Os Evangelistas - Parte 19/22 (João 17)
- J. G. Bellett (1795-1864)
- há 6 dias
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ÍNDICE
Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos
J. G. Bellett
Parte 19
João 17
Depois de confortá-los assim com o conhecimento de sua posição, como a família do Pai, e, de certa forma, fazer graciosas compensações a eles por Sua própria ausência deles “segundo a carne”, e o ódio que eles deveriam sofrer do mundo, o Senhor novamente manifesta, neste capítulo, um de Seus serviços sacerdotais, como Ele havia feito em João 13. Mas os serviços são diferentes; no entanto, ambos juntamente constituem uma apresentação completa de Seus caminhos como nosso Advogado no templo celestial. No capítulo 13, Ele havia, por assim dizer, colocado uma mão sobre os pés contaminados de Seus santos, aqui Ele coloca a outra mão sobre o trono do Pai – formando, assim, uma cadeia de obra maravilhosa que vai de Deus aos pecadores. No capítulo 13, Seu corpo estava cingido, e Ele estava se abaixando em direção aos nossos pés – aqui, Seus olhos estão levantados, e Ele está olhando para o rosto do Pai. O que nos é pedido, por Aquele que assim preenche toda a distância entre o trono brilhante de Deus e nossos pés contaminados, pode ser negado? Tudo deve ser concedido – tal Pessoa é sempre ouvida.
Assim temos a suficiência e aceitação do Advogado; e podemos observar a ordem em que Ele faz Seus pedidos e apresenta Suas reivindicações diante do Pai.
Primeiro – Ele faz um pedido em favor da própria glória do Pai. “Pai, é chegada a hora; glorifica a Teu Filho, para que também o Teu Filho Te glorifique a Ti”. Seu primeiro pensamento estava voltado aos interesses do Pai; assim como Ele havia ensinado anteriormente Seus discípulos que, antes de apresentarem seus próprios desejos e necessidades, dissessem: “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o Teu nome”.
O Senhor coloca a vida eterna na mão do Pai; dizendo: “Assim como Lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos Lhe deste”. Por isso, nosso Mediador Se curva à verdade de Deus, que Satanás antigamente havia deturpado e que o homem havia questionado (Gn 3:4). Mas Ele então acrescenta: “E a vida eterna é esta: que Te conheçam, a Ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste” – reconhecendo que a vida agora deve ser obtida somente por meio da redenção, que não é a vida de uma criatura meramente, mas de uma criatura resgatada, uma vida resgatada para nós do poder da morte pela graça do Pai e do Senhor Jesus Cristo, o Salvador.
Em segundo lugar – Ele reivindica Sua própria glória. “Glorifica-me Tu, ó Pai, junto de Ti mesmo, com aquela glória que tinha Contigo antes que o mundo existisse”. E esta reivindicação Ele fundamenta em ter terminado a obra que lhe fora dada para fazer; dizendo: “Eu glorifiquei-Te na Terra, tendo consumado a obra que Me deste a fazer”. Pois esta era uma obra na qual nenhuma mancha havia entrado, na qual, portanto, Deus poderia descansar e ser revigorado, como em Suas obras antigas; uma obra que o Pai poderia contemplar e dizer dela: “Tudo está muito bom”, na qual Ele poderia novamente encontrar um sábado.
