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O Filho de Deus - Parte 1/6


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O Filho de Deus

John Gifford Bellett 

 

Capítulo 1


“O Filho unigênito, que está no seio do Pai” (Jo 1:18)

 

Com certeza eu temo raciocínios onde afeição é o que deveria nos animar, e o afastamento do lugar do poder vivo por algo semelhante a uma região de noções ou teorias. Mas os mistérios de Deus são todos do mais alto valor prático, seja fortalecendo para o serviço, confortando sob provação ou ampliando a comunhão da alma.

 

O apóstolo fala de si mesmo e de outros como “ministros de Cristo” e também como “despenseiros dos mistérios de Deus”. E assim nós, em nossa medida, devemos ser ministros (isto é, servos), em toda prontidão e dedicação práticas e pessoais; pacientes, diligentes e úteis nos trabalhos; em todas essas coisas nas quais, alguns de nós podem perceber quão pequenos somos em comparação com outros.

 

E também nós, da mesma forma, devemos ser “despenseiros (mordomos) dos “mistérios”, mantendo íntegras e invioláveis as peculiaridades da revelação divina. Os homens racionais não poderiam recebê-las. A cruz era loucura para os tais, e “os príncipes deste mundo”, os filósofos, dizendo-se sábios, não conhecem “a sabedoria de Deus em mistério”. Mas esse mistério não deve ser rendido a eles de forma alguma. Nossa mordomia é nessas coisas. E o que é requerido do despenseiro é que ele seja achado fiel (1 Co 4:1-2).

 

A preservação e o testemunho da glória pessoal do Filho de Deus constituem a principal parte dessa elevada e santa mordomia. Observo João guardando essa glória com um zelo bastante singular. Há, por exemplo, medidas e métodos recomendados para lidar com corrupções judaizantes ou coisas parecidas. Na Epístola aos Gálatas, onde a simplicidade do evangelho é defendida, há uma súplica e um forte anseio em meio a um raciocínio solene e urgente. Porém, nas Epístolas de João, tudo é taxativo. Há uma sumária expulsão ou manutenção fora de tudo aquilo que não faz parte da unção do Santo, unção essa que ensina o Filho, bem como o Pai, a qual não admitirá que nenhuma mentira seja tida como a verdade, e a qual diz distintamente: “Qualquer que nega o Filho também não tem o Pai” (1 Jo 2:23).

 

Essa diversidade de estilo na sabedoria do Espírito tem seu valor, e devemos notá-la. A observação de dias ou o não comer carne são coisas que realmente depreciam a plena glória e liberdade do evangelho. Mas elas devem ser suportadas (Rm 14). Todavia, a depreciação da Pessoa do Filho de Deus não seria assim tolerada, nem teria um decreto aprovado em favor disso.

 

Uma simples viagem do Egito à Canaã não teria constituído uma verdadeira peregrinação. Muitos já haviam percorrido esse caminho sem serem estrangeiros ou peregrinos para com Deus. Não, embora a jornada fosse acompanhada de todas as provações e inconvenientes de uma região selvagem, tão árida e sem trilha, não teria sido uma peregrinação divina ou celestial. Uma vida meramente árdua e abnegada, mesmo que suportada com aquela coragem moral que convém  aos peregrinos de Deus na Terra, não será suficiente. Para que essa jornada seja a jornada do Israel de Deus, a ARCA deve estar em companhia deles, carregada por um povo resgatado do Egito por sangue, e dirigindo-se, em sua fé numa promessa, para Canaã.

 

Essa era a ocupação de Israel no deserto. Eles tiveram que conduzir a arca, acompanhá-la e santificá-la. Eles podiam revelar sua fraqueza e incorrer em castigo e disciplina de muitas maneiras, e em muitas ocasiões; mas se desistissem da sua ocupação principal, tudo estaria perdido. E isso realmente aconteceu. O tabernáculo de Moloque foi erguido, e a estrela de Renfã tomada; e isso apesar da arca de Jeová; e o arraial teve, portanto, seu caminho desviado de Canaã para Babilônia ou Damasco (Am 5; At 7).

 

E agora que arca está no meio dos santos para uma conduta segura, santa e honrosa, por meio deste mundo desértico, senão o nome do Filho de Deus? Que mistério está encomendado à nossa mordomia e testemunho, se não esse? “Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis” (2 Jo 9-10). O muro de separação deve ser erguido pelos santos, entre eles e a desonra de Cristo.

