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ÍNDICE
Os Patriarcas
John Gifford Bellett
Cantares de Salomão
Parte 1
“Mas verdadeiramente habitará Deus com os homens na Terra? Eis que o céu e o céu dos céus não Te podem conter”.
Este foi o suspiro devoto do rei de Israel (também do escritor deste pequeno livro ao qual agora nos propomos, na graça do Senhor, apresentar diante de nós), quando a glória veio encher a casa que ele havia construído.
Mas assim foi. O Filho de Deus, Companheiro de Jeová, Aquele que estava com Deus e era Deus, Se manifestou em carne e conversou conosco aqui. Ele habitou com os homens na Terra. Ele habitou entre nós. Ele era Jesus. Nós O conhecíamos como Tal. Ele era um Homem, um Amigo, um Mestre e um Companheiro. Ele convidou à confiança. Ele buscou empatia e a transmitiu. E, como Homem, ainda O conhecemos – como verdadeiramente um Homem em meio às glórias mais brilhantes do céu agora, como uma vez Ele foi um Homem em meio às ruínas e tristezas da Terra – tão capaz, por meio da empatia, de ainda entender os sofrimentos de Seus santos, como quando Ele andou pelas ruas e caminhos daqui, levando nossas dores e tomando nossas enfermidades.
E o que Ele será para sempre? O mesmo Jesus Cristo. O domínio de todas as coisas será d’Ele como Homem. A cena pode mudar pela segunda vez, do atual templo no céu para o reino de glória, como a princípio mudou das cidades e aldeias daqui para o templo nas alturas, mas é “Cristo Jesus, Homem” Quem passa de uma cena para outra. Mistério precioso! Tendo a humanidade, uma vez assumida, nunca será abandonada. Foi encontrado um Templo para a glória, um Vaso para a bênção, uma Pessoa para a manifestação, um Instrumento para o exercício do poder e do governo, adequado aos conselhos da sabedoria divina e aos propósitos da bondade divina.
Homem aproximado de Deus
Desde o início de Seus caminhos, e ao longo deles, o Senhor Deus tem evidenciado Seu propósito de trazer Sua criatura – o homem – para muito perto de Si. A expressão disso tem sido diferente, mas ainda constante.
Nos dias patriarcais a intimidade era pessoal. Ele andou no meio da família humana, aparecendo pessoalmente aos Seus eleitos; não tanto empregando profetas ou anjos, mas tendo a ver com a própria ação.
Nos tempos de Israel, Ele não estava “na forma humana” como também não estava antes. Ele estava numa vestimenta mística. Mas ainda assim Ele estava perto deles. O Senhor na sarça ardente, a glória na nuvem, o Capitão armado em Jericó, falam desta proximidade. O Deus de Israel visto no trono de safira, a glória enchendo os átrios do templo, ou assentado entre os querubins, diz a mesma coisa. E as promessas: “Porei o Meu tabernáculo no meio de vós”, e “andarei no meio de vós”, e “os Meus olhos e o Meu coração estarão ali todos os dias”, testemunham igualmente esta comunhão desejada e propositada.
Então, no decorrer dos tempos, a assunção da Humanidade é um testemunho, posso dizer, que fala por si mesmo; e os caminhos de Deus manifestados em carne concordam com isso. Jesus veio “comendo e bebendo”. E continua o mesmo, depois que Ele Se tornou o Homem ressuscitado. Ele não tinha então, é verdade, uma moradia e refeição com Seus discípulos, como antes. Ele então, como antes, não entrava e saía entre eles. Eles não deveriam conhecê-Lo “segundo a carne”, como nos dias anteriores. Mas ainda havia completa intimidade. Havia muitas notas de autoridade consciente sobre Ele, isso é muito verdadeiro. Ele fala de todo o poder no céu e na Terra ser Seu. Ele abre o entendimento deles. Ele pronuncia a paz sobre eles em bases novas e de autoridade, Ele comunica o Espírito Santo, como o Cabeça da nova criação. Ele abençoou, como Sacerdote do templo, o único Sacerdote. Tudo isso Ele faz, como ressuscitado dentre os mortos, com poder consciente; mas, com tudo isso, Ele mantém a intimidade, intimidade amorosa e pessoal, tão próxima e querida como sempre, se não mais. Ele come e bebe com eles, como fez antes. Ele os chama de “irmãos”, como não havia feito antes de Sua ressurreição. Ele fala de ter um Deus e Pai com eles, como não tinha feito até então. Embora com toda autoridade Ele os envie para trabalhar, Ele ainda trabalha com eles – Marcos 16; Lucas 24; João 20. E embora Ele estivesse naquela época fazendo-lhes apenas uma visita ocasional, uma visita de vez em quando, como quisesse, durante quarenta dias (Atos 1:3), ainda assim Ele indica, por uma pequena ação, que, e em breve, toda essa distância e separação terminarão, e eles deviam “segui-Lo” até Seu lugar, ressuscitados e glorificados com Ele mesmo (João 21:19-23).