E este é o conforto do crente, que ele vê sua salvação dependendo de uma obra consumada, na qual Deus sente um “cheiro de descanso” (Gn 8:21 margem da KJV). No princípio, ao terminar a obra da criação, Deus santificou o sétimo dia, descansando, em plena satisfação, em tudo o que Sua mão havia formado. Mas o homem perturbou esse descanso, de modo que Deus se arrependeu de ter feito o homem na Terra. Novamente, no devido tempo, o Senhor providenciou para Si mesmo outro descanso, erigindo um tabernáculo em Canaã, e oferecendo a Israel um lugar naquele descanso, dando-lhes Seu sábado (Êx 31:13). Pela espada de Josué, esse descanso em Canaã foi incialmente assegurado para Israel (Js 21:44; 23:1); e depois sob o trono de Salomão (1 Cr 22:9). Mas Israel, como Adão, perturbou esse descanso – a terra não guardou seu sábado, por causa da impiedade dos que nela habitavam (2 Crônicas 36:21). O Deus bendito agora encontrou outro e seguro descanso, um descanso que nunca pode ser perdido ou perturbado. Na obra consumada pelo Senhor Jesus Cristo (e a qual o Senhor aqui apresenta a Ele), Deus novamente descansa, como em Suas obras antigas, com a mais completa complacência. Esta obra consumada é totalmente de acordo com Sua mente. Pela ressurreição de Cristo, o Pai disse sobre ela: “Eis que é muito boa”. É Seu descanso para sempre; Ele tem um deleite permanente nela. Seus olhos e Seu coração estão sobre ela continuamente. A obra de Cristo realizada pelos pecadores deu a Deus um descanso. Esse é um pensamento cheio de bênçãos para a alma. E quando a fé estabelece um valor correto, isto é, o valor de Deus, no sangue de Cristo, há descanso, o próprio descanso de Deus, para a alma. Mas é então que o santo (ou pecador crente) começa sua labuta. No momento em que descanso como pecador, começo meu labor (ou esforço) como santo. O descanso para o santo é um descanso que permanece; e, portanto, está escrito: “Portanto esforcemo-nos por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia segundo o mesmo exemplo de desobediência” O pecador descansa agora; o santo ainda se esforça, e se esforçará até que o reino venha.
Terceiro – Ele ora por Seu povo. Ele pede que eles sejam guardados por meio do nome do Pai, e santificados por meio da verdade do Pai, para que eles possam ser um na comunhão da alegria do Filho agora; e Ele pede que eles possam estar com Ele onde Ele está, e lá contemplem Sua glória, e sejam um com Ele em Sua glória no além. Esses são grandes pedidos. O divino Advogado gostaria que todos os Seus santos sejam um (veja vs. 11, 21). Mas essa unidade não é tal, julgo eu, como é comumente interpretada – uma unidade eclesiástica manifesta. É uma unidade no conhecimento pessoal e na comunhão com o Pai e o Filho – unidade em espírito, no espírito da mente deles, cada um deles tendo o “espírito de adoção” (ARA), que era a graça e o poder peculiares daquela dispensação que Ele, o Filho, estava prestes a introduzir. O desejo é que tal espírito possa ter seu curso no coração de cada um e de todos os eleitos a serem reunidos agora.
Isso falhou? Não, não poderia falhar. E todas as epístolas nos testemunham que não falhou. Pois ali encontramos os santos em todos os lugares, sejam Judeus ou gentios, considerados como guardados pelo Pai em Seu próprio nome; guardados como filhos, como “aceitos no Amado” (KJV), como possuindo o “espírito de adoção de filhos”, como sendo reunidos na unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus. Todas essas declarações são afirmações de que esse desejo do grande Advogado havia sido atendido, cada crente tendo o gozo do Filho cumprido em si mesmo e, portanto, todos eles sendo um no espírito da mente deles. Esse desejo não respeita, eu certamente julgo, nenhuma condição eclesiástica de coisas. Esse pensamento tem levado a muitos esforços humanos entre os santos. Eles têm se condenado a si mesmos por não realizar essa oração do Senhor por uma manifestação de unidade; e então eles têm tomado medidas para fazer isso acontecer. Mas eu pergunto: essa oração do Senhor é feita com base nas energias dos santos? Não é ela dirigida ao Pai, pois isso repousava simplesmente no bom prazer, poder e dom do Pai? Certamente. Ele pede ao Pai, para que Ele guardasse os eleitos em Seu nome, os santificasse por Sua verdade e lhes transmitisse o gozo do Filho, a fim de que cada um pudesse ter esse gozo cumprido em si mesmo.
Este desejo foi realizado. O espírito do Filho é igualmente para cada um e todos os santos, e eles são um naquele espírito e naquele gozo. Quando o devido tempo chegar, veremos os outros desejos deste capítulo também realizados. Todos os que devem receber o testemunho ainda não foram chamados, nem ainda a glória brilhou e foi transmitida a eles, de modo que o mundo ainda não creu nem soube que o Pai enviou o Filho (veja vs. 21, 23). O mundo ainda não os conhece (1 João 3:1). Mas a seu tempo esses pedidos serão respondidos. E assim, da mesma forma, a visão da glória (veja v. 24). Até onde fomos na dispensação divina, os desejos foram respondidos; o resto apenas espera por seu tempo.
