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Os Evangelistas - Parte 4/22 (Marcos caps. 1-10)

Foto do escritor: J. G. Bellett (1795-1864)J. G. Bellett (1795-1864)

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ÍNDICE


 

Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos

J. G. Bellett

Parte 4

 

Introdução ao Evangelho de Marcos

 

Na luz variada e frutífera da Escritura, que novas maravilhas, às vezes, se lançam diante do olhar da alma! Sua semente está em si mesma, como as árvores do Éden. Seu testemunho está em si mesma, como todas as obras de Deus. Suas honras e virtudes são todas suas – feitas nossas, de fato, somente pelo poder do Espírito Santo. Mas assim é. Seu valor e sua excelência procedem de si mesma; e queremos apenas a fé que anda na luz dela, apreendendo e desfrutando Aquele cuja sabedoria e graça ela nos revela.

 

Que cada um dos quatro Evangelhos tem seu próprio caráter e propósito, sob o Espírito de Deus, é agora suficientemente familiar para nós. E, de fato, esse era o pensamento entre o povo de Deus desde os primeiros dias do Cristianismo. Eles perceberam então, como nós percebemos agora, variedade em unidade; de modo que alguns deles disseram: “Não são tão propriamente quatro Evangelhos que temos, mas um Evangelho de quatro faces.” A única vida é vista em diferentes relações – o mesmo Jesus passa pelas mesmas cenas e circunstâncias, em vários caracteres.

 

Isto é variedade em unidade. E isto me leva a sugerir que, da mesma forma, o Livro de Deus também tem unidade em variedade. Vemos nosso mundo em todas as partes dele, e nós mesmos em todas as pessoas dele. Ouvimos, por exemplo, a graça que se dirige a nós como pecadores, e aprendemos ruína e redenção agora, como Adão as aprendeu no dia de Gênesis 3. Ao sermos revestidos da justiça de Deus pela fé, nos encontramos na família e comunhão de Abraão, como em Gênesis 15. À mesa do Senhor, preparada em meio aos redimidos a cada dia de ressurreição, nos assentamos em um espírito com a congregação de Deus, como em Êxodo 12. No conflito da carne e do espírito, não apenas vemos que tipo de pessoa os santos nos dias de Paulo eram, mas lemos nossa própria experiência cotidiana bem conhecida.

 

Assim, estamos à vontade por todo o Volume, traçando nosso próprio mundo em todas as cenas dele, e nós mesmos nos atores. E isso é unidade em variedade. Tal é o caráter maravilhoso do Livro.

 

Milhares de anos são apenas um e o mesmo dia. O Livro é um, embora Moisés e João, os primeiros e os últimos escritores nele, estivessem separados por séculos e séculos; e embora reis e pescadores, escribas e pastores, profetas e publicanos, separados por todos os hábitos da vida e das circunstâncias humanas, fossem chamados a colocar a mão nele.

 

É um Livro de maravilhas, mas o Livro em si é a maravilha principal, como isso pode nos mostrar. Sua naturalidade e sua beleza são, com tudo isso, admiráveis além da expressão. Essa qualidade do Livro de Deus uma vez lembrou a alguém de uma analogia impressionante no reino da natureza. “É”, ele disse, “como uma árvore nobre, da qual a energia interior, a liberdade do poder vital soberano, produz uma variedade de formas, nas quais os detalhes da ordem humana podem parecer estar faltando, mas na qual há uma beleza que nenhuma arte humana pode imitar.”

 

Verdadeiro de fato; e verdadeiro também é o que ele acrescenta após contemplar os materiais que formam e fornecem este Livro. “Todos se combinam para coroar com glória divina a demonstração da origem e autoria do Livro que contém essas coisas.”

 

Que a meditação sobre isso seja misturada com a fé, para que a alma seja beneficiada enquanto o coração se encanta!

 

Este Evangelho, que sucede o de Mateus, poderia parecer à primeira vista, como história de eventos, apenas um relato mais curto das mesmas circunstâncias; mas, se o olhar despertado for um pouco mais atento, a peculiaridade que lhe é inerente e lhe dá o seu caráter não deixará de ser percebida.

 

O início dele pareceria dar a ele o último lugar na série ou sucessão dos quatro Evangelhos. Mas, novamente, em uma inspeção mais detalhada, ele será considerado muito apropriadamente para manter, como mantém, o segundo lugar.

 

Não temos nele nenhuma genealogia do Senhor Jesus, seja divina, humana ou Judaica. Somos apresentados a Ele imediatamente em Sua Humanidade. Não temos relato de Seu nascimento, nem dos precursores de Seu nascimento; nem é feita menção de Seus primeiros dias vividos em sujeição a Seus pais, ou sob a lei; muito menos de Sua encarnação. Tudo isso, glorioso e precioso como é, é deixado com os outros evangelistas.

 

João nos fala da encarnação. “O Verbo Se fez carne”. Este é o primeiro e mais alto pensamento. Isso nos dá o Senhor como Ele era divinamente, ou desde a eternidade.

