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Foto do escritorE. Dennett (1831-1914)

O Lar Cristão e Seus Deveres (Parte 1)


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ÍNDICE


 

Prefácio


O leitor encontrará neste pequeno volume uma exposição simples do ensino bíblico sobre a conexão entre o crente e sua família, e também sobre o que são chamados de deveres familiares. A importância da manifestação da vida Cristã no lar é geralmente admitida; mas, na verdade, quem ministra publicamente raramente aborda diretamente esse assunto. Mesmo assim, a maior parte da vida de muitos crentes está envolvida nos deveres familiares. O escritor, portanto, foi levado a pensar que uma consideração sobre as responsabilidades dos vários membros da família poderia ser oportuna e proveitosa. Que o próprio Senhor permita o uso do que foi escrito, quaisquer que sejam suas imperfeições, para Sua própria glória e para a edificação e bênção de Seus santos.


Blackheath, abril – 1877

 

O Cristão e as Relações Naturais


“Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e Se entregou a Si mesmo por mim” (Gl 2:20).


“Porque para mim o viver é Cristo” (Fp 1:21).


“Aquele que diz que está n’Ele, também deve andar como Ele andou” (1 Jo 2:6).


Antes de considerar, um pouco em detalhes, o assunto das relações familiares e suas responsabilidades, pode ser proveitoso chamar a atenção direta para a maneira como elas são tratadas pelo Espírito de Deus. Juntamente com a plena revelação da graça de Deus na redenção, pode ter existido uma tendência em algumas mentes de menosprezar os laços formados na natureza. De fato, devido à ignorância parcial e ao consequente mau entendimento de algumas partes da Escritura, essa tendência, durante a história da Igreja, às vezes encontrou expressão em formas censuráveis; e mesmo no presente momento, muitas vezes é observado que há muitos que estão sujeitos à mesma armadilha. Portanto, é de grande importância notar que a própria epístola – Efésios – que traz à tona a verdade mais completa quanto ao lugar do crente diante de Deus em Cristo, e quanto à Igreja, como o corpo de Cristo, também entra mais plenamente nas responsabilidades relativas aos nossos relacionamentos naturais. Assim, temos, de maneira mais acentuada, seu caráter obrigatório mantido, e isso por sanção e ordenação divina; e, ao mesmo tempo, um aviso de que, em todo o regozijo de nossos privilégios Cristãos, nunca devemos esquecer as reivindicações que foram estabelecidas sobre nós na Terra. É bem verdade que nossa posição diante de Deus não é na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em nós (Rm 8:9), porque fomos trazidos, por meio da morte e ressurreição de Cristo, dessa cena para uma nova; mas Deus nos envia de volta, por assim dizer, para assumir em terreno novo – no terreno da graça, e não no terreno da mera natureza – toda obrigação que nos incumbia como Suas criaturas em nossa antiga condição.


Isso ficará evidente se nos voltarmos para Efésios 4. A partir do versículo 17, temos exortações práticas, que fluem da verdade comunicada na parte anterior da epístola. E logo no início destes, em contraste com os gentios, que andam na vaidade de sua mente (vs. 17-19), o apóstolo diz: “Mas vós não aprendestes assim a Cristo; se é que o tendes ouvido, e nele fostes ensinados, como está a verdade em Jesus, que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano; E vos renoveis no espírito do vosso sentido [da vossa mente – ACF]; E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade. Pelo que deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros” (vs. 20-25). Então, mais adiante nos é dito, “E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no Qual estais selados para o dia da redenção” (v. 30). Temos, portanto, dois fatos grandiosos, que o crente revestiu-se (pois a exortação é fundada sobre o que é verdadeiro de nós em Cristo) do novo homem; e que ele é habitado pelo Espírito de Deus. Portanto, o próximo capítulo (5) começa com: “Sede pois imitadores de Deus, como filhos amados”. Assim, “criado segundo Deus” e Deus habitando em nós, Deus é o padrão de nossa caminhada, sendo Cristo a expressão de Deus na caminhada humana e, portanto, em relação às duas palavras que por si só dão a essência de Deus – amor e luz. Devemos andar em amor, como Cristo nos amou e Se entregou por nós em sacrifício a Deus. ‘Para nós’ era amor divino; ‘para Deus’ é perfeição de objeto e motivo.... Mas somos luz no Senhor (v. 8). Esse é o segundo nome na essência de Deus; e como participantes da natureza divina, somos luz no Senhor. Aqui, novamente, Cristo é o padrão: “Cristo te esclarecerá” (v. 14). O mesmo escritor observa ainda: “A reprodução de Deus no homem é o objetivo que Deus propôs a Si mesmo no novo homem; e isso o novo homem propõe a si mesmo, como ele mesmo é a reprodução da natureza e do caráter de Deus. Existem dois princípios no caminho Cristão, de acordo com a luz sob a qual ele se vê; percorrer sua corrida como homem em direção ao Objeto de seu chamado celestial, no qual ele segue após Cristo que subiu ao alto. Esse não é o assunto em Éfesios. Em Efésios ele está sentado nos lugares celestiais em Cristo, e ele tem como que sair do céu, como Cristo realmente fez, e manifestar o caráter de Deus na Terra, do qual, como vimos, Cristo é o padrão. Somos chamados, estando na posição de filhos queridos, a mostrar os caminhos de nosso Pai.


