está realmente presente, que efeito isso teria em nossa alma!


O fato é que, assim como Cristo estava realmente presente com Seus discípulos na Terra, assim também o Espírito Santo está agora realmente presente nas assembleias dos santos. Se de alguma forma Sua presença pudesse ser manifestada aos nossos sentidos – se pudéssemos vê-Lo como os discípulos viram Jesus – que solenidade e sujeição isso traria à nossa alma. Os resultados seriam uma profunda quietude, uma reverente atenção e uma solene espera n'Ele. Quão impossível que pudesse haver qualquer pressa, rivalidade ou inquietação, se a presença do Espírito Santo fosse assim revelada à visão e aos sentidos. E será que o fato da Sua presença, por ser uma questão de fé e não de visão, seja menos influente? Porque Ele é invisível estaria menos presente? É o pobre mundo que não O recebe, porque não O vê; deveríamos nós tomar o lugar do mundo e abandonar o nosso? "E Eu rogarei ao Pai", diz Jesus, "e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê, nem O conhece; mas vós O conheceis, porque habita convosco e estará em vós" (Jo 14:16-17).


"Mas vós O conheceis". Quem dera que soubéssemos disso, amados! Estou cada vez mais convencido de que nossa grande falta é a fé em Sua presença Pessoal. Não houve momentos em que Sua presença foi percebida como um fato? E quão benditos foram aqueles momentos! Podia haver, e houve, intervalos de silêncio; mas como eles foram ocupados? Em solene espera em Deus. Não em ansiedade inquieta quanto a quem seria o próximo a falar ou orar; não em folhear suas Bíblias ou hinários para encontrar algo que achássemos adequado. Não; nem em pensamentos ansiosos sobre aqueles que eram espectadores, imaginando o que pensariam do silêncio que existia. Mas Deus estava lá. Cada coração estava envolvido com Ele. E se alguém quebrasse o silêncio, só por fazê-lo, teria sido de fato percebido como uma interrupção.


Quando o silêncio era quebrado, era com uma oração que incorporava os desejos e expressava os anseios de todos os presentes; ou um hino no qual todos podiam se unir com plenitude de coração; ou uma palavra que teria chegado ao nosso coração com poder. E embora muitos pudessem ser usados em tais hinos, orações e ministrações, era tão evidentemente que era um Espírito que guiava e organizava o todo, como se um plano tivesse sido feito de antemão, e cada um tivesse sua parte designada. Nenhuma sabedoria humana poderia ter feito tal plano. A harmonia era divina. Era o Espírito Santo agindo pelos vários membros, em suas várias posições, para expressar a adoração ou para atender à necessidade de todos os presentes.


E por que não deveria ser sempre assim? Volto a repetir, amados irmãos, a presença do Espírito Santo é um fato, não apenas uma doutrina. E certamente, se de fato Ele está presente quando estamos reunidos, a importância disso é incomparável. A Sua presença é certamente o fato grandioso e que prende toda nossa atenção, e a partir desse fato, o caráter de tudo o mais na reunião é determinado. Esse fato não se resume a uma simples negação. A presença do Espírito Santo significa muito mais do que a reunião não ser ordenada pelo homem e por arranjos prévios. Se o Espírito Santo está presente na reunião, Ele deve dirigi-la. E isso significa mais do que qualquer um ter a liberdade de participar. Pelo contrário, significa o oposto disso. É verdade que não deve haver restrições humanas: mas, se Ele estiver presente, ninguém deve tomar parte, a não ser naquilo que Ele designa e para o qual Ele o capacita. A liberdade de ministério é a liberdade para o Espírito Santo agir por quem Ele quiser. Mas nós não somos o Espírito Santo: e se a usurpação de Seu lugar por uma pessoa é tão intolerável, o que deve ser dito da usurpação de Seu lugar por várias pessoas que agem porque há liberdade para agir, e não porque elas sabem que é a mente presente do Espírito que elas devam agir como agem?


A fé real na presença pessoal do Espírito Santo corrigiria essas coisas. Isso não significa que alguém deseje o silêncio por si só, ou que alguém deva ser impedido de participar pela mera presença deste ou daquele irmão. Eu preferiria que houvesse todos os tipos de desordem, para que o estado real das coisas surgisse, do que ter isso reprimido pela presença de um indivíduo. O que se deseja é que a presença do próprio Espírito Santo seja percebida de tal modo que ninguém quebre o silêncio, exceto por Seu poder e sob Sua direção; e que o senso de Sua presença nos restrinja de tudo o que é indigno d’Ele e do nome de Jesus ao qual nos reunimos.


Em outra dispensação, lemos a seguinte exortação: "Guarda o teu pé, quando entrares na Casa de Deus; e inclina-te mais a ouvir do que a oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal. Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu estás sobre a Terra; pelo que sejam poucas as tuas palavras" (Ec 5:1-2). Certamente, se a graça em que estamos nos deu maior liberdade de acesso a Deus do que isso, não devemos usar essa liberdade como desculpa para irreverência e pressa. A presença real de Deus, o Espírito Santo, entre nós, certamente deve ser um motivo tão fundamental para reverência e temor piedoso, quanto a consideração de que Deus está no céu e nós na Terra. "Pelo que, tendo recebido um Reino que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e piedade; porque o nosso Deus é um fogo consumidor" (Hb 12:28-29).


Na esperança de retomar o assunto, sou, queridos irmãos,


Seu indigno servo em Cristo,


W. Trotter

 

Carta 2 - A Igreja Edificada Pelos Dons


Amados irmãos,


Ao retomar o assunto sobre o qual ultimamente vos escrevi, gostaria de vos apresentar o seguinte extrato de um folheto, escrito há pelo menos nove ou dez anos. O autor, se bem estou informado, é alguém que foi muito honrado por Deus entre nós e que é conhecido pessoalmente pela maioria de vocês. O folheto está na forma de um diálogo.


E. Ouvi dizer que você afirma que todo irmão é competente para ensinar na assembleia dos santos.


W. Se eu fizesse isso, negaria o Espírito Santo. Ninguém que não tenha recebido o dom de Deus para esse propósito é competente para fazer isso.


E. Bem, mas você acredita que todo irmão na assembleia dos santos tem o direito de falar, se puder.


W. Na verdade, não acredito. Eu nego o direito a qualquer um, exceto a Deus, o Espírito Santo. Um homem pode, por natureza, ser muito capaz de falar e falar bem, mas se ele não puder agradar ao seu próximo no que é bom para edificação, o Espírito Santo não o capacitou a falar, e ele está desonrando a Deus, seu Pai, entristecendo o Espírito e desvalorizando a Igreja de Cristo, se ele falar; e, além disso, está mostrando sua vontade própria.


E. Bem, qual é a particularidade que você sustenta?


W. Você pode pensar que é peculiar para mim, talvez, acreditar que, como a Igreja pertence a Cristo, Ele tem dado dons a ela, a fim de que a atenção dela não seja erroneamente direcionada e seu tempo desperdiçado em ouvir o que não é proveitoso (por mais bonito que seja), e por esses dons ela deve ser edificada e governada.


E. Não. Eu admito isso, e só desejo que houvesse um pouco mais de desejo por tais dons de Deus, e mais cautela para acabar com o uso de todos os outros meios, por mais credenciados pelo poder humano ou pela eloquência.


W. Eu afirmo também que o Espírito Santo dá dons a quem Ele quer, e também os dons que Ele quer dar. E que os santos devem estar unidos, de modo que o dom de um irmão nunca torne irregular o exercício do verdadeiro dom de outro, e que haja uma porta aberta tanto para os menores quanto para os maiores dons.