Para nós, porém, amados, é muito reconfortante descobrir que todos esses gloriosos desejos para os santos, o nosso Senhor os fundamenta simplesmente no fato de que eles haviam recebido o testemunho do Filho sobre o Pai e haviam crido com certeza no amor do Pai. “Eu lhes dei as palavras que Tu Me deste; e eles as receberam, e têm verdadeiramente conhecido que saí de Ti, e creram que Me enviaste”.
Mas quão cheio de bênção é ver que somos apresentados diante de Deus simplesmente como crendo nesse amor! Quão certamente isso nos diz que o prazer do nosso Deus é este, que devemos conhecê-Lo em amor, conhecê-Lo como o Pai, conhecê-Lo de acordo com as palavras d’Aquele a Quem Ele enviou. Isto é gozo e liberdade. E é de fato somente como tendo visto Deus em amor, visto o Pai e ouvido o Pai em Jesus, que nos torna a família. Não são as graças que nos adornam, ou os serviços que prestamos, mas simplesmente que conhecemos o Pai. É isto que distingue o santo do mundo, e lhe dá sua posição, como aqui, na presença do Pai. É simplesmente isto (como o Mediador aqui diz ao Pai sobre nós), que recebemos Sua Palavra, recebemos o testemunho de amor do Filho trazido do Pai.
Assim o divino Advogado pleiteia diante do trono. A glória do Pai, a Sua própria e a do Seu povo, são todas providas e asseguradas. E tendo assim derramado os desejos de Sua alma, Ele entrega “o mundo”, o grande inimigo, à atenção do Pai justo. “Pai justo, o mundo não Te conheceu”. Pois agora ele havia provado ser um mundo que de fato não conhecia o Pai, que odiava Aquele a Quem o Pai havia enviado, e do qual o Senhor estava agora tirando Seu povo. Ele não pede, entretanto, julgamento sobre ele; mas o deixa simplesmente sob a atenção do “Pai justo”, a Quem o julgamento pertencia.
E é meramente como sendo ignorante do Pai que o Senhor apresenta o mundo. Ele não denuncia seus pecados diante do trono, mas simplesmente o apresenta como ignorante do Pai; como antes, ao apresentar a Igreja, Ele não falou de suas graças ou serviços, como vimos, mas simplesmente disto, que ela conhecia o Pai. Pois assim como o conhecimento do Pai faz da Igreja ser o que ela é, assim esta ignorância quanto ao Pai é o que faz do mundo ser o que ele é. O mundo é aquele que se recusa a conhecer a Deus em amor, de modo a se alegrar n’Ele. Ele criará seus próprios prazeres e extrairá de seus próprios recursos; ele terá qualquer coisa, menos a música, o anel e o bezerro cevado da casa do Pai. O mundo foi formado por Satanás no jardim do Éden. Lá a serpente enganou a mulher; e, ao ser ouvida e havendo se dialogado com ela, ela formou a mente humana de acordo com seu próprio padrão. Temos a história e o caráter dessa obra maligna em Gênesis 3. O amor de Deus e a Palavra de Deus foram difamados pelo inimigo – o homem acreditou na difamação e fez de Deus um mentiroso. A concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida foram plantadas na alma como poderes dominantes (Gn 3:6; 1 Jo 2:16); e então, a consciência, o medo e o afastamento em relação a Deus se tornaram a condição na qual o homem foi lançado. O homem e a mulher passaram a conhecer que estavam nus e se esconderam entre as árvores, recuando da voz de Deus; e então, do esconderijo onde estavam, eles enviam desculpas para si mesmos e desafios a Deus. “A serpente me enganou, e eu comi”, diz Eva – “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi”, diz Adão.
Assim era o homem então, e assim tem sido o mundo, desde então. As próprias concupiscências do homem o dominam, juntamente com medo de Deus, e desejo de estar à distância d’Ele; e o sussurro secreto de sua alma é que todo esse mal deve ser por culpa do próprio Deus.
