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O Nome Sobre Todo Nome
Edward Dennett
Parte 1 – O Nome Inefável
É evidente, mesmo para o leitor comum das Escrituras, que a revelação que Deus teve o prazer de fazer de Si mesmo é gradual e progressiva. Agora os crentes andam na luz, como Ele está na luz; mas antigamente nuvens e trevas estavam ao Seu redor, e necessariamente tinha que ser assim enquanto a justiça e o juízo fossem a base de Seu trono (Sl 89:14). Mas quando Cristo consumou a obra da expiação, glorificando a Deus em tudo o que Ele é, tendo sido feito pecado por nós, o véu por trás do qual Deus havia habitado, e que O havia escondido de Seu povo, foi rasgado em dois, de cima a baixo, e Deus pôde justamente gratificar Seu próprio coração em sair em plena manifestação do que Ele é conforme revelado em Cristo na base da redenção. Estas são verdades cardeais e fundamentais, e são declaradas como preparatórias para uma breve consideração dos vários nomes de Deus sob os quais Ele Se revelou nas várias dispensações encontradas nas histórias do Velho Testamento. Que Deus é o mesmo em natureza e atributos tanto no Velho quanto no Novo Testamento; que, em outras palavras, Ele é imutável, é uma necessidade das perfeições do Seu Ser divino; mas ainda é verdade que os aspectos sob os quais Ele é apresentado em diferentes épocas variam, e são esses aspectos que estão incorporados em Seus diversos nomes.
ELOHIM é, como frequentemente observado, o nome comum para Deus, visto como o Ser divino com Quem os homens, como homens, têm que tratar, e como Aquele a Quem eles são responsáveis. É uma palavra plural. O singular é Eloah, e esta forma é frequentemente usada, especialmente no livro de Jó. Os pagãos às vezes usavam a palavra para designar suas divindades, e sem dúvida desse fato surge a questão no Salmo 18:31; "Pois Quem é Deus [Eloah] senão o Senhor [Jeová]? E Quem é o rochedo senão o nosso Deus [Elohim]?" Ou seja, o verdadeiro Eloah era Jeová, e a única rocha era Elohim. A razão para o uso da palavra plural (Elohim) é explicada de diversas maneiras. Há aqueles, como seria de esperar, que afirmam que é simplesmente, de acordo com o uso hebraico, um plural de excelência, que a palavra nesta forma transmite a excelência ou as perfeições d’Aquele de Quem se fala; há outros que sustentam que a intenção divina é estabelecer a Trindade, a unidade da Divindade nas três Pessoas da Divindade – o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Em apoio a isto, o leitor devoto não deixará de notar a linguagem de Gênesis 1:26: “E disse Deus: Façamos o homem à Nossa imagem, conforme a Nossa semelhança”. Na verdade, visto que o termo expressa tudo o que Deus é, todas as Pessoas da Divindade devem ser incluídas.
É bem verdade que isso não pôde ser compreendido na época. Na verdade, não foi até o batismo de nosso bendito Senhor que toda a verdade da Trindade foi revelada. Então Deus falou desde o céu, Seu Filho amado estava na Terra, e o Espírito Santo desceu e habitou sobre o Filho. Mas agora que a plena revelação de Deus foi feita, e veio o Espírito Santo, que penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus, podemos retornar, conforme guiados e ensinados por Ele, e descobrir muitas coisas que não poderiam antes ter sido entendidas. Um dos perigos do momento presente é que as Escrituras do Velho Testamento estejam sendo limitadas à luz que possuíam na época em que foram dadas. A verdade é que o seu significado latente só pode ser apreendido quando retornamos nosso olhar para elas a partir do pleno brilho da luz do Cristianismo. Não há qualquer incongruência, portanto, em afirmar que Deus escolheu a palavra especial Elohim para expressar a verdade da Trindade. Por exemplo, lemos em Gênesis que Deus criou o céu e a Terra; e no Evangelho de João é dito do Verbo, o Verbo que depois Se fez carne: “Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez”. Sabemos, consequentemente, que o Filho eterno está compreendido na palavra “Deus” em Gênesis; e ao ponderarmos sobre isso, aprendemos mais sobre a glória da Pessoa de nosso Redentor.
Aos patriarcas, Deus Se deu a conhecer sob outra denominação. A primeira menção disso é encontrada em Gênesis 17:1: “Apareceu o SENHOR a Abrão e disse-lhe: Eu Sou o Deus Todo-poderoso”; isto é, EL SHADDAI – Deus Todo-Poderoso. Mas diz-se que o significado da palavra El é força, onipotência; e Shaddai é considerado por alguns como significando a mesma coisa, enquanto outros preferem a tradução de todo-suficiente ou autossuficiência. A combinação das duas palavras, em ambos os casos, implica atributos divinos, pois a onipotência e a total suficiência só podem ser encontradas em Deus. Estas duas palavras são usadas, por exemplo, na passagem: “Falou mais Deus a Moisés e disse: Eu Sou o SENHOR. E Eu apareci a Abraão, e a Isaque, e a Jacó, como o Deus Todo-Poderoso [El Shaddai]; mas pelo Meu nome, o SENHOR [Jeová] não lhes fui perfeitamente conhecido" (Êx 6:2-3). (Veja também Gênesis 28:3; 35:11, etc.) Quando a palavra “Todo-Poderoso” aparece sozinha em nossa tradução, ela geralmente representa Shaddai. Há uma bela combinação deste nome com o de Jeová em 2 Coríntios 6: "Eu vos receberei; e Eu serei para vós Pai, e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-poderoso". O Deus que era conhecido por Abraão como Shaddai, e por Israel como Jeová, era agora declarado como Pai naquele relacionamento íntimo e bendito no qual, em Sua preciosa graça, Ele havia levado Seu povo em associação com Cristo.