E. Isso é uma coisa natural.


W. Não é assim; pois nem na Igreja da Inglaterra, nem nos Dissidentes, encontro 1 Coríntios 14 colocado em prática. Além disso, afirmo que nenhum dom de Deus tem que esperar por uma sanção da Igreja antes de ser usado. Se for de Deus, Ele dará crédito a ele, e os santos reconhecerão seu valor.


E. Você admite um ministério regular?


W. Se por um ministério regular você quer dizer um ministério declarado (isto é, que em cada assembleia aqueles que são dotados por Deus para falar para edificação serão limitados em número e conhecidos pelos demais), eu admito: mas se por um ministério regular você quer dizer um ministério exclusivo, eu discordo. Por um ministério exclusivo, quero dizer o reconhecimento de certas pessoas que ocupe tão exclusivamente o lugar de mestres, que o uso de um dom real por qualquer outra pessoa seria irregular, como, por exemplo, na Igreja da Inglaterra, e na maioria dos grupos dissidentes, um serviço seria considerado irregular, por ter sido composto por duas ou três pessoas realmente dotadas pelo Espírito Santo.


E. Sobre o que você constrói essa distinção?


W. De Atos 13:1, vejo que em Antioquia havia apenas cinco a quem o Espírito Santo reconheceu como mestres: Barnabé, Simeão, Lúcio, Manaém e Saulo. Sem dúvida, em todas as reuniões eram apenas esses cinco, um ou mais deles, que os santos esperavam que falassem. Esse era um ministério declarado. Mas não era um ministério exclusivo: pois quando Judas e Silas vieram (At 15:32), eles ficaram satisfeitos em tomar seu lugar entre os outros, e então os mestres reconhecidos eram mais numerosos.


E. E que relação isso teria com a indicação de um hino, etc., ou com a oração ou a leitura de uma parte da Escritura?


W. Tudo isso como tudo o mais ficaria inteiramente sob a direção do Espírito Santo. Ai do homem que, por vontade própria, escolhesse um hino, ou orasse, ou lesse a Escritura, sem a orientação do Espírito! Ao fazer essas coisas na assembleia dos santos, ele está professando ser movido e guiado pelo Espírito Santo; e professar isso onde não seja verdade é muito presunçoso. Se os santos souberem o que é a comunhão, saberão o quanto é difícil liderar a congregação em oração e canto. Dirigir-se a Deus em nome da assembleia, ou sugerir a ela um hino como meio de expressão a Deus de seu verdadeiro estado, requer grande discernimento, ou então a mais imediata orientação de Deus.


Tal é a luz sob a qual este assunto foi visto por alguém conhecido, creio que pela maioria de vocês; um dos primeiros trabalhadores entre aqueles que, por vinte anos ou mais, têm procurado se reunir em nome de Jesus. Para confirmar ainda mais o pensamento principal do assunto acima, a saber, que Deus nunca designou todos os santos para participar do ministério público da Palavra, ou na condução da adoração na assembleia, gostaria de encaminhá-los, em primeiro lugar, para 1 Coríntios 12:29-30. "Porventura, são todos apóstolos? São todos profetas? São todos doutores? São todos operadores de milagres? Têm todos o dom de curar? Falam todos diversas línguas? Interpretam todos?" Não haveria sentido nessas perguntas se o fato não tivesse sido evidente, que tais lugares no corpo fossem preenchidos apenas por alguns. O apóstolo acabara de dizer: "E a uns pôs Deus na Igreja, primeiramente, apóstolos, em segundo lugar, profetas, em terceiro, doutores, depois, milagres", etc. E então ele diz: "São todos apóstolos?" e assim por diante. Assim, encontramos na própria porção da Escritura que trata mais amplamente da soberania do Espírito Santo, na concessão e uso de dons no corpo, a Igreja – na própria porção que sempre é citada, e com razão, como prova de que a liberdade de ministério é o que Deus estabeleceu em Sua Igreja – nesta mesma porção, somos informados de que nem todos receberam dons, mas que Deus havia colocado algumas pessoas no corpo; enumerando as diferentes ordens e tipos de dons pelos quais foram distinguidos.


Você pode ver agora Efésios 4? Foram levantadas questões quanto a 1 Coríntios 12 e 14, se é possível agir nos princípios ali estabelecidos, na reconhecida ausência de tantos dos dons ali enumerados. Eu mesmo não tenho tais dúvidas, e quanto a qualquer um que as tenha, eu deveria apenas perguntar a eles: Que outros princípios temos nas Escrituras sobre os quais agir? E então, se não há outros, que autoridade temos para agir de acordo com princípios que não são encontrados na Escritura? Mas não pode haver tal dúvida quanto a Efésios 4:8-13. "Pelo que diz: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens... E Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores [mestres – ARA]; querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo". E você observará também que eles são dados até que a Igreja seja concluída. Enquanto Cristo tiver um corpo na Terra que precise do serviço de tais homens, Ele concede a eles os dons de Seu amor para nutrir e cuidar de Seu corpo, Sua noiva, "Até que todos cheguemos", etc.


É, portanto, pelo ministério de homens vivos, cujo lugar e chamado é ministrar, que Cristo cuida e alimenta Seu rebanho – que o Espírito Santo opera no corpo que Ele habita. É verdade que esses homens podem ter seus próprios negócios. Paulo fazia tendas. E talvez eles estejam muito longe de qualquer pretensão a um lugar de dignidade clerical e oficial: quanto mais longe, melhor. Mas ainda assim eles são a provisão de Cristo para a edificação de Seus santos; sim, e para o chamado de almas; e a verdadeira sabedoria dos santos consiste em discernir tais dons de Cristo onde foram concedidos e reconhecê-los no lugar que Ele os designou em Seu corpo. Reconhecê-los assim é reconhecê-Lo; recusar a fazê-lo é tanto fazer mal a nós mesmos quanto desonrá-Lo.


Lembrem-se, também, que é no corpo, todo o corpo, que Deus colocou esses dons: é em todo o corpo que Cristo os concedeu; e nós não somos todo o corpo. Suponhamos que a Igreja ainda fosse manifestamente uma, como era nos dias dos apóstolos; mesmo assim, é bem possível que ela, em um lugar, pudesse estar sem um evangelista e em outro sem um pastor ou mestre; enquanto em alguns lugares poderia haver mais de um de cada. Mas agora que a Igreja está tão dividida e dispersa, quanto mais verdadeiro é isso nos pequenos grupos, aqui e ali, que foram reunidos ao nome de Jesus. O Senhor Jesus deixou de cuidar de Sua Igreja por causa de seu estado desgarrado e dividido? De maneira nenhuma. Deus teria deixado, porventura, de manifestar Seu cuidado pela concessão de dons adequados e necessários? De forma alguma. Mas, então, é na unidade de todo o corpo que eles são encontrados. E temos de nos lembrar disso. Todos os santos em uma cidade formam a Igreja de Deus nesse local; e pode haver evangelistas, pastores e mestres entre os membros do corpo que ainda estão na Igreja da Inglaterra, ou entre os metodistas ou os dissidentes. E que benefício obtemos do ministério deles? Ou que benefício os santos que estão com eles obtêm de qualquer um dos dons de Cristo que estão entre nós?