Intimidade presente e futura
Não permanece toda essa intimidade ainda? Desejamos e desfrutamos de intimidade por parte d’Aquele que eternamente nos ama? E quanto à presente dispensação, a mesma é provida e mantida, embora de maneira diferente. O Espírito Santo veio. O Espírito da verdade está em nós. Nosso corpo é nada menos que Seu templo vivo ou morada, enquanto o Filho, misticamente, nos levou ao céu em Si mesmo e com Ele (Efésios 2:6). Certamente nenhuma forma de comunhão que contemplamos é mais profunda e íntima do que esta. Se, pessoalmente, o Senhor Deus estivesse com os patriarcas e aceitasse um bezerro e um bolo por amor à hospitalidade – se, aos olhos de toda a congregação, Ele deixasse a glória encher os pátios do templo na alegria de sua habitação recém-descoberta – se, no “Homem Cristo Jesus”, o Senhor Deus andasse conosco e compartilhasse nossos períodos de descanso, trabalho e refrigério, conversando junto a um poço com um pecador eleito, ou deixando outro reclinar em Seu peito na ceia, e pergunte-lhe sobre os segredos que estavam naquele seio nos dias atuais. Ele nos tem, nos pensamentos e afeições de Seu próprio coração, no céu com Ele mesmo, e o Espírito Santo está aqui conosco, no meio dos pensamentos e afeições de nosso coração.
Será isto, pergunto, uma intimidade de natureza mais fraca? Isto é um retrocesso de Seu caminho de volta às Suas próprias perfeições e suficiência, ou em meio às glórias e principados dos anjos? Será isso reserva, como falam os homens? Isso é retirar-se ou arrepender-se da intimidade anterior com o homem, como se Ele tivesse ficado desapontado e desanimado? “Adão, onde você está?” era Sua voz. Mas será que a retirada de Adão forçou o Senhor a recuar? Deixe que esta Testemunha, esta Testemunha de nossos tempos, este Espírito que habita em nós, nos conduzindo em companhia de Si mesmo dessa maneira, nos diga. Todo o Seu caminho atual é apenas uma busca mais rica daquele propósito que surgiu, em forma infantil, nos dias de Gênesis.
E o que diremos desta intimidade em dias ainda futuros? Os homens redimidos ocupam o lugar da proximidade angelical do trono. As criaturas viventes e os anciãos coroados estão lá, e os anjos apenas os cercam, assim como o trono. A esposa do Cordeiro, a santa Jerusalém, traz a glória em seu seio. O Tabernáculo de Deus está com os homens e Ele habitará com eles.
Santa Aceitação da Proximidade Divina
Mas se tudo isso é assim, como certamente é, surge uma pergunta sagrada: Como devemos considerar isso? Com que espírito e de que maneira devemos agir de acordo com a verdade deste gracioso propósito de Deus? Devemos admiti-lo e acreditar em toda a simplicidade com que se revela. Este é o nosso primeiro dever. Não devemos de forma alguma recusar a ideia desta proximidade divina. Será que João, pergunto, recusou-se a deitar-se no seio de Seu Senhor, ou desculpou-se por fazê-lo? Não. Nem devemos, por humildade equivocada, questionar se interpretamos corretamente as muitas escrituras que declaram esta verdade. Devemos usar os privilégios que ela confere.
Mas com este uso dos seus privilégios devemos honrar as suas reivindicações. Pois esta presença de Deus é um elemento puro e também alegre. Antigamente, os sapatos deveriam ser tirados dos pés, quando aquela presença fosse adentrada, para expressar o sentimento de santidade que a caracterizava. Mas isso foi tudo. Nem Moisés nem Josué foram obrigados a se retirar; apenas que pisassem suavemente. Foram acolhidos e encorajados, ao mesmo tempo em que instruídos na santidade de tal intimidade.
Assim é nos Cantares de Salomão. A alma se gloria do amor de seu Senhor. Ela não se recusa a ouvir as mais ternas expressões dele, nem a recitar Seu bem conhecido desejo por ela; mas em tudo há uma indignidade reconhecida e sentida. Há a expressão dos pensamentos mais puros, embora mais íntimos – uma afeição rapidamente sensível à desconsideração a essas tão maravilhosas condescendências do amor divino, e diligência em nutrir na alma a resposta que lhes é devida. E desta forma, este pequeno livro dá um testemunho muito claro da verdade da intimidade de Deus com o homem e da maneira como ela deve ser recebida por nós. E ao fazer isso, apresenta-nos um grande mistério divino, que, da mesma maneira, obtém sua ilustração inicial e constante no livro de Deus – um mistério que agora deve prender nossos pensamentos por um tempo. Quero dizer o da Noiva e do Noivo.
Um Noivo sofredor
A Igreja é chamada de “esposa do Cordeiro”. Mas este título tem o seu significado. “O Cordeiro” é uma figura ou descrição do Filho de Deus que nos fala das dores que Ele suportou por nós. A alma entende isso bem; e, portanto, este título, “a esposa do Cordeiro”, nos diz que foi por meio de Seus sofrimentos que o Senhor a tornou Sua; que Ele a valorizou a ponto de abrir mão de tudo por ela. E desde o início Ele tem publicado esta preciosa verdade do evangelho.
Antes de Adão receber Eva, ele caiu num sono profundo, e do seu lado foi tirada uma costela, da qual foi formada aquela que mais tarde lhe foi apresentada como sua esposa. Isto testemunha o mistério que mencionei. Adão foi humilhado e Adão sofreu (quero dizer, claro, apenas no símbolo ou mistério), antes de ele receber Eva; tudo isso lançando de antemão a sombra da humilhação e do sofrimento do verdadeiro Adão, ao adquirir a Sua Eva para Si.