 

Lucas então nos dá o fato de Sua vinda a este mundo, e relata a maneira dessa vinda. Ele nos conta sobre o nascimento pela sombra do Espírito Santo. E então ele nos deixa à vista d’Ele, por um pouco de tempo, crescendo em sabedoria e estatura, como no meio de circunstâncias familiares, ou em casa em Nazaré, na Galileia.

 

Mateus, retomando a maravilhosa narrativa por sua vez, nos mostra este Menino nascido, e este Filho dado, em Sua solene apresentação ao Seu povo Israel. Sendo vindo, Emanuel, Deus e Homem em uma Pessoa, Ele é apresentado em Seus direitos e reivindicações como o Governador prometido vindo de Belém de Judá.

 

Marcos então, passando por cima de tudo isso, mostra-nos imediatamente o Senhor em Sua idade adulta. Sua glória eterna; Sua encarnação; a maneira de Sua entrada na carne e no mundo; as reivindicações que foram feitas a Ele por vozes de profetas e visões do céu, assim que Ele chegou aqui; tudo passou. Aquele que estava no princípio; Aquele que nasceu, no devido tempo, em Belém; Aquele que, como um Menino, teve que ser levado em fuga para o Egito; que depois cresceu em graça e em anos em Nazaré, e, aos doze anos, conversou com escribas e doutores no templo; tal Alguém não é notado assim, mas no primeiro momento do nosso Evangelho, Ele é visto por nós como cingido em plena força e Humanidade para o serviço. “O princípio do evangelho de Jesus Cristo” são as primeiras palavras de Marcos.

 

Então, como observei, este Evangelho pode parecer ocupar o último lugar na ordem dos quatro. Mas esta é apenas uma primeira impressão.

 

Caracteristicamente, este Evangelho é o Evangelho de nosso Senhor Jesus como um Servo, ou como em ministério. Como tal, ele se inicia, como tal, ele se mantém por toda parte, e como tal, ele se encerra.

 

Mas não devemos dizer de nosso Senhor que Ele é nosso Servo. Ele está sempre nos servindo, é verdade; no entanto, Ele não é nosso Servo, mas de Deus. Falar d’Ele como nosso Servo, como alguém uma vez me sugeriu, seria torná-Lo sujeito ao nosso comando, o que não poderia ser. De modo que, embora em infinita graça Ele nos sirva, Ele é, o tempo todo, Servo de Deus, e não nosso.

 

E é por isso que podemos traçar, neste Evangelho, tantos pequenos traços e toques, que adornam e aperfeiçoam uma vida de serviço, que tem seus ornamentos, bem como sua substância, sua ternura e consideração, bem como sua devoção e sacrifício próprio.

 

Já observei que, geralmente, os materiais de Marcos são os mesmos de Mateus. O Senhor está fazendo as mesmas coisas, e é visto nas mesmas circunstâncias. Há, no entanto, essa diferença de propósito – em Mateus, Ele está testando Israel; aqui, Ele está servindo Israel.

 

Assim, em Mateus, o Senhor é apresentado em toda a apropriada forma, repetidamente, para que toda vantagem lhes fosse dada, enquanto Israel estava sob prova se aceitaria o Messias ou não.

 

Em Marcos há a ausência de toda forma e cerimônia. Não há introdução solene do Senhor, como o Evangelho inicia, além das coisas que eram necessárias para colocá-lo em Sua obra; e, assim que Ele está em Sua obra, Ele passa de um serviço para outro com toda diligência. E essas distinções têm verdadeira beleza em si. Pois o serviço, em sua própria natureza ou caráter, é informal e circunstancial. Ele responde às ocasiões conforme elas surgem. Ele faz seu trabalho, em vez de se preparar para fazê-lo. Mas, ao testar Israel em Mateus, o Senhor cuidadosa e devidamente Se apresenta em formas preditas por seus profetas; assumindo, no meio deles, todos aqueles caracteres que dão cumprimento diante deles às palavras de suas próprias Escrituras.

 

Essa variedade é, certamente, uma parte da perfeição que se liga a este Livro. Aquele a Quem temos em cada um dos Evangelhos é levado através das mesmas cenas e circunstâncias, porque a história é verdadeira; mas o Espírito O deixa passar diante de nós, através dessas cenas, em diferentes caracteres, todos consistentes, Mas um e outro são necessários, a fim de apresentá-Lo em Sua plenitude. Aqui, em Marcos, Ele é o Jesus que, tendo vindo não para ser servido, mas para servir, “andou fazendo o bem”.

 

O escritor deste Evangelho está, pessoalmente, como posso dizer, em companhia de seu Evangelho. É Marcos, ou João Marcos, a quem Paulo e Barnabé tiveram “como um ministro”; e de quem Paulo, em outra ocasião, disse que ele “me é muito útil para o ministério”. E como o apóstolo João era um escritor adequado para nos contar sobre Aquele que estava no seio do Pai, porque ele próprio se reclinava no seio do Senhor, então podemos observar aqui uma adequação semelhante do escritor ao assunto.

 

Agora eu abordaria este Evangelho, distinguindo as partes em que ele se apresenta naturalmente e, então, observando o que é característico.

 

Primeira Parte—Marcos 1-10. 

