Os Evangelistas - Parte 23/23
- J. G. Bellett (1795-1864)
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ÍNDICE
Uma Meditação sobre o Senhor Jesus Cristo em Seus Vários Caracteres nos Quatro Evangelhos
Parte 2
e
O Cordeiro de Deus - Poema
J. G. Bellett
Mas, além disso, em Seus relacionamentos com o mundo que estava ao Seu redor, nós O vemos ao mesmo tempo um Conquistador, um Sofredor e um Benfeitor. Que glórias morais resplandecem em tal confluência! Ele venceu o mundo, recusando todas as suas atrações; Ele sofreu com ele, dando testemunho contra todo o seu curso; Ele trouxe bênção a ele, dispensando o fruto de Sua graça e poder incessantemente. Suas tentações apenas O tornaram um Conquistador – suas corrupções e inimizades um Sofredor – suas misérias apenas um Benfeitor! Que combinação!
Não é, porém, somente assim que vemos nosso Senhor Jesus nos Evangelhos. Temos Sua Pessoa, Suas virtudes e Seu ministério tanto ao ensinar quanto ao agir – mas sem Sua morte, tudo para nós seria nada.
No “lugar chamado Calvário” (ARA), ou seguindo para esse lugar desde o jardim do Getsêmani, vemos a grande crise (como certamente podemos chamá-la) onde todos estão engajados em seus respectivos papeis, e todos dispostos, respondidos ou satisfeitos, expostos ou revelados e glorificados, de acordo com o merecimento de cada um. Que lugar, que momento, apresentado a nós e registrado para nós por cada um dos evangelistas em sua maneira única.
O homem é visto ali, tomando seu lugar e fazendo sua parte, miserável e sem valor como ele é. Ele está ali em toda variedade de condições; no Judeu e no gentio; tão rude e tão culto; no lugar civil e no eclesiástico; como trazido para perto ou como deixado à distância; como privilegiado, quero dizer, ou como deixado a si mesmo. Mas, qualquer que seja essa variedade, todos estão expostos à sua vergonha.
O gentio Pilatos está lá, ocupando o assento da autoridade civil. Mas se procurarmos por justiça ali, é opressão que encontramos. Pilatos empunhou a espada não meramente em vão, mas para a punição daqueles que fizeram o bem. Ele condenou Aquele que ele reconhecia como “Justo”, e de Quem ele havia dito: “não acho n’Ele crime algum”; e os soldados que serviram sob seu comando compartilharam ou excederam sua iniquidade.
Os escribas e sacerdotes Judeus, a coisa eclesiástica daquela hora, buscam falso testemunho; e a multidão que os serve é uma com eles, e clama contra Aquele que havia estado ministrando às suas necessidades e tristezas.
Os que passavam, meros viajantes ao longo da estrada, homens deixados à distância, ou quanto a si mesmos, insultavam, desabafando ódio impotente, como tantos Simeis nos dias de Davi. E os discípulos, um povo trazido para perto e privilegiado, revelam a corrupção comum, e tomam parte nesta cena de vergonha para o homem, abandonando impiedosamente seu Senhor na hora do perigo, e justamente quando Ele havia procurado por alguns para ficar ao Seu lado.
Tudo é, portanto, indigno. Exposto a toda essa variedade, o homem é envergonhado como diante da criação; nessa crise, esse momento solene de pesá-lo e testá-lo, como pela última vez. A mulher com seu vaso de unguento não é exceção. Sua fé era da operação de Deus; e por mais belo que fosse o ato para ser lembrado por todo o mundo, é louvor de Deus, e somente d’Ele, por meio do Espírito.
Satanás, assim como os homens, se mostra nessa grande crise. Ele engana e então destrói. Ele faz de seu cativo sua vítima, destruindo pela própria armadilha pela qual ele havia tentado. A isca se torna o anzol, como sempre acontece em sua mão. O pecado que cometemos perde seu encanto no momento em que é realizado, e então se torna o bicho que não morre. O ouro e a prata são cancerosos, e sua ferrugem corrói a carne como se fosse fogo. As trinta moedas de prata fazem isso com Judas, o cativo e a vítima de Satanás.
Jesus está aqui em Suas virtudes e em Suas vitórias; virtudes em todos os relacionamentos e vitórias sobre tudo que estava em Seu caminho.
Que paciência em suportar Seus discípulos fracos e egoístas! Que dignidade e calma em responder a Seus adversários! Que consagração própria e entrega à vontade de Seu Pai! Essas eram Suas virtudes, enquanto O seguimos neste caminho, desde Seu assentar-se à mesa até Sua morte na cruz. E então Suas vitórias! O Cativo é o Conquistador, como a arca na terra dos filisteus. Ele veio para tirar o pecado e abolir a morte.