Depois Jacó teve que suportar o fardo e o calor de um dia longo e cansativo, antes que pudesse receber Raquel. A lei de seu povo, a lei de seu país e as exigências opressivas do cobiçoso Labão o colocaram nessas condições. Ele teve que suportar ser consumido constantemente pelo Sol e a Lua, trabalhar noite e dia, e prolongar seu exílio, ou ficar sem sua Raquel.
José, antes de obter sua Asenate, foi separado de seus irmãos.
A mesma coisa que vemos em Moisés. Ele também foi separado de seus irmãos. E ainda mais, ele ganhou Zípora. Ele a resgatou da opressão, depois abriu o poço para ela e seu rebanho, e então o pai dela reconheceu o direito dele reivindicar a mão dela. O mesmo acontece com sua segunda esposa. Ele teve que tomá-la à custa de seu bom nome junto aos seus próprios parentes; ela era uma etíope negra e isso não correspondia com os pensamentos de seu irmão e irmã. Mas ele suportou a reprovação e casou-se com a etíope.
Em cada um desses casamentos (tanto figurativos como reais) vemos o caráter do Noivo – vemos o Senhor Jesus Cristo tomando possessão de Sua Noiva a algum custo pessoal. Quer seja humilhação e sofrimento, como em Adão, trabalho árduo, cansaço e conflito, como em Jacó, separação e triste solidão, como em José, ou mera reprovação, como fazendo algo indigno d’Ele, como em Moisés, ainda assim é, em princípio, um Noivo sofredor que vemos.
E posso mencionar Boaz, outra figura do mesmo. Ele era um homem poderoso e rico, mas defende a causa de uma pobre respigadora em seus campos; ele permite suas aproximações e seu pedido, e a toma para si como esposa. Ele não tem vergonha de fazer de uma estrangeira destituída, que apenas um dia antes dependia da generosidade de sua mão, a companheira de sua riqueza e honra, e a construtora de sua casa e de seu nome entre as tribos de Israel. E assim o casamento de Boaz revela o mesmo mistério, que o Noivo da Igreja é Aquele que antes havia sido humilhado para redimi-la e torná-la Sua.
Não apenas, porém, esta grande verdade é apresentada em figuras e ilustrações, mas também no ensino claro da Escritura. É dito que Cristo amou a Igreja, depois Se entregou por ela, depois a santificou pela lavagem da Palavra – e tudo isso, para que pudesse apresentá-la dignamente a Si mesmo como Sua Noiva (Efésios 5). Aqui, doutrinariamente, ou na forma de ensino claro, temos o Cordeiro, o Noivo; pois antes de tomar a Igreja, Ele Se entrega por ela. Ele toma por esposa aquela que antes havia comprado com sangue.
Suportando a reprovação
Nas Escrituras do Velho Testamento, é ensinado o mesmo entre o Senhor e Jerusalém, que é, em princípio, o mesmo que Cristo e a Igreja.
Portanto, em Isaías é dito: “O teu Criador é o teu Marido... o teu Redentor” – toda a passagem mostrando Jerusalém tomada pelo Senhor em simples benevolência, Ele possuindo alguém que, como a etíope ou como Rute, poderia ser uma reprovação a Ele (Isaías 54).
Assim, Jeremias representa o Senhor na mesma graça, tomando Jerusalém mesmo depois de ela ter se mostrado infiel e ter sido despedida legal e judicialmente (Jeremias 3).
Oseias é feito representante do mesmo (Oseias 1-3). Ele compra sua esposa (Oseias 3:2), ele a lava e purifica, e também suporta a reprovação de se desposar a si mesmo com alguém tão inútil e perdida.
O mesmo ocorre na impressionante figura de Ezequiel. Jerusalém é vista em sua degradação repulsiva e ofensiva; mas quando nenhum olho teve compaixão dela, o Senhor não apenas teve compaixão, mas também a vivificou, lavou, vestiu, ungiu, embelezou e dotou-a, e não parou até que a tomou para Si (Ezequiel 16).
É assim que está nos ensinamentos ou nas vozes dos profetas, como nas primeiras figuras e sombras; ambas e todas contando o mistério, que o Cordeiro é o Noivo, que Aquele que no final a assenta na companhia de Sua glória, já havia redimido-a por Seu sangue, lavado-a e purificado-a por Sua Palavra e Espírito, sofrido reprovação por ela (Lucas 19:7), e descido até ela em sua ruína, antes que Ele pudesse levá-la ao Seu estado e honra.
Amor preeminente
Este é o mistério do Esposo divino. Todos os contos ou fábulas humanas ficam aquém disso, por mais fervorosa que seja a imaginação que os criou. Este é o mistério de um amor que excede todo entendimento entre Cristo e a Igreja. Ela deve amá-Lo pelo serviço que Ele lhe prestou; Ele deve amá-la pelo preço que ela O impôs. Ela se encontrará para sempre ao lado d’Aquele que a amou tanto que morreu por ela. Ele verá ao Seu lado alguém que O envolveu tanto que Ele estava disposto a seguir com Sua afeição, mesmo que o custo de amá-la exigisse (para falar à maneira dos homens) tudo o que Ele valia. Ele não pode deixar de valorizá-la supremamente, e assim também ela a Ele. Esta é a única diferença que pode ser observada – que Seu amor foi provado antes que ela se tornasse d’Ele, pois Ele havia calculado de antemão quanto Lhe custaria amá-la – o amor dela, mais tardio e mais acanhado, e apenas em segundo lugar, começou quando ela conheceu Seu amor por ela. Pois Cristo, como o Noivo (como em tudo o mais, seja em graça ou em glória, Colossenses 1), deve ter “a preeminência”. No caráter de Seu amor, Ele supera inteiramente o amor da noiva, e deixa o amor dela, por assim dizer, sem ser amor algum, por causa do amor que excede.