 

Cabe ao coração considerar o Senhor Jesus como Filho de Deus; e, se Ele próprio nos ajudar, o assunto será uma bênção para nós.

 

Somos batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28:19). Isso traz consigo a declaração formal do mistério da Divindade; o Filho como uma Pessoa divina (no reconhecimento ou declaração desta frase), como é o Pai e como é o Espírito Santo.

 

Outras Escrituras nos mostram o mesmo mistério (que o Pai, o Filho e o Espírito são três Pessoas em uma glória divina ou Divindade), de outras maneiras, em outros sentidos morais, apresentando esse mistério em sua graça e poder, e em sua aplicação à nossa necessidade, à nossa vida e à nossa edificação. O Evangelho de João em especial faz isso, demonstrando esse mistério de uma forma ordenada, como nas palavras do batismo, e mostrando-o ao nosso entendimento como santos, a nossas afeições e à nossa consciência, tornando-o nossa possessão em fé e comunhão.

 

Em conexão com isso, poderia observar que em João 1:14, os santos são ouvidos, por assim dizer, interrompendo a história das glórias de Jesus e selando, pelo testemunho deles, a grande verdade de que “o Verbo” foi “feito carne”. E, no fervor que os envolveu naquele momento, eles quebram ou interrompem a corrente de suas próprias declarações naquele versículo. Pois eles começam a falar do Verbo feito carne, mas, antes de terminar esse registro, eles publicam (em um parênteses)[1] Sua glória Pessoal, a qual eles dizem terem visto, até mesmo “a glória do Unigênito do Pai”. E desse Unigênito do Pai é falado, logo depois, como estando “no seio do Pai” – palavras a serem profundamente apreciadas por nossa alma[2] (v. 18). [1] N. do T.: As Versões J. N. Darby e King James colocam a frase “e vimos a Sua glória, como a glória do Unigênito do Pai” entre parênteses. [2]  Ele é πρωτοτοκος (prōtotokos) ou Primogênito em vários sentidos: e temos companheirismo com Ele, πρωτοτοκος ou Primogênito entre muitos irmãos. Mas Ele também é o μονογενης (monogenēs) ou Unigênito, e nisso Ele está sozinho.

 

Não há dúvida que o Senhor seja chamado de “o Filho de Deus” em diferentes aspectos. Ele é assim chamado por ter nascido da virgem (Lc 1:35). E Ele é tal por decreto divino, assim como em ressurreição (Sl 2:7; At 13:33). Isso é verdade e permanece verdade, embora outras revelações sejam feitas a nós de Sua Filiação divina. Ele é o Filho e, ainda assim, recebeu o nome de Filho (Hb 1:1-3). Mateus e Marcos falaram pela primeira vez de Sua Filiação de Deus em Seu batismo. Mas João vai ainda mais longe, até a imensurável e indescritível distância da eternidade, e declara Sua Filiação “no seio do Pai”.

 

E havia, não tenho dúvida, diferentes percepções d’Ele, diferentes medidas de fé tocando Sua Pessoa, naqueles que O invocavam. Ele próprio reconhece, por exemplo, a fé do centurião em apreender Sua glória pessoal, como sendo além do que Ele havia encontrado em Israel (Mt 8; Lc 7). Mas tudo isso de forma alguma afeta o que ouvimos d’Ele, que Ele era o Filho “no seio do Pai”, ou “a vida eterna, que estava com o Pai”, e foi manifestada a nós (1 Jo 1).

 

Não devemos, amados, tocar neste precioso mistério. Deveríamos temer ofuscar a luz daquele amor no qual nossa alma é convidada a andar em seu caminho para o céu. E – o que é um pensamento mais profundo e terno, se posso ousar expressá-lo – devemos temer admitir qualquer confissão de fé (ou melhor, na verdade, de incredulidade) que defraudasse o seio divino de seus eternos e inefáveis deleites, e que diria ao nosso Deus que Ele não conhecia o gozo do Pai naquele seio, quando Ele o revelou; e que diria ao nosso Senhor que Ele não conhecia o gozo do Filho naquele seio enquanto Ele estava lá desde toda a eternidade.