“Seu seja o nome do Vencedor
Que lutou a luta Sozinho.”
Deus está aqui, o próprio Deus, e nas alturas. Ele entra na cena, como poderia expressar, quando as trevas cobrem toda a terra. Essa era a Sua aceitação da oferta do Cordeiro que disse: “Eis aqui venho”. E tal oferta sendo aceita, Deus não mostraria misericórdia. Se Jesus é feito pecado por nós, é o juízo não abrandado, não mitigado que Ele precisa suportar. As trevas eram a expressão disso. Deus estava aceitando a oferta e tratando com a Vítima apropriadamente, não diminuindo em nada das exigências da justiça.
E então, quando a oferta foi consumada, e o sacrifício prestado, e Jesus entregou Sua vida, quando o sangue da Vítima fluiu, e tudo está consumado, Deus, por outra figura, reconhece a realização de tudo, a plenitude da expiação, e a perfeição da reconciliação. O véu do templo é rasgado de cima a baixo. Aquele que Se assenta no trono, que julga corretamente, e que pesa todas as reivindicações e suas respostas, o pecado e seu julgamento, a paz e seu preço e sua compra, dá aquele testemunho maravilhoso da profunda e indizível satisfação que Ele obteve no ato que foi então aperfeiçoado no “lugar chamado Calvário”.
Que parte para o próprio Deus bendito tomar nesta grande crise, nesta maior de todas as solenidades, quando tudo estava tomando seu lugar para a eternidade!
E mais ainda. Anjos também estão aqui, e o céu, a Terra e o inferno; pecado, também, e a morte, sim, e o mundo também.
Os anjos estão aqui, testemunhando essas coisas e aprendendo novas maravilhas. Cristo é visto por eles.
O céu, a Terra e o inferno estão aqui, esperando por este momento; rochas e sepulturas, o terremoto e as trevas do céu, anunciando isso.
O pecado e a morte são eliminados, tirados e destruídos; o véu rasgado e o sepulcro vazio publicam esses mistérios.
O mundo descobre seu julgamento quando a pedra selada é removida, e os guardiões dela são forçados a aceitar a sentença de morte em si mesmos.
Certamente podemos chamar isso de Grande Crise – o momento mais solene na história dos tratamentos de Deus com Suas criaturas. Maravilhosa reunião de atores e atuações; Deus e Jesus, homem e Satanás, anjos, céu, Terra e inferno, pecado e morte, e o mundo, todos ocupam seu lugar, seja de vergonha ou de derrota, ou de julgamento, de virtudes e de triunfos, de manifestações e de glória. Este é o registro de cada um dos evangelistas em suas várias maneiras, ou de acordo com seu próprio método, sob o Espírito. Nossas especulações não podem encontrar lugar. Temos apenas que receber as lições que eles nos ensinam, lições para uma eternidade esquadrinhada e bem compreendida.
E assim como olhei um pouco mais atentamente para a cruz, também olharei um pouco mais atentamente para o sepulcro vazio.
Morte vitoriosa, ou ressurreição dentre os mortos, é o grande segredo. Foi intimado na primeira promessa: pois a palavra à serpente em Gênesis 3 falou da morte de Cristo, e então de Sua vitória; isto é, de Sua vitória por ter morrido. O Ferido seria o Feridor.
O sacrifício de Abel, e todos os sacrifícios nos tempos patriarcais ou mosaicos, anunciavam a morte e a virtude na morte – morte vitoriosa, meritória e expiatória.
A fé de Abraão estava no mesmo mistério. Estava no Vivificador dos mortos. Era a fé padrão; pois ele é chamado de “pai de todos os que creem”.
Entre as muitas vozes dos profetas, o capítulo 53 de Isaías, aquela escritura bem conhecida, anuncia o mesmo mistério; pois fala das glórias do Ferido; e isso fala ou sugere uma morte vitoriosa.
O Senhor, em Seu ensino, antecipa Sua morte como o Vitorioso, falando às vezes de Sua ressurreição dos mortos e de Ele levantar ao terceiro dia o templo de Seu corpo (João 2).