Esses capítulos nos contam os serviços do Senhor no meio de Seu povo Israel.

 

Segunda Parte—Marcos 11-13. 

Esses capítulos nos dão a apresentação do Senhor de Si mesmo, como seu Rei, ao Seu povo, os resultados imediatos disso; e então Sua palavra profética sobre os tempos e destinos de Israel, que agora O havia rejeitado.

 

Terceira Parte—Marcos 14-15. 

Esta parte do nosso Evangelho nos mostra a cena dos últimos sofrimentos de nosso Senhor.

 

Quarta Parte—Marcos 16. 

Este último capítulo nos mostra nosso Senhor em ressurreição.

 

Marcos 1-10 

 

“O princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”.

 

Nada pode ser mais simples, mais completamente desprovido de toda cerimônia e forma, do que isso; e isso convém plenamente a Alguém que estava Se apresentando ao serviço.

 

A Pessoa inteira é confirmada. Mas isso é feito sem qualquer tipo de solenidade. Pois não é a Pessoa do Senhor que está prestes a estar diante de nós, nem são Seus direitos, mas Seu ministério ou serviço. A introdução que Ele recebe aqui, portanto, deve ser apenas aquela que é necessária para colocá-Lo em Sua graciosa e abençoada tarefa.

 

João Batista O anuncia como Aquele que viria para batizar; isto é, vindo em ministério. Mas Marcos não acrescenta, como Mateus e Lucas fazem, “A Sua pá, Ele a tem na mão e limpará completamente a Sua eira” (ARA) – porque essa ação pertence ao Senhor em Seu lugar judicial, em vez de Seu lugar ministerial, e, portanto, não estava dentro do propósito deste Evangelho.

 

Lemos então sobre o próprio batismo do Senhor pelas mãos de João; e depois sobre Sua tentação; cada uma dessas coisas sendo uma parte necessária de Sua introdução ao ministério.

 

No relato do nosso evangelista sobre a tentação, há uma circunstância que lhe é peculiar. Falando do Senhor naquela cena, ele nos conta, que Ele “estava com as feras” (ARA).

 

Isso é cheio de interesse e é muito apropriado colocar esta marca de dignidade, dignidade pessoal, imediatamente (antes do início do curso dos serviços) sobre Aquele que, por mais que Se humilhasse à forma de um servo, era Ninguém menos que Jeová, e o imaculado Filho do Homem. Ele “estava com as feras”. Era um lugar sombrio em si mesmo, um deserto. Mas, neste momento, havia um Homem ali que nunca havia perdido o Éden. Jesus tinha o lugar original do homem na criação de Deus. Ele estava no meio das criaturas da mão de Deus, como Adão tinha estado nos dias de sua retidão. Em Sua presença, as feras eram como se não fossem selvagens, como tinham sido em Gênesis 2.

 

Não houve perda do Éden na Pessoa deste Filho do Homem. A tentação agora vem, como em Gênesis 3, para deixar que seja conhecido que Ele manterá Seu primeiro estado, como Adão não o fez.

 

A serpente entra em cena uma segunda vez, e a tentação segue seu curso. Não precisamos dizer como “o último Adão” respondeu à serpente. Quando o diabo O deixou, anjos vieram e ministraram a Ele como o Vitorioso; anjos, que resistiram ao primeiro Adão como o derrotado, guardando em todos os sentidos o caminho da árvore da vida. O Éden, no que diz respeito ao título, nunca foi perdido para Jesus. Essas augustas testemunhas, como posso chamá-las, as feras do deserto e os anjos do céu, em suas várias maneiras, selam esta verdade para nós – portanto, tudo o que Ele passou, depois disso, em tristeza, cansaço e fome, como em um mundo de espinhos e cardos, foi em obediência a Deus e em graça para com os pecadores. Foi uma entrada voluntária na perda de todas as coisas. Ele Se expôs a tudo isso; Ele não era responsável por nada disso.

 

Isso está, desta maneira, impresso na Pessoa e condição de nosso bendito Senhor, enquanto Ele praticamente entra em Sua vida de serviço. Isso é profundamente bem-vindo para nós, mas é rapidamente descartado; e tudo é logo deixado para trás. Seu batismo, com a voz que o acompanha vinda do céu e a descida do Espírito, assim como esta cena no deserto, e o aviso da prisão de João, tudo é rapidamente descartado, e depois de treze ou quatorze versos curtos, nós O encontramos em serviço real.

 

Rapidez ou diligência marcam esse serviço imediatamente, e isso também muito deliberadamente – pois um servo deve ser conhecido por sua diligência – “Não sejais vagarosos no cuidado” – e assim encontramos a palavra “imediatamente” ou “logo”, tão frequente no primeiro capítulo.

 

E daí em diante, ao longo destes capítulos, é no serviço que vemos o Senhor empenhado. O Seu caminho é passar de uma ação para outra, e continuar a fazer o bem. E Ele está mais fazendo do que ensinando; pois fazer é o trabalho mais humilde. Temos poucas parábolas, e nenhum discurso prolongado, como em Mateus e Lucas; enquanto vários de Seus atos de graça e poder são mais detalhados por Marcos do que por qualquer um deles – como no caso da Legião, e da mulher com fluxo de sangue, do homem surdo em Decápolis, e do homem cego em Betsaida.