Por que apresento isso? Para enfatizar este ponto, amados irmãos; se entre os setenta ou oitenta que se reúnem em nome do Senhor na cidade tal não há ninguém que tenha Seus dons de acordo com Efésios 4, ou se houver apenas dois ou três com tais dons, a circunstância de nossa reunião, como o fazemos, não aumentará seu número. Um irmão que não é feito pastor ou evangelista pelo próprio Cristo, não se torna um ao começar a se reunir onde a presença do Espírito Santo e a liberdade de ministério são reconhecidas. E se, porque há liberdade de todas as restrições humanas, aqueles que começam a assumir a posição, ou agir no caráter de mestres, pastores ou evangelistas, que não foram dados como tal por Cristo à Sua Igreja, trará alguma edificação? Não, mas confusão; "Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as Igrejas dos santos". Se não temos tais dons entre nós, reconheçamos nossa pobreza: se temos dois ou três, sejamos gratos, reconhecendo-os no lugar que Deus lhes deu, e oremos por mais e melhores dons e ministérios. Mas não vamos supor que as atividades de qualquer um a quem Cristo, o Senhor, não colocou em tal lugar suprirá a falta de dons. O único efeito de tais atividades é entristecer o Espírito e impedir Suas ações por aqueles que de outra forma Ele usaria a serviço dos santos.


Um pensamento feliz surge diante de mim, ao encerrar esta segunda carta. Se não estivéssemos em posição de responder ao que encontramos na Escritura, tais perguntas dificilmente poderiam surgir entre nós. Onde tudo é resolvido e organizado por algum sistema humano; onde oficiais, nomeados por um bispo, uma conferência ou uma congregação, atendem à rotina de deveres prescritos para eles pelas regras sob as quais agem, questões como essas não têm existência. As próprias dificuldades de nossa posição provam por seu caráter que a posição em si é de Deus. Sim, e Deus que nos trouxe a ela pelo Seu Espírito através da Palavra é Todo-Suficiente, e não falhará nas dificuldades, mas nos guiará através delas, para nosso proveito e Seu próprio louvor. Sejamos simples, humildes e despretensiosos. Não vamos fingir ter mais do que temos, ou fazer aquilo para o qual Deus não nos qualificou. Alguns detalhes eu reservo para outra carta.


Enquanto isso, eu permaneço,


Carinhosamente seu em Cristo Jesus,


W. Trotter

 

Carta 3 – Como Distinguir a Orientação do Espírito – Sinais Negativos


Amados irmãos,


Há dois pontos sobre os quais desejo me fazer entender distintamente antes de entrar no assunto especial da minha presente carta. Primeiro, quanto à diferença entre ministério e adoração. Uso aqui a palavra adoração em seu sentido mais amplo, de toda forma com que o homem se dirige a Deus, seja oração, confissão, ou, falando mais apropriadamente, adoração, ação de graças e louvor. A diferença essencial entre adoração e ministério é que em um o homem fala a Deus; no outro Deus fala aos homens por Seus servos. Nosso único e suficiente direito para adorar é a superabundante graça de Deus que nos aproximou pelo sangue de Jesus; tão próximos a ponto de conhecê-Lo e adorá-Lo como nosso Pai; tão próximos que podemos ser reis e sacerdotes para Deus.


Nisso todos os santos são iguais. O mais fraco e o mais forte, o mais experiente e o mais jovem na fé, são todos iguais nisso. O servo mais talentoso de Cristo não tem maior direito de se aproximar de Deus do que o santo mais fraco entre aqueles a quem ele ministra. Supor o contrário seria fazer o que tem sido tão amplamente feito em toda a Cristandade, a saber, instituir uma ordem de sacerdotes entre a Igreja e Deus. Nós temos um grande Sumo Sacerdote. O único sacerdócio além do Seu, que existe no momento, é aquele que todos os santos compartilham, e que todos compartilham igualmente. Eu não poderia supor, portanto, que em uma assembleia de Cristãos a indicação de hinos, oração, ação de graças e louvor (a expressão destes, quero dizer), deve ser confinada àqueles que são qualificados por Deus para ensinar, exortar ou pregar o evangelho. Deus, o Espírito Santo, pode usar outros santos para indicar um hino que realmente expressa a adoração atual do coração daqueles que estão reunidos; ou Ele pode usá-los em orações que realmente expressam a necessidade e os desejos atuais daqueles cuja boca eles professam ser. E se Deus Se agrada em agir assim, o que somos nós para dizer não a Ele? Contudo, embora esses exercícios não possam ser confinados a pessoas que tenham um dom, os demais certamente devem estar sujeitos à direção presente do Espírito Santo; e todos eles estão dentro do alcance daqueles princípios estabelecidos em 1 Coríntios 14, de modo que tudo deve ser feito em ordem e para a edificação.


O ministério, isto é, o ministério da Palavra – ministério no qual Deus fala por Seus servos aos homens – é o resultado de um depósito especial no indivíduo de um dom ou dons, de cujo uso ele é responsável perante Cristo. Nosso direito à adoração é aquele no qual somos todos iguais. A responsabilidade de ministrar flui daquilo em que nos diferenciamos. "De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada" (Rm 12:6). Essa passagem, por si só, estabelece a diferença a que me refiro entre ministério e adoração.


O outro ponto é quanto à liberdade de ministério. A verdadeira ideia bíblica de liberdade de ministério não inclui apenas a liberdade para o exercício dos dons, mas também para o desenvolvimento deles. Isso implica que nos reunimos no reconhecimento da presença e supremacia do Espírito, a ponto de não apresentar nenhum obstáculo à Sua ação por quem Ele quiser; e é bastante claro que, no desenvolvimento inicial do dom, Ele deve agir por aqueles que não foram usados por Ele anteriormente. Qualquer princípio que interferisse nisso, ao que me parece, seria igualmente subversivo dos privilégios da Igreja e dos direitos do Espírito Santo.


Mas então, deve ser óbvio que, se os santos se reúnem assim, em terreno que deixa espaço para o Espírito Santo levar a um hino por um, oração por outro, ou palavra de exortação ou doutrina por um terceiro; e se deve ser deixado espaço para o Espírito desenvolver, bem como usar dons para a edificação do corpo, isso não pode ser feito sem dar oportunidade para que a promoção própria e autossuficiência ajam sem qualquer direção do Espírito. Daí a importância de saber distinguir entre o que é da carne e o que é do Espírito. Eu rejeito muito o uso banal de termos como "ministério na carne" e "ministério no Espírito"; e, no entanto, há uma verdade muito importante incorporada nessas expressões, usada com sobriedade. Em cada Cristão há duas fontes de pensamento, sentimento, motivo, palavra e ação, e estas, na Escritura, são denominadas, a carne e o Espírito. A parte que tomamos nas assembleias dos santos pode fluir de uma dessas fontes ou da outra. É muito importante distinguir corretamente entre elas. É muito importante que aqueles que tomam parte nas reuniões, seja de forma regular ou ocasional, julguem a si mesmos quanto a isso. É importante para todos os santos, visto que somos exortados a "provar os espíritos"; e sobre a assembleia deve recair finalmente a responsabilidade de reconhecer o que é de Deus e de desencorajar e desaprovar o que procede de qualquer outra fonte.


Gostaria de chamar a sua atenção para alguns dos grandes e principais marcos, pelos quais podemos distinguir a direção do Espírito das falsificações e pretensões carnais. E primeiro, gostaria de mencionar várias coisas que não são uma autorização para nossa participação na condução das reuniões dos santos.