 

Não posso concordar com isso. Se existem Pessoas na Divindade, como sabemos que existem, não deveríamos saber também que existe um relacionamento entre Elas? Podemos ignorar tal pensamento? Não são revelados à fé o Pai, o Filho e o Espírito, o Filho gerado e o Espírito enviado? Certamente há. As Pessoas nessa glória não são  independentes, mas relacionadas.  Também não está além da nossa medida dizer que o grande modelo do amor, o abençoado modelo ou original de toda afeição relativa, é encontrado nesse relacionamento.

 

Será que poderia ficar satisfeito com o pensamento incrédulo de que não há Pessoas na Divindade, e que Pai, Filho e Espírito são apenas luzes diferentes nas quais a Única Pessoa é apresentada? A substância do evangelho seria destruída por tal pensamento, e poderia ficar satisfeito com o pensamento incrédulo de que essas Pessoas não estão relacionadas? O amor do evangelho seria ofuscado por tal pensamento.

 

Certa vez me perguntaram: “O Pai não tinha seio até o Bebê nascer em Belém?” Na verdade, estou plenamente certo de que, como essa pergunta sugere, Ele o tinha desde toda a eternidade. O seio do Pai era uma habitação eterna, desfrutada pelo Filho, no inefável deleite do Pai “o esconderijo do amor”, como alguém o chamou, “do amor inexprimível que está além da glória; pois a glória pode ser revelada, esse não pode.”

 

A alma pode ter permanecido sem se exercitar sobre pensamentos como esses, mas os santos não podem admitir que sejam negados.

 

“Cordeiro de Deus, o seio de Teu Pai

  Sempre foi o lugar da Tua morada!”

  

A alma não se atreve a render tal mistério aos pensamentos dos homens. A fé disputará esse terreno com as “filosofias e vãs sutilezas”. Mesmo os Judeus podiam repreender a dificuldade que alguns sentiam em relação a isso. Eles consideravam que a afirmação do Senhor sobre Sua Filiação equivalia a fazer-Se igual a Deus. De modo que, em vez de Filiação implicar uma Pessoa secundária ou inferior, no entender deles Filiação declarava igualdade. E, da mesma maneira, em outra ocasião alguns Judeus trataram Jesus como um blasfemo, porque Ele estava Se fazendo a Si mesmo Deus, em um discurso em que estava declarando o relacionamento de um filho com um pai (Jo 5:10). Assim, os Judeus poderiam, repetidas vezes, repreender essa dificuldade miserável e incrédula, a qual a “vã sutileza” do homem sugere. Eles eram sábios o suficiente para não pretender testar, pelo prisma dos raciocínios humanos, a luz onde Deus habita.

 

“Ninguém conhece Quem é o Filho, senão o Pai” (Lc 10:22), é uma sentença que pode muito bem checar nosso raciocínio. E a palavra, que a vida eterna nos foi manifestada, para nos dar comunhão com o Pai e o Filho (1 Jo 1:2), revela distintamente o mistério inestimável de o Filho ser da Divindade, tendo “vida eterna” com o Pai.  E novamente, como bem sabemos, está escrito: “O Filho unigênito, que está no seio do Pai, Este O revelou” (Jo 1:18 – ACF). Eu pergunto, alguém além de Deus pode revelar Deus? Em certo sentido, Deus pode ser descrito. Mas a alma da Igreja não descansará em descrições de Deus; embora a sabedoria do mundo nada saiba sobre isso. Isso exige uma declaração ou uma revelação d’Ele, que deve ser feita por Ele próprio. Não é então, eu pergunto, o Filho no seio uma Pessoa divina?

 

Nada pode explicar aquilo que a Escritura nos diz sobre este grande mistério, a não ser a fé nisto: que o Pai e o Filho estão na glória da Divindade, e que também estão nesse relacionamento, embora sejam iguais nessa glória. “Aquele que estava com Deus no princípio, tão eterno quanto Deus é, sendo o Próprio Deus, também era o Filho de Deus” – como alguém expressou, e então acrescenta: “Deus permite que muitas coisas permaneçam em mistério, em parte, creio eu, para que Ele possa, dessa forma, testar a obediência de nossa mente; pois Ele exige de nós obediência de mente, tanto quanto Ele exige obediência em ações. Essa é uma parte da santidade, essa sujeição de mente para com Deus; e isso é algo que somente o Espírito pode dar. Ele é o Único capaz de acalmar e humilhar aqueles poderes interiores da mente que se levantam e se aventuram a julgar as coisas de Deus, recusando-se a receber aquilo que não pode ser entendido; uma desobediência e orgulho que não têm paralelo, exceto na desobediência e orgulho de Satanás”.