 

E, em todos esses registros, há toques e pinceladas que manifestam lindamente o desígnio do Espírito. Os tons humanos da mente de Cristo são vívidos aqui.

 

Assim, na cura da mãe da esposa de Pedro, Marcos é o único que nos conta que o Senhor “tomou-a pela mão” quando estava levantando-a, depois que a febre a deixou.

 

Portanto, é somente Marcos quem nos conta que, em semelhante graça, o Senhor tomou as crianças em Seus braços.

 

Mas tais ações não apenas expressam a ternura e a graça de Alguém que foi perfeito no serviço; elas também são belas por sua significância. Tome, por exemplo, esta ação a respeito das crianças, às quais acabamos de mencionar.

 

Nessa ocasião, em Marcos 10, é em Seus braços que o Senhor toma as crianças; em outra, em Mateus 18, Ele coloca uma delas no meio dos discípulos; ou, como vemos em Lucas 9, sozinho, ou ao Seu próprio lado.

 

Há um belo significado nessas diferentes ações.

 

Foi quando os discípulos estavam repreendendo aqueles que trouxeram as crianças a Ele, que Ele as tomou em Seus braços. Ele daria de bom grado o lugar de afeição mais próxima e carinhosa àqueles cuja ignorância sobre Ele, e os erros do pobre e tolo coração do homem, os teriam mantido à distância.

 

Mas quando os discípulos estavam discutindo entre si sobre quem deveria ser o maior, Ele pega uma criança e a coloca no meio deles ou ao Seu próprio lado; pois, seja visivelmente no centro do grupo ou distintamente à Sua direita, Ele estava dando à criança o lugar de honra, repreendendo o orgulho da vida ou o amor à distinção que então estava operando entre eles.

 

Belas, portanto, repito eu, em seu significado, são essas diferentes ações do Senhor para com as criancinhas. Ele as leva para o lugar de apreço, quando a incredulidade as teria mantido à distância; Ele as coloca no lugar de honra, quando o orgulho ou o mundanismo teria buscado tal lugar para si.

 

E novamente. Embora leiamos sobre Seu olhar ao redor com indignação, logo aprendemos que essa não era a indignação de alguém que tomou o assento do julgamento, mas d’Aquele que estava entristecido de coração pela dureza e incredulidade dos homens. Era a sensibilidade do espírito de santidade.

 

Suas empatias são muito notadas por nosso evangelista, pois Ele está fazendo Seus atos de misericórdia. E assim acontece com Suas sensibilidades. À vista da aflição, Ele suspirou – à vista do pecado, Ele suspirou profundamente (Marcos 7:34; 8:12).

 

No relato de Marcos sobre o jovem rico, lemos que Jesus, ao vê-lo, o amou; mas nem Mateus nem Lucas mencionam essa emoção do coração do Senhor.

 

Então, em duas ocasiões, onde a cura foi muito similar, uma registrada por João, e a outra por Marcos, ainda encontramos a empatia de Jesus notada somente em Marcos. No nono capítulo de João, o Senhor emprega Sua saliva, e aplica Sua mão; e então, como no sentido de autoridade e poder, Ele diz ao cego, “Vai, lava-te no tanque de Siloé”. Em Marcos 7, Ele novamente emprega Sua saliva, e aplica Sua mão; mas, com isso, Ele Se envolve pessoal e intensamente no momento.. Ele olha para o céu, como reconhecendo o Pai ali; Ele suspira como se estivesse sensível à aflição aqui; e então, mas não antes disso, Ele fala a palavra, e a cura vem.

 

Essas eram algumas de Suas empatias conosco e com nossas enfermidades. Elas estavam entre Seus modos de serviço; e por elas Ele estava aprendendo a cumprir, em graça infinita, Seu atual serviço no céu, como o compassivo Sumo Sacerdote. “Naquilo que Ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados”.

 

Não há neste Evangelho a mesma autoridade em Sua maneira de vindicar Sua glória diante da incredulidade e do desprezo do homem, nem o mesmo tom de severidade em Suas repreensões, como há nos outros.

 

A ordenação dos Doze não é dada tão completamente aqui como em Mateus. E é muito significativo do nosso evangelista que ele nos diga que Jesus ordenou os apóstolos, não meramente para que Ele pudesse enviá-los, como Mateus fala, mas também para que eles pudessem estar com Ele, Seus companheiros, por assim dizer, assim como Seus apóstolos; como se Ele fosse, o que verdadeiramente Ele era, seu Colaborador no evangelho.

 

Esses e outros toques e afagos semelhantes podem ser fracos e passar despercebidos às vezes; mas eles dão o caráter. Eles mostram Jesus como o Servo – eles apontam o cinto com o qual Ele estava cingido. Eles formam os caminhos de Alguém que era hábil em mostrar gentileza e conhecia a arte de servir aos outros com perfeição.