A mera circunstância de haver liberdade para agir não é autorização para agir. Isso é tão evidente que nada precisa ser dito para prová-lo; e, no entanto, precisamos ser lembrados disso. O fato de não haver impedimento formal para que qualquer pessoa participe da reunião torna possível que aqueles cuja única qualificação é saber ler, acabem ocupando uma parte principal do tempo na leitura, capítulo após capítulo, e hino após hino. Claro, qualquer criança que tenha sido ensinada a ler pode fazer isso; e há poucos entre nós, de fato, que não podem conduzir as reuniões, se a capacidade de ler hinos e capítulos for toda a qualificação necessária. Mas, embora seja fácil ler um capítulo, saber qual é o adequado a ser lido e qual é o momento certo para lê-lo é outra questão. É fácil sugerir um hino, mas sugerir o hino que realmente incorpore e expresse a a adoração dos santos é algo que só pode ser feito pela direção do Espírito Santo. Confesso a vocês, meus irmãos, quando a algum tempo atrás (não ultimamente, graças a Deus), tivemos cinco ou seis capítulos lidos, e tantos hinos cantados, ao redor da mesa do Senhor, e talvez não mais do que uma oração ou agradecimento, ocorreu-me se nos encontramos para melhorar a nós mesmos na leitura e no canto, ou para lembrar a morte do Senhor. Eu, sinceramente, bendigo a Deus por ter havido melhorias a esse respeito há meses; ainda assim, pode ser bom para nós ter em mente que, embora haja liberdade para participar das reuniões, a existência de uma oportunidade de participar não é autorização para fazê-lo.


O fato de ninguém estar fazendo algo naquele momento, não é autorização suficiente para tomar parte na reunião. Não devemos desprezar o silêncio em si mesmo. Isso pode se tornar um mero ritual como qualquer outro. Mas o silêncio é melhor do que aquilo que é dito ou feito apenas para quebrar o silêncio. Eu bem sei o que é pensar em muitas das pessoas presentes que não estão em comunhão, talvez não crentes, e sentir-se desconfortável com o silêncio por causa delas. Onde isso comumente ou frequentemente ocorre, pode ser um chamamento de Deus para um tipo totalmente diferente de reunião; mas nunca pode autorizar alguém a falar, orar ou dar um hino, pelo simples fato de algo estar sendo feito.


Novamente, o estado e as experiências individuais não são guias certos quanto a qualquer parte que possamos tomar nas reuniões dos santos. Um hino pode ter sido muito doce para minha própria alma, ou posso ter estado presente onde ele foi cantado com grande desfrute da presença do Senhor. Não devo concluir disso que é meu lugar sugerir o hino na próxima reunião em eu que participar. Pode não haver adequação desse hino ao verdadeiro estado da assembleia. Pode não ser a mente do Espírito que um hino seja cantado. "Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores" (Tg 5:13). O hino deve expressar o que os reunidos sentem, ou não haverá sinceridade em se juntarem para cantá-lo. E quem, senão Aquele que conhece o verdadeiro estado da assembleia, pode guiar a um hino expressando esse estado?


Em seguida, quanto à oração: quando se ora na assembleia, o irmão é como o veículo para a expressão das necessidades e pedidos da assembleia. Posso ter meus próprios fardos para lançar sobre o Senhor em oração, mas seria muito impróprio para mim falar isso na assembleia. O único efeito, provavelmente, seria arrastar todos os meus irmãos para o mesmo nível que me encontro. Por outro lado, minha própria alma pode estar completamente feliz com o Senhor; se esse não for o estado da assembleia como tal, é somente quando me identifico com o verdadeiro estado da assembleia que serei capaz de apresentar seus pedidos diante de Deus. Ou seja, se eu for levado pelo Espírito a orar na assembleia, isso não será como se estivesse em meu quarto, onde ninguém está presente a não ser o Senhor e eu mesmo; onde minhas próprias necessidades e meus próprios regozijos formam apropriadamente os assuntos de minhas orações e ações de graças. Mas eu serei capacitado para oferecer tais orações, e fazer tais confissões, e apresentar tais ações de graças, como são adequadas ao verdadeiro estado daqueles cuja boca eu me torno, ao assim me dirigir a Deus.


Não pode haver um erro tão grande do que supor que o eu, e o que se relaciona ao eu, deve ser nosso guia na condução das reuniões dos santos. Uma parte da Escritura pode ter interessado muito minha própria alma, e ela pode ter sido de proveito para mim; isso não quer dizer que eu deva lê-la à mesa do Senhor, ou em outras reuniões dos santos. Algum assunto em particular pode estar ocupando muito minha própria atenção; e pode ser bom para minha própria alma que isso aconteça; contudo, pode não ser o assunto para o qual Deus chamaria a atenção dos santos em geral.


Observe, não estou negando que nós mesmos podemos ter estado especialmente ocupados e exercitados por assuntos que Deus gostaria que apresentássemos aos santos. Talvez isso seja frequentemente, ou mesmo comum, no caso dos servos de Deus; mas o que eu afirmaria é que isso, por si só, não é direção suficiente para agir. Nós mesmos podemos ter necessidades que os santos geralmente não têm; e eles podem precisar do que não atenderia ao nosso próprio caso.


Permita-me acrescentar que o Espírito nunca me levaria a sugerir hinos porque eles expressam minhas próprias visões. Pode haver pontos de interpretação sobre os quais os santos que se reúnem não concordam totalmente. Se, num caso assim, os hinos forem escolhidos por aqueles de opinião discordante, com o propósito de expressá-la – por bons e verdadeiros que os hinos possam ser – é impossível que os outros possam se juntar para cantá-los, sem que a discórdia, em vez da harmonia, seja produzida de imediato. Os hinos, aos quais o Espírito de Deus nos conduz em adoração conjunta, serão a expressão daquilo em que todos estão de acordo, em unidade. Em todos os momentos, em especial na assembleia em todos os eventos, vamos nos esforçar "para manter a unidade do Espírito no vínculo da paz". E lembremo-nos de que a maneira de fazer isso é andar "com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-nos uns aos outros em amor".


Gostaria de lembrá-los que no canto, oração ou adoração de qualquer tipo, é a assembleia que fala a Deus, seja qual for sua boca. Portanto, nunca pode ser verdadeira ou sincera além do estado da assembleia, mas deve ser a expressão dela. É verdade que, bendito seja Deus, Ele pode, pelo Espírito, tocar uma nota mais alta, com a qual imediatamente todos os corações respondem em sintonia, e assim o tom da adoração unida se eleva; e isso Ele faz muitas vezes. Mas se a assembleia não estiver em condições de responder imediatamente a tal tom de louvor, não pode haver nada mais doloroso do que um indivíduo continuar com tons elevados de ação de graças e adoração, quando todos os outros corações estão tristes e frios, vagantes e distraídos. Aquele que profere a adoração da assembleia deve ter cada coração da assembleia com ele, ou não há realidade no que acontece.


Por outro lado, o ministério, sendo a voz de Deus para nós, pode estar muito à frente do nosso estado. É um indivíduo falando como sendo a boca de Deus, e se for realmente assim, muitas vezes será para ministrar a verdade que ainda não recebemos, ou para nos lembrar de verdades que deixaram de agir no poder presente em nossa alma. Como é evidente que, em ambos os casos, e em todos os casos, deve ser o Espírito de Deus Aquele que guia.


Quanto ao que distingue a orientação positiva do Espírito, acho que devo deixá-la para outra carta. A parte negativa por si só foi apresentada nesta.


