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Os Evangelistas - Parte 20/22 (João 18-19)

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ÍNDICE


Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos

J. G. Bellett

Parte 20

João 18-19

 

Podemos lembrar que, em João 17, vimos nosso Senhor como o Advogado no templo celestial, fazendo Seus pedidos. Daquele lugar, Ele agora desce para encontrar a hora do poder das trevas. Naquele capítulo, Seu coração e Seus olhos estavam cheios da glória de Seu Pai, de Sua própria glória e a da Igreja; e a partir de tudo isso, assim em espírito posto diante d’Ele, Ele sai para suportar a cruz.

 

Nos outros Evangelhos, Ele encontra a cruz após o fortalecimento que Ele havia recebido do anjo no Getsêmani, mas aqui não temos nada dessa cena; pois essa era a passagem do Filho do Homem pela antecipação de Sua agonia, Sua alma estando profundamente triste até a morte, com a força de Deus ministrada a Ele por um anjo. Mas aqui é o Filho de Deus descendo como que do céu para enfrentar a cruz; e Sua passagem por toda a hora do poder das trevas é feita na força do Filho de Deus. Ele não busca companhia. Nos outros Evangelhos, nós O vemos colocando de lado Pedro, Tiago e João, para, talvez, atrair a empatia deles para vigiar com Ele por uma hora. Mas aqui não há nada disso. Ele passa sozinho pela tristeza. Os discípulos, é verdade, vão com Ele para o jardim, mas Ele os reconhece ali apenas como necessitando de Sua proteção, e não como rendendo a Ele qualquer empatia desejada. “Se, pois, Me buscais a Mim, deixai ir estes”. Assim como o anjo não O fortalece no jardim, tampouco Seus discípulos permanecem ali com Ele em Seu favor. Ele desce como o Filho de Deus de Seu próprio lugar no alto; para caminhar (no que diz respeito ao homem) sozinho até o Calvário. Embora Seu caminho atual fosse até a cruz, ainda era um caminho de ninguém menos que o Filho de Deus. A solitude do Estrangeiro do céu é marcada aqui, como tinha sido por todo este Evangelho.

 

E deixe-me acrescentar (uma reflexão que me ocorreu com muito conforto), que há uma grandeza em Deus, no sentido da qual devemos exercitar muito nosso coração. Não há estreiteza n’Ele. O salmista parece se entregar a esse pensamento no Salmo 36. Tudo o que ele vê em Deus, ele vê na própria grandeza e excelência divinas. Sua misericórdia está nos céus; Sua fidelidade até às mais excelsas nuvens; Sua justiça é como as grandes montanhas, e Seus juízos são como um grande abismo; Seu cuidado preservador é tão perfeito que os animais, bem como os homens, são os objetos desse cuidado; Sua benignidade é tão preciosa, que os filhos dos homens se abrigam sob a sombra de Suas asas; Sua casa é tão abastecida com todo o bem, que Seu povo está farto com sua gordura; e Suas delícias para eles são tão completas, que eles bebem delas como de uma torrente. Tudo isso é a grandeza e magnificência de Deus, não apenas em Si mesmo, mas em Seus caminhos e relações conosco. E, amados, esta é uma verdade bendita para nós. Pois nossos pecados devem ser julgados diante da percepção desta grandeza. É verdade, de fato, que o pecado é excessivamente pecaminoso. A menor sujeira ou mancha na bela obra de Deus assume formas horríveis aos olhos da fé que avalia devidamente a glória de Deus. Um pequeno buraco cavado na parede é suficiente para mostrar a um profeta grandes abominações. Mas quando trazido lado a lado com a grandeza da graça que está em Deus nosso Salvador, como ele aparece? Onde estava o pecado carmesim da adúltera? Onde estavam os pecados que, por assim dizer, envelheceram na mulher samaritana? Eles podem ser procurados, mas não podem ser encontrados. Eles desaparecem na presença da graça que foi trazida para brilhar ao lado deles. A graça abundante removeu a vergonha para sempre. Deus, que toma as ilhas como se fossem coisas muito pequenas e mede as águas na concha de Sua mão, leva nossos pecados para longe, “à terra solitária” (Lv 16:22).