Pelo que já foi dito, será entendido que JEOVÁ é o nome que Deus tomou especialmente no Seu relacionamento sob o concerto com Israel. Como o leitor pode facilmente verificar, não é que a palavra não tenha sido usada antes de Deus comunicá-la a Moisés, mas agora foi empregada pela primeira vez em conexão com a nação escolhida. As seguintes observações podem ajudar nisso: “Em Gênesis 2 e 3 era de toda importância conectar Jeová, o Deus nacional de Israel, com o único Criador, Deus. Assim, em Êxodo 9:30, o Deus dos hebreus, cujo nome era Jeová, é declarado Elohim. Por outro lado, Jeová é um nome, Elohim, um ser; somente Jeová é Elohim, mas o primeiro é um nome pessoal" – o nome que Ele adotou em Suas tratativas e relacionamento com os homens, mas especialmente com Seu povo. A palavra significa Aquele que existe por si mesmo e, como alguém observou, é traduzida de forma prática: “Aquele que é, e que era, e que há de vir”. Derivada do verbo “existir”, expressa a eternidade e, consequentemente, a imutabilidade, de Seu Ser; e assim traz diante de nossa alma Aquele que é eternamente, que existiu antes de todos os tempos, perdura por todos os tempos e continua depois que todos os tempos passaram. Ele é, portanto, o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Último; e o uso dessas expressões (Ap 22:13) prova, além de qualquer contradição, que o Jesus do Novo é o Jeová do Velho Testamento.
El foi mencionado em conexão com Shaddai, e também é usado com ELION, sendo então traduzido como "Deus Altíssimo". Um exame dos vários lugares onde este nome é encontrado mostrará que é o “nome milenar de Deus acima de todos os deuses idólatras, e demônios, e de todo poder”. É neste caráter que se diz que Deus é “Possuidor dos céus e da Terra” (Gn 14:18-19). Por isso, Nabucodonosor deveria estar sob o julgamento de Deus até que soubesse “que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer"; e que esse fim foi cumprido é visto no fato de que, quando seu entendimento retornou, ele abençoou o Altíssimo, etc. (Dn 4:25-34). Balaão da mesma maneira usa esse título quando está prestes a falar da glória futura e supremacia de Israel entre as nações. No Salmo 91 é encontrado em conexão com Shaddai (o Todo-Poderoso). Diz: “Aquele que habita no lugar secreto do Altíssimo [Elion], habitará à sombra do Todo-Poderoso [Shaddai]” (Sl 91:1 – JND). No Salmo 47:2 é visto em combinação com Jeová; e é acrescentado: “Rei grande sobre toda a Terra”. Esses exemplos são interessantes porque provam que é Deus, o único Deus, quem Se revela aos homens sob esses diferentes nomes em distintos relacionamentos.
A maioria dos leitores das Escrituras está familiarizada com o termo ADONAI como outro nome divino. É traduzido em nossa versão como Senhor, mas geralmente é diferenciado de Jeová, que também é traduzido como SENHOR, pelo uso de letras maiúsculas e minúsculas. Ele significa, quanto à raiz da palavra, Mestre, Governante ou Possuidor; mas a forma Adonai é usada apenas para Deus, e d’Ele como Alguém que assumiu o poder e está no relacionamento de Senhor com aqueles que invocam Seu nome. É, portanto, especialmente aplicado a Cristo em Sua exaltação à direita de Deus. Isso pode ser visto em uma referência ao Salmo 110 e na citação que o Senhor faz dele ao confrontar com Seus adversários. "Disse o Senhor [Jeová] ao Meu Senhor [Adonai], Assenta-Te à Minha mão direita, até que ponha os Teus inimigos por escabelo dos Teus pés" (v. 1). Em Mateus 22, o Senhor aplica expressamente esta Escritura a Si mesmo, a Si mesmo como Cristo, o Messias (vs. 42-44), e a emprega para demonstrar que o Filho de Davi também era o Senhor de Davi, que, em uma palavra, Ele era a Raiz e também a Descendência de Davi. Em Gênesis 15:2 Abraão se dirige a Deus, não como dado na versão Almeida Corrigida, “Senhor JEOVÁ”, mas como Adonai Jeová. Este exemplo será suficiente para mostrar mais uma vez que todos estes nomes divinos são usados para o Deus Único, mesmo o de Adonai, que é especialmente reservado para Cristo em Sua exaltação nas alturas. (O caráter completo de Adonai de nosso bendito Senhor é apresentado em Filipenses 2:9-11).
Existem outros títulos divinos que bastarão mencionar para consideração do leitor. Nos livros poéticos, "JAH" é frequentemente empregado, e é esta palavra que está incorporada no termo Aleluia, ou "Louvado seja Jah". O seu significado não foi determinado; geralmente é considerado uma forma abreviada ou poética de Jeová. Depois, há as palavras que Deus usou ao enviar Moisés para a libertação de Seu povo; a primeira é dada como “EU SOU O QUE SOU”, e o segundo como “EU SOU”. Ambas são formas da mesma palavra, significando existência; a primeira é às vezes, e talvez com razão, traduzida, “Eu Serei o que Serei”. O pensamento expresso em ambas é semelhante ao significado de Jeová (e necessariamente vem do mesmo verbo) e fala de ser ou existência imutável. Há ainda outro termo, não em si mesmo, talvez um nome ou título divino, mas um que, a partir de sua aplicação frequente e especial a Deus, quase deve ser considerado assim. É ATTA HU (em hebraico), e é encontrado em frases como, Tu és Ele, etc. O equivalente é empregado em Hebreus 1, “Tu és o mesmo” (v. 12), que de fato é dado como a tradução de ATTA HU no Salmo 102:27. Esse termo também fala, como será imediatamente percebido, da imutabilidade de Deus, d’Aquele que sempre é e que é sempre imutável.
Não precisamos prosseguir no assunto, pois já foi dito o suficiente para apontar as várias maneiras pelas quais Deus Se agradou em Se revelar sob esses diferentes nomes. É uma marca de Sua ternura que Ele tenha feito isso, e proclama ao mesmo tempo Sua graça indescritível ao mostrar assim o que Ele é em Si mesmo ao Seu povo. Ele poderia ter Se escondido para sempre no sereno gozo da solidão de Sua própria existência autossuficiente; mas muito antes da fundação do mundo, na longínqua distância de uma eternidade passada, Ele nos escolheu em Cristo para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante d’Ele em amor. Antes, porém, que esses conselhos eternos fossem comunicados, o primeiro homem, Adão, foi trazido à cena; e depois que ele, o homem responsável, falhou, Deus continuou por quatro mil anos esperando pelo homem para ver se ele poderia produzir fruto para Ele. Seu teste do homem continuou até a cruz, e então, quando Deus demonstrou que o homem havia perdido tudo com base na responsabilidade, Ele revelou toda a graça que estava em Seu coração no “evangelho de Deus... acerca de Seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos, – Jesus Cristo, nosso Senhor”. N’Ele, como ainda podemos ver, Deus foi plenamente revelado; e Ele também é o Homem dos conselhos de Deus, e n’Ele todos os pensamentos do coração de Deus serão cumpridos. As revelações parciais do Velho Testamento já passaram antes, ou melhor, foram fundidos n’Aquele que é glorificado à direita de Deus, e isso é declarado no evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus.