 

Ele “está fora de Si”, era a linguagem de alguns, conforme registrado por Marcos. E era verdade, num sentido que eles não pensavam. Ele não tinha em Si mesmo aquela prudência que o homem aprendeu a valorizar – pois “os homens te louvarão, quando fizeres bem a ti mesmo” (ACF).

 

Consistente com tudo isso, Ele é visto aqui, mais no vale – Alguém que Se esvaziou, oculto, como convém a um servo (Filipenses 2:7). Ele é, às vezes, chamado de “Mestre” aqui, onde em Mateus Ele é chamado pelo título mais alto, “Senhor”. E é somente em Marcos que lemos que as pessoas O chamavam de “o Carpinteiro”. Nem traçamos Seu espírito na mesma elevação consciente às vezes – não temos em Marcos o relato de Mateus 11:25, nem o de Lucas 10:19.

 

Seus milagres O confirmam como o Filho de Davi nos pensamentos do povo, como Mateus nos conta (Mt 12:23). Mas eles não são assim contados em nosso Evangelho. Nem encontramos o mesmo cuidado no Espírito aqui para identificar Jesus de Nazaré com o Messias prometido, por referência constante aos profetas, aplicando suas palavras a Ele e Seus feitos. Pois não são tanto Suas reivindicações sobre o mundo que o Senhor está aqui vindicando, mas o apelo do homem por Seu poder e graça que Ele está sempre esperando para responder.

 

Seus isolamentos, também, são apenas recrutamentos para novos serviços. Portanto, Ele permitiu que tal isolamento fosse invadido, se as pessoas e suas necessidades assim o quisessem; pois Ele não reivindicou Seu tempo para Si mesmo.

 

Temos um exemplo disso em Marcos 1. Depois de trabalhar em várias tarefas, da manhã até a noite, em Cafarnaum, nós O vemos, na manhã seguinte, levantando-Se bem antes do amanhecer, para orar; mas Seu retiro sendo interrompido pelas demandas do povo e pela palavra de Pedro, Ele imediatamente o permite e sai.

 

Então, em Marcos 4, Ele está ensinando à beira-mar. Ele começa o trabalho deste dia ali, nas margens do lago da Galileia. Prova ser um dia de trabalho árduo, e ao anoitecer Ele Se retiraria de bom grado. Consequentemente, Seus discípulos O transportam no barco como Ele estava, um Trabalhador cansado e, no cuidado de seu amor por Ele, eles Lhe fornecem uma almofada, e Ele adormece. Já foi dito com tanta ênfase como agora, “pois assim dá Ele aos Seus amados o sono”? Eles se afastam da costa; e o vento logo se transforma em uma tempestade, e as ondas batem no barco. A interrupção vem novamente, pois os medos dos discípulos O despertam, e O despertam rudemente. Mas Ele não conheceria nenhuma medida de Seu sono e refrigério, senão aquela que a necessidade dos outros prescreveria; e, portanto, Ele imediatamente Se levanta para acalmar os ventos, as ondas e os medos de Seu povo.

 

Então novamente em Marcos 6. Os apóstolos retornaram de sua missão, e, providenciando para o conforto deles, Ele os leva para um lugar deserto, para que pudessem descansar e comer. Mas a multidão, que os havia observado, os surpreende em seu retiro. Teria sido um momento valioso para Ele, assim, estar sozinho com os companheiros de Seus labores, ouvindo deles tanto o que eles tinham feito quanto o que eles tinham ensinado. Mas com a intrusão da multidão, Ele imediatamente Se vira, e começa a ensinar-lhes muitas coisas. A necessidade mais profunda do povo O afasta daquela dos apóstolos. Era apenas um serviço dando lugar a outro; mas a cena não termina até que Ele tenha providenciado ambos, ensinando o povo, e alimentando a todos, de tão cheias que estavam Suas mãos, e de tão continuamente cingidos que estavam Seus lombos.

 

E este Servo, como vimos agora, estava cansado às vezes. Há, no entanto, uma diferença a ser observada nos dois casos; refiro-me ao nosso quarto capítulo que acabei de examinar, e ao quarto capítulo de João. Ele encontra sono para Seu alívio em Marcos; Ele era independente de todo refrigério em João. Aqui estava uma marcante diferença. Mas as sensibilidades comuns de nossa natureza irão, quando examinamos um pouco as duas ocasiões, facilmente explicar isto.

 

Em Marcos 4, Ele passou por um dia de trabalho árduo, e à noite Ele estava cansado, como a natureza fica depois do trabalho. O sono é então providenciado para Ele, para restaurá-Lo ao Seu trabalho quando a manhã chegasse. Em João 4, Ele está cansado novamente, com fome e sede também. Assim Ele Se assenta ao poço em Sicar, esperando até que os discípulos retornem da aldeia vizinha com comida. Mas quando eles voltam, eles O encontram já alimentado e descansado. Ele havia recebido um refrigério diferente de qualquer um que eles poderiam ter trazido a Ele, ou que o sono poderia Lhe proporcionar. Ele havia Se alegrado no fruto do Seu trabalho. Ele tinha conhecido a alegria da colheita, bem como o trabalho da semeadura. Ele havia feito feliz uma pecadora pobre e descuidada.