Vosso, amados irmãos, carinhosamente em Cristo Jesus,


W. Trotter

 

Carta 4 – Como Distinguir a Orientação do Espírito – Sinais Positivos


Amados irmãos,


O homem que tentasse definir as operações do Espírito na vivificação ou conversão de uma alma, apenas manifestaria sua própria ignorância e negaria, além disso, a soberania do Espírito que é declarada nas palavras bem conhecidas: "O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito". E, no entanto, a Escritura está repleta de sinais pelos quais se pode discernir quem é nascido do Espírito e quem não é. Quanto ao assunto desta carta, espero ser impedido de usurpar o lugar do Espírito Santo a ponto de presumir que possa, de alguma forma, definir bem a maneira de Sua operação, na alma daqueles a quem Ele conduz para participar da adoração da assembleia ou para ministrar aos santos. Pode ser, em alguns casos, muito mais direto e sensível para o indivíduo a quem o Espírito conduz, do que para outros. Mas, por mais vaidoso e presunçoso que seja tentar definir bem e com precisão sobre tal assunto, a Escritura nos dá ampla instrução sobre quais são os sinais do verdadeiro ministério. E é para alguns dos sinais mais claros e óbvios que desejo agora chamar sua atenção.


Alguns deles se aplicam ao assunto ou conteúdo do que é ministrado, e outros aos motivos que nos induzem a ministrar ou a tomar parte na condução das reuniões dos santos. Alguns sinais funcionarão como um teste para os que conduzem, pelo qual podem julgar a si mesmos; outros fornecerão a todos os santos os critérios para julgar o que é do Espírito e o que vem de outras fontes. Alguns servirão para mostrar quem são os dons de Cristo dados à Sua Igreja para o ministério da Palavra; e outros podem ajudar aqueles que realmente o são, quanto à importante questão de quando falar e quando ficar em silêncio. Minha alma treme ao pensar na responsabilidade de escrever sobre tal assunto. Mas o que me encoraja é que a nossa suficiência vem de Deus, e que "Toda Escritura... é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda a boa obra". Que tudo o que eu possa escrever seja testado por esse padrão autossuficiente; e se alguma coisa não resistir a esse teste, Deus vos conceda, amados irmãos, sabedoria e graça para rejeitá-lo.


A direção do Espírito não é por impulsos cegos e impressões pouco inteligentes, mas preenchendo o entendimento espiritual com os pensamentos de Deus, conforme revelados na Palavra escrita, e agindo de acordo com as afeições renovadas. Nos primeiros dias, havia de fato os dons de Deus que poderiam estar, em seu uso, desconectados da inteligência espiritual. Refiro-me ao dom de línguas, quando não houvesse intérprete. E parece que, como esse dom parecia mais maravilhoso aos olhos dos homens do que os outros, os coríntios gostavam de usá-lo e exibi-lo. Por isso o apóstolo os repreende. "Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos. Todavia eu antes quero falar na igreja cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida. Irmãos, não sejais meninos no entendimento, mas sede meninos na malícia e adultos no entendimento" (1 Co 14:18-20).


O mínimo, então, que se pode esperar daqueles que ministram é familiaridade com a Escritura, e entendimento da mente de Deus conforme revelada na Palavra. Pode haver isso por parte de um irmão, mas que não tenha qualquer dom para se expressar, nem qualquer capacidade de comunicá-la aos outros. Mas sem tais irmãos, o que teríamos para comunicar? Os santos de Deus certamente não são reunidos de tempos em tempos, em nome de Jesus, para terem pensamentos humanos grosseiros e não digeridos apresentados a eles, ou para que se repita a eles o que outros falaram ou escreveram. O conhecimento pessoal da Palavra de Deus, a familiaridade com a Escritura e o entendimento de seu conteúdo são certamente essenciais para o ministério da Palavra. "E disse-lhes Jesus: Entendestes todas estas coisas? Disseram-lhe eles: Sim, Senhor. E Ele disse-lhes: Por isso, todo escriba instruído acerca do Reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas" (Mt 13:51-52). Quando nosso Senhor estava prestes a enviar Seus discípulos como Suas testemunhas, está escrito: "Então, abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras". (Lc 24:45).


Quantas vezes lemos sobre Paulo, ao pregar aos judeus, disputava com eles a partir da Escritura (At 18:4, 19). Se o apóstolo se dirige aos romanos como capazes de admoestar uns aos outros, é porque ele pode dizer deles: "Eu próprio, meus irmãos, certo estou, a respeito de vós, que vós mesmos estais cheios de bondade, cheios de todo o conhecimento, podendo admoestar-vos uns aos outros" (Rm. 15:14). Onde a ação do Espírito na assembleia é tratada de forma mais definitiva, como em 1 Coríntios 12, isso não é com a exclusão da Palavra. "Porque a um, pelo Espírito, é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência” (1 Co 12:8). Onde o apóstolo enumera os sinais pelos quais ele e outros se demonstram como ministros de Deus, encontramos na maravilhosa lista: "na ciência... na palavra da verdade... pelas armas da justiça, à direita e à esquerda” (2 Co 6:6-7). Se você olhar para o que consistia essas armas, encontrará “a verdade” como um cinto para os lombos e "a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus" (Ef 6:14, 17). O apóstolo fala do que ele havia escrito anteriormente aos Efésios, "pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo" (Ef 3:4).


Onde o mesmo apóstolo fala da admoestação mútua, veja o que ele menciona primeiro como um pré-requisito essencial. "A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais; cantando ao Senhor com graça em vosso coração" (Cl 3:16). A Timóteo, Paulo diz: "Propondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, criado [alimentado – TB] com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido". Ele o exorta: "Persiste em ler, exortar e ensinar, até que eu vá... Medita estas coisas, ocupa-te nelas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos. Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina; persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1 Tm 4:6, 13, 15-16). Na segunda epístola, Timóteo é exortado assim: “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2 Tm 2:2). E para o próprio Timóteo, temos estas palavras: "Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade" (v. 15). Entre outras qualificações do bispo, ou presbítero, conforme são dadas em Tito 1, temos: "Retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina como para convencer os contradizentes".


De tudo isso é evidente, meus irmãos, que não é apenas por pequenos fragmentos da verdade, trazidos sempre que algum impulso para esse fim surgir em nós, que a Igreja deve ser edificada* [* N. do A.: Deus não permita que alguém seja desencorajado de ministrar a menor palavra que seja que conduza à verdadeira edificação. Mas aqueles que são usados pelo Senhor seriam, portanto, os últimos a supor que o seu ministério seria o único, ou aquele pelo qual a necessidade dos santos fosse principalmente suprida por Deus]. Não; aqueles por quem o Espírito Santo age para alimentar, nutrir e guiar os santos de Deus, são aqueles cujas almas são habitualmente exercitadas na Palavra de Deus; eles "em razão do costume [pela prática – ARA], têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal" (Hb 5:14). Como foi dito, o mínimo que se pode esperar daqueles que ministram na Igreja é um tal conhecimento da Palavra de Deus como esse.


O conhecimento da palavra de Deus, no entanto, não é suficiente. Deve haver sua aplicação presente às consciências dos santos, de modo a atender às suas necessidades atuais. Para isso, como alguém observou em detalhes, deve haver conhecimento baseado no relacionamento com eles, no estado que se encontram (e isso nunca poderia ser muito perfeito ou preciso), ou então na direção direta de Deus. Isso é verdade para aqueles que são, no sentido mais amplo e mais manifestamente, os dons de Cristo à Sua igreja, como evangelistas, pastores ou mestres. Somente Deus pode guiá-los às porções da verdade que alcançarão a consciência e atenderão às necessidades das almas. É somente Ele Quem pode capacitá-los a apresentar a verdade de tal maneira a garantir esses fins. Deus, o Espírito Santo, conhece a necessidade de cada um e de todos na assembleia; e Ele pode guiar aqueles que falam para falar a verdade adequada e necessária, quer tenham o conhecimento do estado daqueles a quem se dirigem ou não. Quão importante, então, a sujeição implícita e não fingida a Ele.