Parte 2 – Chamarás Seu Nome JESUS
"Chamarás o Seu Nome JESUS" (Mt 1:21 – ACF)
“Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu Filho, nascido[1] de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4:4). E é sobre esse mistério, a base da redenção, que Mateus escreve neste capítulo. De fato, existem outras características do divino e santo Menino aqui mencionadas. Como este evangelho apresenta especialmente Cristo como o Messias nascido neste mundo, o cumprimento da premissa da nação Judaica, Sua linhagem, é traçada a partir das duas grandes raízes da promessa Judaica, Abraão e Davi. Portanto, não só Mateus O mostra a nós como “vindo” de uma mulher, e “vindo” sob a lei, mas também como a Semente prometida de Abraão, em Quem todas as nações da Terra seriam abençoadas, e como Filho de Davi, e, portanto, como herdeiro do trono e reino de Davi. Assim, é um capítulo em que as glórias divinas e humanas de nosso bendito Senhor são misturadas e exibidas. Por “misturado”, simplesmente queremos dizer que o caráter da Pessoa de Cristo é tal que tudo o que Ele é como Deus e como Homem é declarado em Seu nome e em Sua obra. Por exemplo, se pensarmos n’Ele como a geração de Davi, somos imediatamente lembrados de que Ele também é a Raiz de Davi, que o Filho de Davi também é o Senhor de Davi.
[1] N. do T.: A palavra na versão King James é “made (feito ou formado)” e sobre ela o autor escreve a seguinte nota: “’Vindo’ ou ‘nascido’ seria uma melhor tradução. A palavra usada significa o início da existência de qualquer coisa, ou tornar-se qualquer coisa, ou acontecer, etc”.
Isso será visto muito claramente por uma consideração do significado do nome Jesus, que José foi instruído a dar ao Menino quando Ele nascesse. Como pode ser visto em Hebreus 4:8, Jesus é a forma grega de Josué, ou Jehoshua, que significa “Jeová é salvação”, ou “cuja salvação é Jeová”. Há, portanto, ampla justificativa para a observação comum de que o nome Jesus significa Jeová, o Salvador. Se é assim, que assunto para contemplação, sim, e para adoração, é assim trazido diante de nossa alma! Uma Criança nascida no mundo, de origem humilde na concepção do homem, é declarada, divinamente declarada, como sendo Jeová, o Salvador! Sim, o Deus que ouviu o gemido de Seu povo Israel no Egito, que viu sua aflição, ouviu seu clamor por causa de seus exatores, conheceu suas tristezas e desceu para redimi-los do Egito, e para fazê-los subir daquela terra para uma terra boa e larga, para uma terra que mana leite e mel; Aquele que disse a Moisés: “Eu Sou o SENHOR [Jeová]. E Eu apareci a Abraão, a Isaque, e a Jacó, como o Deus Todo-Poderoso; mas pelo Meu nome, o SENHOR, não lhes fui perfeitamente conhecido” (Êx 3:6-8, 6:2-3). Foi Ele, o mesmo Deus, o mesmo Jeová, o El Shaddai conhecido pelos patriarcas, que agora veio a este mundo como um Bebê. Mas como um Bebê, Ele veio, bendito seja Seu nome para sempre, como o Salvador de Seu povo. Certamente podemos dizer que as sombras estavam se afastando, e que as trevas que até então escondiam Deus de Seu povo, estavam desaparecendo rapidamente. Era de fato a bendita aurora do dia da graça.
No momento em que falamos do nascimento de Jeová, o Salvador, o mistério da encarnação prende nossa atenção. Há muito tempo foi predito e, longe de ser velado sob linguagem duvidosa, foi exata e minuciosamente descrito, para que Mateus pudesse escrever: “Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor, pelo profeta, que diz: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um Filho, e Ele será chamado pelo nome de EMANUEL. (EMANUEL traduzido é: Deus conosco)”. Até mesmo o próprio lugar de Seu nascimento havia sido predito: “E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre milhares de Judá, de ti me sairá o que será Senhor em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5:2). Além disso, a natureza santa de Sua Humanidade não era de forma alguma obscurecida pela figura de oferta de manjares, especialmente nos bolos asmos de flor de farinha de trigo amassados com azeite, dizendo, como fez a verdade comunicada a Maria pelo anjo: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lc 1:35). É o milagre dos milagres e, por essa mesma razão, a revelação do coração de Deus, quando olhado para trás à luz do propósito de Sua vinda entre os homens pecadores.
Antes de entrar no propósito de Seu advento, pode ser proveitoso nos deter em algumas das circunstâncias de Seu nascimento. Havia na época o maior contraste imaginável entre o céu e a Terra. Todo o céu (e que maravilha!) estava agitado e em movimento, mas toda a Terra, exceto algumas almas piedosas, estava quieta e quase sem expectativa. O anjo do Senhor apressou-se em seu alegre caminho para informar, não os poderes governantes ou os grandes da Terra, mas alguns pastores piedosos sobre o maravilhoso acontecimento: “Não temais” ele lhes disse: “porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo, pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. O anjo de Jeová não estava sozinho, pois assim que anunciou as boas novas, uma multidão dos exércitos celestiais louvou a Deus e disse: “Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade [ou “prazer”, ou “deleite”] para com os [em] homens”. Como foi dito de forma impressionante: “Deus Se manifestou de tal forma pelo nascimento de Jesus, que os exércitos do céu, há muito familiarizados com Seu poder, puderam levantar seu coro... e cada voz se une para soar esses louvores. Que amor há como este amor? E Deus é amor. Que pensamento puramente divino de que Deus Se tornou Homem”. E, no entanto, esse estupendo evento não tinha nada para atrair a observação dos homens. Ocupados com seus próprios pensamentos e objetivos, eles nem perceberam, embora isso ocorresse no meio deles, e eles estavam tão absortos em seus próprios interesses, que não havia espaço para o Menino Salvador na estalagem! Tais são os homens, embora entre eles estivessem os objetos dos eternos conselhos de Deus em graça, que Ele estava prestes a realizar por meio d’Aquele que, enquanto Criador de todas as coisas, ainda nasceu no mundo como alguém estranho e sem lar!