 

“Eu ouço o acusador rugir

 Dos males que cometi –

 Eu os conheço bem, e milhares mais –

 Jeová não encontra nenhum.”

  

Com esses pensamentos, podemos muito bem encorajar nosso coração. Nosso Deus quer que O conheçamos em Sua própria grandeza. Coloque o pecado sozinho, e a menor partícula dele é um monstro. Coloque-o ao lado de Sua graça, e ele desaparece. E toda essa expressão da grandeza divina irrompe em Jesus por todo este Evangelho. Há em todos os lugares o tom e o porte do Filho de Deus n’Ele e ao redor d’Ele, embora O vejamos até mesmo em labuta ou em sofrimento.

 

Mas isso só de passagem. Agora seguimos nosso Senhor pelo ribeiro de Cedrom; e o local que devia ser para Ele de lembranças santas e comoventes. Pois foi aqui que Davi certa vez se deteve com Itai, seu amigo, e com Zadoque e a arca, quando ele saiu de Jerusalém com medo de Absalão. Por esse mesmo ribeiro, e subindo essa mesma subida do Monte das Oliveiras, o rei de Israel então passou chorando, com sua cabeça coberta e seus pés descalços, enquanto Aitofel, que outrora fora seu conselheiro, o traía, entregando-o aos seus inimigos (2 Sm 15). Jesus, lemos, frequentemente ia para lá; sem dúvida com essas lembranças. Mas é o Filho de Deus que temos aqui no momento presente, em vez do Filho de Davi. O ribeiro é passado e o jardim é entrado, não com lágrimas, e sem a arca; mas mais do que a arca em toda a sua glória e força está para ser manifestado agora. O Senhor Se apresenta ao bando de oficiais e soldados cruéis, como eles eram, com esta palavra: “A quem buscais?” – assim Se dirigindo a eles, como no repouso do céu, que era Seu. E Ele vem no poder do céu, bem como em seu repouso – pois depois que Ele lhes diz: “sou Eu”, eles recuam e caem por terra. Nenhum homem poderia tirar Sua vida d’Ele. Ele tem até mesmo que lhes mostrar a presa; pois todas as suas lanternas e archotes não O teriam descoberto de outra forma. Cada etapa no caminho era d’Ele próprio e Ele deu Sua vida de Si mesmo. Aqueles que queriam devorar Sua carne deveriam tropeçar e cair. Aqueles que desejassem o Seu mal deveriam recuar e serem colocados em confusão. O fogo estava pronto para consumir este capitão e seus cinquenta (veja 2 Reis 1). Se o Filho de Deus tivesse querido, o inimigo ainda estaria deitado ali, no chão. Ele tinha vindo, no entanto, não para destruir a vida dos homens, mas para salvar; e, portanto, Ele daria a Sua própria vida. Foi visto que a glória que poderia ter confundido todo o poder do adversário estava escondida dentro do cântaro; mas Ele estava disposto a mantê-la escondida ainda.

 

E agora foi que, em espírito, Ele cantou o Salmo 27. O Senhor era Sua luz e Sua salvação, a quem Ele temeria? Ele tinha acabado de ver a glória de Deus no santuário (como vimos em João 17), e, de acordo com esse Salmo, Seu anseio era habitar naquela casa do Senhor para sempre. Era um dia de adversidade, é verdade; mas em espírito Sua cabeça estava exaltada acima de Seus inimigos; e Ele logo ofereceria sacrifícios de júbilo no tabernáculo, e cantaria Seus louvores ao Senhor (Salmo 27:1-6).