Uma coisa que sempre marcaria o ministério no Espírito seriam as rápidas reações de afeição pessoal por Cristo. "Amas-me?" foi a pergunta três vezes repetida a Pedro, conectada com a determinação, muitas vezes repetida, para alimentar o rebanho de Cristo. "Porque o amor de Cristo nos constrange", diz Paulo. Quão diferente isso é dos muitos motivos que podem nos influenciar naturalmente. Quão importante é que sejamos capazes, cada vez que ministramos, de dizer com uma boa consciência: "Meu motivo para falar não foi o amor à proeminência, ou a força do hábito, ou a inquietação que não poderia se contentar a menos que algo fosse feito; mas o amor a Cristo e ao Seu rebanho, por causa d'Ele que o comprou com Seu próprio sangue." Certamente era esse motivo que faltava no servo perverso, que escondeu o talento de seu Senhor na terra.


Então, além disso, o ministério no Espírito, ou mesmo qualquer ação na assembleia à qual Ele conduz, seria sempre marcado por um profundo senso de responsabilidade para com Cristo. Deixem-me colocá-lo para vocês, meus irmãos, e para a minha própria alma também. Suponha que fôssemos questionados a qualquer momento após o encerramento de uma reunião: Por que você sugeriu tal hino, ou leu tal capítulo, ou fez tal oração, ou falou tal palavra? Poderíamos, com uma resposta clara e de boa consciência dizer: "Minha única razão para fazer isso foi a convicção solene de que era a vontade do meu Mestre?". Poderíamos dizer: Eu dei esse hino porque estava totalmente convencido de que esta era a mente do Espírito, que naquele momento da reunião ele deveria ser cantado? Eu li esse capítulo, ou falei essa palavra, porque me senti claro, diante de Deus, que aquele era o serviço que meu Senhor e Mestre me designaram? Ofereci essa oração porque sabia que o Espírito de Deus me levava como a boca da assembleia a pedir aquelas bênçãos que nela eram rogadas. Meus irmãos, poderíamos responder assim, ou não, há muitas vezes que tomamos parte disso ou daquilo, sem qualquer senso de responsabilidade para com Cristo?


"Se alguém falar, fale segundo as Palavras de Deus", diz o apóstolo Pedro. Isso não significa que ele fale de acordo com a Escritura, embora isso seja verdade. Significa, ou melhor, diz, que aqueles que falam, devem falar como oráculos de Deus. Se eu não posso dizer: "Isto é o que eu acredito que me foi ensinado por Deus, e o que Deus me deu para falar neste momento", eu deveria ficar em silêncio. É claro que um homem pode estar enganado ao dizer isso, e cabe aos santos julgar pela Palavra de Deus tudo o que é dito. Apenas a solene convicção diante de Deus, de que Deus lhe deu algo para dizer ou fazer deve induzir um irmão a falar, ou tomar parte nas reuniões; nada menos do que isso deve movê-lo. Se nossa consciência fosse exercitada para agir sob tal responsabilidade, isso sem dúvida impediria muita coisa que acontece; mas, ao mesmo tempo, abriria caminho para Deus manifestar Sua presença, como não estamos acostumados a testemunhá-la.


Quão surpreendentemente contemplamos esse senso de responsabilidade para com Cristo por parte do apóstolo Paulo. "Porque, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim se não anunciar o evangelho! E, por isso, se o faço de boa mente [voluntariamente – JND], terei prêmio; mas, se de má vontade, apenas uma dispensação me é confiada [fui encarregado de uma administração – JND]" (1 Co 9:16-17). Que comoventes as palavras dele para as mesmas pessoas! "E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor" (1 Co 2:3). Que repreensão à leviandade de coração e à autossuficiência com que, infelizmente, muitas vezes lidamos com a sagrada Palavra de Deus! "Porque nós não somos, como muitos, falsificadores da Palavra de Deus; antes, falamos de Cristo com sinceridade, como de Deus na presença de Deus" (2 Co 2:17).


Um outro ponto que eu abordaria. “Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação [de uma mente sã – KJV] (2 Tm 1:7). "O espírito... de uma mente sã". Um homem pode ter pouco ou nenhum aprendizado humano, pode ser incapaz de se expressar com uma dicção elegante, ou mesmo com propriedade gramatical. Tudo isso pode lhe faltar, e ainda assim ser um bom ministro de Jesus Cristo. Mas ele deve ter o espírito de uma mente sã.


E posso agora, enquanto falo sobre esse assunto, mencionar o que em outros lugares, assim como entre nós, às vezes me deixou muito triste? Refiro-me à confusão entre as Pessoas na Divindade, que muitas vezes é feita em oração. Quando um irmão começou a se dirigir a Deus, o Pai, e passou a falar como se fosse Ele que tivesse morrido e ressuscitado; ou, dirigindo-se a Jesus, deu graças a Ele por enviar Seu Filho unigênito ao mundo, eu confesso a você que disse a mim mesmo: Pode ser o Espírito de Deus que leva a orações como essas? Certamente todos os que conduzem a adoração dos santos precisam muito do espírito de uma mente sã a ponto de evitar confusão como essa. Ninguém acredita que o Pai morreu no Calvário, ou que Cristo enviou Seu Filho ao mundo. Onde, então, está a concentração do espírito, a mente sã, que deveria caracterizar aqueles que tomam o lugar de serem os canais da adoração dos santos, quando usam uma linguagem que realmente expressa o que eles mesmos não acreditam – e o que seria chocante para qualquer um acreditar!


Ainda reservando alguns outros pontos para outra carta,


Carinhosamente em Cristo Jesus,


W. Trotter

 

Carta 5 – Diversas Observações Sobre a Dependência Mútua dos Santos, em Reuniões para Edificação Mútua, e Sobre Outros Assuntos


Amados irmãos,


Minhas observações sobre isso serão de caráter mais genérico do que nas cartas anteriores, sendo meu objetivo reunir vários pontos que não poderiam ser incluídos de forma adequada nos assuntos de minhas comunicações anteriores.


Em primeiro lugar, permita-me lembrá-los de que tudo o que acontece em uma reunião para edificação mútua deve ser fruto da comunhão. Ou seja, se eu leio um capítulo da Palavra, não tenho que folhear minha Bíblia para encontrar um capítulo adequado; mas, estando mais ou menos familiarizado com a Palavra, o Espírito de Deus traz à minha mente as porções que Ele gostaria que eu lesse. Assim também, se um hino deve ser cantado, não é porque eu sinto que chegou a hora de cantar, que então procuro no hinário por um bom hino. Não; mas pela medida que tenho do conhecimento do hinário, o Espírito de Deus me lembra um hino e me leva a indicá-lo. A ideia de meia dúzia de irmãos olhando através de suas Bíblias e hinários para encontrar capítulos e hinos adequados para ler ou indicar é tão subversiva quanto possível do verdadeiro caráter de uma reunião, para edificação mútua, na dependência do Espírito Santo. Eu posso, de fato, ter um determinado capítulo colocado em meu coração, e posso, por conhecimento imperfeito de minha Bíblia, precisar procurá-lo; e assim pode acontecer com um hino; mas esse é claramente o único objetivo que se pode ter razão, ao virar as páginas de um ou de outro livro, quando reunidos com base na dependência mútua do Espírito Santo para edificação mútua.