 

Santa e oportuna advertência para nossa alma! “Quem é o mentiroso”, pergunta o apóstolo, “senão aquele que nega que Jesus é o Cristo?”. E ele imediatamente acrescenta: “É o anticristo esse mesmo que nega o Pai e o Filho”. E novamente, “Qualquer que nega o Filho também não tem o Pai” (1 Jo 2:22-23)! Estas são sentenças muito sérias sob o julgamento do Espírito Santo. E como pode haver conhecimento do Pai, senão por meio e no Filho? Como o Pai pode ser conhecido de outra forma? E, portanto, está escrito: “Qualquer que nega o Filho também não tem o Pai”. Posso dizer: “Aba, Pai”, no espírito de adoção; um poeta pode dizer: “Pois somos também Sua geração”; mas Deus não é conhecido como o Pai, se o Filho na glória da Divindade não for reconhecido (Rm 8; At 17). Claro que podemos estar sob autoridade divina, ou melhor, estar seguros de que estamos sob autoridade divina, que se a unção que recebemos permanecer em nós, permaneceremos no “Filho” e no “Pai”.

 

Pode o Filho ser honrado como o Pai, se Ele não for reconhecido na Divindade? (Jo 5:23). A fé n’Ele não é a fé de que Ele é um Filho de Deus, ou Filho de Deus como nascido da virgem, ou como ressuscitado dentre os mortos; embora essas sejam verdades a respeito d’Ele, sem dúvida. Mas a fé n’Ele é a fé em Sua própria Pessoa. Eu sei que não posso chamar Jesus de “Filho de Deus”, a não ser na fé da divina Filiação. O entendimento que nos tem sido dado, nos tem sido dado para conhecer “O que é verdadeiro”, como estando “No que é verdadeiro...  em Seu Filho Jesus Cristo”; e a isso é adicionado: “Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1 Jo 5).

 

Não é “a verdade”, no sentido da segunda Epístola de João, “a doutrina de Cristo”, ou o ensino que temos na Escritura a respeito da Pessoa de Cristo? E nesse ensinamento, não está contida a verdade da Filiação na Divindade? Pois o que é dito lá? “Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto o Pai como o Filho”. E a porta deve ser fechada contra aqueles que não trazem essa doutrina; a mesma epístola falando d’Ele como “o Filho do Pai”, linguagem que não se ligaria a Ele como nascido da virgem pela sombra do Espírito Santo.

 

Mas, além disso, pergunto: o amor de Deus pode ser entendido de acordo com a Escritura se essa Filiação não for reconhecida? Esse amor não obtém seu caráter dessa mesma doutrina? O nosso coração não é desafiado com base nisso? “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que n’Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3:16). Novamente, “nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 4:10 – ARA). E outra vez: “Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio d’Ele” (1 Jo 4:9 – ARA). E ainda: “vimos, e testificamos que o Pai enviou Seu Filho para Salvador do mundo” (Jo 3; 1 Jo 4).

 

Esse amor não perde imediatamente sua incomparável glória, se essa verdade for questionada? Como nossa alma responderia ao homem que nos diria que não era Seu próprio Filho a Quem Deus não poupou, mas O entregou por todos nós? Como o coração se murcharia ao ouvir que Tal Pessoa seria Seu Filho apenas como nascido da virgem, e que aquelas palavras, “Aquele que não poupou Seu próprio Filho”, deveriam ser lidas como humano, e não como divino? (Rm 8:32).

 

Devemos tomar grande cuidado para não qualificar a preciosa Palavra para atender aos preconceitos do homem. Foi com seu servo, ou com um estranho, ou apenas com um nascido em sua casa, que Abraão caminhou até Moriá? Foi com um filho adotivo, ou com o seu próprio filho, o seu verdadeiro filho, o seu único filho, a quem ele amava? Sabemos como responder a essas perguntas. E direi: Eu não sei como poderia falar do Filho amando-me e dando-Se a Si mesmo por mim (Gl 2:20), se não O recebi pela fé como Filho no seio do Pai, Filho na glória da Divindade.