 

Assim, como Filho de Deus, Ele permaneceu nesta hora, e poderia ter permanecido contra todas as hostes deles; mas Ele quis tomar o cálice da mão de Seu Pai, e dar Sua vida pela Igreja. Aqueles que estavam com Ele se tornam agora, em sua obstinação, uma ofensa a Ele. Seu reino ainda não era deste mundo; e, portanto, Seus servos não poderiam lutar. Pedro desembainhou sua espada, e teria mudado a cena para um mero teste de força humana. Mas isso não podia ser assim. É verdade, o Filho de Deus poderia ter permanecido. Ele poderia ter sido novamente a arca de Deus, com o poder do inimigo caindo prostrado diante dela; mas como então a Escritura seria cumprida? Ele, em vez disso, se coloca a Si mesmo nas mãos dos inimigos. “Então a coorte, e o tribuno, e os servos dos Judeus prenderam a Jesus e O maniataram”.

 

Assim foi, até agora, com o Senhor. E enquanto ainda O seguimos, continuamos traçando o caminho do Filho de Deus, o Senhor vindo do céu. Quer escutemos d’Ele com os oficiais, ou com o sumo sacerdote, ou diante de Pilatos, ainda é no mesmo tom de santa distância de tudo o que estava ao Seu redor. Eles podem fazer a Ele o que quiserem – Ele é como um Estranho a isso. Ele não tem o cuidado de responder a eles em seus assuntos. Ele passaria por tudo em solitude. As filhas de Jerusalém aqui não Lhe dão sua empatia, ou recebem a d’Ele; nem um ladrão que estava morrendo compartilha aquela hora com Ele. Ele é o Solitário por todo aquele caminho sombrio. Pedro é encontrado no caminho dos ímpios, aquecendo-se entre eles, como alguém que tinha apenas os recursos que eles tinham. Outro (talvez o próprio João) toma seu lugar como conhecido do sumo sacerdote, e obtém sua vantagem como tal. Mas tudo isso foi um afundamento na mera natureza, e deixar o Filho de Deus sozinho – como Ele lhes havia dito: “vós... Me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está Comigo”.

 

E Seu caminho, não preciso dizer, é imaculado. “Seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso”. Então Jesus é sem culpa, embora todos os outros falhem. Ele foi “justificado no Espírito” (ACF). Ele não tem passo a ser refeito, nenhuma palavra a ser retirada. Ele poderia justificar-Se em tudo, e até mesmo reprovar Seu acusador, e dizer: “Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, por que Me feres?”. Mas mesmo Paulo, em situação semelhante, teve que retirar sua palavra, e dizer: “Não sabia, irmãos, que era o sumo sacerdote”.

 

Da mão do sumo sacerdote o Senhor passa para a mão do governador romano. E aqui uma cena se abre cheia de advertências solenes para todos nós, amados, assim como preserva diante de nós ainda o caráter pleno do nosso Evangelho.

 

É muito evidente que, durante toda essa cena, Pilatos estava desejoso de acalmar o povo e livrar Jesus da intenção maligna dos Judeus. Parece, desde o início, que ele estava ciente de algo peculiar neste Prisioneiro deles. Seu silêncio tinha tal caráter que, como lemos, “o governador estava muito maravilhado”. E que atrações divinas (podemos observar) cada pequena passagem de Sua vida, cada caminho que Ele percorreu entre os homens, devem ter surgido sobre tudo isso! E qual deve ter sido a condição dos olhos, do ouvido e do coração do homem, para não discernir e permitir tudo isso! A primeira impressão do governador foi fortalecida por tudo o que aconteceu enquanto a cena prosseguia; o sonho de sua esposa, a evidente malignidade dos Judeus e, acima de tudo, este Prisioneiro justo e inocente (embora assim em vergonha e sofrendo) ainda persistindo que Ele era o Filho de Deus, tudo isso assaltou sua consciência. Mas o mundo no coração de Pilatos era forte demais para essas convicções em sua consciência. Eles fizeram um alvoroço dentro dele, é verdade, mas a voz do mundo prevaleceu; e ele seguiu o caminho do mundo, embora assim convencido. Poderia, no entanto, ter preservado o mundo para si mesmo, ele teria preservado Jesus de bom grado. Ele deixou os Judeus entenderem plenamente que ele não tinha medo de Jesus; que Ele não era alguém que pudesse criar nele qualquer alarme sobre os interesses de seu mestre, o imperador. Mas eles ainda insistiram que Jesus estava Se fazendo a Si mesmo rei, e que se Pilatos deixasse esse Homem ir, ele não poderia ser amigo de César. E isso prevaleceu.