Então, em segundo lugar, se isso for bem entendido, seria inevitável, que quando alguém fosse visto abrindo sua Bíblia ou seu hinário, isso seria entendido que o irmão estaria pensando em ler uma parte da Palavra, ou dar um hino. A Palavra: "Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros" (1 Co 11:33), impediria completamente o pensamento de qualquer outro irmão tomar parte na reunião, até que o que havia demonstrado seu pensamento de fazê-lo, ou o colocou em prática ou o deixou de lado. Isso me leva justamente ao assunto da dependência mútua, sobre o qual podemos meditar por algum tempo.


A questão com os coríntios, em 1 Coríntios 11, não era quanto ao ministério, mas quanto a comer a Ceia do Senhor. A questão do ministério se apresenta em 1 Coríntios 14. Mas a raiz moral da desordem em ambos os casos era a mesma. Eles não conseguiram discernir o corpo de Cristo e, portanto, cada um estava ocupado com sua própria pessoa. "Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia" (1 Co 11:21). O resultado foi: "e assim um tem fome, e outro embriaga-se". O princípio do ego teve aqui liberdade para produzir frutos tão gritantes e monstruosos, a ponto de chocar a sensibilidade natural de alguns. Mas se eu for às reuniões, e me sentar ali, pensando somente no capítulo que eu devo ler, no hino que eu devo sugerir, e na parte que eu vou tomar na reunião, o meu ego será, nas coisas espirituais, o ponto de apoio no qual meus pensamentos e preocupações giram, assim como eram os coríntios nas coisas naturais. Eu, tendo uma ceia, a trazia e comia o que levei, enquanto meu irmão pobre que não podia pagar por isso, ia embora sem comer. É na comunhão do único corpo de Cristo vivificado, vivenciado, ensinado e governado pelo único Espírito que nos reunimos; e certamente os pensamentos de nosso coração, ao nos reunirmos assim, não devem ser nem a ceia que eu mesmo tenho que comer, nem a parte que eu mesmo tenho que tomar, mas a maravilhosa generosidade e graça d'Aquele que nos confiou à guarda do Espírito Santo, que não falhará, se humildemente esperado, em atribuir a cada um o seu devido lugar e participação, sem qualquer ansiedade inquieta em nós para saber o que será.


No corpo de Cristo, cada um é apenas um membro e, certamente, se os coríntios tivessem discernido e percebido isso, aquele que tinha uma ceia teria esperado por aqueles que não tinham nenhuma, para compartilhá-la com eles. Da mesma forma, se minha alma perceber essa preciosa unidade do corpo, e meu próprio lugar humilde nele, como apenas um membro individual, não terei tanta pressa em agir na assembleia a ponto de impedir que outros ajam: e se eu sentir que tenho uma palavra do Senhor, ou um chamado d'Ele para algum serviço, ainda me lembrarei de que outros podem ter o mesmo, e assim deixar espaço para eles: e acima de tudo, se eu vir outro com sua Bíblia aberta para ler uma parte ou dar um hino, esperarei até que ele tenha feito isso, e não terei pressa de ter a oportunidade antes dele. "Esperai uns pelos outros", certamente se aplicará a isso, bem como ao partir do pão. E no capítulo 14 descobrimos que quando os profetas estavam falando na reunião, por revelação imediata, deveria haver tanta deferência de uns para com outros, que mesmo que um irmão estivesse falando, se alguma coisa fosse revelada a outro que estivesse sentado, o primeiro deveria calar-se. Além disso, a postura moral geral de uma palavra como, "Todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar" (Tg 1:19), nos ensinaria, assim, a esperar um pelo outro.


Então, em terceiro lugar, o objetivo da nossa assembleia é a edificação. Este é o ponto destacado em 1 Coríntios 14. Em 1 Coríntios 12, temos o corpo de Cristo em sujeição a Ele como Senhor, e o testemunho aqui de Seu Senhorio, em virtude da habitação e operação do Espírito Santo, que reparte a cada homem, distintamente, como Ele quer; encerrando com a lista de dons, apóstolos, profetas, etc., estabelecidos por Deus, na Igreja, em suas várias posições de uso, ou serviço, para o todo. Há a determinação de buscar com zelo os melhores dons, mas uma maneira mais excelente é mencionada, a saber, a caridade, ou amor, de 1 Coríntios 13, sem a qual os dons mais excelentes não são nada, e que deve regular o exercício de todos os dons para que o resultado seja a edificação. A edificação é o assunto de 1 Coríntios 14. O dom de línguas era o que parecia mais maravilhoso para o homem, e os coríntios se deleitavam em exibi-lo. Em vez de o amor buscar a edificação de todos, era a vaidade que procurava exibir seus dons. Eram dons reais – dons do Espírito. E aqui, amados irmãos, está uma coisa solene que devemos considerar, e esta é, que pode haver poder do Espírito para o serviço, sem a direção viva do Espírito em seu exercício. Essa direção só pode haver onde o ego é crucificado, e Cristo tudo para a alma. O objetivo do Espírito Santo não é glorificar o pobre vaso de barro que contém Seus dons, mas pelo uso humilde, gracioso e abnegado desses dons, glorificar a Cristo, de Quem eles fluem; e isso é cumprido na edificação de todo o corpo.


Quão bela é essa abnegação em Paulo! Possuidor de todos os dons, com que singeleza de coração ele procurou não exibir seus dons, mas exaltar seu Senhor e edificar os santos. "Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos. Todavia eu antes quero falar na Igreja cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida". Quão fortes, aquelas palavras do Espírito Santo: "Faça-se tudo para edificação", vindas da pena de tal pessoa. "Assim, também vós, como desejais dons espirituais, procurai sobejar neles, para a edificação da igreja".


Então, novamente, para que todo servo seja fiel deve agir sob as instruções de seu mestre. Daí a importância do que foi enfatizado na minha última carta: se eu agir na assembleia dos santos, não deve ser em terreno inferior ao de uma convicção plena e solene, em minha própria alma diante de Deus, de que é a vontade presente do meu Mestre que eu aja assim. "Porque, pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não saiba mais do que convém saber, mas que saiba com temperança, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um" (Rm 12:3). A medida do que faço deve ser a medida da fé que Deus me deu; e Deus cuidará para que Seus servos assim saibam o que Ele quer que eles façam. Nada menos do que uma firme e solene convicção de qual é Sua vontade, pode ser uma autorização para minha atuação na assembleia, ou mesmo em qualquer outro lugar, como servo de Deus. Na assembleia, no entanto, há um controle divino ou vigilância contra o abuso deste princípio, a saber, a provisão feita nas seguintes palavras: "E falem dois ou três profetas, e os outros julguem" (1 Co 14:29). Cabe à minha própria alma, em primeiro lugar, julgar e saber se o Senhor me chama para falar ou agir na assembleia; mas quando assim eu falo ou ajo, é a meus irmãos que cabe julgar, e na grande maioria dos casos devo acatar o julgamento deles. Na verdade, é raro o caso em que eu teria a autorização de continuar a tomar parte nas reuniões, se, ao fazer isso, fosse desaprovado pelos irmãos.




É bastante evidente que, se Deus me chamou para falar ou orar nas reuniões – se realmente for d’Ele que procede minha convicção de que estou sendo guiado a fazê-lo – é tão fácil para Ele dispor e preparar os corações dos santos para receberem meu ministério e se unirem às minhas orações, quanto é para Ele dispor meu próprio coração para tal serviço. Se eu realmente sou levado pelo Espírito a agir assim, o mesmo Espírito que me guia e age por mim habita nos santos; e em noventa e nove por cento dos casos, o Espírito nos santos responderá ao ministério ou adoração no Espírito da parte de qualquer irmão. Portanto, se por minha participação nas reuniões os santos se sentirem sobrecarregados e perturbados em vez de edificados, eu estaria seguro em concluir que houve engano quanto ao meu lugar, e que eu não fui chamado para agir de tal forma.