O nome Jesus foi dado em conexão com Sua obra; “porque”, foi acrescentado: “Ele salvará o Seu povo dos seus pecados”. O termo “Seu povo”, neste evangelho, sem dúvida, significa Israel, e, de fato, no anúncio angélico aos pastores em Lucas, diz que as boas novas de grande alegria eram para todo o povo, isto é, para os Judeus. Não que o objetivo da vinda do Senhor ao mundo seja, em ambos os casos, limitado ao povo escolhido, mas nessas passagens só eles estão em vista. O aspecto mais amplo é afirmado por João quando, em alusão à profecia de Caifás de que “Jesus morreria por aquela nação”, ele acrescenta: “E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos”. Além disso, isso deixa claro que a morte de Cristo – Sua obra consumada que Ele realizou em e por meio de Sua morte – é o único fundamento sobre o qual Ele salvará Seu povo de seus pecados. Lemos assim em Levítico 16, após os detalhes dados a respeito das obrigações e sacrifícios, juntamente com a confissão dos pecados dos povos pelo sumo sacerdote no grande dia da expiação: “Porque, naquele dia, se fará expiação por vós, para purificar-vos; e sereis purificados de todos os vossos pecados, perante o SENHOR” (v 30). Nunca poderemos enfatizar de forma suficiente essa verdade fundamental, pois, como está escrito sobre os pecados na antiga dispensação: “Sem derramamento de sangue não há remissão”, então agora é igualmente verdade que somente o sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus, purifica de todo pecado.
Quando, portanto, o anjo disse: “Ele salvará Seu povo de seus pecados”, ele olhou para frente, ou pelo menos a mente do Espírito tinha em mente as palavras, para um tempo além da cruz. Pois Israel não poderia ser salvo, como os profetas testificaram claramente, sem o arrependimento e a eficácia da expiação. Simeão, quando desfrutou do indescritível privilégio de segurar o Cristo do Senhor em seus braços, claramente predisse também que a glória do povo de Jeová, Israel, seria alcançada por meio da rejeição do santo Bebê em Sua apresentação ao povo. Os sofrimentos de Cristo devem preceder Suas glórias, seja no céu ou na Terra, assim como Ele mesmo disse aos dois discípulos a caminho de Emaús: “Porventura, não convinha que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na Sua glória?”. Foi esse fato que testou o coração dos homens e provocou sua total inimizade. Se eles pudessem ter tomado Jesus à força e feito d’Ele um Rei, e se Ele tivesse Se colocado à frente deles e os conduzido, todos carnais como eram, contra seus inimigos e os libertado por Seu poder, eles o teriam saudado de bom grado como seu Messias, mesmo que eles tivessem imediatamente se rebelado contra Sua autoridade. Mas Aquele que veio como Jeová, o Salvador, teve primeiro que intervir e reparar a brecha que os pecados de Seu povo fizeram entre eles e seu Deus. E Ele assumiu tão plenamente a causa e a responsabilidade deles, que, estando no lugar deles, Ele clamou: “Tu, ó Deus, bem conheces a Minha insipiência; e os Meus pecados não Te são encobertos” (Sl 69:5). Bendito Senhor, não podemos entender Tua tristeza e pesar, mas podemos Te agradecer por teres feito Teus os pecados do Teu povo e tê-los levado para sempre.
Considerando então essa passagem em sua aplicação a Israel, ela se referirá à salvação do povo terrenal de seus pecados – de seus pecados e consequências – e à sua restauração e bênção num dia futuro na terra da promessa. Isso é, de fato, em um aspecto aquilo que Zacarias profetizou quando sua língua foi solta na circuncisão de seu filho: “Bendito o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e remiu o Seu povo! E nos levantou uma salvação poderosa na casa de Davi, Seu servo... para nos livrar dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos aborrecem... de conceder-nos que, libertados das mãos de nossos inimigos, O servíssemos sem temor, em santidade e justiça perante Ele, todos os dias da nossa vida” (Lc 1:68-75). Primeiro, então, Jesus salvará Seu povo de seus pecados diante de Deus, pois uma parte do novo concerto diz: “porque perdoarei a sua maldade e nunca mais Me lembrarei dos seus pecados” (Jr 31:34), e, além disso, Ele os salvará das consequências de seus pecados ao livrá-los das mãos de seus inimigos, ao reuni-los de todas as terras onde foram espalhados e ao estabelecê-los em sua própria terra em bênção sob Seu próprio reinado pacífico e glorioso. Tudo isso teria sido cumprido para eles de uma só vez, se tivessem recebido seu Messias, e mesmo depois de tê-Lo crucificado, se eles tivessem reconhecido sua culpa e se curvado de coração ao testemunho dos apóstolos, seus pecados teriam sido apagados, e os tempos de refrigério teriam vindo da presença do Senhor em conexão com o retorno de Cristo (At 3), mas, ai! Por sua incredulidade, eles perderam todas essas bênçãos, e agora eles têm que esperar até que, forjados pelo Espírito de Deus, eles clamarão de coração com alegria: “Bendito O que vem em nome do SENHOR”.
Ainda assim, amado leitor, embora seja verdade que essa promessa se refere principalmente a Israel, não se esqueça de que a mesma obra gloriosa, que constitui o fundamento sobre o qual seus pecados serão removidos, é o único fundamento sobre o qual qualquer um de nós pode conhecer o perdão. Por meio da queda de Israel, a salvação chegou aos gentios, e é por isso que o apóstolo pôde escrever aos coríntios, que lhe foi entregue “que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que Ele foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”. Assim, então, podemos louvar a Deus continuamente por Sua maravilhosa graça que aproveitou a ocasião por meio da incredulidade de Israel para revelar todos os Seus propósitos a respeito daqueles que deveriam ser herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo; e também que nosso coração se encha de gratidão pela menção do nome de Jesus, pois Ele é quem garantiu tudo para nós.
“Nome de Jesus! Nome mais elevado!
Nome que a Terra e o céu adoram!
Do coração de Deus veio,
Leva-me ao coração de Deus mais uma vez.
“Apenas Jesus! Nome mais belo,
Vida, e descanso, e paz, e bem-aventurança;
Jesus é sempre o mesmo,
Ele é meu, e eu sou d’Ele.”