A mulher que O ungiu para Seu sepultamento nos dá uma expressão de fé no mesmo mistério. Ela cria que Ele morreria e seria sepultado, mas que Ele passaria pela morte e pelo túmulo como um Conquistador, e por esse mesmo processo seria introduzido ao Seu ungimento ou Suas glórias. Ela entendeu o mistério da morte vitoriosa, ou da ressurreição dentre os mortos, o grande fato do qual o evangelho depende. Portanto, é isso que o Senhor diz dela, que onde quer que o evangelho fosse pregado, sua ação, sua fé, deveria ser lembrada. Ele fez disso uma fé padrão, como a de Abraão havia sido.
Então as epístolas, em sua época, revelam abundantemente esse mesmo mistério, interpretando a morte e ressurreição do Senhor Jesus como sendo o segredo do evangelho.
Assim, por toda parte, a morte vitoriosa de Jesus tem sido apresentada. Sem esse grande fato, não poderia haver a redenção – com ele, não poderia deixar de haver a redenção.
O pecado e Cristo se encontram, como posso expressar, nas planícies da morte. O pecado é o aguilhão da morte, ou o seu causador; Cristo é o Conquistador da morte ou seu Destruidor. Eles se encontram; e com certeza o resultado é a remoção do pecado, e a redenção de seu cativo.
A ressurreição dos mortos simplesmente, ou a sepultura devolvendo os mortos que estão nela, não seria vitória. Os mortos podem ser convocados de suas sepulturas, apenas para se sujeitarem ao julgamento; como acontecerá com aqueles não inscritos no livro da vida do Cordeiro. É a ressurreição dentre os mortos que é vitoriosa; e assegura a redenção, e este grande resultado, que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”; pois “o Senhor” é Jesus em ressurreição, o Purificador dos pecados e o Abolidor da morte (veja Romanos 10:13).
A ressurreição do Senhor Jesus é um grande fato. Quer ouçamos, quer deixemos de ouvir, lá está ela, e não pode ser contrariada. Nem podemos escapar de sua aplicação a nós mesmos. Ela tem a ver conosco, com cada um de nós, repito, quer queiramos ou não. Ela tem sua virtude diferente, sua dupla força e significado; e – cada um deve saber como ela se dirige a si mesmo. Ainda assim, lá está, e ninguém pode evitá-la. Jesus ressuscitado e glorificado está acima de nós e diante de nós, assim como o Sol se põe nos céus, e a criação de Deus tem a ver com isso.
E quem poderia arrancar o Sol do céu?
A glória se assentou na nuvem, enquanto Israel atravessava o deserto; e Israel deve saber que ela está lá, e tem que tratar com ela lá, estejam eles em que condição estiverem. Ela pode conduzi-los alegremente, se eles andarem obedientemente; ela os repreenderá e julgará, se não andarem. Mas lá está ela, como sobre eles e diante deles; e eles não podem escapar de sua aplicação a eles, e torno a dizer, estejam eles em que condição estiverem.
Então, novamente, profetas surgem de Deus entre o povo. Lá estão eles; e quer o povo ouça, quer se abstenha, eles saberão que profetas estiveram entre eles. Eles não podem negar o fato, ou escapar de sua aplicação.
E assim novamente. Cristo no mundo, nos dias de Sua carne, era um fato semelhante. Satanás tinha que saber disso como um fato, e como se aplicando a ele; e o homem teve sua bênção trazida a ele por isso, ou sua culpa e julgamento agravados. O reino de Deus havia chegado; e disso, e da força disso, eles tinham que se assegurar.
E exatamente de acordo com tudo isso está o grande fato presente da ressurreição. Jesus está ressuscitado e exaltado. Ele ascendeu e está glorificado. Podemos muito bem tentar arrancar o Sol do céu, como tentar escapar da aplicação deste grande fato à nossa condição. Ele fala de “juízo” e de “misericórdia”, quando olhamos para a cruz de Cristo com corações convictos e interessados, ou quando a desprezamos e a rejeitamos. Ela tem uma voz no ouvido de todos. Ela fala, quer os homens ouçam, quer se abstenham de ouvir. Há, no entanto, esta distinção a ser observada, e é séria – para desfrutá-la como a salvação de Deus, devemos, pessoalmente, vividamente, pela fé, ser trazidos em conexão com ela agora. Se a menosprezarmos todos os nossos dias, ela se conectará conosco em breve.
Isto, certamente posso dizer, é sério. Traz à mente Marcos 5. Apesar de Satanás, quer ele quisesse ou não, o Senhor Jesus Se coloca em conexão com ele na pessoa da pobre Legião de Gadara, a fim de julgá-lo e destruir sua obra. Mas Ele não Se coloca e a virtude que Ele carregava em Si em conexão com a pobre mulher doente na multidão, até que ela, pela fé, tenha trazido a si mesma e a sua necessidade a Ele.