Tal é, então, a verdade quanto à nossa posição e responsabilidade. Somos feitos participantes da natureza divina; temos nos vestido do novo homem que segundo Deus é criado em justiça e verdadeira santidade; somos habitados pelo Espírito Santo; estamos assentados em Cristo nos lugares celestiais; e, portanto, temos que sair daquele lugar abençoado e, de acordo com o novo homem (não de acordo com o velho), assumir na Terra, no poder do Espírito, toda a responsabilidade que recai sobre nós, em virtude de nossos laços e relacionamentos naturais. É, portanto, como homens celestiais que temos que preencher nossos respectivos lugares na família e no lar. Assim, todo relacionamento que mantemos deve ser simplesmente uma esfera para a revelação de Cristo, para mostrar o que Ele é e o que Ele era quando estava aqui na Terra; pois “Aquele que diz que está n’Ele, também deve andar como Ele andou” (1 Jo 2:6). Lembrar disso tiraria muitas dificuldades do nosso caminho. Assim, na manutenção dos laços naturais, onde os crentes se encontram em sujeição aos incrédulos, a única questão é quanto à expressão de Cristo. Ele é a medida de toda responsabilidade e, portanto, Ele não pode consentir com uma única reivindicação que entre em conflito com Sua própria autoridade suprema. Portanto, nunca deveria ser: “Posso fazer isso?” ou “Devo fazer aquilo?”, mas simplesmente: “Posso fazer isso de acordo com o novo homem, andando no poder do Espírito?” Ou seja, a carne e a mera natureza devem ser rejeitadas; portanto, também nas relações familiares, “levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a Sua vida se manifeste em nosso corpo” (2 Co 4:10 – ARA). E assim, qualquer que seja a relação especial sustentada pelo Cristão – seja a de marido ou esposa, pai ou mãe, filhos ou servos – o único objetivo, em todos os casos, será a expressão de Cristo. Isso, em todos os casos, será a medida e o limite da nossa responsabilidade.

 

A Família como um Círculo de Graça


“Disse o Senhor a Noé: Entra tu e toda a tua casa na arca, porque te hei visto justo diante de Mim nesta geração” (Gn 7:1).


“Envia varões a Jope, e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro, o qual te dirá palavras com que te salves, tu e toda a tua casa” (At 11:13-14).


“E eles disseram: Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo, tu e a tua casa” (At 16:31).


Há sempre uma tendência em nosso coração de limitar a graça de Deus, uma relutância em acreditar tanto em Sua soberania quanto em Sua plenitude; e essa tendência às vezes é intensificada mesmo naqueles que insistem mais fortemente nas grandes verdades da redenção. Portanto, há uma necessidade contínua de examinar novamente até mesmo o que concebemos ser os ensinamentos irrefutáveis da Escritura; não com a visão de nos perturbar, ou de fomentar a incerteza, mas com o simples desejo de ser encontrado em todos os pontos em total sujeição à Palavra de Deus. Por exemplo, há muitos santos amados que negligenciaram o significado e a força das palavras que o apóstolo usou em resposta ao carcereiro: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa” (At 16:31). Vê-se a necessidade de fé individual e a promessa conectada de salvação individual; mas, para todos os fins práticos, a promessa adicional é muitas vezes esquecida. Da mesma forma, quando a pergunta é feita agora: “O que devo fazer para ser salvo?” a resposta é quase universalmente dada como: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo”; omitindo as palavras: “e tua casa”. É assim tanto na pregação oral quanto na escrita; e, consequentemente, há um estreitamento não intencional do círculo da graça de Deus.