Parte 3 – Ele Será Chamado pelo Nome de Emanuel
“Ele será chamado pelo nome de Emanuel” (Mt 1:23)
Já foi indicado que o nascimento de Jesus em Belém foi em cumprimento dessa profecia. Não que o nascimento em si contivesse seu cumprimento, era antes seu penhor e garantia. O significado do nome, como divinamente interpretado, é “Deus conosco”, e isso nos permite ver que Ele aguarda todas as consequências para Israel da introdução de seu Messias neste mundo; que, em outras palavras, o nome Emanuel de nosso bendito Senhor só será entendido em conexão com o estabelecimento de Seu trono glorioso na Terra, quando Ele fizer valer tudo o que Deus é no governo, e quando, com Seu povo, “O Seu nome permanecerá eternamente; o Seu nome se irá propagando de pais para filhos, enquanto o Sol durar; e os homens serão abençoados n’Ele; todas as nações Lhe chamarão Bem-aventurado” (Sl 72:17). Isso traz consigo, portanto, o proveito de Sua morte por “aquela nação” e a promessa de Sua presença pessoal com Seu povo terrenal. É desse tempo que o profeta fala quando diz: “Exulta e canta de gozo, ó habitante de Sião, porque grande é o Santo de Israel no meio de ti” (Is 12:6).
Uma referência à profecia em si, juntamente com seu contexto, tornará isso abundantemente evidente. Acaz, pai de Ezequias, estava naquele tempo no trono de Judá. Ele “não fez o que era reto aos olhos do SENHOR, seu Deus, como Davi, seu pai. Porque andou no caminho dos reis de Israel e até a seu filho fez passar pelo fogo, segundo as abominações dos gentios, que o SENHOR lançara fora de diante dos filhos de Israel” (2 Rs 16:2-3). No entanto, apesar de sua maldade e apostasia, Deus ainda esperou com muita longanimidade e se absteve de lidar com Seu servo culpado. Sim, em vez disso, quando Efraim e a Síria entraram em uma confederação contra a casa de Davi e subiram para sitiar Jerusalém, Jeová enviou Seu servo Isaías com uma mensagem de encorajamento, assegurando a Acaz que os desígnios de seus inimigos não prosperariam. O profeta acrescentou, ao mesmo tempo, a palavra de advertência: “se o não crerdes, certamente, não ficareis firmes”. Acaz poderia ser libertado do perigo presente, mas a menos que ele se voltasse e permanecesse firme na palavra do Senhor, ele não deveria escapar de seu castigo merecido. (Veja 2 Crônicas 28).
Mais uma vez, o Senhor procurou, em Sua terna misericórdia, alcançar o coração e a consciência do rei ofensor. Deus permitiria se Acaz o pedisse, para dar-lhe “um sinal, embaixo nas profundezas ou em cima nas alturas” (Is 7:11), para certificá-lo do cumprimento seguro de Sua Palavra. O coração de Acaz havia se voltado para falsos deuses e, assim endurecido, ele recusou, embora sob o pretexto de piedade, a intervenção oferecida, dizendo: “Não o pedirei, nem tentarei ao SENHOR”. O Perscrutador de corações não seria enganado e, depois de uma solene advertência, o profeta anunciou que o próprio Senhor daria um sinal. “eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um Filho, e será o Seu nome Emanuel”. É nisso que se revela a profundidade das riquezas, tanto da sabedoria quanto do conhecimento de Deus. A casa de Davi pode falhar em sua responsabilidade, como fizeram gravemente, e perder tudo; mas, nisso, Deus, agindo de Seu próprio coração e de acordo com Seus propósitos, poderia intervir e, por meio do advento de Jeová, o Salvador – por meio de Sua rejeição, morte e ressurreição – cumprir todos os conselhos de Sua graça. O nascimento de Emanuel mudaria tudo. Aqueles que fossem falsos quanto ao seu encargo seriam punidos como Acaz, mas Emanuel asseguraria tudo e vindicaria e glorificaria o nome de Deus no governo sobre a Terra.
Mas permanece um longo e cansativo caminho para Israel, por causa de sua incredulidade, entre o nascimento de Emanuel e a glória do reino. Isso foi claramente predito pelo profeta em conexão com a própria profecia em questão. O leitor cuidadoso observará que a primeira invasão da terra pelos assírios, trazendo total desolação em seu irrestrito sucesso (Is 7:17), apenas sombreia outro ataque nos últimos dias, quando ele e seus confederados são totalmente quebrados em pedaços. Eles podem tomar aconselho juntos, mas isso dará em nada; eles podem falar a palavra, mas ela não permanecerá, pois “Deus é conosco” (Emanuel). Antes desse tempo – a destruição final do inimigo de Israel – Aquele que é nascido da virgem, e chamado Emanuel, é visto em rejeição. A transição para isso é extremamente bonita. O profeta foi instruído pelo Senhor “que não andasse pelo caminho deste povo, dizendo: Não chameis conjuração a tudo quanto este povo chama conjuração; e não temais o seu temor, nem tampouco vos assombreis. Ao SENHOR dos Exércitos, a Ele santificai; e seja Ele o vosso temor, e seja Ele o vosso assombro” (Is 8:11-13). Mas isso instantaneamente traz separação, distinguindo um remanescente da massa do povo. Assim, lemos: “Então, Ele vos será santuário” (para todos aqueles que O santificam e temem); “mas servirá de pedra de tropeço e de rocha de escândalo às duas casas de Israel; de laço e rede, aos moradores de Jerusalém”. Como de fato Simeão profetizou: “Eis que Este é posto para queda e elevação de muitos em Israel e para sinal que é contraditado... para que se manifestem os pensamentos de muitos corações”.
Emanuel veio. O Santuário daqueles que esperaram por Ele, Ele é o verdadeiro Centro em torno do Qual Seu povo está reunido; e aqui, pela primeira vez, Ele mesmo fala e os chama de “Meus discípulos”. E Ele os nomeia assim em conexão com “o testemunho”, e afirma claramente que a verdade daquele dia, tanto a lei quanto o testemunho, é confiada e confinada ao remanescente, agora Seus discípulos. Foi assim também no dia da rejeição de Davi. Na caverna de Adulão, quando todos os que estavam em aperto, e todos os que estavam endividados, e todos os que estavam descontentes, se reuniram a ele, e ele se fez chefe deles, descobrimos que o profeta Gade também estava lá; e imediatamente depois de Abiatar, o sacerdote, ser levado para o mesmo grupo, que agora possuía todas as formas do testemunho de Deus nas pessoas do rei, do profeta e do sacerdote. Da mesma forma, Ana, a profetisa, estava com os poucos que esperavam a redenção em Jerusalém. Deve ser sempre assim, que aqueles que estão em separação do mal, e estão em comunhão com a mente de Deus a respeito de Seu Cristo, e sobre o estado das coisas ao seu redor, devem ser os depositários do testemunho para os tempos em que estão vivendo. A razão é que o próprio Cristo está com eles. Ele ama todo o Seu povo, mas Ele apenas Se identifica com o remanescente separado, como no versículo 18 de Isaías 8. Que aqui e ali muita verdade pode ser encontrada fora do remanescente é inquestionável; mas somente com o remanescente será visto o ensinamento especial de Deus para o momento, ou a verdade mantida e apresentada em suas devidas proporções. O testemunho será ligado, e a lei será selada, entre os discípulos do Senhor num dia mau, porque, como já foi dito, Ele mesmo está no meio deles.