 

O Filho é o Cristo. Deus, na Pessoa do Filho, empreendeu toda a obra de Sua função[3] para nós, todo o trabalho para o qual ser ungido ou ser o Cristo era necessário. E isso Ele fez na Pessoa de Jesus. Portanto, dizemos: “Jesus Cristo, o Filho de Deus”. O Unigênito, o Cristo e Jesus de Nazaré são um. Mas é em glória essencial da Sua Pessoa, em função e em Humanidade assumida, que O vemos sob esses diferentes nomes.

[3] N. do T.: A expressão original é “office work” que representa todo o Seu trabalho passado e presente quanto ao Seu Sacerdócio e Advocacia em favor dos Seus que Deus, na Pessoa do Senhor Jesus Cristo, empreende.

 

Seguimos Seu maravilhoso caminho desde a glória até receber a herança de todas as coisas. Que descobertas são feitas d’Ele, amados! Leia sobre Ele em Provérbios 8:22-31; João 1:1-3; Efésios 1:10; Colossenses 1:13-22; Hebreus 1:1-3; 1 João 1:2; Apocalipse 3:14. Medite n’Ele como lhe é apresentado nessas gloriosas Escrituras. Permita que elas lhe mostrem suas várias luzes, nas quais poderá ver Aquele em Quem você confia, Aquele que entregou tudo por você, Aquele que trilhou e está trilhando um tal caminho, e então me diga: Você pode se separar d’Ele ou disso?

 

Ele está no seio do Pai. Lá estava a vida eterna com o Pai; Deus, e ainda assim com Deus. Em conselho, Ele foi então estabelecido antes que a partícula mais alta do pó do mundo fosse feita. Então, Ele foi o Criador de todas as coisas em sua primeira ordem e beleza; depois, em seu estado de desordem e ruína, o Reconciliador de todas as coisas; e aos poucos, recongregar (ou encabeçar – JND) essas coisas, Ele será o Herdeiro de todas as coisas. Pela fé, nós O vemos assim, e assim falamos d’Ele. Dizemos: Ele estava nos conselhos eternos, no ventre da virgem, nas tristezas do mundo, na ressurreição dentre os mortos, na honra e glória de uma coroa no céu, e com toda autoridade e louvor na herança e senhorio de todas as coisas.

 

Remova-O do seio do Pai desde toda a eternidade e pergunte à sua alma se ela não perdeu nada em sua apreensão e gozo desse precioso mistério, assim revelado de eternidade a eternidade! Não consigo conceber um santo advogando uma causa tal como essa. Nem posso consentir em juntar-me a qualquer confissão que diga ao meu Pai celestial que não foi o Seu próprio Filho que Ele entregou por mim.

 

Se apenas pudéssemos seguir o pensamento com afeição, quão abençoado seria ver o Senhor ao longo de todo este caminho até o trono da glória!

 

E ainda mais. Em cada etapa dessa jornada, O vemos despertando o imutável e pleno deleite de Deus; e assim Seu gozo era no final tão pleno como era no início, embora com esse privilégio e glória que Ele tinha despertado esse deleite numa maravilhosa e bem-aventurada variedade. A Escritura também nos permite seguir esse bendito pensamento. Como Ele estava no seio por toda a eternidade, não precisamos – pois não podemos – falar desse gozo. Esse seio era “o esconderijo  do amor”; e o gozo que acompanhava esse amor é tão indescritível quanto o próprio seio.

 

Mas quando Seu Amado foi estabelecido como o centro de todas as operações divinas, ou o fundamento de todos os conselhos de Deus, Ele ainda era o deleite de Deus. Em tal lugar e caráter, O vemos em Provérbios 8:22-31. Nessa maravilhosa Escritura, a sabedoria ou o Filho é visto como o grande originador, e estruturador, e sustentador de todas as obras e propósitos divinos, estabelecido em conselho antes que o mundo existisse; como em várias Escrituras do Novo Testamento também O apresentam a nós. Veja João 1:3; Efésios 1:9-10; Colossenses 1:15-17. E em tudo isso Ele pode dizer de Si mesmo: “Então Eu estava com Ele, e era Seu aluno; e Eu era cada dia as Suas delícias, folgando [regozijando – JND] perante Ele em todo o tempo”.