 

Quão simples! Quão inteligível, repito, nos princípios de nossa humanidade comum! Não havia nenhuma mulher de Samaria em Marcos 4, nenhum pecador sendo despedido na alegria da salvação. Ele, portanto, precisava dormir para Se restaurar. Mas em João 4, Seu Espírito é revigorado pelo fruto de Seu trabalho, e Ele pode ficar sem comida ou sono. “Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis”, é Sua palavra aqui, em vez de usar a almofada que eles haviam providenciado.

 

Todos nós podemos entender tudo isso. Nossas sensibilidades humanas comuns estão no segredo.

 

Mas com toda essa proximidade para conosco, essa comunhão nessas formas e experiências e empatias da natureza que Ele havia assumido, Ele ainda era e sempre foi um Estrageiro no mundo. Ele toma distância enquanto nos mostra Sua intimidade. Isso é perfeito em glória moral! E isto é visto em Marcos 6, mencionado há pouco.

 

Os discípulos retornam a Ele, como vimos, após um dia de trabalho. Ele cuida deles. Ele traz o cansaço deles para bem perto d’Ele. Ele leva isso em conta exatamente como é, e provê para isso imediatamente, dizendo a eles: “Vinde vós, aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco”. Mas, sendo seguido pela multidão, Ele Se volta com a mesma prontidão para eles, reconhecendo-os como ovelhas que não têm pastor; e Ele começa a ensiná-los.

 

Em tudo isso, nós O vemos perto – pois alguma ou outra necessidade humana O havia exigido.

 

Mas havendo os discípulos se ressentido de Sua atenção à multidão, e instigado a Ele mandá-los embora, Ele os deixa saber quão distante Ele estava deles, no espírito de Sua mente. Ele age completamente contrário à sugestão deles, e, por fim, diz a eles para entrarem sozinhos no barco, enquanto Ele despedia a multidão.

 

A necessidade dos homens O trará para perto, o espírito do homem O manterá distante.

 

Mas, novamente, quando os discípulos no barco enfrentam novos problemas, Ele está novamente ao lado deles para socorrê-los e livrá-los.

 

Quão consistente nas combinações de santidade e graça é tudo isso! Sua santidade sempre O manteve à parte em um mundo tão poluído e egoísta; Sua graça sempre O manteve à mão e ativo em um mundo tão necessitado. E esses eram brilhos daquela plena glória moral que estava n’Ele. Certamente, podemos dizer, Sua vida era uma lâmpada no santuário de Deus, que não precisava de espevitadores ou apagadores de ouro. Nenhum escurecimento jamais a maculou.

 

O Senhor encontra os mesmos obstáculos e contradições aqui, em Marcos, como Ele encontrou nos outros Evangelhos. Fariseus e escribas se ressentem d’Ele, e O desafiam, e vigiam para enredá-Lo. A inconstância da multidão é a mesma, e a lentidão de coração e a incredulidade de Seus discípulos. Mas Ele passa adiante, de um serviço para outro, “fazendo o bem” como era Seu propósito e ocupação.

 

Aqui, no entanto, eu me desviaria um pouco, e observaria que no meio de todos os Seus serviços e humilhações, quer os encontremos aqui ou nos outros Evangelhos, a glória pessoal, divina, às vezes brilhará intensamente. Pois este Servo-Homem é Jeová. Na forma de um servo, obediente ao mais profundo e perfeito ponto de esvaziamento próprio, ainda assim Ele era em forma de Deus, e não teve por usurpação ser igual a Deus.

 

Ele trata com a lepra como somente o Jeová de Israel poderia lidar com ela. Ele alimenta os milhares de Seu povo como Jeová os alimentou antigamente. Os elementos se curvaram à Sua Palavra. Os demônios tremeram diante da majestade de Sua presença, e os homens sentiram isso às vezes. Ele concedeu o poder de fazer milagres, curar os doentes, limpar os leprosos, ressuscitar os mortos, expulsar demônios; e, como alguém disse, “enquanto qualquer homem, se for capacitado por Deus, pode operar uma maravilha, ninguém além de Deus pode conceder o poder de fazê-la”. O manto de Elias caiu sobre Eliseu; mas, ao usá-lo, Eliseu diz: “Onde está o SENHOR, Deus de Elias?” Mas foi em Seu nome, o nome de Jesus, que os discípulos que Ele havia enviado expulsaram demônios. Eles usaram em Seu nome o poder que Ele havia concedido a eles. “E voltaram os setenta com alegria, dizendo: Senhor, pelo Teu nome, até os demônios se nos sujeitam”.