Mas tendo assim olhado para o Noivo, eu veria, da mesma maneira, a Noiva por um momento ou dois. Mas devo me limitar e, portanto, apenas traçá-la-ei conforme refletida no livro do Gênesis.
A noiva em Eva
Eva é, obviamente, a figura mais antiga. Nela vemos as características pessoais da noiva: ela é formada pelo Senhor para Adão. O regozijo de Adão em uma companheira foi o que o Senhor Se propôs para Si mesmo quando começou a formar Eva. Ele levou em conta a necessidade e o gozo de Adão nessa obra. E quando Adão recebe Eva das mãos do Senhor, suas palavras expressam sua satisfação por ela, vindicando a obra do Senhor, de que Sua mão havia cumprido o desígnio que Seu amor havia empreendido. Eva foi adaptada a Adão. Esta era toda a sua beleza pessoal. Ele a reconheceu como osso dos seus ossos e a carne da sua carne.
Tudo nela era atratividade. Ela correspondeu inteiramente às expectativas e satisfez o coração daquele para quem ela tinha sido formada. Ele a tomou e se apegou a ela (Gn 2); e isto, sabemos, é uma figura de Cristo e da Igreja (Efésios 5).
A mãe em Sara
Sara é a próxima mulher de destaque nesse livro; e ela também é uma pessoa mística. Mas não é a Noiva quem ela expressa, mas a Mãe. Portanto eu não a mencionarei particularmente. Pois Abraão é “o pai de todos os que creem” – e Sara é “a mulher livre” ou, numa alegoria, a “mãe de todos nós” (Gálatas 4), ligada à família de Deus no lugar de Mãe, e não com o Senhor como Sua Noiva. De modo que não vou falar sobre ela.
A noiva em Rebeca
Rebeca vem em seguida nesta linhagem santa, e nela temos a Noiva novamente, como em Eva. Mas grandes e abençoadas verdades relacionadas com a Noiva são contadas em Rebeca. Ela está separada de Isaque. Ele está longe e nunca a viu. Mas Rebeca é a escolha do pai e o cuidado de Eliezer, até que Isaque a receba. Isaque ansiava por ela. Isso é demonstrado por ele sair em solidão para meditar ao entardecer. Mas, além do sentimento desta solidão, não vemos Isaque fazendo ou sofrendo nada por ela. O conselho sobre a esposa é feito entre Abraão e Eliezer. Eles estabelecem todo o plano. E Eliezer, em belo serviço abnegado, trabalha duro e viaja para garantir esta Noiva eleita para Isaque.
E ele a protege. E ele a prepara para ele. Ele não apenas a separa de seus parentes e da casa de seu pai, mas a conduz através do deserto; no caminho, sem dúvida, contando-lhe muitas histórias sobre aquele de quem ela seria em breve – até que finalmente ele a entrega em segurança nas mãos de Isaque, e Isaque, como Adão, é consolado em sua Noiva.
Esta é uma bela luz na qual olhar para a Noiva; aquela que é trazida de uma terra distante para o seu senhor, tendo sido objeto da escolha do pai e dos cuidados do servo. Isto é um mistério. E nisso temos o Senhor recebendo Sua Noiva pelas mãos do Pai e do Espírito Santo, escolhida para Ele, e dada a Ele, Ele não tendo nada a fazer senão tomá-la em suas mãos, e encontrar nela, como Isaque encontrou em Rebeca, o alívio de sua solidão, a habitante de sua tenda e a companheira de todas as suas alegrias.
A noiva em Raquel
Raquel, a próxima na ordem, se mostra para nós. E nela temos a Noiva novamente, embora com um caráter diferente. Aqui encontramos aquele que deveria possuí-la e se regozijar nela, peregrinando e trabalhando arduamente por ela. E isso é tão verdadeiro, no mistério, quanto o outro. Pois, em certo sentido, Cristo só precisa receber Sua Noiva das mãos do Pai e do Espírito Santo, o dom de Um e a obra do Outro – mas, em outro sentido, Ele próprio foi para a terra distante, e (como já observei sobre o Noivo) trabalhou arduamente e foi reprovado e injustiçado por ela. Em tudo isso, Jacó representa o verdadeiro Noivo. O Senhor Jesus pessoalmente suportou o calor do dia sozinho. Ele não tinha onde reclinar a cabeça, como Jacó – ausente da casa de Seu Pai e do lugar de Sua herança – injustiçado repetidas vezes em um mundo que, como Labão e sua casa, sempre busca o que é seu; e ainda assim, suportando tudo isso, e disposto a suportar tudo isso, pelo amor que Ele tinha por aquela em quem Seus olhos pousaram; como os sete anos de serviço de Jacó lhe pareceram apenas alguns dias, por causa de seu amor por Raquel.