 

Então, quando a plenitude do tempo chegou, o Filho de Deus Se colocou no ventre da virgem. Quem pode falar desse mistério? Mas foi assim. É, porém, apenas mais um momento e uma nova ocasião de gozo; e os anjos vieram anunciar isso e contar a esse respeito aos pastores nos campos de Belém.

 

Então, novamente, em uma nova forma, o Filho de Seu amor deveria seguir outro caminho. Por meio de sofrimentos e serviços como Filho do Homem, Ele é visto na Terra; mas tudo, e tão puramente, despertando um inefável deleite como nas eras ocultas da eternidade. “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo” (Mt 3:17); “Eis aqui o Meu Servo, a Quem sustenho, o Meu Eleito, em Quem se compraz a Minha alma” (Is 42:1), são vozes do Pai, falando desse gozo imutável, enquanto percorre o caminho de Jesus por meio desta Terra poluída.

 

E essa mesma voz, “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo”, é ouvida uma segunda vez; ouviu-se no monte santo, como na margem do Jordão; no dia da transfiguração como no batismo (Mt 17:5). E a transfiguração era o penhor e a figura do Reino, como o batismo era a entrada em Seu ministério e testemunho. Mas o mesmo deleite é assim despertado no seio do Pai, onde estava o Filho, quer os olhos de Deus O seguisse ao longo do caminho solitário de Jesus, o Servo num mundo poluído, quer nas alturas do Rei da glória, no mundo milenar.

 

Esse é o deleite n’Ele, deleite imutável e pleno, durante todo o caminho de eternidade a eternidade: nenhuma interrupção, nenhuma pausa no gozo de Deus n’Ele, embora fosse um gozo variado e multiforme, é o mesmo em sua plenitude e profundidade, deixando que as ocasiões prossigam e se desenvolvam como puderem. Aquele que desperta o gozo é o mesmo em todas as ocasiões, assim como o próprio gozo. Ele não pode conhecer diferentes medidas, embora possa conhecer diferentes fontes.

 

E Aquele que era igualmente Imaculado por todo o caminho, de eternidade a eternidade, tão Santo no ventre da virgem como no seio do Pai, tão sem mancha ao terminar Sua jornada quanto ao iniciá-la, tão perfeito como Servo assim como Rei, perfeição infinita marcando tudo, e igual condescendência repousando sobre tudo.

 

Se a alma estivesse impregnada com o pensamento de que esse Bendito (visto onde Ele estivesse ou como Ele estivesse) era Aquele próprio que desde toda a eternidade estava no seio divino; se tal pensamento fosse mantido vívido na alma pelo Espírito Santo, ele deteria muitas tendências na mente que agora o contaminam. Aquele que estava no ventre da virgem era o mesmo que estava no seio do Pai! Que pensamento! O Jeová entronizado de Isaías, a Quem os serafins alados adoravam, era Jesus da Galileia! Que pensamento! Tão imaculado como Homem quanto Ele era como Deus; tão imaculado em um vaso humano quanto no seio eterno; tão imaculado em meio às poluições do mundo quanto diariamente era como o deleite do Pai antes que o mundo existisse!

 

Que a alma seja imbuída desse mistério, e muitos pensamentos que surgem na mente receberão sua resposta imediatamente. Quem falaria, como alguns falaram, na presença de um mistério tal como este? Que essa glória seja descoberta pela alma, e a asa cobrirá o rosto novamente, e os pés serão descalçados novamente.

 

Acredito que os raciocínios divinos, na primeira epístola de João, sugerem que a comunhão da alma é afetada pela visão que temos do Filho de Deus. Pois nessa epístola, o amor se manifesta no dom do Filho, e o amor é nossa morada. Se, então, eu julgar que, quando o Pai deu o Filho, foi apenas o dom da semente da virgem, a atmosfera em que habito é abaixada. Mas se eu apreender esse dom como sendo o dom do Filho que está no seio do Pai desde toda a eternidade, minha percepção do amor se eleva e, portanto, também o caráter de minha morada. A comunhão da alma é afetada dessa forma.