 

Como tudo isso nos leva a ver que não há segurança para a alma senão na posse daquela fé que vence o mundo! Pilatos não tinha desejo pelo sangue de Jesus, como os Judeus tinham; mas a amizade de César não podia ser colocada em risco. Os principais de Israel temiam que, se deixassem este Homem assim, os romanos viriam e tirariam tanto seu lugar quanto sua nação (João 11:48); e Pilatos agora teme perder a amizade do mesmo mundo na pessoa do imperador romano. E assim o mundo uniu Pilatos e os Judeus no ato de crucificar o Senhor da glória! Como está escrito: “Porque, verdadeiramente, contra o Teu santo Filho Jesus, que Tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel”.

 

Ainda assim, como observei, Pilatos teria salvado Jesus, se pudesse, ao mesmo tempo, salvar sua própria reputação como amigo de César; e, portanto, foi que ele agora entrou no tribunal e fez esta pergunta a Jesus: “Tu és o rei dos Judeus?” Pois, como os Judeus haviam entregado o Senhor a ele, sob a acusação de ter Se feito rei (Lucas 23:2), se ele pudesse levar o Senhor a retratar Suas reivindicações à realeza, ele poderia tanto salvá-Lo quanto se manter ileso. Com o propósito de fazer isso, ele parece entrar no tribunal neste momento. Mas o mundo no coração de Pilatos não conhecia Jesus; como está escrito: “O mundo não O conheceu” (João 1:10; 1 João 3:1). Pilatos agora descobriria que o deus deste mundo não tinha nada no Senhor. “Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-to outros de Mim?” Com isso, Nosso Senhor queria saber do próprio Pilatos onde estava a fonte da acusação contra Ele; se Sua reivindicação de ser Rei dos Judeus era questionada por Pilatos como protetor dos direitos do imperador na Judeia, ou meramente por uma acusação dos Judeus.

 

Sobre isso, posso dizer, pendia tudo na conjuntura presente; e a sabedoria e o propósito do Senhor ao dar à pergunta essa direção são manifestos. Se Pilatos dissesse que havia ficado apreensivo quanto aos interesses romanos, o Senhor poderia imediatamente tê-lo remetido a todo o curso de Sua vida e ministério, para provar que, no que diz respeito ao rei, n’Ele se achava a inocência. Ele havia ensinado a dar a César aquilo que é de César. Ele havia Se retirado, partindo para um monte sozinho, quando percebeu que a multidão queria tomá-Lo à força para fazê-Lo rei. Sua controvérsia não era com Roma. Quando Ele veio, encontrou César na Judeia, e Ele nunca questionou o título dele de estar ali; em vez disso, em todos os momentos, Ele permitiu seu título, e tomou o lugar da nação, que, por causa da desobediência, tinha a imagem e a inscrição de César gravadas, por assim dizer, na própria terra deles. É verdade que foi o desprezo à majestade de Jeová que abriu caminho para os gentios entrarem em Jerusalém; mas Jerusalém era, por hora, o lugar dos gentios, e o Senhor não tinha controvérsia com eles por causa disso. Nada além da fé restaurada e da lealdade de Israel a Deus poderia anular legitimamente esse título dos gentios. A controvérsia do Senhor, portanto, não era com Roma; e Pilatos teria tido sua resposta de acordo com tudo isso, se o questionamento tivesse procedido dele mesmo como representante do poder romano. Mas não foi assim. Pilatos respondeu: “Porventura sou eu judeu? A Tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-Te a mim. Que fizeste?”