Este é um retrato muito impressionante da verdade quanto qualquer outro que já temos visto; aqui o mesmo mistério da Noiva ainda nos é proclamado, embora ainda numa parte distinta dele. Em Eva, tivemos a sua plena aptidão pessoal para o seu Senhor – em Rebeca a tivemos como objeto da eleição do Pai e do cuidado do Espírito, a fim de entregá-la a Cristo – em Raquel, a vemos como o prêmio, a quem o Senhor coloca diante de Seus próprios olhos, por cuja causa Ele Se entregará ao exílio, ao trabalho árduo e às injustiças. Conforme refletido em Isaque, Ele não tem nada a fazer por ela; conforme refletido em Jacó, Ele tem tudo a fazer por ela.
A noiva em Asenate
Asenate encerra essas maravilhas. Ela é a mulher da quarta geração dos patriarcas. Há a Sara de Abraão, a Rebeca de Isaque, a Raquel de Jacó e a Asenate de José. Ela agora, por sua vez, retoma a mesma história mística. Ela era gentia e de forma alguma estava ligada na carne a José como as demais estavam. A inimizade de seus irmãos lançou José entre o povo dela. E ele é honrado ali, e com estas honras estrangeiras e gentias recebe uma noiva e família gentia; e no seio dessa alegria inesperada ele está disposto a esquecer, por um tempo, a casa de seu pai, e a considerar-se frutífero ou feliz, embora entre estranhos.
Isto, em sua época, é tão cheio de significado quanto qualquer uma de nossas páginas anteriores neste conto da Noiva. Pois aqui temos a Noiva em seu caráter gentio e celestial. Aqui nos é contado um grande segredo; que esta mesma personagem, cuja beleza e características pessoais vimos em Eva; cuja eleição pelo Pai e condução sob a mão do Espírito vimos em Rebeca; e cuja compra para Si mesmo pelo árduo trabalho pessoal e tristeza de Cristo vimos em Raquel, é uma gentia, uma estrangeira, trazida à união com o Senhor, depois que Seus próprios parentes na carne O recusaram.
O deleite de Cristo em Seus santos
Tudo isso fala claramente ao ouvido do escriba que é instruído para o reino dos céus; ele traça o mistério da Noiva em tudo isso e ouve Eva, Rebeca, Raquel e Asenate contando partes distintas desse mistério. E como tudo isso nos testemunha o deleite que Cristo tem em Seus santos! Não é apenas que Ele os salvou pelo Seu sangue, mas eles são Sua coroa e Sua alegria, Sua glória e Seu deleite. Seu próprio amor e obra foram demonstrados em nós, mais altamente do que em qualquer cena de Seu poder. E este deleite de Cristo nos Seus santos exprime-se fortemente em cada um destes casos. Nós O amamos pelas tristezas que Ele suportou, e Ele ama a nós que valorizamos Seu amor dessa maneira (João 14:21). E se essas afeições não forem entendidas como acontecendo entre Cristo e o santo, se não permitirmos, sem reservas, essa satisfação um no outro, nossa alma não entrará muito naquela comunhão que a Escritura provê. Os Cantares de Salomão não serão entendidos se não permitirmos e não alimentarmos a ideia do deleite de Cristo nos santos, com a mesma certeza com que permitimos a ideia de que Ele os comprou e os santificou com Seu sangue.
Várias formas de amor
Mas esta comunhão deve brotar da inteligência da alma, ou será mero fervor natural. Quando Rute buscou pelos pés de Boaz e não voltou ao campo onde respigara, foi porque Noemi a estava instruindo mais sobre ele. Sua alma foi exposta à luz das palavras de Noemi e, depois de ter sido ensinada, ela deseja uma comunhão mais íntima com ele do que até então desfrutava. Ela busca a ele mesmo. O campo de colheita, onde ela era menos do que suas servas, é abandonado, e o lugar de pretendente a ele mesmo é assumido. Ela não pode mais se considerar menos do que uma de suas criadas. Ela busca o amor de um parente, pois sabe que ele é um parente. E isso é verdadeiramente abençoado.
O amor, ou desejo por outra pessoa, assume diferentes formas no coração. Existe o amor de piedade, o amor de gratidão e o amor de complacência. O amor da piedade considera seu objeto de alguma forma inferior a si e é cheio de ternura. O amor da gratidão, pelo contrário, considera o seu objeto acima de si e é cheio de humildade. O amor à complacência não olha necessariamente para cima ou para baixo, mas simplesmente para o seu objeto e está cheio de admiração. Mas, além disso, existe o amor pelos parentes. Tem seu fundamento na natureza e por isso é chamado de “afeição natural”. E esse amor de parentesco tem uma glória que é peculiarmente sua. Ele garante as intimidades mais profundas. Não há necessidade de se ajustar à presença do outro. Há total tranquilidade em sair e entrar. Expressões de amor não são consideradas intrusivas – não, elas são sancionadas como devidas e apropriadas. O coração sabe que tem o direito de se entregar ao seu objeto, e isso também, sem controle ou vergonha. Essa é a glória dessa afeição. O amor de piedade, de gratidão ou de complacência deve agir com decoro e de forma adequada. Mas o amor dos parentes, o amor daqueles que moram na mesma casa e que a natureza ou a mão de Deus uniu, sente o direito de se satisfazer e não teme ser repreendido. Veja, por exemplo, Cantares de Salomão 8:1. Esta é a sua característica distintiva. Nada admite isso, exceto ele mesmo. Isto é, num sentido pleno e profundo, “afeto pessoal”.