 

Eu sei, de fato, conversando com os santos, que muitas almas, por meio da simplicidade da fé, desfrutam mais de uma medida mais baixa da verdade do que outras desfrutam de medidas mais altas. Mas isso não afeta os pensamentos e raciocínios do Espírito naquela epístola. Ainda é verdade que o amor é nossa morada, e que o caráter de nossa comunhão virá da apreensão desse amor. E por que, pergunto eu, devemos procurar reduzir o poder de comunhão e, assim, colocar em risco nosso gozo em Deus? A tristeza está nisso (se é que se pode falar pelos outros), nos importamos pouco com as coisas boas que temos d’Ele.

 

O Filho, o Filho unigênito, o Filho do Pai, esvaziou-Se para que pudesse realizar o prazer divino no serviço aos miseráveis pecadores. Mas será que o Pai admitirá isto, que os pecadores, por quem toda essa humilhação foi suportada, aproveitem a ocasião para depreciar o Filho? Isso não pode ser, como João 5:23 nos diz. Jesus havia declarado que Deus era Seu Pai, fazendo-Se Ele mesmo igual a Deus. Esta é a questão, Deus O justificará nessa afirmação?  E, no entanto, Ele provavelmente não será justificado nessa afirmação pelo pensamento daqueles que negam a Filiação na Divindade. Mas o Pai não receberá honra se não for prestada ao Filho, como lemos: “Quem não honra o Filho não honra o Pai, que O enviou” (Jo 5:23).

 

O Espírito foi dado, soprado, por Jesus ressuscitado (João 20). O Espírito Santo então procedeu d’Ele e, dessa forma, tornou-Se o Espírito. Mas será que se pensará que Ele não era “o Espírito” na Divindade antes? Nunca um santo pensará assim. E assim é com o Filho. Ele nasceu da sombra do Espírito Santo, e assim Se tornou Filho de Deus; mas, da mesma maneira, isso afetará o pensamento de que Ele era “o Filho” na Divindade antes?

 

Veja novamente a primeira epístola de João. Lá, ele se dirige a “pais”, “jovens” e “filhinhos” (1 Jo 2). E ele faz distinção entre eles:

 

Os “pais” são aqueles que “conheceram Aquele que é desde o princípio”. Eles perseveram “na doutrina de Cristo” e têm “tanto o Pai como o Filho”. A unção é poderosa neles, se assim posso expressá-la. Eles ouviram, por assim dizer, com profunda atenção de alma, a declaração do Pai pelo Filho (Jo 1:18). Tendo visto o Filho, eles viram o Pai (Jo 14:7-11). Eles guardam as palavras do Filho e do Pai (Jo 14:21-23). Eles sabem que o Filho está no Pai, eles no Filho e o Filho neles; eles não são deixados órfãos (Jo 14:18-20).

 

Os “jovens” são aqueles que “venceram o maligno”, aquele iníquo que estimula o mundo à negação do mistério do Cristo (1 Jo 4:1-6). Mas os “jovens” não estão no pleno poder desse mistério como estão os “pais”, e precisam de exortação; de modo que o apóstolo continua a advertê-los contra tudo o que pertence ao mundo, pois eles já tinham vencido aquele espírito que estava contradizendo a Cristo.

 

Os “filhinhos” são aqueles que “conheceram o Pai”. Mas eles são apenas “filhinhos” e precisam de advertência, ensino e exortação. O conhecimento que tinham do Pai era um tanto imaturo; não tão conectado com o conhecimento do Filho, “Aquele que é desde o princípio”, como era o dos “pais”. Ele, portanto, os adverte sobre os anticristos, descrevendo-os como aqueles que se colocam contra “a verdade” ou “a doutrina de Cristo”. O apóstolo os ensina que “qualquer que nega o Filho também não tem o Pai” (1 Jo 2:23); que, se a unção que receberam permanecer neles, certamente permanecerão no Filho e no Pai; e que a casa de Deus era de tal caráter que ninguém que não desfrutasse de tal unção poderia permanecer lá. Ele os lembra de que a promessa dada pelo Filho é a vida eterna. E, finalmente, ele os exorta a permanecer naquilo que a “unção” ensina, para que não se envergonhem no dia da Aparição do Filho.