De um mundo assim os santos são libertados em espírito e em chamado, e o próprio mundo é deixado, como aqui, para julgamento. Eles “não são do mundo, como Eu do mundo não sou”. O mundo não tinha lugar em Jesus. O príncipe dele veio e apenas obteve d’Ele o testemunho completo disto, que Ele amava o Pai, e faria como Ele havia ordenado (João 14:30-31). Assim os santos o tem deixado. Eles saíram de seus esconderijos à voz do Filho; eles ouviram sobre o amor do Pai para com eles; eles creram, e caminharam adiante sob a luz dessa verdade. A promessa de que a Semente da mulher feriria a cabeça da serpente tirou Adão de trás das árvores do jardim; embora morto em pecados, ele creu nesta promessa de vida, e saiu, de acordo, chamando sua esposa de “a mãe de todos os viventes”. E assim, como vimos neste capítulo, é apenas a crença na mensagem de amor que o Filho nos trouxe do Pai – é apenas isso que faz dos santos ser o que eles são – uma eleição para fora das regiões tenebrosas e distantes onde o mundo habita, e onde o espírito do mundo respira. E é, como também vimos, a recusa em ouvir esta mensagem de amor que mantém o mundo ainda sendo o mundo. “Pai justo, o mundo não Te conheceu”. Pois os homens têm apenas que receber a palavra de reconciliação de Deus, crer em Seu amor no dom de Seu Filho, e então tomar seu lugar feliz em Sua família como Seus escolhidos, “aceitos no Amado” (KJV).
Aqui termina a terceira seção do nosso Evangelho. Ela nos mostrou Jesus, o Filho do Pai, como nosso Advogado, fazendo Seus serviços constantes por nós – ela nos mostrou também Jesus, o Filho do Pai, revelando o Pai aos filhos. O Deus bendito havia obtido um nome para Si mesmo, o nome de “Jeová”, por Seus sinais e maravilhas no Egito e em Israel (Jr 32:20); mas agora Ele estava obtendo outro nome para Si mesmo, um nome de graça ainda mais rica, o nome de “Pai”. Este nome Ele obtém na Pessoa e pela obra do Filho do Seu amor; e o poder dele agora é tornado efetivo no coração dos filhos pelo Espírito Santo.
Eis que essas são apenas partes dos Teus caminhos, nosso Deus e Pai; mas quão pequena porção de Ti nossa alma estreita entende e desfruta!
Mas aqui, antes de entrarmos na última parte do nosso Evangelho, eu sugeriria que recebamos uma impressão de personalidade intensa, de um propósito divino para nos individualizar, quando lemos os escritos de João. Seu Evangelho nos dá isso imediatamente. O mundo não conheceu Aquele que o formou, Israel não recebeu Aquele que o possuía; mas “a todos quantos” O receberam, Ele os intitulou e os capacitou para se tornarem filhos de Deus. Isso lemos no início do Evangelho. Somos abordados em nosso lugar comum de ruína e em nosso caráter comum como pecadores, vítimas da mentira da antiga serpente. As cenas diante de nós nos mantêm no sentido de nossa individualidade diante de Deus. Elas não se dirigem a nós como em qualquer lugar relativo, ou onde dispensações anteriores podem ter nos colocado; mas sim onde a destruição comum da natureza nos colocou, naquelas “trevas”, naquela alienação de Deus, que nossa queda e apostasia no princípio nos trouxeram.
Que caráter direto e enfático é dado a essas Escrituras! Como elas nos dizem, seja de fato seu Evangelho ou suas epístolas que estamos lendo, que devemos ter, e saber que temos, cada um de nós, nosso próprio lugar e interesse diante do Deus vivo.
E, de acordo com isso, podemos observar algo no próprio modo de agir do Senhor neste Evangelho de João que lhe é peculiar e característico desta intensa personalidade da qual estou falando.
Na parte inicial, ou durante Seu ministério público, os apóstolos são mantidos muito distantes d’Ele; e então, na parte seguinte, ou em Seus encontros e conversas com eles, eles são trazidos especialmente para perto d’Ele.
Na parte anterior, ou durante Seu ministério público (João 1:10), nós O vemos muito notavelmente sozinho em Sua obra, como, de fato, eu já observei antes. Ele não nomeia doze e setenta para serem os companheiros de Seu ministério como nos outros Evangelhos; Ele está sozinho com pecadores, tratando com eles dos grandes interesses da alma deles, na graça e virtude do Filho de Deus. E é abençoado ver isso. É um dos pensamentos mais preciosos para nós pecadores, que possamos estar a sós com Jesus, e que apóstolos e igrejas, ou companheiros santos e ordenanças, não são necessários para esta questão que é determinar nossa própria eternidade pessoal e individual. O poço de Samaria, onde o Filho do Pai encontrou a pecadora, era para ela um lugar tão solitário quanto Luz, antigamente, tinha sido para Jacó. Mas como Luz para Jacó, tornou-se Betel para ela, era a própria porta dos céus.