Pais e filhos, irmãos e irmãs, maridos e esposas (e devo acrescentar, amigos), sabem disso. Eles conhecem o seu direito de se entregarem, sem desprezo ou repreensão, às mais calorosas expressões do seu amor mútuo. E é a festa mais rica do coração. O amor de piedade tem o seu prazer, assim como o amor de gratidão e o amor de complacência; mas eles não garantem, em si mesmos e por si só, esses fervores pessoais. Pessoalmente, seus objetos podem estar abaixo, acima ou à distância, e devem ser abordados com o devido respeito a todos os seus direitos. Mas não é assim com os nossos parentes, porque são as suas pessoas e não as suas qualidades ou condições que constituem a base do nosso amor. Podemos lidar com eles sem desculpas ou reservas. Nesses casos é a própria pessoa que o coração abraça. Não são suas tristezas, seus favores ou suas excelências, mas é com ele mesmo que esse afeto lida e com quem conversa.
Interesse em si mesmo
Podemos receber um benefício de uma pessoa e ter a certeza de que o receberemos calorosamente, e ainda assim nos sentirmos pouco à vontade em sua presença. Nada é mais comum do que isso. A gratidão é despertada profundamente no coração e, ainda assim, são sentidas reserva e desconforto. Exige algo além da nossa certeza de sua boa vontade e de nossas plenas boas-vindas ao seu serviço, para nos deixar à vontade na presença de um benfeitor. E esse algo, acredito, é a descoberta de que temos interesse nele mesmo, bem como na sua capacidade de nos servir.
Isto descreve, a meu ver, a experiência da pobre mulher com o fluxo de sangue (Marcos 5). Ela conhecia a capacidade do Senhor de aliviar sua dor e sabia que era bem-vinda para se beneficiar disso. Ela, portanto, vem e extrai d’Ele a virtude sem reservas. Mas ela vem por trás d’Ele. Isso expressa seu estado de espírito. Ela sabe que é bem-vinda ao Seu serviço, mas nada mais além disso. Mas o Senhor ensina seu coração para mais. Ele faz com que ela saiba que ela está interessada n’Ele mesmo, bem como em Seu poder para favorecê-la. Ele a chama de “filha” e reconhece parentesco ou relacionamento com ela. Esta foi a única comunicação capaz de remover seus medos e tremores. Seu rico e poderoso Benfeitor é seu parente. Isso é o que seu coração precisava saber. Sem isso, no espírito de sua mente, ela ainda estaria “por trás d’Ele” (ARA). Mas isso lhe dá tranquilidade. “Vai em paz” pôde então ser dito, bem como “sê curada deste mal”. Ela não precisava ter reservas. Cristo não a trata como Tutor ou Benfeitor (Lucas 22:25). Ela tem interesse n’Ele mesmo e também em Seu poder para abençoá-la. E o mesmo acontece com os Cantares de Salomão. É o amor que garante a intimidade pessoal (a exemplo dos relacionamentos mais próximos e queridos) que este adorável livro respira. A era da união ainda não chegou. Mas é a hora do noivado e nós somos o Seu deleite. Na verdade, era assim antes que os mundos existissem (Provérbios 8).
Crendo em Seu Amor
Cremos nisso? Isso nos deixa felizes? Naturalmente desconfiamos de qualquer oferta que nos faça felizes em Deus. Porque nosso senso moral, nossa consciência natural, nos diz que perdemos todo o direito até mesmo às Suas bênçãos comuns. O mero senso moral será, portanto, rápido em se opor a isso, e questionará todas as ofertas de paz do céu, e estará pronto para desafiar a sua realidade. Mas aqui entra o vigor da mente espiritual, ou a energia da fé. A fé contradiz essas conclusões da natureza. Às vezes recusa-se a pensar de acordo com o sentido moral da natureza, assim como às vezes se recusa a agir de acordo com as reivindicações relativas da natureza. Em seu próprio lugar, os ditames do senso moral e as reivindicações da natureza são sagrados – como lemos: “não vos ensina a mesma natureza que é desonra para o varão ter cabelo crescido?” Mas ainda assim esses ditames não são supremos. Se Deus fizer Sua reivindicação ou fizer Sua revelação, as relações da natureza e o senso moral da natureza devem retirar sua autoridade. “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim não é digno de Mim”. E na revelação de Deus, a fé lê nosso abundante título de estar perto d’Ele e feliz com Ele, embora a consciência natural e nosso senso de adequação das coisas nos fariam pensar de outra forma. A fé se alimenta onde as sensibilidades morais da mente natural a considerariam presunção até mesmo pisar.
Pergunto, então: ponderamos, sem reservas ou desconfiança, o pensamento de tal amor por nós no coração de Jesus como este livro sugere? Isso nos faz felizes? Devemos o amor de filhos a Deus como nosso Pai, o amor de redimidos a Deus como nosso Salvador, o amor de discípulos a Jesus como nosso Mestre e Senhor. Mas qual é o amor que devemos por esse caminho do coração de Cristo para conosco? Como devemos corresponder a esse amor de uma maneira digna? Este livro, acredito, nos diz. Mas isso conduz a alma ao Santo dos santos. E que tristeza, e vergonha, e angústia de coração surgem, quando refletimos quão pouco estamos lá, e quantas histórias contra nós tudo isso sempre conta!