Propomos, então, traçar o ensino bíblico sobre esse assunto – sobre a conexão da família com o crente; e acho que veremos que o princípio se aplica tanto nas dispensações passadas quanto nas presentes.


Noé e sua casa

Voltemo-nos, em primeiro lugar, para Gênesis 7:1: “Disse o Senhor a Noé: Entra tu e toda a tua casa na arca, porque te hei visto justo diante de Mim nesta geração” (Gn 7:1). Essa passagem é extremamente importante e, por essa causa, está redigida dessa maneira para que não haja dúvida alguma quanto ao seu expresso significado. O fundamento no qual o Senhor ordena a Noé que entre com sua casa na arca é: “Porque te hei visto justo diante de Mim nesta geração”. E se for questionado, que provavelmente todos os membros da família também eram “justos” diante de Deus, a história posterior de um dos membros – Cam (Gn 9:22-25) – exclui esse pensamento. A força da declaração, portanto, não pode de forma alguma ser diminuída, ou seja, que a família de Noé foi libertada do julgamento do dilúvio por causa da fé de sua cabeça. É verdade que não era salvação; mas era em figura (1 Pe 3:20-21); e certamente não era uma pequena bênção ser levado na arca por meio daquele poderoso dilúvio que, em juízo, dominou e desolou toda a Terra. “Assim foi desfeita toda a substância que havia sobre a face da Terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; e foram extintos da Terra: e ficou somente Noé, e os que com ele estavam na arca” (Gn 7:23). Assim, pela graça de Deus, toda a família foi tirada para fora do juízo, e colocada sobre a nova Terra, por causa da fé de Noé. Não só isso, mas o círculo da graça de Deus ainda estava ampliado; pois descobrimos que as esposas dos filhos também estavam incluídas nos misericordiosos propósitos de Deus; constituindo assim as oito pessoas das quais o apóstolo Pedro fala como tendo sido salvas “pela água” (1 Pe 3:20).


Abraão e sua casa

Passemos agora a outro exemplo registrado em Gênesis 12: “Assim partiu Abrão, como o Senhor lhe tinha dito… E tomou Abrão a Sarai, sua mulher, e a Ló, filho de seu irmão, e toda a sua fazenda, que haviam adquirido, e as almas que lhe acresceram em Harã; e saíram para irem à terra de Canaã; e vieram à terra de Canaã” (vs. 4-5). Não comentaremos mais sobre este caso agora (como teremos que fazê-lo ao lidar com outra parte do assunto) do que apontar o fato de que a família de Abrão foi trazida consigo da Caldeia e Harã para Canaã; e isso foi feito com base no mesmo princípio, como no caso de Noé, a família sendo ligada diante de Deus com sua cabeça.


Ló e sua casa

Tomamos, em seguida, o notável caso de Ló; e esse é o mais impressionante porque ele se afastou do caminho de fé, abandonou o caráter de um peregrino e se tornou um cidadão de Sodoma. Os fatos de sua história são familiares a todos nós: quem dera que suas advertências e lições fossem mais observadas! A longanimidade de Deus estava prestes a se transformar num justo julgamento, porque o pecado das “cidades da campina” era muito grave. Mas quando Deus destruiu essas cidades, Ele “se lembrou de Abraão, e tirou a Ló do meio da destruição, derribando aquelas cidades em que Ló habitara” (Gn 19:29). No entanto, não é sobre a conexão de Ló com Abraão que nos detemos, por mais significativa que seja para o nosso assunto, nem pelo fato de que ele foi libertado da destruição pela intercessão de seu tio, mas chamamos a atenção aqui para a família do próprio Ló. E descobrimos que o mesmo princípio é aplicado, que não foi apenas Ló, mas que também sua família foi poupada, ou teve a oportunidade de ser poupada, naquele dia de juízo devastador. “Então disseram aqueles varões a Ló: Tens alguém mais aqui? Teu genro, e teus filhos, e tuas filhas, e todos quantos tens nesta cidade, tira-os fora deste lugar; Porque nós vamos destruir este lugar, porque o seu clamor tem engrossado diante da face do Senhor, e o Senhor nos enviou a destruí-lo” (Gn 19:12-13). Deve ser lembrado que Ló, apesar de sua grave posição, era um “justo” (2 Pe 2:8); e, portanto, vemos, como nos outros casos, que Deus conectou a família de Seu servo a si mesmo, que Sua misericórdia e graça saíram e abraçaram todos os que estavam conectados com o “justo”, oferecendo-lhes a salvação do juízo que estava prestes a cair sobre aquela cena condenada, embora seus genros em incredulidade (e quem dirá o quanto isso havia sido gerado no coração deles pela conduta de Ló?) escolheram a morte em vez da vida. “Então, saiu Ló, e falou a seus genros, aos que haviam de tomar as suas filhas, e disse: Levantai-vos; saí deste lugar, porque o SENHOR há de destruir a cidade. Foi tido, porém, por zombador aos olhos de seus genros(v. 14).