 

Ora, esta resposta de Pilatos transmitia a prova completa da culpa de Israel. Na boca daquele que representava o poder do mundo naquele tempo, o caso foi estabelecido, que Israel havia rejeitado o seu Rei e se vendido nas mãos de outro. Isto, no presente momento, era tudo quanto importava para Jesus. Isto imediatamente O levou para além da terra e para fora do mundo. Israel O havia rejeitado; e Seu reino, portanto, não era daqui; pois Sião é o lugar designado para o Rei de toda a terra se assentar e governar; e a incredulidade da filha de Sião deve manter o Rei da terra afastado.

 

O Senhor, então, como este Rei rejeitado, ouvindo este testemunho dos lábios dos romanos, só podia reconhecer a perda presente de Seu trono: “Respondeu Jesus: O Meu reino não é deste mundo; se o Meu reino fosse deste mundo, pelejariam os Meus servos, para que Eu não fosse entregue aos Judeus; mas agora o Meu reino não é daqui”. Ele não tinha armas para a guerra, se Israel O recusasse. Não havia debulha para Sua eira agora, pois Israel é Seu instrumento para debulhar os montes (Is 41:15; Mq 4:13; Jr 51:20), e Israel O estava recusando. Da casa de Judá, e somente dela, é que o Messias deve fazer “o Seu majestoso cavalo na peleja” (Zc 10:3); e, portanto, nesta incredulidade de Judá, Ele não tinha nada com que quebrar as flechas do arco, o escudo, a espada e a guerra (Sl 76). Seu reino não poderia ser deste mundo – “não poderia ser daqui”; Ele não tinha servos que pudessem lutar, para que Ele não fosse entregue aos Seus inimigos.

 

Esta perda presente de Seu reino, no entanto, não anula Seu título a ele; pois o Senhor, embora permitindo Sua perda presente dele, ainda permite isso em termos que expressam plenamente Seu título a ele, e levou Pilatos imediatamente a dizer: “Logo Tu és rei?” E a isto Sua boa confissão é testemunhada. Pois Pilatos não teria tido motivos para temer nem o desagrado de seu mestre nem o tumulto do povo; ele poderia ter seguido destemidamente sua vontade e libertado seu Prisioneiro, se o bendito Confessor agora alterasse a palavra que havia saído de Seus lábios e retirasse Sua reivindicação de ser um rei. Mas Jesus respondeu: “Tu dizes que Eu sou rei.” Desta Sua reivindicação, não havia como recuar. Aqui estava Sua boa confissão diante de Pôncio Pilatos (1 Timóteo 6:13). Embora os Seus não O tenham recebido, ainda assim Ele era deles; embora o mundo não O conhecesse, ainda assim ele foi feito por Ele. Embora os lavradores O estivessem expulsando, ainda assim Ele era o Herdeiro da vinha. Ele foi ungido ao trono em Sião, embora seus cidadãos estivessem dizendo que não queriam que Ele reinasse sobre eles; e Ele precisa, por Sua “boa confissão”, confirmar plenamente Sua reivindicação a isso, e sustentar essa reivindicação perante todo o poder do mundo. Isso poderia armar todo esse poder contra Ele, mas precisava ser feito. Herodes, e toda Jerusalém, uma vez se perturbaram ao ouvir que havia nascido Aquele que era Rei dos Judeus, e Herodes havia procurado matar o Menino; mas que o mundo inteiro agora se perturbe, e arme seu poder contra Ele, ainda assim Ele precisa declarar o decreto de Deus: “Eu, porém, ungi o Meu Rei sobre o Meu santo monte Sião” (Sl 2). Seu direito precisa ser testemunhado, embora na presença do usurpador, e na hora exata do poder dele.