Os atributos do noivo
Cantares de Salomão não nos dá os caminhos da afeição de filhos, ou da afeição devida a um benfeitor. Mas eles nos dão, creio eu, a atuação do amor dos noivos, tanto no coração de Cristo como no nosso. O gozo de ouvir a voz do Noivo, posso dizer, cumpre-se aqui no coração do santo, como aconteceu na alma do Batista. E quais, eu perguntaria, são os atributos de uma afeição dominante como essa? Qual é o poder dela quando se instala em nós?
Quanto ao serviço, essa afeição o torna bem-vindo. Dizer que o serviço para o objeto desta afeição é “perfeita liberdade” é frio demais. Ela torna o serviço infinitamente gratificante, embora exija abnegação ou cansaço. E ela pode fazer a sua oferta sem se importar com a aprovação de algum olhar ou coração, a não ser aquele de quem se tornou seu objeto. Ela não se importa que outros sejam capazes de estimar seus caminhos. Ela tem todos os frutos desejados do seu serviço, se o seu objeto o aprovar, e dá apenas a sua presença no final do mesmo. Quanto à sociedade, esta afeição não deseja nada além daquilo que vem de seu objeto. Se não há cansaço no serviço, como temos dito, também não há aborrecimento na solidão. Tudo o que importa é a presença daquele que comanda o coração. Não há sensação de solidão, se apenas esse alguém estiver presente; não há sensação de saciedade, embora ele seja sempre presente. Quanto à autoridade na alma, ele ocupa o seu lugar, não preciso dizer, sem rival. É o homem do coração. Rompe as amarras e corta as cordas de outros desejos. Isso nos faz subestimar todas as coisas, exceto ele mesmo. Pode envolver outras coisas, mas isso é apenas passageiro. Ele está sempre olhando para o que lhe é próprio, mesmo que outras coisas estejam por algum tempo em primeiro plano. Ele olha para ela através das grades. As outras coisas são estimadas de acordo com sua conexão com ele. E controlará o que é errado e cultivará as tendências corretas do coração; pois ocasiões que poderiam ferir a vaidade ou gratificar o orgulho não são valorizadas ou perseguidas, enquanto o mantivermos; e ainda assim, para nos aprovarmos lá, fortaleceremos o coração e a mão para caminhos grandes e generosos.
O lugar supremo no coração
Que intensidade está aqui! E que pureza também! Refresca a alma pensar que fomos criados suscetíveis a tais afeições. Mas o aviso de alguém é oportuno. “Onde quer que uma paixão tenha essas propriedades, ou qualquer uma delas, visíveis nela, ela não pode evitar tornar-se prejudicial a Deus e a si mesma, a não ser que seja consagrada a Deus. A própria nobreza dela Lhe dá direito a ela.” Mas o mesmo nos diz que devemos procurar, não aniquilá-la, mas transfigurá-la. Ele diz: “Eu não gostaria que fosse engolido pela morte, o destino comum, mas seria enobrecido por um destino como o de Enoque e Elias, que, tendo deixado de conversar com os mortais, não morreram, mas foram transportados para o céu”.
É bom para nós ouvirmos isso. O coração tem sido feito profundamente suscetível a essa afeição, e Cristo é o Objeto oferecido por ele. Ele a Si mesmo Se propôs ao coração. Ele reivindica o lugar supremo em nosso coração. “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim não é digno de Mim”. Qualquer que seja a paixão da alma, é direito de Deus ter o mais alto exercício dela em relação a Si mesmo. Ela não O teria tratado como Deus se ela não Lhe tiver dado isso. Se cada uma das paixões de nossa alma não Lhe dá as maiores e mais ricas ofertas, não é uma paixão de adoração.
Isto podemos prontamente conceder, necessitando, no entanto, de aumento de graça para sermos adoradores nesse aspecto. Na linguagem de alguém; “como, entre os Judeus, havia unguentos odoríferos, que não era incomum nem ilegal usar ou dar a seus amigos, mas havia também uma composição peculiar de um unguento precioso, que Deus reservou para Seu próprio serviço, a perfumação de outros com tal unguento era um sacrilégio, portanto há graus regulamentados de amor que podemos nutrir pelos outros, mas há também um certo tipo peculiar de amor que pertence a Deus” (Êxodo 30:34-38). Devo acrescentar que é idolatria quando concedida a uma criatura, mas é adoração quando prestada a Ele.