 

O que eram todos esses senão sinais de uma glória oculta que era divina! Ele pode esconder aquela glória que era Sua, e escondê-la profundamente sob espessos véus de humilhação, fraqueza e serviço; mas era Sua, e ela pode se afirmar por si mesma. E deixe-me dizer, embora Ele mesmo a esconda, ainda que a incredulidade a obscureça ou confunda, Ele não dá lugar à incredulidade em tal caso. Ele pode descansar no presente sob o desprezo e rejeição dos homens, mas Ele não deixa a lentidão de coração de Seus santos sem resposta. Marta disse: “Sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá”; e novamente: “Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último Dia”. Mas o Senhor não dá lugar a nada isso. Ele repreende tais pensamentos, que obscurecem Sua glória. “Eu sou a ressurreição e a vida”, Ele diz; “quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em Mim nunca morrerá”. E Ele acrescenta, como com intenso significado, dirigindo-Se à condição de Marta: “Crês tu isso?”. Não era nem Deus dando uma resposta ao pedido de Jesus, nem era a virtude do último dia que Ele poderia permitir que a mente de Marta descansasse; Ele precisa fazer com que ela O alcance, em pensamento e fé, em Sua posição de plena glória pessoal.

 

“Estou há tanto tempo convosco, e não Me tendes conhecido, Filipe?” é do mesmo espírito. E profundamente bem-vindo à fé é tudo isso. Ela vê o véu, e o aprova para o presente; mas não vai, não ousa, não pode, ser descuidada com a glória que está sob ele.

 

Isso, no entanto, apenas por um momento, para que não sejamos menos conscientes de Quem é Aquele que está assim ao nosso serviço.

 

E agora (para retornar ao nosso próprio Evangelho) posso observar ainda mais, que há uma discrição em meio a essas atividades que adorna ou aperfeiçoa ainda mais o caráter deste bendito Servo de Deus. Em Decápolis, Ele leva o pobre surdo à parte; e quando a sós, Ele abre seus ouvidos, ordenando-lhe que não dissesse nada sobre isso (Marcos 7).

 

Nas fronteiras de Tiro e Sidom, embora as necessidades dos pecadores possam descobri-Lo ali, como em qualquer outro lugar, Ele “queria que ninguém o soubesse”. Marcos nos conta isso, mas Mateus passa por cima da mesma ocasião sem fazer alusão a ela.

 

E novamente, em Betsaida, Ele toma um cego pela mão, e o leva para fora da aldeia, e ali, em segredo, lhe dá a visão – e, despedindo-o, curado como estava, ordena-lhe que não entre na aldeia, nem que conte a ninguém na aldeia (Marcos 8).

 

Pois embora, como Testemunha de Deus, Ele tivesse que ser agressivo, e assim encontrar o ódio do mundo, como lemos em João (João 7:7), ainda assim, como o Servo de Deus, aqui em Marcos, Ele estava, da maneira que vimos agora, escondendo-Se, tanto quanto Seu serviço o admitia. O serviço nunca é perfeito sem isso. Um servo não deve conhecer a si mesmo. Ele deve conhecer apenas seu mestre, e estar muito disposto a que outros também não o conheçam, mas apenas seu mestre. E é assim com o Senhor. Ele continua com Sua obra; e, se isso chamar a atenção, Seu caminho ainda é continuar, e, sob novos serviços, ainda Se esconder. Isso é visto no capítulo 1. Simão e outros discípulos O seguem em Sua privacidade, dizendo: “Todos Te buscam”, como se a multidão quisesse torná-Lo público, torná-Lo um objeto – mas Ele apenas Se esconde sob novos trabalhos, respondendo a Pedro e dizendo: “Vamos às aldeias vizinhas, para que eu ali também pregue, porque para isso vim”.

 

E, de acordo com esse caráter de Sua caminhada, nós O encontramos, em certas ocasiões, velando Sua glória mais cuidadosamente neste Evangelho do que em outros.

 

Ao disputar com os fariseus sobre o sábado, Ele fala de Si mesmo, em Mateus, como “Quem é maior do que o templo”. Isso é ignorado aqui. E na mesma ocasião, tanto em Mateus quanto em Lucas, Seu senhorio do sábado é defendido em um estilo de autoridade consciente. Mas aqui é fundamentado simplesmente nisso – que “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem, por causa do sábado”.

 

Então, embora neste Evangelho tenhamos a visão no monte santo, ainda há algo ali deste velamento de Si mesmo.

 

Este foi o único raio da glória celestial que iluminou o triste caminho deste rejeitado Filho do Homem na Terra. Seu espírito, é verdade, estava sempre na luz do semblante de Seu Pai durante esses anos de serviço pelas cidades e aldeias da terra; mas Suas circunstâncias entre os homens eram solitárias e desanimadoras. Mas essa cena da transfiguração foi uma visitação da glória que cruzou Seu caminho por um momento, e estava cheia do reino dos céus. (É o reino em poder que é visto na transfiguração; seu departamento celestial sendo o principal.) Mas nosso evangelista tem alguma observação disso que lhe é peculiar. Ele nos diz que, quando o Senhor desceu do monte, “E logo toda a multidão, vendo-O, ficou espantada, e, correndo para Ele, O saudaram”. Suponho que, em alguma medida, a glória ainda estava pairando sobre Ele, como o rosto de Moisés brilhava quando ele desceu ao pé do Monte Sinai e ficou entre o povo novamente. Isso poderia ter levado o Senhor a um lugar de honra e notoriedade; mas apenas O mostra na forma mais perfeita de um Servo, que Se esvaziaria, ou Se tornaria sem reputação. O manto é rapidamente tirado, e o cinto é rapidamente colocado. O Senhor Se vira da saudação da multidão para a tristeza do pobre menino mudo, cujo pai o trouxera com um clamor por misericórdia – tão perfeito era Ele no espírito de serviço, que nem a glória no topo do monte, nem as saudações ao pé dele, poderiam enfraquecê-lo ou interrompê-lo.