Essa distinção tem uma verdade profundamente séria. Se nós, pela fé, não nos utilizarmos agora de um Jesus ressuscitado, e não obtivermos a virtude que está n’Ele, Ele nos visitará em breve com o juízo que então estará com Ele. Nenhuma súplica servirá naquele momento – nenhuma busca agora deixará de valer.
A consequência é bem ponderada. É inútil que o homem, ou o mundo, ou o deus e príncipe dele, resista a Cristo ressuscitado; isso se revelará apenas como recalcitrar (coicear) contra os aguilhões – autodestruição. É inútil que o pecador que confia no Cristo ressuscitado duvide, pois Deus já o justificou. A justiça de Deus é daquele que clama por redenção e resgate pelo sangue – a expiação de Jesus que glorifica a Deus. Sua morte foi a vindicação de Deus em plena e gloriosa justiça. Que Deus agora perdoe o mais vil – a cruz O autoriza a fazer isso, e ainda assim mantém Sua justiça e glória moral em toda a perfeição. Sim, é a justiça de Deus que aceita o pecador que clama pela cruz; pois assim como a cruz mantém a justiça de Deus, essa justiça é demonstrada ao tornar justo o pecador que a invoca.
E aqui posso acrescentar, somos ignorantes de Deus – não temos o conhecimento d’Ele, como o apóstolo fala (1 Co 15:34) – se não recebermos o fato ou doutrina da ressurreição. É por isso que Deus, em um mundo como este, Se mostra em Sua glória apropriada. O inimigo, por meio do pecado, trouxe a morte, e o Bendito é manifestado em vitória sobre ele – mas isso só é feito por aquela grande transação que tira o pecado e abole a morte. E a ressurreição é o testemunho disso.
Os discípulos estavam bastante descrentes quanto a esse grande fato, mesmo depois que ele aconteceu. Eles estavam, naquele momento, exibindo alguma afeição muito graciosa e sincera, mas estavam revelando total incredulidade quanto a esse fato. Mas isso é natural. Mais prontamente nos ocuparíamos em algo por Ele do que acreditar que Ele Se ocupou, lutou e conquistou, sofreu e triunfou por nós.
Com afeição sincera, as mulheres galileias visitaram o sepulcro. Com ousadia, José e Nicodemos reivindicaram o corpo. Era algo mais do que especiarias e unguentos que o embalsamavam – era amor e zelo, e seriedade e lágrimas. Madalena permanece junto ao túmulo, e Pedro e João correm até ele com pressa como que rival. Os dois na estrada para Emaús, enquanto falam de Jesus, estão tristes; e centelhas piedosas se acendem no coração deles, enquanto seu Companheiro de viagem faz d’Ele mesmo o assunto da conversa. Tudo isso era afeição graciosa; mas com tudo isso eles eram descrentes. Com essa ocupação de coração sobre Ele, eles não acolheram o grande fato de Sua vitória para eles.
O Senhor não está satisfeito com isso. Como poderia estar? Os pecadores devem conhecê-Lo na graça e força que os encontrou em sua necessidade. Os discípulos vêm ao sepulcro diligentemente e amorosamente, mas ainda assim isso não basta. Pela fé, devemos vê-Lo vindo a nós como em nosso sepulcro, e não pensar em ir até Ele em Seu sepulcro. Nós somos os mortos, e não Ele; Ele é o Vivo, e não nós. O Filho de Deus entrou nesta cena de ruína como um Redentor dos perdidos, e como um Vivificador dos mortos. É isso que devemos saber. Ele era terno, sabendo como apreciar a afeição; mas Ele repreendeu a incredulidade, e não ficou até que Ele levasse a luz deste grande mistério ao coração e consciência deles. “Adorando-O eles, tornaram com grande júbilo para Jerusalém” – assim, em espírito, como posso dizer, oferecendo sua oferta de manjares e sua oferta de libação, como ao trazer “o molho das primícias” do campo, no início da colheita (Lv 23:9-13).
Anjos, no entanto, estavam antes deles nisso. Eles aprenderam esse mistério; eles se alegraram nele; e à sua maneira o celebraram. E podemos, com conforto, quando pensamos nisso, dizer: Que interesse é tomado no céu nas coisas que são realizadas na Terra! Que intimidade dos anjos com os pecadores!
“Visto por anjos” é parte do “mistério da piedade”. O Cristo de Deus é o Objeto com anjos, enquanto Ele está percorrendo por Sua obra e caminho maravilhosos pelos pecadores! Quão bendito é isso.