 

Mas agora somos levados a outras e mais revelações. Esta “boa confissão” sendo assim testemunhada, o Senhor estava preparado para revelar outras partes dos conselhos divinos. Quando Ele havia confirmado distintamente Seu título ao reino diante do mundo, Ele estava preparado para testificar Seu caráter e ministério presentes. “Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a Minha voz”. Sua possessão do reino foi por um tempo impedida pela incredulidade de Sua nação; mas Ele mostra que não houve falha no propósito de Deus com isso, pois Ele veio ao mundo para outra obra presente do que tomar Seu trono em Sião. Ele havia vindo para dar testemunho da verdade; e nosso Evangelho é especialmente o instrumento para apresentar o Senhor naquele ministério. Como é dito sobre Ele na abertura dele, “O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse O revelou”. Ele havia vindo ao mundo para que pudesse dizer: “Eu sou o Caminho, e a Verdade e a Vida”. Ele havia vindo para que pudesse nos dar um entendimento para conhecer Aquele que é Verdadeiro (1 João 5:20). Ele estava manifestando o nome do Pai àqueles que Lhe haviam sido dados do mundo, e isso era o mesmo que dar testemunho da verdade (João 8:26-27). Todo aquele que era da verdade, como Ele aqui fala a Pilatos, estava ouvindo Sua voz. Suas ovelhas a tinham ouvido, enquanto outros não creram, porque não eram de Suas ovelhas. Aquele que era de Deus a tinha ouvido, enquanto outros não a ouviram, porque não eram de Deus (João 8:47).

 

Tal era o ministério presente do Senhor, enquanto Israel estava na incredulidade. Embora Rei dos Judeus, e, como tal, Rei de toda a Terra, Ele ainda não podia tomar Seu reino, pois Seu título havia sido negado por Sua nação. Ele deve assumir outro ministério, e o caráter desse ministério Ele aqui revela a Pilatos, e vinha apresentando-o por todo o nosso Evangelho.

 

Assim, esta boa confissão diante de Pôncio Pilatos, registrada neste Evangelho, ainda conduz os pensamentos do Senhor exatamente na corrente deste Evangelho. Enquanto permanecendo nela, consentindo por um tempo em responder por Si mesmo, Ele ainda Se reconhece no mais elevado e santo ministério; sim, posso dizer, Seu ministério divino, um ministério que nenhum outro, senão o Unigênito do Pai, ninguém, senão Aquele que está no seio do Pai, Aquele que era cheio de graça e verdade, poderia ter cumprido.

 

Isso ainda é impressionante; e enquanto O seguimos até a cruz, ainda temos o Filho de Deus. Vemos Seu título ao reino confirmado com toda autoridade. O inimigo o teria apagado, mas ele não pode prevalecer. Pilatos, que antes desprezava as reivindicações de Jesus, dizendo aos Judeus: “Eis aqui o vosso Rei”, agora as publicará nas principais línguas da Terra, e não está no poder dos Judeus mudar sua decisão agora, como antes. A cruz será o estandarte do Senhor, e Jeová a adornará com inscrições de Sua dignidade real, ainda que a Terra nunca estivesse tão irada.

 

Mas este é o único Evangelho que nos dá esta conversa entre Pilatos e os Judeus sobre a inscrição na cruz; pois ela tinha o cheiro da glória de Jesus. E assim é somente nosso evangelista que nota a túnica tecida de alto a baixo, que era algo que os soldados não rasgariam – uma pequena circunstância em si, mas ajudando ainda a manter em vista (em plena harmonia com este Evangelho em geral) a santa dignidade d’Aquele que estava passando por esta hora de trevas.

 

É aqui também que nosso Senhor coloca de lado Suas afeições humanas. Ele vê Sua mãe e Seu discípulo amado perto da cruz; mas é apenas para recomendá-los um ao outro; e assim separar-Se do lugar que Ele uma vez havia preenchido entre eles. Doce, de fato, é ver quão fielmente Ele reconheceu a afeição até o último momento em que Ele pôde ouvi-la. Nenhuma tristeza Sua (embora isso fosse amargo o suficiente, como sabemos) poderia fazê-Lo esquecê-la, Mas Ele não deveria reconhecê-la para sempre. Os filhos da ressurreição não se casam, nem são dados em casamento. Eles não deveriam, doravante, conhecê-Lo “segundo a carne”. Ele agora precisava formar o conhecimento que eles tinham d’Ele por outros pensamentos, pois, a partir de então, eles devem estar unidos a Ele como “um Espírito” (JND); pois tais são Seus benditos caminhos. Se Ele toma distância de nós, como não nos conhecendo “na carne”, é apenas para que possamos estar unidos a Ele em afeições mais próximas e interesses mais próximos.