Mas, deixe-me acrescentar, este estar apartado de Seus apóstolos ou Seus discípulos, esta solitude do Filho de Deus com o pecador, durante Seu ministério público, era por causa do pecador, e não contra os discípulos. Ele amava Seus servos e companheiros, e não lhes recusaria uma parte em Seus serviços e recompensas. Mas Ele deve cuidar do pecador, e não permitirá que ele seja privado da profunda consolação que este pensamento deve trazer consigo, que no tratamento dos interesses dele quanto à eternidade, ninguém precisa estar com ele, exceto Ele mesmo.
Esta cena pública de Seu serviço, no entanto, termina com João 10, como já dissemos. O fruto da graça sendo selado aos pecadores, no devido tempo, como também já dissemos, Jesus, deixando Seu ministério público, trata com os Seus em segredo; e então descobrimos que Ele Se aproxima mais do que nunca, tão perto, de fato, quanto Ele podia, tão perto quanto a afeição poderia desejar.
Depois que Judas se vai (João 13) e tudo se encerra entre Jesus e a cena exterior a Ele, e Ele pode ficar a sós com os discípulos, como Ele tinha estado com os pecadores, nós O vemos então nas intimidades mais queridas e próximas (João 14-16). Ele Se recolhe com eles como que para o seio de uma família, derramando a plenitude de Seu coração. Ele fala do Pai, e da casa do Pai, do amor do Pai, e dos segredos do Pai, prometendo também o Consolador para tornar isso eficaz à alma deles, e que Ele mesmo, embora em um lugar distante, continuaria a servi-los e Se lembraria deles. (Por causa da proximidade de Seu coração para com eles, Ele sente o descuido ou a indiferença deles, e lhes dá a conhecer (como a afeição próxima faria) que Ele sentiu isso, e foi ferido por isso. Veja João 14:28; João 16:5).
Que visão passa assim diante de nós no progresso deste divino Evangelho! Se, na parte anterior, a solitude do Filho de Deus com o pecador o fazia sentir como se estivesse à “porta dos céus”, o que esta última parte seria para a alma do santo, esta intimidade do Filho do Pai com Seus eleitos, senão o próprio céu!
O Evangelho de João é, de fato, o Evangelho das intimidades do Filho de Deus, primeiro com o pecador e depois com o discípulo. E bendito além de toda a expressão é tal pensamento, se ao menos tivéssemos um coração aberto e terno para recebê-lo.
Tudo é graça, e a graça se deleita em exibir tanto a variedade de seus caminhos, quanto às riquezas de seus tesouros. Oh, por uma mente simples e crente, amados, que seja capaz de se ocupar com tais segredos e tais tesouros!
João 18 – 21
Tenho seguido este Evangelho em sua ordem, até o final de João 17, tendo-o distribuído até agora em três seções principais: a primeira, apresentando nosso Senhor Jesus Cristo como o Filho de Deus, o Estrangeiro vindo do céu, e nos dando Sua ação e recepção no mundo; a segunda, exibindo-O em Suas relações e controvérsias com Israel; a terceira, dando-O a nós no seio de Seus eleitos, instruindo-os nos mistérios do sacerdócio celestial e em sua posição como filhos do Pai. E agora, temos que considerar a quarta e última seção, que nos dá o que acompanhou Sua morte e ressurreição. Que a entrada das palavras do Senhor ainda dê luz e leve consigo um cheiro para nossa alma d’Aquele Bendito de Quem elas falam!
Mas enquanto, em trabalhos como estes, amados, buscamos descobrir a ordem da Palavra divina, e somos levados a nos maravilhar com suas profundezas, ou admirar sua beleza, devemos lembrar que é sua verdade que devemos considerar principalmente. É quando a Palavra vem com “muita certeza”, que ela opera eficazmente em nós. Não será proveitosa se não for misturada com fé. Seu poder de alegrar e purificar dependerá de ser recebida como verdade; e enquanto traçamos, e apresentamos uns aos outros, as belezas, as profundezas, e as maravilhas da Palavra, devemos frequentemente parar e dizer à nossa alma como o anjo disse ao apóstolo sobrecarregado que tinha visto as visões adoráveis e ouvido as revelações maravilhosas, “Estas são as verdadeiras Palavras de Deus”.