Os “filhos de Deus”, os anjos, rejubilavam quando os fundamentos da Terra foram lançados; e o Livro do Apocalipse os mostra tomando seu lugar e participando da grande ação quando a carreira da Terra está se encerrando.
Eles se juntam à alegria que é conhecida no alto quando um pecador se arrepende pela primeira vez, e ministram a ele durante toda a sua jornada como um herdeiro da salvação. Podemos, portanto, dizer novamente: Que testemunhas interessadas são elas de tudo o que nos diz respeito (Hebreus 1:14)!
E o que eles estavam fazendo quando Jesus nasceu? E o que eles estavam fazendo quando Jesus morreu? Eles ainda estão presentes. Eles encheram as planícies de Belém no nascimento, eles se sentam no sepulcro vazio após a ressurreição. Isso não é intimidade?
Tem sido dito, e de forma bela: “Os anjos romperam as fronteiras naquela manhã”, quando apareceram em multidões, e com exultação, aos pastores. Verdade; mas eles sempre estiveram “rompendo fronteiras”, sempre deixando seu céu nativo para se interessarem pela Terra. Essa ação em Lucas 2 foi apenas um capítulo em sua história.
Certamente essa intimidade do céu com a Terra, esse interesse que as criaturas de Deus ali têm nos objetos de Sua graça aqui, nos fala das harmonias que estão destinadas a preencher toda a cena em breve. Deus é um Deus de ordem. As esferas que Ele forma e anima serão testemunhas dessas harmonias; e todas contarão da habilidade da mão que as dispôs, e do amor do seio que as uniu.
E, de fato, se tivesse me ocorrido antes, eu poderia ter acrescentado ainda mais quanto ao homem, que sua condição incorrigível e incurável está profunda e irrefutavelmente provada. O rompimento do véu deixa os escribas e sacerdotes tão endurecidos e perversos como sempre, e o rompimento do sepulcro deixa os soldados que o guardavam exatamente no mesmo estado em que os encontrou. Uns dão dinheiro, e os outros o recebem, para circular uma mentira diante desses fatos tremendos e assombrosos. E certamente podemos dizer, o coração que consegue recusar o temor, o arrependimento e o quebrantamento diante do convite de visitações como essas, de solenes feitos da mão de Deus como esses, precisa ser condenado diante de nós por estar irremediavelmente arruinado. Nada menos do que a palavra “perdido” é a que temos que inscrever sobre a alma humana.
Que momentos, posso dizer novamente, estamos contemplando assim no final de cada um dos Evangelhos! Podemos dizer isso, certamente. A obra consumada, no entanto, deu aos pecadores, perdidos de fato em si mesmos, os mais altos interesses em Deus, e isso para sempre. Ela nos deu um lugar na justiça de Deus, nos deu igualmente um lugar na família de Deus. Estamos em relacionamento, assim como em justiça. Somos filhos – adotados, bem como justificados. Pela cruz, Deus é revelado, assim como o homem é exposto. A condição de ruína moral total do homem foi vista no Calvário, e ali também é vista a gloriosa perfeição de Deus em bondade. O sangue encontrou a lança. O véu do templo foi rasgado em dois quando a vida de Jesus foi entregue – Jesus de Quem o homem havia dito: “Crucifica-o, crucifica-o”. Deus é revelado, assim como o homem é exposto; e a revelação é perfeita para Sua glória, assim como a exposição do homem foi perfeita para sua vergonha.
Na verdade, é nada menos que uma manifestação perfeita, brilhante e maravilhosa que a graça está fazendo de si mesma. A presença de Deus para com o pecador é restaurada em justiça. Ele coloca o pecador diante de Si mesmo de uma forma e caráter dignos do lugar. Mas não apenas justiça diante de Deus, mas, como dissemos, a adoção com o Pai também é nossa. E mais – aceitação no Amado, conformidade com a imagem do Filho, herança de todas as coisas com Ele, um corpo glorioso, e a casa do Pai, e o próprio trono de Cristo no mundo vindouro: todos estes são do pecador que pela fé entra no véu que a própria mão de Deus, por meio do sangue de Cristo, rasgou de cima a baixo. A graça, de fato, nos introduz a lugares ricos, assim como Deus está Se manifestando a Si mesmo. Mas para esses lugares ricos devemos fazer nossa passagem, cada um por si mesmo. Isso é uma coisa individual. Cada um de nós por si mesmo deve fazer essa jornada e passar da condição em que a natureza nos deixa para esses lugares ricos. Devemos, amados, ser individualizados diante d’Ele; depois, podemos conhecer nossos irmãos santos, reconhecer nossa aliança com eles, aprender nosso lugar em um corpo ou exercitar-nos e cumprir nossa parte e nossos deveres na congregação de Deus.