Por outro lado, suponha que o que torna o ministério de alguém inaceitável por um tempo seja encontrado no estado da assembleia, e não no estado daquele que ministra a ela: suponha que ele seja muito mais espiritual do que a assembleia, a ponto de eles não entenderem nem apreciarem o que ele lhes ministra. O que dizer de um caso como esse? Isso não é muito comum, e quando surge, pode ser para que tal servo de Cristo pergunte se não precisa aprender a ser como seu Mestre, e a ensinar como Ele "lhes dirigia a palavra, segundo o que podiam compreender"; se ele não precisa de um pouco mais do espírito de Paulo, que disse: "fomos brandos entre vós, como a ama que cria seus filhos"; que também disse: "com leite vos criei e não com manjar, porque ainda não podíeis, nem tampouco ainda agora podeis".


Se, com todo cuidado e ternura em seu discernimento, o ministério dele ainda não for recebido, isso deve, de fato, estar provando a fé de tal servo do Senhor; mas considerando que a edificação é o objetivo de todo ministério, e que os santos não podem ser edificados por um ministério que não seja recomendado às suas consciências, não poderia haver nenhum bem em forçá-lo sobre os santos, quer eles possam recebê-lo ou não. A fraqueza geral e a doença no corpo de alguém podem produzir o deslocamento de uma determinada articulação. Em tal caso, não haverá qualquer benefício para o corpo, se a articulação deslocada for forçada a agir. Pode ser lamentável que ela não possa agir; mas a única maneira de restaurar seu uso é dar-lhe descanso perfeito por certo tempo, enquanto se busca restaurar a saúde geral do corpo por outros meios. Assim, no suposto caso, continuar com o ministério onde ele não é recebido, mesmo que a causa seja o baixo estado da assembleia, apenas acrescenta irritação à condição geralmente ruim das coisas e, assim a torna pior. O servo do Senhor, em tal caso, descobrirá que ficar em silêncio é sua sabedoria, ou pode ser para ele a indicação da vontade de seu Mestre que ele sirva em outro lugar.


Por outro lado, deixe-me adverti-los sinceramente, amados irmãos, contra o que provavelmente Satanás pode agora procurar fazer uma armadilha para nós, o espírito de crítica sobre o que acontece nas reuniões. Seu esforço é sempre nos impelir de um extremo a outro; e se erramos pelo lado da indiferença, não nos importando com aquilo que acontece, contanto que o tempo seja preenchido, é mais do que provável que estejamos em perigo do outro lado. Que o bom Senhor nos guarde em Sua misericórdia. Nada pode ser mais lamentável, quanto ao estado de espírito que indica um espírito de censura e crítica, e nada pode ser um obstáculo maior à bênção do que isso. Reunimo-nos para adorar a Deus e edificar uns aos outros, não para nos ocuparmos em determinar quem ministra na carne e quem ora no Espírito. Onde a carne se manifesta, que seja julgada. É uma obra dolorosa e humilhante discerni-la e julgá-la, em lugar de nosso próprio e feliz privilégio de desfrutar mutuamente da plenitude de nosso bendito Salvador e Cabeça. Tenhamos cuidado com o espírito de procurar falhas. Existem dons menores, bem como maiores, e sabemos Quem concedeu muito mais honra às partes que tinham falta dela. Os atos de um irmão na assembleia não são necessariamente todos carnais, porque ele age na carne até certo ponto.


Sobre essa questão, seria bom que todos nós ponderássemos as palavras de alguém altamente honrado entre nós: "Há uma grande necessidade disto, a saber, que atendamos primeiro à natureza do nosso dom e, em segundo lugar, à medida dele. E quanto a esse último, isto é, a medida do dom, deixe-me dizer que não duvido que o dom de muitos irmãos seria reconhecido, se ele não fosse além de sua medida: 'se é profecia, seja ela segundo a medida da fé'. Tudo além disso procede da carne, e se o que sobressai é o ego, todo o seu dom será rejeitado, pois isso será sentido porque ele não soube como se limitar à medida de seu dom; e, portanto, sua carne age, e seu falar é atribuído à carne – e não é de se admirar. Também é verdade quanto à natureza de um dom; se um homem se propõe a ensinar, em vez de se limitar a exortar (se ele exorta), ele não vai, e não pode, edificar. Eu gostaria especialmente de chamar a atenção de cada irmão que ministra a Palavra para essa observação, que, por falta de fidelidade de seus ouvintes, talvez ela nunca chegue a ele de outra forma".


É aos irmãos que ministram que essas palavras acima são dirigidas, mas eu as cito a vocês, amados irmãos, para que aprendamos a não condenar tudo o que alguém diz ou faz, porque algo da carne é discernível nela. Vamos, com gratidão, reconhecer o que é do Espírito, distinguindo-o de tudo o mais, mesmo no ministério ou atos do mesmo indivíduo.


Ainda há dois ou três pontos de detalhes mais minuciosos sobre os quais, na confiança do amor fraterno, eu acrescentaria uma ou duas palavras. Quanto à distribuição do pão e do vinho à mesa do Senhor. É, por um lado, muito desejável que isso não seja uniforme e exclusivamente feito por um ou dois indivíduos, como se fosse alguma distinção clerical; enquanto, por outro lado, não posso ver nenhuma justificativa na Escritura para qualquer um partir o pão, ou dar o cálice, sem dar graças. Em Mateus 26:26-27; Marcos 14:22-23; Lucas 22:19; e 1 Coríntios 11:24, somos informados de que o Senhor Jesus deu graças quando partiu o pão e tomou o cálice; enquanto em 1 Coríntios 10:16, o cálice é denominado cálice de bênção ou de ação de graças. Se, então, a Escritura deve ser nosso guia, quão claro é que qualquer um que parte o pão ou toma o cálice deve ao mesmo tempo dar graças; e se algum de nós não sente poder para fazer isso, não podemos com justiça questionar se somos chamados a distribuir o pão e o vinho?


Também, quanto ao governo ou supervisão na Igreja, e de fato quanto às qualificações a serem procuradas em qualquer um que atue em serviço ostensivo entre os santos, 1 Timóteo 3 e Tito 1 devem ser estudados em oração por todos nós. Há um versículo, em particular, em 1 Timóteo 3:6, que pode bem ser lembrado. "Não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo". É possível que o chamado de Deus e o dom de Cristo sejam encontrados com um jovem como Timóteo (ou se voltarmos ao Velho Testamento, com um Jeremias); e "ninguém despreze a tua mocidade" se aplicaria a qualquer um desses nos dias atuais, da mesma forma quanto a Timóteo de antigamente. Mas foi a Timóteo que as palavras citadas foram dirigidas, "não a um neófito". A mocidade de Timóteo não deveria ser um incentivo para aqueles que não tinham nem o dom nem a graça concedidos a ele. E há até uma aptidão e beleza naturais nos jovens tomando o lugar da sujeição em vez do governo, o que me parece ser tristemente negligenciado às vezes. "Semelhantemente vós, jovens, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos sujeitos uns aos outros e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes" (1 Pe 5:5).


O Senhor, em Sua misericórdia, amados irmãos, nos conceda andar humildemente com Ele mesmo, e assim nenhum obstáculo pode ser apresentado à obra de Seu bendito Espírito entre nós.


Seu irmão, em afeto não fingido,


W. Trotter

 



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