O estado de coisas no momento em que Isaías fala é revelado nos versículos a seguir, e que seja lembrado novamente que é o próprio Cristo Quem fala. Ele disse, “E esperarei o SENHOR, que esconde o rosto da casa de Jacó, e a Ele aguardarei. Eis-Me aqui, com os filhos que Me deu o SENHOR, como sinais e maravilhas em Israel da parte do SENHOR dos Exércitos, que habita no monte de Sião” (Is 8:17-18). Na epístola aos Hebreus, partes desses dois versículos são citadas, para mostrar a completa identificação do Senhor como Homem com Seu povo, com o verdadeiro remanescente reunido dentre a nação Judaica (cap. 2:13), e isso como uma preparação para o objetivo de Sua morte, a saber, para que “aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo, e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão”. Mas não prosseguiremos nessas circunstâncias interessantes além de chamar a atenção para o fato maravilhoso de que Aquele que estava assim em relação a Deus em perfeita dependência como Homem e, portanto, esperando em Jeová, e em relação aos homens Ele era desprezado e rejeitado, era ao mesmo tempo não menos do que o Emanuel da profecia de Isaías, e que, neste caminho de rejeição, Ele estava experimentando alguns daqueles sofrimentos que devem preceder Suas glórias.
No capítulo 9, o povo que anda nas trevas vê uma grande luz, “e sobre os que habitavam na região da sombra de morte resplandeceu a luz”. Para o cumprimento desta gloriosa profecia, Mateus registra que Jesus deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica à beira-mar, nas fronteiras de Zebulom e Naftali (veja Isaías 9:1). No momento em que Isaías proclama o aparecimento do Messias como luz no meio das trevas, ele contempla todas as suas consequências nos resultados da libertação que o Messias fará nos últimos dias. O jugo da Assíria sendo quebrado, todo o brilho da glória da Pessoa divina do Messias brilha na bênção de Seu povo. E toda essa bênção está ligada ao nascimento de Cristo neste mundo. “Porque”, diz o profeta, “um Menino nos nasceu, um Filho se nos deu; e o principado está sobre os Seus ombros; e o Seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”. Todos esses nomes são dados em conexão com Seu reino neste mundo, pois o profeta prossegue: “Do incremento deste principado e da paz, não haverá fim, sobre o trono de Davi e no Seu reino, para o firmar e o fortificar em juízo e em justiça, desde agora e para sempre” (Is 9:6-7).
É evidente, portanto, que Emanuel, “Deus conosco”, é o nome pertencente ao nosso bendito Senhor em conexão com o povo terrenal, e que eles não entrarão em seu pleno e bendito significado até que Ele tenha tomado Seu grande poder, quando Ele reinará no monte Sião, e em Jerusalém, e gloriosamente, diante de Seus antepassados.
Quem é, então, Emanuel? Seu nascimento é predito em Isaías 7:14 e, depois de detalhar as circunstâncias de Sua rejeição no capítulo seguinte, o profeta prediz o estabelecimento de Seu reino no capítulo 9. Juntamente com isso, ele aproveita a ocasião, em uma passagem já citada, para apresentar uma série de títulos, ou nomes, que expressam o caráter infinito e divino da Pessoa de Emanuel. Vamos repassá-los brevemente. O primeiro é “Maravilhoso”, uma palavra usada muitas vezes para aquilo que causa espanto ou admiração. Às vezes, é empregado para indicar um milagre, e nada desperta tanto a atenção quanto uma demonstração milagrosa de poder. E que milagre é tão grande quanto o da encarnação? O que poderia produzir tal maravilha como o fato de Emanuel ter nascido de uma virgem? Então Ele é chamado de “Conselheiro”. A sabedoria divina é indicada por esta palavra, como, por exemplo, onde diz: “E repousará sobre Ele o Espírito do SENHOR, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do SENHOR” (Is 11:2). A designação “Deus Forte” proclama seu próprio significado, pois não poderia haver uma declaração mais distinta de Sua Divindade, nem o seguinte termo, “Pai da Eternidade”, fala menos claramente, na medida em que estabelece a eternidade de Seu Ser. Finalmente, Ele é o “Príncipe da Paz”, um título que indica o caráter de Salomão de Seu reinado, tão admiravelmente descrito no Salmo 72.
Pode ser permitido a nós, em conclusão, perguntar por que um número tão grande de nomes deve ser combinado. Certamente, a resposta é que somente pela contemplação dos raios da glória de Emanuel separada e individualmente que qualquer concepção pode ser formada da verdade de Sua Pessoa. Seja como for que Ele possa ser apresentado, em qualquer aspecto ou relacionamento, tudo o que Ele é encontra-se lá sob o específico aspecto, e somos lembrados disso por passagens como a que está sendo considerada. É de fato um dos erros fatais destes dias modernos tomar alguma característica da vida ou Pessoa de nosso bendito Senhor e considerá-la como toda a verdade. Ele é a Palavra viva, e é somente em tudo o que fala d’Ele que Ele pode ser totalmente descoberto; e é por causa de nossa fraqueza que o Espírito de Deus chama nossa atenção ora para um aspecto, ora para outro, ora para uma característica, ou traço ou atributo de Sua Pessoa, e ora para outro. Mas Ele ainda está além de todos os nossos pensamentos, vendo que Ele é divino, “verdadeiro Deus e verdadeiro Homem”, e, portanto, está escrito: “Ninguém conhece o Filho, senão o Pai”.