Uma lembrança necessária para a alma em todos os momentos – uma lembrança feliz e reconfortante para ela, em dias de confusão, ruptura e separação como o momento presente. Devemos ser individualizados diante de Deus.
Em outros dias, o povo de Deus esteve diante d’Ele em duas ocasiões muito solenes: na entrega da lei em Êxodo 19-20, e na consagração de Arão em Levítico 8-9.
Enquanto o Senhor estava entregando a lei dos Dez Mandamentos, Moisés levou o povo ao pé do monte, e os manteve lá até que as palavras terminassem. Enquanto Arão estava sendo colocado no cargo, e passou por seus serviços sacerdotais na presença de Deus, Moisés novamente levou o povo para fora, e os colocou na porta do tabernáculo até que a solenidade fosse cumprida.
Isso não era algo comum. Comumente o povo ouvia o que lhes dizia respeito, e era instruído em seus deveres, por meio de Moisés, ou por meio de Moisés e Arão. Mas nessas duas grandes ocasiões, a entrega da lei, e a instituição do sacerdócio, toda a congregação de Israel tinha que estar presente, para que cada um por si mesmo, ao ver e ouvir, pudesse testemunhar essas coisas, e conhecê-las.
Mas não só isso. Eles passaram por um exercício de alma adequado a cada ocasião. Eles não eram apenas espectadores, mas eram espectadores instruídos e comovidos.
No Sinai eles clamam e tremem. E foi assim que deveria ser. Moisés, como da parte do Senhor, aprova esse clamor e terror. Não podemos pensar adequadamente em Deus em juízo sem sermos como homens ouvindo uma sentença de morte sobre eles.
Na porta do tabernáculo, quando o fogo e a glória desceram do céu para atestar a suficiência dos serviços de Arão, e para prometer seus resultados, a congregação jubila, e todos se prostram sobre seus rostos, como adoradores e felizes. E isso, novamente, foi como deveria ser. Deus estava lá, não como um Legislador em meio aos terrores do julgamento, mas como um Salvador em meio às ricas provisões da graça. E não podemos receber Deus em graça e salvação sem uma resposta de gratidão e regozijo (pobre para alguns de nós, de fato, como sabemos) em nossos espíritos.
Assim era antigamente com Israel. Assim estavam todos, cada um por si mesmo, individualizados na presença divina nessas duas grandes e solenes ocasiões, e eles sentiam a autoridade de cada uma de acordo com sua diferente virtude. Estavam todos lá. O Deus vivo e cada alma individual estavam engajados lá, Deus com eles, e eles, cada um deles, com Deus. É bom marcar isso.
Quando um homem tem que ser convencido, ele próprio precisa estar na presença de Deus. Quando, como um pecador convicto, ele deseja ser aliviado e libertado, ele precisa estar novamente, na presença de Deus. Tais momentos devem ser intensamente pessoais. Devemos, cada um de nós, nascer de novo – nascer de novo (posso dizer?) para si mesmo – e passar, por meio do novo nascimento, para a luz e o reino de Deus. “Eu sei em Quem tenho crido”, diz alguém. “Estou crucificado com Cristo”, ele diz novamente; “e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o Qual me amou e Se entregou a Si mesmo por mim”.
Há, certamente, a percepção da possessão individual e pessoal de Cristo respirada em tais passagens. E isso deve ser nosso agora. Foi também a declaração em acentos mais fracos, se você preferir, de uma voz muito distante. “Eu sei que meu Redentor vive”, diz um patriarca; “e que por fim Se levantará sobre a Terra. E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus. Vê-Lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros, O verão; e, por isso, o meu coração se consome dentro de mim”.
Certamente, amados, devemos buscar intimidade de coração com Ele. O primeiro dever, assim como o maior privilégio, sim, e a mais sublime ação de fé, é apenas tomar nosso lugar diante do Senhor, familiarizando-nos com Ele e estando em paz. Em vez de nos perguntarmos dolorosamente se estamos fazendo retornos adequados a Ele, devemos encarregar nosso coração de apreciá-Lo nessas maravilhosas manifestações de Si mesmo. Nosso primeiro dever para com a luz que brilha n’Ele é aprender o que Ele é – calmamente, agradecidamente e alegremente aprender isso; e não ansiosa e dolorosamente começar a nos medir por isso, ou buscando imitá-lo. Sua presença deve ser nosso lar; para que, num piscar de olhos, seja de manhã, ao meio-dia ou ao anoitecer, possamos entrar ali com facilidade e naturalidade, com uma entrada abundante; como alguém expressou anos atrás, “como aqueles que não têm nada a perder, mas tudo a ganhar”. Amém.