 

E, ao olharmos mais profundamente do que as circunstâncias desta hora, se observarmos o espírito do Senhor na cruz, ainda discerniremos o Filho de Deus. Ele teve sede – Ele provou a morte, é verdade – Ele conheceu a secura daquela terra onde o Deus vivo não estava. Mas Sua percepção disso ainda é expressa em Seu próprio tom. Não vem no clamor: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Isso nos é dado em seu devido lugar. Mas aqui não se registra tal clamor; não há espanto de espírito, nem horror das grandes trevas por três horas; nem há uma entrega de Si mesmo ao Pai; mas é simplesmente: “Tenho sede”; e quando Ele entrou e passou por essa sede, Ele confirma o pleno cumprimento de todas as coisas, dizendo: “Está consumado”. Ele não recomenda Sua obra à aprovação de Deus, mas a sela com Seu próprio selo, atestando-a como completa e dando-lhe a qualificada sanção de Sua própria aprovação. E quando Ele pôde assim sancionar tudo como consumado, Ele mesmo entrega Sua vida por Si mesmo.

 

Esses foram fortes toques da mente em que Ele estava passando por essas horas; e essas horas agora terminam. O Filho de Deus estava agora aperfeiçoado como o Autor da salvação eterna para todos os que O obedecem; e a fonte para o pecado e para a impureza está aberta. A água e o sangue saíram para dar testemunho de que Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em Seu Filho (1 João 5:8-12). Não temos aqui a confissão do centurião, “Verdadeiramente, Este era o Filho de Deus”; não temos a esposa de Pilatos, nem os lábios convictos de Judas, dando testemunho d’Ele. Jesus não recebe aqui testemunho de homens, mas de Deus. A água e o sangue são testemunhas de Deus a favor de Seu Filho, e da vida que os pecadores podem encontrar n’Ele. Foi o pecado que O traspassou. A ação do soldado foi uma amostra da inimizade do homem. Foi como o disparo sombrio de um inimigo derrotado após a batalha; tornando mais evidente o ódio profundo que há no coração do homem para com Deus e Seu Cristo. Mas isso apenas destaca as riquezas daquela graça que encontrou esse ódio e abundou sobre ele; pois foi respondido pelo amor de Deus. A ponta da lança do soldado foi tocada pelo sangue. A torrente carmesim brotou para remover o pecado carmesim. O sangue e a água fluíram através do lado ferido do Filho de Deus. Agora o dia da expiação havia chegado em sua plenitude; e a água da separação, as cinzas da bezerra ruiva, foram agora aspergidas. Este era o Cordeiro que Abel havia oferecido. Este era o sangue que Noé havia derramado e que dava livre curso à pura graça do coração de Deus para com os pecadores (Gn 8:21). Este era o Carneiro do Monte Moriá. E este era o sangue que diariamente fluía ao redor do altar de cobre no templo. Este era o sangue que é o único resgate dos inumeráveis milhares diante do trono de Deus.

 

Mas embora perfurado, para ser assim a fonte do sangue e da água, o corpo do Senhor não pode ser quebrado. O Cordeiro pascal pode ser morto, mas nenhum osso dele deve ser quebrado. Esse corpo fará todo o propósito do amor divino em abrigar o Primogênito – mas, além disso, é sagrado; nenhuma mão rude pode tocá-lo. Jesus deveria dizer: “Todos os Meus ossos dirão: SENHOR, Quem é como Tu? Pois livras o pobre daquele que é mais forte do que ele; sim, o pobre e o necessitado, daquele que os rouba”. E a Igreja é o Seu corpo. Ele é a Cabeça, e nós somos os membros; e todos os membros desse único corpo, sendo muitos, são um só corpo, e nenhum osso desse corpo místico deve faltar: todos devem chegar ao homem perfeito (adulto – JND), à medida da estatura da plenitude de Cristo. Pois tudo, desde a antiguidade, foi escrito no livro de Deus e deve ser formado e peculiarmente trabalhado, cada um deles (Sl 139:16).