 

E assim, na mesma ocasião, quando Ele vê a multidão correndo junta, como se fosse uma visão, é que Ele imediatamente cura o pobre menino, evitando, tanto quanto pode, a publicidade do milagre – e quando o menino é curado, Ele o pega pela mão e o levanta. Tudo isso é peculiar a Marcos.

 

Já observei que, neste Evangelho, o Senhor é mais o Fazedor do que o Mestre. Há, no entanto, um ensinamento, uma parábola, que é encontrada somente aqui. Quero dizer, a parábola da Semente que cresceu secretamente, em Marcos 4. Ela ocupa o mesmo lugar em Marcos que a parábola do Trigo e do Joio ocupa em Mateus – cada uma delas, em seu próprio evangelho, seguindo a parábola do Semeador.

 

Agora, nisto, por menor que seja, o caráter do Evangelho de Marcos ainda é preservado. A parábola do Trigo e do Joio nos dá uma visão do Senhor no lugar de autoridade – pois Ele tem servos e anjos sob comando, e Ele ordena a colheita como Lhe agrada. A parábola da Semente que cresceu secretamente, ao contrário, O exibe no lugar de serviço, e não de autoridade; pois é Ele mesmo que, no início, é o Semeador, e, no final, o Ceifador.

 

Isso é cheio de caráter. O que a princípio pode parecer uma exceção ao propósito geral do Evangelho (que, como dissemos, não apresenta nosso Senhor como um mestre), é encontrado em perfeita harmonia com ele; introduzindo assim uma testemunha de suas unidades, ou sua consistência divina consigo mesmo, de um tipo muito interessante.

 

E agora, ao encerrar esta parte do nosso Evangelho, e deixando nosso Senhor nestas cenas de Seu serviço, deixe-me observar aqui (o que de fato já observei em outro lugar), que Ele nunca reivindicou a pessoa que Ele curou.

 

Isso pode ser visto igualmente em todos os evangelistas; mas é uma característica muito marcante e bela em Seu ministério.

 

Ele nunca fez uma reivindicação para Si mesmo àquele a quem Ele havia curado, como se a bênção que Ele havia conferido pudesse criar um direito em Seu próprio favor. É dito para um, “Vai em paz”; para outro, “Toma a tua cama e anda”; para outro, “vai para tua casa” – ou palavras de espírito semelhante.

 

Ele não permitiria o pobre gadareno estar com Ele, embora ele o tenha pedido. Ele deixou a filha de Jairo, no seio de sua família. O menino que Ele curou ao pé do monte santo, Ele entregou a seu pai. O filho da viúva de Naim, a quem Ele ressuscitou, Ele entregou a sua mãe. Ele não reivindica nada com base no que Ele fez no caminho do serviço. A graça, eu posso dizer, não se desonraria assim. Sua natureza é dar, e não receber; repartir com os outros, e não enriquecer a si mesma. O tempo para a cura não deve ser o tempo para exigir. O espírito de Eliseu se ressentia do pensamento de receber dinheiro, e roupas, e ovelhas, e bois, depois de ter purificado um leproso. E o espírito do profeta era apenas o leve sopro do espírito do Filho. Jesus fez o bem e emprestou, sem esperar nada em troca. A graça teria faltado em uma de suas expressões mais sublimes se fosse de outra forma; mas sabemos que Ele veio para que n’Ele e em Seus caminhos ela pudesse brilhar, cheia das riquezas e glórias supremas que lhe pertencem.

 

Ele encontrou servos neste mundo, é verdade, mas eles eram o fruto de Seu chamado e da energia de Seu Espírito – o fruto, também, de afeições irrompidas em corações constrangidos por Seu amor. Ele chamou Levi, e Levi O seguiu; André e Simão, da mesma forma, e Tiago e João; e eles O seguiram. Mas Ele não os curou e depois os reivindicou. Maria se agarrou a Ele com amor fervoroso e grato, pois Ele havia expulsado sete demônios dela. Mas Ele não a havia reivindicado. O amor de um coração despertado a constrangeu; mas isso era outra coisa bem diferente.

 

Não sei se podemos admirar isso o suficiente. Há grande excelência nisso. E o primeiro dever de fé, bem como seu maior privilégio e atuação mais sublime, é ficar diante d’Ele e de Seus caminhos, adorando. Devemos cobrar de nosso coração que conheça esse segredo. Em vez de nos perguntarmos dolorosamente se estamos fazendo as retribuições adequadas à graça salvadora e vivificadora do Filho de Deus, devemos despertar para o desfrute d’Ele em Seus exercícios dessa graça. Nosso primeiro compromisso com a luz que brilha n’Ele é aprender com ela o que Ele é – calmamente, com gratidão e alegria, aprender isso, e não começar ansiosamente a nos medir a nós mesmos por ela, ou a procurar imitá-la.


J. G. Bellett

 

 
 

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