Parte 4 – Como Unguento Derramado é o Teu Nome
“Como unguento derramado é o Teu nome” (Ct 1:3)
Nesta linguagem é retratada a preciosidade de Cristo (como o Noivo) para a noiva. Isso será imediatamente percebido se o contexto for examinado. “Beije-me Ele”, clama a noiva, “com os beijos de Sua boca; pois, [e agora dirigindo-se diretamente a Ele] Teu amor é melhor do que vinho” (Ct 1:2). Não é tanto o amor em si, mas o gozo do amor, do qual ela fala, e é isso que é “melhor do que o vinho”. Todo coração renovado responderá a essa declaração, pois, embora o amor de Cristo esteja sempre além de todos os nossos pensamentos, infinito e indizível, é apenas à medida que o desfrutamos que, em qualquer medida, entramos nele ou o apreciamos. Mas quando o coração se expande no poder do Espírito para suas influências e constrangimentos benditos, quando ele se abre sem impedir o fluxo de suas poderosas marés, então a alma aprende experimentalmente o caráter maravilhoso do amor de Cristo que excede o entendimento. Outra coisa é igualmente verdadeira; quanto mais provamos do amor de Cristo, mais desejamos dele. Cada experiência gera um anseio ardente por uma medida maior. Assim, se a noiva não conhecesse anteriormente algo do afeto do noivo, ela nunca teria expressado esse desejo apaixonado.
Além disso, é por meio do coração que todo o conhecimento divino é recebido, e, assim, como aqui, a noiva passa da expressão de sua estimativa do gozo do amor do noivo, para uma declaração do efeito de suas excelências e perfeições. O coração dela apreende, por meio do gozo do amor do noivo, o cheiro dos seus “bons unguentos”. Ainda assim, pode-se observar, o que alguém disse, que “por mais fortes que sejam as afeições da noiva, elas não se expandem de acordo com a posição em que as afeições Cristãs, propriamente ditas, são formadas. Elas diferem a esse respeito. Tais afeições não possuem o profundo repouso e doçura de uma afeição que flui de uma relação já formada, conhecida e plenamente apreciada, cujos laços são formados e reconhecidos, que conta com o pleno e constante reconhecimento do relacionamento, e que cada parte desfruta, como uma coisa certa, no coração da outra. O desejo de alguém que ama e está buscando as afeições do objeto amado, não é a afeição doce, completa e estabelecida da esposa, com quem o casamento formou uma união indissolúvel. Para o primeiro caso, o relacionamento é apenas em desejo, a consequência do estado do coração; para o segundo, o estado do coração é a consequência do relacionamento”.
A distinção deve ser bem ponderada e apreendida, pois contém a chave para a interpretação do “Cântico dos cânticos”. Mas ainda é verdade, seja no coração da noiva ou no do Cristão, que o amor é o meio, a capacidade para o conhecimento divino, que, em uma palavra, aquele que mais ama mais sabe. Veja 1 Co 8:1-3; Ef 1:18 – “sendo iluminados os olhos do vosso coração” (AIBB) [“coração” (cf. JND) em vez de “entendimento” (ARC e ACF)]. Maria Madalena é uma ilustração impressionante desse ponto. Pedro e João tinham mais luz do que ela, pois eles (ou certamente João) viram que o sepulcro estava vazio e creram, enquanto ela estava em total escuridão quanto à ressurreição. E, no entanto, foi a Maria que o Senhor Se revelou. Os dois discípulos, tendo se convencido de que o sepulcro estava despojado de sua presa (e João, pelo menos, crendo que o Senhor havia ressuscitado Vitorioso sobre a morte), “tornaram, pois... para casa”. Mas Maria ficou do lado de fora do sepulcro chorando. Envolvida, na intensidade de sua afeição com seu Objeto, ela estava enraizada no local; tendo perdido Cristo, ela havia perdido tudo, e todo o mundo seria apenas um sepulcro para ela se Cristo não estivesse vivo. O estado de seu coração estava certo, embora seu entendimento espiritual não fosse esclarecido; e, por isso, foi que o Senhor pôde vir e Se revelar a ela, e torná-la a alegre mensageira das benditas novas de que dali em diante Ele associou Seus irmãos a Si no céu, diante de Seu Pai e Deus, em Seu próprio lugar e relacionamento.
Se o leitor entendeu os princípios divinos que foram enunciados, ele entenderá facilmente a linguagem da noiva, que agora deve ser considerada. “Para cheirar são bons os teus unguentos”, diz ela, “unguento derramado é o teu nome” (KJV). Os “bons unguentos” representarão para nós a bendita fragrância de Suas excelentes perfeições, como vistas em Sua vida, em Seus atos de ternura e graça, bem como em Suas palavras, e em Sua caminhada de inteira dependência e obediência diante de Deus em Seu caminho ao longo deste mundo. Eles serão, sem dúvida, apreendidos e desfrutados na intimidade de Sua própria presença, em Seus relacionamentos manifestos com a alma, em Seus caminhos e relações pessoais. A noiva, de fato, não poderia ter conhecido o cheiro de Seus bons unguentos de nenhuma outra maneira. E é sempre verdade que quanto mais próximos estamos de Cristo, mais plenamente entramos na experiência do discípulo amado, que foi admitido na intimidade de repousar sobre o peito do Senhor, e mais clara será nossa percepção de Sua beleza e graça. Podemos ficar muito impressionados com o relato e o testemunho, mesmo quando à distância, como a rainha de Sabá; mas é somente quando, como ela, ouvimos e vemos por nós mesmos, que nos perdemos em adoração na presença da fragrância dos bons unguentos. Se, portanto, quisermos ser absorvidos pela percepção de Suas graças e belezas, devemos prosseguir com os dois discípulos, indo em frente por Suas atrações, para o lugar onde Ele habita. Tendo parte com Ele lá, o aroma de Suas excelências constituirá a alegria e regozijo perpétuos da alma.
Antes de prosseguir, deve-se notar que o cheiro suave da vida de Cristo, como pode ser extraído de Levítico 2, era antes de tudo e principalmente para Deus. Os sacerdotes podiam comer da flor de farinha misturada com azeite, da qual a oferta de manjares era composta, mas todo o incenso deveria ser queimado com uma parte da oferta sobre o altar, para ser uma oferta queimada, de cheiro suave ao Senhor. Quão abençoado é conhecer isso! Se não houvesse uma única alma na face da Terra para deleitar-se com o cheiro dos bons unguentos de Cristo, Sua vida não teria sido em vão, na medida em que trouxe glória a Deus e encheu Seu coração de gozo infinito. Não! Nosso bendito Senhor não poderia ter desperdiçado Sua doçura no ar do deserto, porque havia Alguém cujos olhos sempre repousavam sobre Ele com indescritível complacência, observando com gozo a perfeição de cada pensamento, ato, palavra e passo Seus. Foi isso que fez brotar do coração transbordante de Deus as palavras: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo”. E quanto mais Cristo era testado – e Ele foi testado de todas as maneiras, mesmo pelo fogo sagrado do próprio altar – mais abundantemente Seu cheiro suave fluía para gratificar o coração de Seu Deus. Chamamos a atenção para isso, porque se a noiva é, se nós mesmos somos, permitidos a participar do gozo do cheiro suave de Sua vida, para nos alimentar das perfeições de toda a Sua devoção à glória de Seu Deus, é apenas porque Deus primeiro teve Sua porção, e porque Ele, em Sua graça inefável, nos chamou para compartilhar de Seus próprios prazeres no caminho e na Pessoa de Seu Filho amado.