 

Assim foi com nosso Senhor em nosso Evangelho, enquanto Ele ainda estava na cruz. Em cada característica vemos o Filho de Deus. E enquanto O seguimos dali para o túmulo, ainda é o Filho de Deus que vemos. Não O vemos ali contado com os transgressores, nem com os ímpios em Sua morte; mas sim, vemos Sua sepultura com os ricos. Dois filhos honrados de Israel vêm para reconhecê-Lo, e se encarregam de Seu corpo, para derramar seus perfumes e empenhar seu trabalho sobre Ele.

 

Mas em tudo isso temos novamente algo a notar.

 

Quando o corpo do Senhor foi perfurado, não somente, como observei, permitiu que as testemunhas de Deus – o sangue e a água – fossem ouvidas, mas deu ocasião ao que estava escrito: “Olharão para Aquele a Quem traspassaram”. E esta palavra, que fala do arrependimento de Israel nos últimos dias, introduz a ação de José e Nicodemos, e os tornam os representantes do Israel arrependido. Eles vêm por último na ordem da fé. Eles haviam temido sua nação incrédula, haviam temido o trovão da sinagoga, e não haviam permanecido com o Senhor em Suas tentações, mas sendo apenas secretamente Seus discípulos. Eles eram lentos de coração; no entanto, no final, eles reconhecem o Senhor, e são levados a olhar para Aquele a Quem traspassaram. Eles tiram o corpo da cruz, fresco com a perfuração da lança do soldado; e, ao baixá-lo do madeiro, certamente devem ter olhado, e olhado bem, para as mãos, os pés e o lado ferido. E eles devem ter lamentado enquanto olhavam, pois o coração deles já estava amolecido para receber a impressão do Crucificado. E assim será com Israel. Eles vêm por último na ordem da fé, e são lentos de coração; mas no final, eles olharão para Aquele a Quem traspassaram, e prantearão como alguém pranteia por seu filho unigênito.

 

É assim com José e Nicodemos agora, e assim será, em breve, com os habitantes de Jerusalém. Esses dois israelitas, como verdadeiros filhos de Abraão, reivindicam o corpo do Senhor e o consagram, como que com a fé do patriarca (Gn 12, 26); e, como verdadeiros súditos do Rei de Israel, eles também o honram com as honras de um filho de Davi (2 Cr 16:14). Eles derramaram grandes quantidades de perfumes caros sobre Ele, e O colocam no jardim, em um túmulo novo e imaculado, sobre o qual o cheiro da morte nunca havia passado.

 

Aqui tudo se encerra por enquanto; aqui, no segundo jardim, como posso chamá-lo, o Segundo Homem está agora deitado na morte. No primeiro jardim, o primeiro homem andou com acesso à árvore da vida; mas ele escolheu a morte, no erro de seu caminho. Aqui, no segundo jardim, a morte, a penalidade, é encontrada. Jesus, sem ter tocado na árvore do conhecimento, sofre a morte. No primeiro jardim, todos os tipos de árvores boas para comida e agradáveis aos olhos foram vistas. Mas aqui, nada aparece, senão o túmulo de Jesus. Foi nisso que o pecado do homem terminou, no que diz respeito ao homem. Mas esperemos um pouco. Por tudo isso, o Filho de Deus logo Se tornará a morte da morte e a destruição do inferno, para trazer à luz a vida e a imortalidade, e plantar novamente no jardim a árvore da vida para o homem. Que surja apenas a terceira manhã, e este jardim, que agora testemunha apenas Jesus na morte, verá o Filho de Deus em ressurreição e vitória – em vida vitoriosa para os pecadores.


J. G. Bellett


 

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