Os israelitas em suas casas na Páscoa

A Páscoa pode ser considerada, a seguir, como um exemplo típico do princípio. O Senhor ordenou a Moisés: “Falai a toda a congregação de Israel, dizendo: Aos dez deste mês tome cada um para si um cordeiro, segundo as casas dos pais, um cordeiro para uma casa” (Êx 12:3). E mais uma vez: “E aquele sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes” (v. 13). É evidente, portanto, que a Páscoa foi celebrada por Israel, família por família, segundo o princípio de um cordeiro para cada casa; e que eles foram abrigados, família por família, por meio do sangue aspergido sobre suas respectivas habitações. Consequentemente, foi o ato do pai – sua obediência de fé – que garantiu à sua família imunidade contra o golpe do juízo que caiu sobre a terra do Egito. Assim como foi a fé de Noé que o levou à construção da arca, na qual toda a sua família foi protegida do dilúvio, também foi a fé dos pais na Páscoa no Egito que levou à aspersão do sangue sobre ambas as ombreiras e na verga superior da casa deles, de acordo com o mandamento do Senhor, pelo qual ele, seu primogênito, e sua família foram infalivelmente protegidos do juízo do destruidor. O estado da família não entrou na questão. O ponto essencial era a aspersão do sangue. A cabeça da casa obedeceu às instruções divinas? Ele matou o cordeiro e aspergiu o sangue? Se assim foi, nada poderia causar dano neles. “Porque o SENHOR passará para ferir aos egípcios, porém, quando vir o sangue na verga da porta e em ambas as ombreiras, o SENHOR passará aquela porta e não deixará ao destruidor entrar em vossas casas para vos ferir” (v. 23). É verdade que apenas o primogênito, até onde sabemos, teria morrido, se desabrigado pela falta do sangue, sob o golpe do juízo; mas o significado do sangue, figura como era do sangue do Cordeiro de Deus, foi muito mais longe, protegendo, em virtude de seu próprio valor, família por família, todo o Israel. Pois encontramos Moisés dizendo, quando ordenou a observância perpétua da Páscoa: “E acontecerá que, quando vossos filhos vos disserem: Que culto é este vosso? Então, direis: Este é o sacrifício da Páscoa ao SENHOR, que passou as casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu aos egípcios e, livrou as nossas casas” (Êx 12:26-27). Por isso, também, Moisés, quando o Faraó lhe perguntou: “Quais são os que hão de ir?” respondeu: “Havemos de ir com nossos meninos e com os nossos velhos; com os nossos filhos e as nossas filhas” (Êx 10:8-9); pois foi o sangue aspergido, como vimos, que os protegeu da destruição.


Figuras da mesma verdade podem ser encontradas em todo o Pentateuco. Veja, por exemplo: Levítico 16:17; Levítico 22:12-13; Números 18:11; Deuteronômio 12:7; Deuteronômio 14:26.