O lugar em nosso Evangelho ao qual cheguei agora apresenta nosso Senhor Jesus Cristo em Seus sofrimentos. Mas posso notar que não são Seus sofrimentos que O ocupam neste Evangelho. Ao longo dele, Ele parece estar acima dos insultos do povo e da rejeição do mundo. De modo que, quando a última páscoa estava se aproximando, embora nos outros Evangelhos O vejamos com Sua mente cheia de ser o Cordeiro que foi escolhido para ela, e O ouvimos dizer a Seus discípulos: “Bem sabeis que, daqui a dois dias, é a páscoa, e o Filho do Homem será entregue para ser crucificado”, ainda assim em nosso Evangelho não é assim. Ele sobe a Jerusalém na época; mas é para assentar-se no meio de uma casa eleita (João 12:1). E assim depois. Quando Ele está a sós com Seus discípulos, Ele permanece acima de Suas tristezas e do mundo – Ele não lhes conta sobre os Judeus O traindo aos gentios, e sobre os gentios O crucificando – Ele não fala sobre Ele ser zombado, açoitado e cuspido, como nos outros Evangelhos. Tudo isso é deixado de lado. As muitas coisas que o Filho do Homem deveria sofrer nas mãos de homens pecadores não são contadas aqui. Mas, por outro lado, Ele assume já haver passado a hora do poder das trevas; e assim que O encontramos a sós com Seus eleitos, Ele Se coloca além dessa hora (capítulo 13:1). O Getsêmani e o Calvário estão atrás d’Ele, e Ele Se vê como tendo alcançado a hora, não a do jardim, ou a da cruz, mas a do Monte das Oliveiras, a hora de Sua ascensão; nosso evangelista diz: “Ora, antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que já era chegada a Sua hora de passar deste mundo para o Pai”, estas palavras nos mostram claramente que Sua mente não estava em Seu sofrimento, mas no céu do Pai que estava além dele. Ele apresenta diante deles, não os memoriais de Sua morte aqui, mas de Sua vida no céu, como vimos; pois Ele lava os pés deles depois da ceia. E todo o Seu discurso com Seus amados depois (João 14-16) tinha esse cheiro. Tudo presumia que Sua tristeza havia passado – que Ele havia terminado Sua carreira – que Ele havia Se levantado contra o príncipe deste mundo e havia vencido – que Ele continuava no amor do Pai e que tudo estava pronto para Sua glorificação. Suas palavras para eles presumiam isso; e, com base nisso, Ele os fortaleceu para vencer, como Ele havia vencido. Em vez de contar-lhes sobre Suas tristezas, Seu objetivo é confortá-los nas deles. Ele lhes deu paz, a promessa do Consolador e da glória que havia de seguir. E quando, por um momento, como que pressionado pelo estado de espírito deles, Ele fala de todos eles O deixando só na hora vindoura, não foi sem esta garantia: “mas não estou só, porque o Pai está Comigo”. E, da mesma forma, quando Ele estava separando Judas dos demais, lemos que Ele “turbou-Se em espírito”; mas, assim que o traidor se foi, Ele se eleva à Sua própria elevação adequada e diz: “Agora, é glorificado o Filho do Homem, e Deus é glorificado n’Ele” Assim, se Sua alma passa por um gemido ou problema, é apenas por um momento, e apenas para conduzi-Lo a uma visão mais completa da glória que estava além de tudo isso.
É exatamente o mesmo à medida que Ele desce às sombras mais profundas de Seu caminho solitário. Mesmo aqui, ainda é a força que O acompanha por todo o percurso, e a glória que aparece diante d’Ele por todo caminho. E assim, seja no labor, no testemunho ou no sofrimento, Ele ainda está, neste Evangelho, em Sua elevação como Filho de Deus. Ele caminha na consciência de Sua dignidade; Ele toma o cálice como vindo da mão do Pai, e entrega Sua vida por Si mesmo.
J. G. Bellett
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