O Cordeiro de Deus
Bendito o Jesus que conhecemos
Em incansáveis caminhos do amor aqui embaixo,
Seguido pelos evangelistas quando esteve aqui,
É Aquele que ascendeu lá;
E a fé ainda O conhece como o Mesmo,
E lê com confiança Seu nome.
A glória de Deus brilhou naquele rosto bendito,
Em poder, dignidade e graça.
Era a luz da fronte do Sinai,
Que fez com que todo o Israel se afastasse;
Ali não havia um único raio,
Por mais deslumbrante que poderia parecer,
Que disse ao coração para pegar um véu
Para escondê-lo, para que não desfalecesse e falhasse.
“Mestre, onde moras?” eles dizem,
E, alegremente convidados, lá eles ficam;
E naquele novo solo, embora santo,
Uma morada seus espíritos lá encontram.
A consciência separa outro à parte
Em conversa com seu coração desperto;
Mas, pela sombra da figueira, é dado
Jesus, e então um céu aberto.
“Vinde, vede um Homem que me disse tudo”,
Foi o chamado de uma pecadora convicta;
E aqueles que a seu convite vêm,
Assim como ela, com Ele logo encontrarão seu lar.
Mesmo ela para quem o monte furioso
Entregaria suas pedras para apedrejá-la e matá-la,
A amaldiçoada, condenada e culpada,
Permanece à vontade a sós com Ele.
Assim, em meio às nossas ruínas, ela uma vez brilhou,
Em meio às Suas próprias glórias agora é conhecida;
Mas podemos suportar isso mais intensamente lá,
Pois aprendemos isso tão ternamente aqui.
Senhor, desejo seguir-Te mais
Do que meus olhos jamais fizeram;
Cada passagem da Tua vida seja
Um elo entre minha alma e Ti!
Pois te veremos como eras,
Quando cada declaração do Teu coração,
Por todas as Tuas obras de amor divino,
Fizeste de todas as nossas necessidades e tristezas Tuas.
E nós Te veremos como Tu és,
E em Tua imagem teremos a nossa parte,
Em glória Tu, em glória nós,
Resplandecente na majestade celestial!
Nenhuma parte da Tua vida bendita abaixo
Mas em sua plenitude eu conhecerei,
Aperfeiçoada por Ti, recuperada por mim,
Nos reinos da imortalidade!
Com corações ardentes então nos regozijaremos
Em ecos daquela voz bem conhecida,
Que a dois corações ardentes de outrora
Revelou os mistérios da graça:
A voz que acalmou a contenda da natureza ousada,
A voz que chamou os mortos à vida,
Que disse com empatia: “Eu irei“,
E falou com poder: “Cala-te, aquieta-te”.
A mão que afastou a doença para longe,
E que firmou Pedro quando afundava;
Que levantou o filho da viúva, e então
Retornou-o aos seus braços carinhosos;
A mão que lavou totalmente os pés,
Falando ao coração que batia dentro;
A mão levantada que os abençoou aqui
Ao se separarem, mas para abençoá-los ali.
Os braços que ainda são os mesmos
Quando o lar das crianças estava lá.
O seio também é o mesmo de quando
João, o amado, inclinava-se sobre ele.
As mudanças aqui não causaram mudança alguma em Ti,
O mesmo vemos do princípio ao fim;
Em vida e em ressurreição Tu,
Jesus! Era um tanto naquela época como agora.
Nas formas mais doces e gentis de graça,
Entre os Teus, tomaste o Teu lugar;
A pesca abundante na praia
Anunciou-Te ressuscitado como antes;
E a mesa posta falava de Um,
O mesmo, no passado, presente e futuro.
Alimentado no deserto antigo,
O arraial de Deus não comprava nem vendia,
Mas as reservas do céu eram abertas a cada manhã,
E a comida dos anjos, ou o trigo do céu,
Transportado pelo orvalho, supriu o lugar –
Grande e maravilhoso milagre da graça!
E Tu, Senhor Jesus, no Teu dia,
Novamente colocaste comida nos desertos;
Não na grandeza do passado,
Mas de forma mais querida – e eterna -
Foi o teu próprio coração que sentiu a necessidade,
Foi a Tua própria mão que forneceu o pão.