Raabe e sua casa

Antes de prosseguirmos para o Novo Testamento, podemos citar o caso de Raabe, um dos exemplos mais notáveis da graça registrados na Escritura, bem como um dos sinais mais claros do chamado dos gentios. O Espírito Santo até deu a ela um lugar especial entre os santos destacados pela fé em Hebreus 11. Examinando então a passagem em Josué 2, o que encontramos? Que ela foi a única exceção na destruição de Jericó e seus habitantes? Que sua fé valia apenas para si mesma? De forma alguma. Assim os espias lhe disseram, “Eis que, quando nós entrarmos na terra, atarás este cordão de fio de escarlata à janela por onde nos fizeste descer; e recolherás em casa contigo a teu pai, e a tua mãe, e a teus irmãos e a toda a família de teu pai. Será, pois, que qualquer que sair fora da porta da tua casa, o seu sangue será sobre a sua cabeça, e nós seremos inocentes; mas qualquer que estiver contigo, em casa, o seu sangue seja sobre a nossa cabeça, se alguém nele puser mão” (vs. 18-19 – ACF). E quando eles capturaram a cidade, Josué disse aos dois homens que tinham espiado a terra: “Entrai na casa da mulher prostituta e tirai de lá a mulher com tudo quanto tiver, como lhe tendes jurado. Então, entraram os jovens, os espias, e tiraram a Raabe, e a seu pai, e a sua mãe, e a seus irmãos, e a tudo quanto tinha; tiraram também a todas as suas famílias e puseram-nos fora do arraial de Israel... Assim, deu Josué vida à prostituta Raabe, e à família de seu pai, e a tudo quanto tinha; e habitou no meio de Israel até ao dia de hoje, porquanto escondera os mensageiros que Josué tinha enviado a espiar a Jericó” (Js 6:22-23, 25).


Entre os outros casos que consideramos, há esta diferença no caso de Raabe, ela não é a cabeça de uma família. É por essa mesma razão que o princípio familiar, ou o que pode ser chamado de a unidade da família diante de Deus, é mais notavelmente exemplificado. Ao que parece, aqueles que têm uma conexão familiar com uma pessoa crente recebem um lugar especial, tornando-se objetos de terno interesse de Deus. Como, de fato, encontramos na epístola aos coríntios: “Porque o marido descrente é santificado pela mulher, e a mulher descrente é santificada pelo marido. Doutra sorte, os vossos filhos seriam imundos; mas, agora, são santos” (1 Co 7:14).


Todos esses exemplos foram tirados do Velho Testamento; e agora surge a pergunta: Temos alguma reprodução do princípio na dispensação da graça? Se não tivermos, embora nossa alma possa ter proveito com a meditação sobre esses caminhos singularmente interessantes de Deus nos dias passados, essas revelações de Seu caráter e terno amor, não poderíamos concluir nada quanto à relação atual do crente com sua família. Se tivermos essa reprodução, então uma inundação de luz é derramada sobre nosso relacionamento familiar diante de Deus, e também sobre as solenes responsabilidades (e, podemos acrescentar, sobre os abençoados privilégios) da cabeça da casa ou da família.


Cornélio e sua casa

Vejamos em primeiro lugar, então, Atos 11. O apóstolo Pedro esteve com Cornélio e viu o Espírito Santo derramado sobre os gentios e, em virtude da comissão que foi confiada a Pedro, admitiu os gentios na Igreja de Deus na Terra. Quando ele e seus companheiros de circuncisão ouviram os gentios “falar em línguas e magnificar a Deus. Respondeu, então Pedro: Pode alguém, porventura, recusar a água, para que não sejam batizados estes que também receberam, como nós, o Espírito Santo? E mandou que fossem batizados em nome do Senhor” (At 10:44-48). Mas quando ele voltou a Jerusalém, “disputavam com ele os que eram da circuncisão, dizendo: Entraste em casa de varões incircuncisos e comeste com eles” (At 11:2-3). Em resposta a essa reclamação, Pedro descreveu todas as circunstâncias que levaram à sua visita, declarou sua visão e explicou que foi sob a direção expressa do Espírito de Deus. Além disso, ele lhes contou como Cornélio havia recebido ordem de um anjo com estas palavras: “Envia varões a Jope e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro, o qual te dirá palavras com que te salves, tu e toda a tua casa” (At 11:4-14; compare At 2:38-39).