 

É, portanto, tudo sobre a Pessoa do Filho ou “a doutrina de Cristo”, que esta notável Escritura trata. É o alcançar essa verdade, seu relacionamento com ela, e não seu caráter Cristão geral, que distingue os pais, jovens e filhinhos. Esses assuntos, portanto, têm em vista, de forma zelosa, o grande objetivo de toda a epístola, ou seja, o Filho de Deus. Pois a menção do Filho de Deus permeia tudo, do começo ao fim. Assim, é o sangue do Filho que limpa. É com o Pai que temos um Advogado; o que sugere que o Advogado seja o Filho. É no Filho que a “unção” nos faz permanecer. É o Filho que Se manifestou para destruir as obras do diabo. É em nome do Filho que somos ordenados a crer. É o Filho que foi enviado para manifestar o que é o amor. É a fé no Filho, que dá a vitória sobre o mundo. É a respeito do Filho que Deus dá testemunho. É no Filho em Quem temos vida. É o Filho que é vindo para nos dar entendimento. É no Filho em Quem estamos. É o Filho o verdadeiro Deus e a vida eterna.

 

Tudo isso nos é declarado nesta epístola sobre o Filho de Deus; e assim é o Filho o grande Objeto por toda a epístola; e os pais, os jovens e os filhinhos são distinguidos pelo apóstolo por causa da relação deles com aquele Objeto, creio eu, por causa da medida da apreensão da alma deles sobre esse Objeto. Tudo é, assim, divina e preciosamente consistente.

 

E nesta mesma epístola, João fala muito de amor e de justiça como partes necessárias ou testemunhos de nosso nascimento de Deus. Mas, em meio a tal ensinamento, ele fala de confissão certa ou errada de Cristo. Será que ele, pergunto eu, trata a confissão certa de Cristo como uma questão viva e prática e a confissão errada como especulativa? Pois, ele não dá, de modo algum, qualquer autorização para se fazer essa distinção. Todos são tratados como sendo igualmente de um só caráter, e ele nos faz saber que o exercício do amor e a prática da justiça não completariam o testemunho de uma alma nascida de Deus, sem o conhecimento e a confissão do Filho.

 

Se os olhos abertos de Isaías tivessem rastreado o caminho de Jesus pelas cidades e aldeias de sua terra natal, o quanto ele deveria ter sido mantido em adoração contínua? Ele havia sido levado a uma visão de Sua glória. Ele tinha visto o trono alto e sublime, Seu séquito [as abas de Sua veste – ARA] enchendo o templo e os serafins alados cobrindo seus rostos ao reconhecerem em Jesus, a glória da Divindade. Isaías “viu a Sua glória e falou d’Ele” (Is 6; Jo 12). E é da mesma visão, pela fé, que precisamos – a fé no Filho, a fé em Jesus, a fé em Seu Nome, a apreensão de Sua Pessoa, a percepção da glória, que está por trás de um véu mais espesso do que a asa de um serafim, a cobertura do galileu humilde e rejeitado pela Terra.

 

E deixe-me, para encerrar, lembrar o que o Senhor diz sobre dar o sustento à casa a seu tempo (Mt 24; Lc 12). Devemos ter cuidado para não corromper esse sustento. “Para apascentardes [alimentardes – KJV] a Igreja de Deus, que Ele resgatou com Seu próprio sangue”, diz um apóstolo (At 20:28). “Apascentai [Alimentai – KJV] o rebanho de Deus que está entre vós” (1 Pe 5:2), diz outro. E a Igreja de Deus, ou o rebanho de Deus, deve crescer com “o crescimento que procede de Deus” (Cl 2:19 – ARA). Linguagem maravilhosa!

 

Vamos vigiar, amados, contra a tentativa do inimigo de corromper o sustento da casa. As revelações de João sobre o Filho de Deus e de Paulo sobre a Igreja de Deus, são sustento no devido tempo agora; e não devemos temperar o alimento, armazenado por Deus para Seus santos, ao gosto ou raciocínio do homem. O maná deve ser colhido da forma como vem do céu e trazido para casa para alimentar o arraial itinerante com a comida dos anjos.

 

“Agora pois, irmãos, encomendo-vos a Deus” foi dito pelo Espírito Santo, “e à palavra da Sua graça: a Ele que é poderoso para vos edificar e dar herança entre todos os santificados” (At 20:32).

 


 J. G. Bellett

 

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