Foram os teus próprios lábios que sopraram a bênção –
Coração, mãos e lábios o serviço combinou.
Estas foram as Tuas empatias para conosco,
E assim sempre Te conheceremos.
Foi uma alegria para Ti, enquanto aqui na Terra,
Observar o progresso daquele nascimento
Que conduz os pobres pecadores à luz,
Saindo da escuridão da noite da natureza.
Foi uma alegria para Ti, enquanto aqui na Terra,
Saudar a abordagem ousada da fé,
A fé que chegou até Ti através da multidão,
Ou que, embora impedida, clamou em voz alta.
Pois o amor se deleita em ser usado.
Os pensamentos sinceros da fé nunca são rejeitados.
E esta mesma alegria e amor em Ti,
Sabemos que permanecem inalterados eternamente.
O olhar, o suspiro, o gemido, a lágrima,
Que marcaram o caminho do Teu espírito aqui,
Nós ainda reconhecemos, ó Senhor, em Ti,
Tua mente, Teu coração, Tua compaixão!
Do Calvário não falo aqui;
O sangue selou nosso único título ali:
Tem seu lugar peculiar
Em meio aos mistérios da graça.
Mas a amada casa em Betânia,
E o solitário Getsêmani ali próximo,
Pobres Nazaré e Belém,
E a infiel e orgulhosa Jerusalém,
O monte, o deserto, o mar,
As aldeias da Galileia,
A porta de Naim e o poço de Sicar,
As costas de Sidom, tudo falará
D’Aquele que andou por aqui antes,
E nos dirão que não precisamos mais perguntar,
Mas estar prontos, com boas-vindas,
Para estar em casa para sempre, Senhor, contigo!
Assim, a memória Te conhece, pela Palavra,
Em todos os Teus caminhos e ações, Senhor!
E a memória não tece nenhuma ficção,
Mas se transforma em páginas vivas e verdadeiras,
As pegadas de um passado real,
Que brilham e permanecem firmes para sempre.
Não são palavras descritivas de Ti,
Mas as ilustrações nos deixam claro.
A glória de Deus em Teu rosto retratada
Semelhança viva e brilhante, sem sombra.
Aqueles que Te veem, veem o Pai,
Mistério maravilhoso e inestimável!
Os céus manifestam a glória do Criador,
Eles revelam Seu poder e divindade;
Mas estes são indícios pelos quais delineamos
Alguns dos segredos do Seu nome:
Mas tudo o que Ele é, é conhecido pelos pecadores,
Em uma imagem bendita Ele mostrou.
Não temos que adivinhar nem decifrar,
Lemos em linhas claras, brilhantes e completas;
Lemos isso no rosto do nosso Salvador,
E, agora, todas as dúvidas e buscas cessam.
O pecador olha, os viajantes também,
Os pobres, e os pequenos e as crianças de peito;
Todos Te aprendem como Tu és e eras,
E assim Tu és aprendido para sempre.
Tudo quanto de Ti foi uma vez mostrado,
É, com certeza, conhecido para sempre;
Tuas virtudes, como Tu mesmo, são todas belas,
Não há sombra de mudança ou perda:
Cada característica do Teu coração e mente
Brilha para sempre, em sua espécie:
“Porque é Teu”, deixa tudo claro,
Deve ser ainda, pois tem sido:
“Jesus é O mesmo, e nosso para sempre”
Nenhuma força do inferno pode romper esse vínculo.
Mas isto é o que pedimos, pois conhecemos muito bem
O feitiço perigoso do mundo e da natureza,
Que nenhuma esperança de alegria humana
Ocupe o coração afetuoso e desejoso!
Que a criatura não repare agora
As brechas de cada ano que passa!
Com lâmpadas ainda aparadas e amor virgem,
Ensina-nos a esperar por Ti do alto;
Como filhos das bodas, jejuando aqui,
Até que Tu, Estrela da Manhã, apareças,
Para compartilhar conosco aquela luz mais antiga,
O prenúncio do dia, tão único e brilhante;
Prometendo, em breve um mundo renascido,
Tempos de refrigério, como a manhã.
Assim, possam nossas esperanças e temores cessar,
E Contigo seja lançada a nossa sorte!
Olho não viu, nem ouvido ouviu,
O que Tu, em glória, tens preparado
Para aquele que Te ama e espera
Em Teu próprio mundo Contigo estar;
Contigo, que não és estranho aqui
Embora ainda sejamos estrangeiros, lá.
J. G. Bellett
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