Aqui, então, já no início do Cristianismo, temos o reaparecimento da conexão da casa com sua cabeça; e passando para o capítulo 16, encontramos exatamente a mesma coisa declarada pelo apóstolo Paulo em resposta ao carcereiro. “Crê”, diz ele, “no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo, tu e a tua casa”(v. 31). A coincidência é mais notável a partir da concordância exata das palavras empregadas. Isso será visto com mais nitidez se o grego for citado. Pedro (repetindo as palavras do anjo) diz: “Quem te dirá palavras pelas quais (σωθήσηςί καί πίς ί οίκός σου) serás salvo, e toda a tua casa”. Paulo, falando ao carcereiro, diz: “Crê no Senhor Jesus Cristo, e (σωθήση σί καί ί οίκος σου) serás salvo, tu e a tua casa”. Será assim visto que Paulo usa exatamente as mesmas palavras (com a única exceção de “toda”) que Pedro, e na mesma ordem. Concluímos desse fato, visto que é impossível supor que a concordância seja acidental, que elas compõem uma fórmula que expressa uma verdade bem conhecida. Em segundo lugar, o significado da concordância é aumentado pelo fato de terem sido usadas em um caso pelo apóstolo da circuncisão, e no outro pelo apóstolo da incircuncisão, embora em ambos os casos relativos aos gentios.


O princípio divino

Assim, temos o princípio que, como vimos, se aplica ao longo das dispensações passadas e é declarado no presente pelos dois principais representantes do Cristianismo. Pedro, por um lado, “testemunha dos sofrimentos de Cristo”, e, por outro lado, Paulo, que recebeu seu apostolado do Senhor na glória, se unem ao proclamar que há uma conexão na graça de Deus entre o crente e sua família. A incredulidade pode procurar deturpar o significado ou diminuir a força das palavras, mas aí estão elas, a declaração indelével dos caminhos de Deus, revelando também para nós o Seu coração, proclamando, como o fazem, a santidade do relacionamento familiar, a unidade da família, de fato, aos Seus olhos.


Devemos ter muito cuidado, no entanto, para não ir além da intenção divina; e, portanto, devemos agora procurar verificar o significado da conexão.


Em primeiro lugar, então, observe-se muito claramente que isso não significa que a fé do chefe da família garanta a salvação de seus membros. Nenhuma verdade é mais evidente na Escritura do que a de que não pode haver salvação sem fé individual. Os exemplos de Cam, Esaú, os filhos de Eli e de Samuel e Absalão são solenes advertências de que a fé dos pais não pode salvar seu filho. Isso deve sempre ser repetido nas notas mais enfáticas; pois enquanto, por um lado, não ousamos contrair o círculo da graça de Deus, por outro lado, não podemos, não devemos, expandi-lo. Ao mesmo tempo em que lutamos fervorosamente pela unidade da família diante de Deus, devemos também defender que cada membro da família precisa crer no Senhor Jesus Cristo para a salvação. Que não haja equívoco ou erro sobre este ponto; pois o erro aqui seria do tipo mais fatal.


Mas, em segundo lugar, embora não seja uma questão de salvação individual, a casa do crente tem um lugar especial de privilégio, aos olhos de Deus, sobre a Terra. Os filhos estão ligados ao pai crente e, portanto, são vistos como em conexão exterior com o povo de Deus – como separados para Ele na Terra e na esfera da ação imediata do Espírito Santo. Essa é a força, julgamos, da passagem já citada: “Agora eles (os filhos de um pai crente) são santos”. Pois santidade significa separação para Deus; e como não pode ser neste caso santidade intrínseca (nem a santidade que o crente tem em Cristo), só pode significar separação exterior; isto é, eles estão separados, por assim dizer, do mundo e conectados com aquilo que leva o nome de Cristo na Terra, e que é a habitação de Deus por meio do Espírito. Assim, em Efésios e Colossenses, as famílias dos crentes – esposa, marido, filhos, pais, servos e senhores – são incluídas nas exortações dadas, cada classe sendo abordada separadamente. E nesse fato está o fundamento da responsabilidade do crente de governar sua casa para o Senhor.


Se, portanto, admiramos, por um lado, a abundante graça de nosso Deus, abraçando e derramando-se em nossa família, não devemos esquecer, por outro lado, as responsabilidades que daí decorrem; pois privilégio e responsabilidade estão sempre conectados. O Senhor nos capacita a conhecer nossas respectivas responsabilidades em Sua própria presença e nos dá graça para cumpri-las, para que Seu nome seja glorificado em nós e em todos os membros de nossa família!

 



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