Observe também que é por meio do cheiro dos bons unguentos que Seu nome, a revelação de tudo o que Ele é, é espalhado por toda a parte, como o cheiro de unguento derramado. Desta forma, como expresso no hino:
“Como fragrância na brisa, Seu nome está espalhado por toda a parte”.
Ilustrações disso abundam nos evangelhos. “E percorria Jesus toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas, e pregando o evangelho do Reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo. E a Sua fama correu por toda a Síria”. Como lemos em outro lugar: “E, levantando-Se dali, foi para os territórios de Tiro e de Sidom. E, entrando numa casa, queria que ninguém o soubesse, mas não pôde esconder-Se”. Não, bendito Senhor, o cheiro de Teus bons unguentos se espalhou por toda parte, tornando-Te conhecido em todos os lugares, de modo que Teu nome se tornou como o cheiro suave de unguento derramado a todos os que estavam sobrecarregados de angústia e tristeza, às almas cansadas e necessitadas entre Teu povo.
Este é, sem dúvida, apenas um lado desta preciosa verdade, pois o que nossa passagem traz diante de nós é antes o fascínio da alma com a preciosidade de Cristo por meio da apreensão de Suas várias excelências, conforme demonstradas em Si e em Seus caminhos. Ainda assim, é sempre por meio de nossas necessidades que primeiro chegamos a Cristo e aprendemos o que Ele é em Seu amor e graça. Então, quando nossas necessidades têm sido atendidas e satisfeitas, estaremos à vontade, livres de nós mesmos e livres em Sua presença, para contemplar Ele mesmo. O cheiro de Seus bons unguentos, de fato, dificilmente penetra na alma com seu alegre refrigério até que todas as questões que nos afetam e nosso relacionamento com Deus tenham sido resolvidas. Em casos raros, o próprio Cristo pode ser conhecido no início da vida espiritual, mas, em geral, é uma consciência perturbada que deve ser apaziguada, por meio da eficácia do sangue de Cristo, antes de sermos livres para sondar Suas gloriosas perfeições. Então, enquanto estas surpreendem e despertam o deleite da alma, Seu nome, mesmo a própria menção dele, encherá nosso coração com a sensação de sua doçura e fragrância, e produzirá tais emoções que só podem ser expressas em adoração aos Seus pés.
Outra coisa deve ser mencionada. O cheiro dos bons unguentos de Cristo pode fluir por meio da vida santa de Seu povo. Cada traço, cada perfeição exibida por Ele em Sua caminhada por este mundo, pode ser reproduzida naqueles que são Seus. Veja, por exemplo, os preceitos e exortações das epístolas. Cada um deles foi perfeitamente exemplificado em Cristo, e a menos que isso seja lembrado, para que eles possam ser associados a Ele como a Palavra viva, eles se tornarão obrigações duras e legalistas. Cristo em nós, Cristo nossa vida, conforme estabelecido em Colossenses, deve ser seguido pela exibição de Cristo por meio de nós, no poder do Espírito Santo. Para isso, precisamos estar muito em Sua companhia, pois quanto mais estivermos com Ele e ocupados com Ele, mais seremos transformados à Sua semelhança, e mais certamente o cheiro de Seus bons unguentos será espalhado por toda a parte. E este será um poderoso testemunho do que Ele é, pois neste caso Seu nome será, por meio de nós, como unguento derramado; o cheiro suave do nome de Cristo fluirá de nossa caminhada, bem como de nossas palavras. O apóstolo Paulo usa as mesmas palavras ao falar de sua pregação, quando diz: “Porque para Deus somos o bom cheiro de Cristo”; e em um capítulo subsequente (2 Co 4) ele aponta que o testemunho está conectado com a vida, bem como com os lábios. Ao meditarmos sobre isso, podemos dizer: Que privilégio! Que missão, ser enviado ao mundo para tornar conhecido o cheiro dos bons unguentos de Cristo, para que Seu nome possa, por meio de nós, ser como unguento derramado!
O efeito disso ainda não foi notado; “Por isso, as virgens Te amam”. O cheiro do nome de Jesus atrai o coração das virgens – observe que não de todo o povo de Deus, mas apenas o das virgens. Um pensamento muito distinto está conectado na Escritura com a virgem. É caráter, caráter moral, falando da ausência de contaminação, da não contaminação com as influências poluidoras do mundo (veja Apocalipse 14:4). As virgens, portanto, permanecem nessa passagem como aqueles que foram capacitados, pela graça, a manter uma santa separação das contaminações da cena pela qual estão passando, aqueles cujo coração foi mantido fiel a Cristo e guardado em lealdade a Ele pela percepção de Suas reivindicações e de Seu amor. Um coração possuído por Cristo é fortalecido contra os atrativos mais sedutores do mundo. A afeição que absorve é o que sempre distingue a virgem; e essa afeição é sempre intensificada e aprofundada a cada nova descoberta da perfeição de Cristo. Em outras palavras, aqueles que participam do caráter virginal sempre respondem à revelação da preciosidade de Cristo. Sendo Ele o único Objeto do coração, eles estão na condição de alma para entrar e desfrutar de Suas belezas. Eles detectarão a Sua presença, o bendito cheiro de Suas palavras e Seus atos, enquanto outros não observarão nada. Eles vivem em Sua presença, são totalmente para Ele, e, portanto, é o deleite de Cristo revelar-Se a eles de maneiras tão atraentes que aumentam e provocam suas afeições por Ele mesmo.
Segue-se do que foi dito que o estado de nossa alma pode ser discernido pelo efeito que o nome de Jesus produz sobre nós. Se nosso coração é descuidado e insensível quando Ele é o assunto da conversa ou apresentação, não podemos estar em comunhão com o coração de Deus. Ora, até mesmo o nome de um objeto amado na Terra produzirá emoções prazerosas. Quanto mais o nome de Cristo, o Objeto do coração de Deus – e também do nosso se o conhecemos – deveria despertar em nós santos sentimentos de deleite, que só podem ser expressos em louvor e adoração!
E. Dennett
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