O coração apegado a Cristo
Isto pode parecer uma verdade solene, mas é uma verdade feliz. Não é uma bênção saber que nosso Senhor reivindica nosso coração e afeições? Algum de nós, amados, leu “o primeiro e grande mandamento” sem, pelo menos às vezes, regozijar-se na graça que nos faria tal exigência? (Marcos 12:30). Será que não significa nada para nós que o próprio Deus valorize o nosso amor e que Ele nos diga: “Dá-me, filho Meu, o teu coração”? As virgens sábias deleitaram-se com tal verdade. Muitas saíram com elas, professando a expectativa comum. As tolas tinham lâmpadas. Elas ocuparam seu lugar na profissão comum. Mas as sábias calcularam o custo da ausência do Noivo e a esperança de Seu retorno. No espírito de suas mentes, elas disseram que, fosse Sua demora longa ou curta, elas ainda deveriam esperar, pois nada poderia satisfazê-las, exceto Sua presença. A noite de Sua ausência poderia ser longa ou curta – elas não sabiam dizer – elas não se comprometeriam a dizer. Pode ser, quanto à duração, uma noite de verão ou uma noite de inverno. Mas o coração delas reconheceu profundamente isso – que nada poderia encerrar, nada poderia transformar aquela sombra da morte em manhã, a não ser a presença restaurada do Noivo. Nisto a alma delas estava fixada. E, portanto, levaram vasos de óleo, bem como lâmpadas. Elas se prepararam para uma temporada noturna, contavam com um período sombrio, até que Jesus voltasse. A expectativa de seu coração apontava tão supremamente para Ele, que nada poderia transformar a esperança em desfrute, exceto a Sua presença; elas devem estar esperando, esperando e ainda esperando, até então. “Esperança até o fim” (TB) elas se propuseram a manter, pela graça que lhes seria trazida na revelação de Jesus Cristo. Foi uma esperança de adoração.
O frescor inicial desvaneceu, não tenho dúvidas. Isso pode sustentar a nós que estamos tão conscientes da letargia e da tolice do nosso coração. O brilho daquele momento em que a lâmpada foi acesa pela primeira vez diminui. “E, tardando o Noivo, foram todas tomadas de sono e adormeceram” (ARA). Mas a realidade do supremo deleite em Cristo e do desejo por Ele não havia desaparecido. Os vasos ainda estavam ao lado das virgens adormecidas. O óleo não precisava ser comprado, mas apenas usado novamente.
Como tudo isso, como numa parábola, fala do coração apegado a Jesus! E os Cantares de Salomão expressa o mesmo. E os nossos próprios poetas cantaram este amor, bem como estas canções místicas do Rei de Israel:
“Jesus tem possuído todos os meus poderes,
Minhas esperanças, meus medos, minhas alegrias,
Ele, o querido Soberano do meu seio
Ainda comandará minha voz.
Alguns dos coros mais belos acima
Se reunirão em torno do meu cântico,
Com alegria ao ouvir o nome que amam
Soar da língua de um mortal.”
O poder da afeição
A Igreja recebe inspirações como não estando acima da medida ou da melodia da alma. E queremos que esses afetos nos façam felizes e nos libertem. É um método divino para nos libertar da tirania dos desejos carnais ou mundanos. É a maneira do Espírito despojar outras atrações de seu poder de seduzir e encher o coração, e de elevar a alma acima das preocupações de ansiedades inferiores. Veja o poder dominante de tal afeição sobre a pobre pecadora em Lucas 7. Trabalhando em seu coração, ela ficou surda às censuras e cega aos esplendores do fariseu e seu banquete. Ela conhecia apenas seu Objeto. O banquete e os convidados passaram despercebidos por ela. Esse era o poder da afeição nela. E qual foi o valor disso para Cristo? Nada do que ela falou ou fez passou despercebido por Ele. Ele parecia estar em silêncio e ser apenas o Receptor passivo de suas ofertas; mas Ele havia notado todas elas. As lágrimas, o beijo, o unguento e tudo mais foram anotados no livro de Suas recordações e elas são lidas a partir daí, quando chegar a hora de abrir esse livro.
E veja o mesmo em Maria no sepulcro. Ela vê os anjos. E eles eram deslumbrantes, lindos em sua geração e maravilhosos aos olhos de carne e osso. Mas o que era todo o esplendor para ela então? O cadáver de seu Senhor era seu Objeto, a imagem afetuosa de seu coração, e até mesmo as glórias celestiais podem ser ignoradas na busca por Ele. O mesmo acontece com Davi de antigamente. Sua alma estava cheia de gozo no Senhor. Ele dançaria diante da arca, “perante Ele ainda hei de dançar” (AIBB); e se isso fosse uma vergonha, ele pretendia ser ainda mais vil. Tal como aconteceu com Zaqueu também, não um rei como Davi, mas um mero cidadão de Jericó (pois o Espírito une ricos e pobres, altos e baixos, gentis e simples, como falamos, numa só afeição), ele pressionava a multidão, e sem parecer pensar na estranheza do ato, subiu em um sicômoro em busca do desejo que então comandava seu coração.
Gostaria que isso, amado, fosse mais derramado em nosso coração! Como deveríamos aprender a entreter Cristo, como esta paixão entretém ou embalsama o seu objeto! E que céu será, quando Ele for nosso desta forma, alimentando esse fogo em nossa alma, e nos dando a conhecer, em Si mesmo e em Suas belezas, esse amor sublime sem esfriamento para todo o sempre!
Quem dera que nosso coração ansiasse por Ele! Isto é o que encontramos respirado nos Cantares de Salomão. Não é o amor filial ou o amor agradecido que enviaria uma mensagem como essa. Diga-lhe que “estou doente de amor” (JND). É mais do que isso. Essa não é a linguagem dessas afeições, mas essa é a linguagem dos Cantares de Salomão. E, portanto, não podemos dizer menos deste livro daquilo que ele é, de uma maneira mística, as declarações de Cristo e de uma alma viva e desposada – todas brotando da fé que dá à alma a feliz garantia de aceitação e favor com Deus através do Senhor Jesus Cristo.
J. G. Bellett
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